RESUMO: Este artigo busca analisar o redirecionamento da execução fiscal para os administradores da sociedade empresária, especificamente na hipótese de dissolução irregular da empresa executada, apresentando a controvérsia acerca de quais seriam os administradores a serem incluídos no polo passivo da execução fiscal: aqueles que atuavam na ocasião do fato gerador, os gestores à época da dissolução irregular ou apenas os presentes em ambas as situações.
INTRODUÇÃO
A recuperação do crédito tributário é tarefa das mais difíceis. O processo de execução fiscal, regido pela Lei n.º 6.830/80, se mostra moroso e pouco efetivo.
É comum não se encontrar bens passíveis de penhora da empresa executada, sendo que muitas vezes não se encontra nem mesmo a própria sociedade empresária, de forma que o único meio para prosseguimento da cobrança judicial é o redirecionamento da execução fiscal para os seus administradores.
O Código Tributário Nacional dispõe sobre as modalidades de responsabilização de terceiros em seus arts. 134 e 135. A doutrina diferencia as hipóteses previstas nos referidos dispositivos legais, considerando que o art. 134 do CTN prevê situações em que os responsáveis atuaram de forma regular e são responsabilizados diante do vínculo jurídico com a pessoa que deveria ocupar o polo passivo da relação jurídico-tributária na condição de contribuinte, tais como pais, tutores, administradores de bens de terceiros, entre outros.
O art. 135 do CTN, por sua vez, responsabiliza os terceiros que atuaram de forma irregular, violando a lei, o contrato social ou o estatuto. A hipótese de responsabilização dos administradores das empresas executadas se enquadra no inciso III do art. 135 do CTN, sendo o tema do presente artigo, que busca identificar quem seriam os administradores a serem responsabilizados no caso de dissolução irregular da empresa executada.
1. REQUISITOS PARA REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL
Os bens dos sócios não respondem solidariamente pelas dívidas contraídas pela pessoa jurídica. O redirecionamento da execução fiscal para os administradores da empresa executada, portanto, consiste em uma excepcionalidade. Ocorre apenas quando se comprova a infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto. Os dirigentes apenas são responsáveis quando atuam com excesso de mandato.
Dessa forma, apenas se admite o redirecionamento da execução fiscal quando este tenha como causa de pedir uma situação que em tese acarrete a responsabilidade subsidiária do terceiro.
O Superior Tribunal de Justiça pacificou seu posicionamento de que o não pagamento do tributo ou a inexistência de bens penhoráveis no patrimônio da empresa devedora não é suficiente para ensejar a responsabilidade subsidiária de seus sócios.
Considera-se, portanto, que o inadimplemento da obrigação tributária não se caracteriza como uma infração à lei.
O ilustre doutrinador Leandro Paulsen faz referência em sua obra que:
“O que pode constituir infração, o que pode levar o diretor, gerente ou administrador, a tornarem-se responsáveis, é a causa do não pagamento, mas jamais este próprio efeito, tomado isoladamente. Então é preciso que se investiguem as causas dessa inadimplência para verificar se, entre elas, estariam fatos capazes de serem enquadrados como ‘excesso de poderes, infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto’.”
Em decorrência desse entendimento, o não recolhimento do tributo para se caracterizar como uma infração à lei e ensejar o redirecionamento da execução fiscal, necessita estar previsto na legislação como hipótese de crime contra a ordem tributária, como ocorre com a apropriação indébita de contribuições retidas e não recolhidas.
Outra situação ensejadora do redirecionamento das execuções fiscais, consolidada pela jurisprudência atual, é a dissolução irregular da empresa executada, tema que será aprofundado no tópico seguinte.
2. DISSOLUÇÃO IRREGULAR
Trata-se da situação mais frequente de redirecionamento das execuções fiscais. A dissolução irregular é aceita pelo Superior Tribunal de Justiça como hipótese apta a ensejar a responsabilização dos administradores, com fulcro no art. 135, III, do Código Tributário Nacional.
As sociedades empresárias, da mesma forma que devem observar as disposições legais para a sua constituição, devem ser dissolvidas respeitando as regras vigentes.
É comum que após o endividamento da empresa executada, perante não apenas o Fisco, como a credores privados, os sócios a abandonem, simplesmente fechando suas portas, sem buscar a regularização de sua situação e frustrando as expectativas dos credores. Muitas vezes, constituem outra sociedade empresária, utilizando, inclusive, equipamentos e estoque da empresa dissolvida irregularmente.
Dessa forma, a dissolução irregular ocorre quando os bens sociais são liquidados sem a observância do processo próprio. A presunção é de que o patrimônio social foi utilizado em benefício dos sócios, em detrimento dos credores.
Cabe salientar que os sócios que serão responsabilizados necessitam deter poderes de gerência, visto que apenas estes podem efetivamente tomar decisões em nome da sociedade. Pode ocorrer, inclusive, que o administrador nem mesmo seja sócio da empresa, já que o requisito necessário é o poder gestão da empresa e não a participação no quadro societário.
Para a configuração da dissolução irregular, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 435, que assim dispõe: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”
Nos termos dos precedentes do STJ, a certidão emitida pelo Oficial de Justiça, atestando que a empresa devedora não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da junta comercial, é indício de dissolução irregular, apto a ensejar a inclusão dos administradores no polo passivo da execução fiscal.
3. CONTROVÉRSIA ACERCA DOS ADMINISTRADORES QUE DEVEM SER INCLUÍDOS NO POLO PASSIVO DAS EXECUÇÕES FISCAIS
Como exposto, o fato da dissolução irregular ser causa apta a ensejar o redirecionamento da execução fiscal não gera mais discussão, visto já estar pacificada a questão pelo STJ. A controvérsia atual gira em torno de quem seriam os administradores a serem responsabilizados.
A tese predominante no Superior Tribunal de Justiça é de que o terceiro a ser responsabilizado deve ter exercido a administração ou gerência da sociedade na época da ocorrência dos fatos geradores constantes na Certidão de Dívida Ativa e ostentar tal condição por ocasião da dissolução da sociedade. Esse posicionamento pode ser evidenciado no acórdão a seguir transcrito:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. SÓCIO QUE NÃO INTEGRAVA A GERÊNCIA DA SOCIEDADE À ÉPOCA DO FATO GERADOR. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da sociedade executada, pressupõe a permanência de determinado sócio na administração da empresa no momento da ocorrência dessa dissolução, que é, afinal, o fato que desencadeia a responsabilidade pessoal do administrador. Ainda, embora seja necessário demonstrar quem ocupava o posto de gerente no momento da dissolução, é necessário, antes, que aquele responsável pela dissolução tenha sido também, simultaneamente, o detentor da gerência na oportunidade do vencimento do tributo. É que só se dirá responsável o sócio que, tendo poderes para tanto, não pagou o tributo (daí exigir-se seja demonstrada a detenção de gerência no momento do vencimento do débito) e que, ademais, conscientemente, optou pela irregular dissolução da sociedade (por isso, também exigível a prova da permanência no momento da dissolução irregular)"
(EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.009.997/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 2/4/2009, DJe 4/5/2009). No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.251.322/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/10/2013, Dje 18/11/2013.
2. O sócio do qual se pretende o redirecionamento da execução não fazia parte do quadro societário no momento da ocorrência do fato gerador. Logo, no presente caso, não é cabível o redirecionamento da execução fiscal.
3. Agravo regimental não provido.” (grifei)
(STJ, Segunda Turma, AgRg no REsp 1483228 / SP, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, publicado no Dje em 18/11/2014)
Em que pese se tratar do entendimento da Corte Superior, cabe apresentar um ponto de vista discordante.
É cediço que não caberia responsabilizar o sócio-gerente que se retirou do quadro societário antes da concretização da hipótese de incidência, qual seja, a dissolução irregular, já que foi essa a causa que embasou o redirecionamento da execução fiscal. Portanto, se os administradores não tiveram qualquer gestão na dissolução da sociedade, não se pode considerar que estes infringiram a lei, logo, não caberia a sua responsabilização.
A divergência se dá na exigência de que este sócio integrasse a gerência na ocasião do fato gerador. A fundamentação utilizada foi de que “só se dirá responsável o sócio que, tendo poderes para tanto, não pagou o tributo (daí exigir-se seja demonstrada a detenção de gerência no momento do vencimento do débito)”.
Verifica-se inconsistência na fundamentação adotada, uma vez que para responsabilizar o terceiro administrador da sociedade, há a necessidade de uma atuação com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto. No caso da responsabilização dos administradores à época de dissolução irregular, a dissolução da sociedade, sem a observância às regras vigentes, caracterizaria uma infração. No entanto, como já foi exposto, o não pagamento de tributo não consiste em uma infração para o Superior Tribunal, de forma que não faz sentido se exigir que os administradores integrassem o quadro societário na ocasião do fato gerador. Não há nenhum fundamento jurídico para justificar tal exigência, já que o não recolhimento de tributos não é a causa do redirecionamento.
Outro aspecto a se ressaltar é que o tributo é devido a partir da data do vencimento, não apenas no dia do vencimento. Com isso pretende-se defender que um sócio-gerente que ingresse na sociedade tem responsabilidade de pagar todos os tributos que irão vencer, bem como os já vencidos, a fim de regularizar a situação fiscal da empresa. Se assim não se entender, se presumirá que os novos sócios não precisariam pagar nenhuma dívida vencida da sociedade.
CONCLUSÃO
O redirecionamento da execução fiscal em face do administrador é um instrumento que objetiva não apenas a recuperação do crédito público, mas também a preservação da livre concorrência.
Sem o mecanismo do redirecionamento, a maior parte das cobranças da Fazenda Pública na esfera judicial não atingiria sua finalidade, qual seja: a satisfação do crédito, diante da grande quantidade de sociedades que se tornam inativas no decorrer da cobrança judicial.
A dissolução irregular tem sido a principal causa de redirecionamento dos executivos fiscais, entretanto, a exigência do atual posicionamento do STJ de que, para responsabilização do administrador, se faz necessário que este tenha exercido a administração ou gerência da sociedade na época da ocorrência dos fatos geradores constantes na Certidão de Dívida Ativa, bem como na ocasião da dissolução da sociedade, pode vir a esvaziar o instituto.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2004.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 1ª ed. São Paulo: Editora Método, 2007.
PAULSEN, Leandro. Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência.11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.
Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, AgRg no REsp 1483228 / SP, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 18/11/2014.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Cristiane Barbosa dos Santos. Redirecionamento das execuções fiscais em razão da dissolução irregular da empresa executada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jan 2015, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/42853/redirecionamento-das-execucoes-fiscais-em-razao-da-dissolucao-irregular-da-empresa-executada. Acesso em: 09 out 2024.
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