RESUMO: O presente artigo objetiva fazer uma breve análise acerca das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nos julgamentos dos Recursos Extraordinários n.º 630322 e 540970, nos quais se entendeu pela competência da Justiça Estadual para processar e julgar as ações regressivas acidentárias propostas pelo INSS com fundamento no artigo 120 da lei n.º 8.213/91.
Palavras - chave: Competência. Ação Regressiva. INSS.
INTRODUÇÃO
A ação regressiva acidentária é o instrumento processual por meio do qual o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS busca obter o ressarcimento das despesas decorrentes do pagamento de prestações previdenciárias originadas em razão danegligência quanto às normas de segurança e higiene do trabalho.
O seu fundamento legal é extraído do artigo 120[1] da lei 8.213/91 queimpõe à autarquia previdenciária o dever buscar dos responsáveis os valores despendidos pelo Instituto naquelas hipóteses.
Trata-se de demanda cuja função, para além de reaver os custos com as prestações pagas, possui importante caráter pedagógico, incentivando os empregadores a adotarem as medidas preventivas impostas pela legislação, sob pena de terem que arcar com todo o custo decorrente da sua negligência.
A despeito da sua importância, e do considerável aumento no número de ações ajuizadas no país nos últimos anos[2], a competência para processar e julgar demandas desta natureza ainda é tema polêmico que divide tanto a doutrina como a jurisprudência.
Ao analisar a questão nos Recursos Extraordinários n.º 630322 e 540970[3], o Supremo Tribunal Federal entendeu que a competência para apreciar estas ações é da Justiça Estadual.
Entretanto, o posicionamento firmado pela Corte Suprema, data maximavenia, não se sustenta diante da análise mais atenta dos seus fundamentos.
DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL
As decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional nos RE 540970 e630322possuem ementas semelhantes, a saber:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL PARA PROCESSAR E JULGAR A CAUSA. PRECEDENTES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 501 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.”
(RE 540970 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 20/10/2009, DJe-218 DIVULG 19-11-2009 PUBLIC 20-11-2009 EMENT VOL-02383-05 PP-00968)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA. COMPETÊNCIA. SÚMULA N. 501 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(RE 630322, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 22/12/2010, publicado em DJe-031 DIVULG 15/02/2011 PUBLIC 16/02/2011)
Consoante se pode inferir, em ambos os casos a Suprema Corte entendeu pela competência da Justiça Estadual para apreciar as ações regressivas acidentárias, fundamentando a sua posição com a aplicação da sua súmula 501[4],por entender que aquelas ações possuíam naturezaacidentária.
Com a devida venia, este entendimento está equivocado.
Isto porque, o posicionamento cristalizado no enunciado 501 foi concebido para as ações propostas pelo segurado em face do INSS visando o recebimento de prestações previdenciárias acidentárias.
Da análise dos precedentes que deram origem a edição daquela súmula (CJ 3893; Publicações: DJ de 15/3/1968; CJ 4760; Publicação: DJ de 28/3/1969; CJ 4925; Publicação: DJ de 11/4/1969 e CJ 4882; Publicação: DJ de 5/5/1969),verifica-se que eles foram forjados em demandas que discutiam o pagamento pelo INSS de seguro por acidente de trabalho previsto na lei 5.316/67.
Buscavam-se, naqueles casos, prestações previdenciárias do INSS previstas naquela lei e não a devolução delas pelo responsável pela situação que dera causa ao seu pagamento.
Como se vê, é inaplicávela súmula 501 às ações regressivas acidentárias, até porque essas demandas têm objetivo diverso daquelas que deram origem ao referido entendimento sumular. Nelas não se busca o pagamento de benefício previdenciário. Pretende-se, como já ressaltado, obter o ressarcimento das despesas que a Autarquia Previdenciária.
Resta evidenciado, assim, que os casos que deram origem à edição da súmula 501 versavam sobre situações distintas daquelas previstas nas ações regressivas, entendimento que se reforça pelo fato de aquela súmula ter sido aprovada na sessão plenária de 03/12/1969, época em que sequer havia previsão legal expressa para as ações regressivasacidentárias, as quais somente foram positivadas posteriormente com o advento da lei n.º 8.213/91.
À toda evidência, a súmula 501 do STF não guarda relação comas ações regressivas acidentárias.
Não bastasse isso, outro ponto que afasta a competência da Justiça Estadual é o fato de as demandas regressivas não estarem abarcadas pelo conceito de causas “de acidentes de trabalho” a que alude o artigo 109, I da Constituição Federal[5].
Com efeito, nas ações regressivas não se discute propriamente a ocorrência de acidente de trabalho, pois este, na maioria das vezes, já está comprovado nessas ações.
O que se pretende nessas demandas é demonstrar a culpa dos responsáveis pela negligência decorrente da inobservância das normas de segurança do trabalho, permitindo assim que o INSS seja reembolsado das despesas desprendidas.
Seu fundamento, portanto, é a responsabilidade civil das empresas pela negligência com as normas trabalhistas e não a ocorrência de acidente em si, o que justificaria, nesse caso, a atração da competência para a Justiça Estadual.
Em verdade, a exceção prevista no artigo 109, I da Norma Fundamental se refere às demandas propostas pelo segurado em face do INSS na linha das súmulas 501 do STF e 15[6] do STJ.
Nesse sentido já decidiu o STF[7]:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO ACIDENTÁRIA AJUIZADA CONTRA O INSS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. INCISO I E § 3O DO ARTIGO 109 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 501 DO STF. A teor do § 3o c/c inciso I do artigo 109 da Constituição Republicana, compete à Justiça comum dos Estados apreciar e julgar as ações acidentárias, que são aquelas propostas pelo segurado contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, visando ao benefício e aos serviços previdenciários correspondentes ao acidente do trabalho. Incidência da Súmula 501 do STF. Agravo regimental desprovido.
(RE 478472 AgR, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 26/04/2007, DJe-028 DIVULG 31-05-2007 PUBLIC 01-06-2007 DJ 01-06-2007 PP-00056 EMENT VOL-02278-05 PP-00935 RDECTRAB v. 14, n. 156, 2007, p. 78-81 RLTR v. 72, n. 1, 2008, p. 97)
Em seu voto condutor, o Ministro Carlos Britto esclareceu:
“(...)
6. Ora, no presente caso, a matéria é inteiramente diversa: a autora pretende o reconhecimento, em juízo, de acidente de trabalho não admitido pelo Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, e a consequente condenação da Autarquia ao pagamento do benefício previdenciário e à prestação dos serviços correspondentes. Como não podia deixar de ser, o pedido foi deduzido contra o INSS; a lide se instaurou entre segurado e seguradora, por assim dizer. Logo, cuida-se de típica ação acidentária, que via o benefício previdenciário em si e não se confunde com a ação de indenização por danos morais e patrimoniais sofridos pelo acidentado. Em tal hipótese – ação acidentária -, a competência é da Justiça comum dos entes federados, conforme disposição expressa da Constituição Republicana (inciso I e§3.º do artigo 109).”
De se notar ainda que nas demandas regressivas não se questiona o pagamento de benefício previdenciário, isto é, se é devida ou não a prestação, o que nelas se pretende é,por meio da demonstração da inobservância das regras de segurança e higiene do trabalho, exclusivamente o ressarcimento dos valores que já foram pagos pela autarquia previdenciária.
A natureza da ação regressiva acidentária é, destarte, de uma ação de cobrança proposta pelo INSS na qual se discutirá a responsabilidade civil do empregador.
Em estudo sobre acidente do trabalho, Daniel Pulino[8]bem sintetiza a questão:
“De um ponto de vista essencialmente processual, pode-se colocar o pensamento acima exposto no campo da diversidade de causa de pedir, que seriam, para uma, a mera existência de acidente do trabalho, e, para outra - a ação regressiva - a verificação de ter a empresa negligenciado as normas tutelares do trabalho.
Sabe-se que, de acordo com a ciência processual, as ações são identificadas por três elementos: partes, causas de pedir e pedido. Portanto, além do elemento até aqui analisado - o elemento causal - há que se verificar se a ação regressiva identifica-se, em tese, com a chamada ação acidentária, também pelo enfoque do elemento subjetivo (partes) e objetivo (pedido).
E não coincidem, igualmente, as partes - idealmente falado, é claro - dessas duas modalidades de ação, pois enquanto as lides acidentárias envolvem, no pólo ativo, o segurado (ou, eventualmente, seus dependentes), e no pólo passivo, o Instituto-segurador (o INSS), nas ações regressivas, ocuparão aquelas posições, respectivamente, o INSS e as empresas negligentes.
Pode-se dizer, então, que são totalmente diferentes os sujeitos dessas duas relações processuais, com o que também inocorre, quanto a esse aspecto, identidade de ações.
Note-se, por fim, que são diversos os pedidos numa e noutra ação, porque, na demanda acidentária, o autor pleiteia a condenação do instituto no pagamento das prestações - quer em dinheiro, quer em espécie - devidas em virtude do seguro de acidentes do trabalho, ao passo que, na ação regressiva, o INSS buscará reembolsar-se, perante as empresas negligentes, das despesas tidas com a concessão daquelas prestações acidentárias.
Como se vê, em termos processuais, inexistente identidade de ações, quando se comparam, idealmente, todos os elementos da ação regressiva e da ação acidentária típica, não havendo razão, por consequência, para a incidência da execução prevista no art. 109, I, "in fine", da constituição.
Outras considerações importa ser feita: a competência da Justiça Estadual para julgar demandas em que autarquia federal figure como parte é uma exceção, e, como tal, há que ser interpretada restritivamente.
Não cabe, pois, alargar-se o conceito de "causas de acidente do trabalho", para nele incluir a figura, que lhe é estranha, da ação regressiva, sob pena de ferir-se o postulado básico de Hermenêutica Jurídica acima referido.
Além disso, se a ação regressiva em estudo não faz parte da tradição de nosso Direito, não há motivo para imaginar-se que o legislador tenha-a previsto e enquadrado, genericamente, como "causa de acidente do trabalho", ao elaborar a exceção do artigo 109 da Lei Maior.
Acrescente-se que uma análise sistemática e teleológica da Lei nº 8.213/91 também acena para essa mesma conclusão.
Com efeito, não é razoável supor que a "inovação" trazida pelo art. 120 deste diploma legal, a par de vir desacompanhada de qualquer outra previsão procedimental que na lei, quer no regulamento, devesse também seguir ao que prevê o art. 129, porque, do contrário, este dispositivo deveria ser inteiramente aplicável à ação regressiva, inclusive no que respeita à observância do rito sumaríssimo, à necessidade de instrução da CAT, à petição inicial, e à isenção "do pagamento de quaisquer custas e verbas relativas à sucumbência" (esta última, prevista no parágrafo único do artigo, que se dirige especificamente ao inciso II)”
Diante do exposto, resta afastada a competência da Justiça Estadual, uma vez as ações regressivas não estão abarcadas pelo conceito de “ações acidentárias” previstas no artigo 109, I da Constituição Federal.
CONCLUSÃO.
Forço concluir, assim, que as decisões proferidas nos Recursos Extraordinários n.º 630322 e 540970, data venia, merecem ser revistas pelo Supremo Tribunal Federal, seja porque a súmula 501 não se aplica aos casos objeto das ações regressivas acidentárias, seja porque esta demandas não se incluem no conceito de “ações acidentárias” previsto na Constituição Federal.
REFERÊNCIAS.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 08/12/2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em 08/12/2014.
MACIEL, Fernando. Ações regressivas acidentárias. São Paulo: LTr, 2010.
GT – PGF. Cartilha de Atuação nas Ações Regressivas Acidentárias. Brasília: 2009.
PULINO, Daniel. Acidente do Trabalho: Ação regressiva contra as empresas negligentes quanto à segurança e à higiene do trabalho. Revista de Previdência Social. Ano XX, n 182, p. 10-11, jan. 1996.
[1]Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
[2] Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-dez-03/crescem-144-acoes-agu-empresas-devolvam-gastos-inss< acesso em 06/12/2014.
[3](RE 630322, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 22/12/2010, publicado em DJe-031 DIVULG 15/02/2011 PUBLIC 16/02/2011) e (RE 540970, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 03/06/2009, publicado em DJe-110 DIVULG 15/06/2009 PUBLIC 16/06/2009).
[4]Súmula 501 do STF:“COMPETE À JUSTIÇA ORDINÁRIA ESTADUAL O PROCESSO E O JULGAMENTO, EM AMBAS AS INSTÂNCIAS, DAS CAUSAS DE ACIDENTE DO TRABALHO, AINDA QUE PROMOVIDAS CONTRA A UNIÃO, SUAS AUTARQUIAS, EMPRESAS PÚBLICAS OU SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA.”
[5] Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
[6] Súmula 15 do STJ: Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho.
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28a%E7%F5es+acident%E1rias+INSS+compet%EAncia%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/njea8az - acesso em 07/12/2014.
[8]Disponível em: http://www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/seguranca/acidentedanielpulino.pdf> acesso em 07/12/2014.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Sávio Luís Oliveira. Breves considerações acerca do atual posicionamento do STF sobre a competência para processar e julgar as ações regressivas acidentárias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/42454/breves-consideracoes-acerca-do-atual-posicionamento-do-stf-sobre-a-competencia-para-processar-e-julgar-as-acoes-regressivas-acidentarias. Acesso em: 10 out 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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