JOÃO ARTHUR ANASTACIO DE OLIVEIRA
(coautor)[1]
DANDY JESUS LEITE BORGES
(orientador)[2]
Resumo: Este presente artigo busca em sua essência analisar a efetividade do Standard Probatório brasileiro na busca pela análise racional das provas à justiça. A metodologia utilizada neste artigo foi o da dialética com o intuito de debater ideias e chegar a algumas conclusões. A pesquisa foi explicativa para demonstrar o que viria ser o Standard Probatório. Por fim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também está contida no artigo. O resultado encontrado desse artigo é que o Standard Probatório adotado é suficiente e efetivo para se chegar à justiça no processo penal brasileiro.
Palavras-chaves: Valoração das provas, Standard Probatório, Processo Penal.
Abstract: This article seeks in its essence to analyse the effectiveness of the Brazilian Standard Probatório in the search for the rational analysis of the evidence to justice. The methodology used in this article was that of dialectics in order to debate ideas and reach some conclusions. The research was explanatory to demonstrate what would become the Standard Probator. Finally, the jurisprudence of the Supreme Federal Court is also contained in the article. The result found in this article is that the Standard Probatório adopted is sufficient and effective to reach justice in the Brazilian criminal process.
Keywords: Valuation of evidence, Standard Evidence, Criminal Procedure.
Sumário: Introdução. 1. Valoração das provas. 1.1. Evolução histórica da prova e da verdade. 1.2. Digressão Histórica dos sistemas de valoração da prova. 2. O Que é o Standard Probatório. 2.1 Variações do Standard Probatório e a Possibilidade do Rebaixamento. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Durante muitos anos, até o início da modernidade, grandes civilizações viveram sob o mando e desmando de órgãos com poder absoluto, sendo esse absolutismo proveniente de um monarca ou de um ditador. A vida e a liberdade das pessoas dependiam do humor do soberano, sendo as suas decisões arbitrárias fonte constante de insegurança, o que gerava um grande temor e supressão dos direitos da população. O poder concentrado em um governo autocrático provocava temor constante nas pessoas, pois aqueles que desagradassem os detentores do poder estariam sujeitos a julgamentos arbitrários, muitas vezes com sanções de caráter cruel. A verdade e a lei, portanto, se confundiam com a vontade do déspota, isto é, da autoridade tirânica (BOBBIO, 2000, p. 388).
Logo, é de grande relevância social e, principalmente no meio jurídico, a compreensão acerca dos mecanismos de utilização das provas no âmbito do processo penal, visto que serve como limitador do poder punitivo estatal. E, no mundo moderno, através dos avanços sociais, é sob o contraditório e a ampla defesa que os players processuais realizam suas estratégias e produzem suas provas, devendo sempre observar e respeitar as garantias processuais e os direitos fundamentais, sob pena de produzirem, respectivamente, provas ilegítimas e ilícitas, que não são aceitas no âmbito do processo como elementos de comprovação dos argumentos das partes, salvo algumas exceções quando forem utilizadas em favor do acusado, isto é, a prova ilícita “pro reo” (MOUGENOT, 2019, p. 484)
Contudo, a regra é a produção de provas lícitas e legítimas, sendo plenamente aplicado no processo penal o princípio da cooperação judicial que é originariamente do processo civil, baseando-se, também, na lealdade e na boa-fé processual das partes (DE ALMEIDA, 2019, p. 46-48). Além disso, conforme as lições de Aury Lopes Jr., no processo penal, em que se lida com os mais valiosos direitos, dentre eles, a liberdade, a “forma é garantia” e, portanto, deve ser respeitada e cumprida (2020, p. 583).
Nesse sentido, faz-se mister uma investigação acerca da importância da busca pela prova e pela verdade, quem tem o ônus de produzi-las e comprová-las e como elas devem ser alcançadas, visto que essa temática perpassou diversas culturas e entendimentos, com seus mais variados métodos e sistemáticas, a fim de se chegar ao modelo de apreciação de provas que fosse mais assertivo. Como sabido, a prova busca revelar e chegar à verdade mais próxima dos fatos, entretanto, por ser a verdade real uma finalidade por diversas vezes inalcançável, adota-se na atual sistemática brasileira, em consonância com o sistema acusatório e ao Estado Democrático de Direito, a verdade processual ou judicial.
Nessa esteira, muito se questiona no meio jurídico se o standard probatório adotado no Brasil é suficiente na busca efetiva do provimento jurisdicional justo. Salienta-se que, a escolha de um standard probatório que evite a ocorrência de erros judicias que prejudicam a sociedade e cause menos insegurança jurídica é de suma importância para a preservação dos direitos mais importantes na vida em comunidade. Tal escolha deve ter sempre como norte o respeito ao próximo e o direito de defesa. Um standard probatório consistente na regular aplicação das normas processuais é fundamental na construção de uma paz e justiça social.
1 VALORAÇÃO DAS PROVAS
A valoração das provas no âmbito do processo judicial brasileiro é realizada pelo magistrado baseando-se no sistema do livre convencimento motivado, estando abarcados nessa sistemática legal da apreciação das provas, tanto os aspectos subjetivos, que também podem ser chamados de juízos subjetivos do magistrado, na qual o valor de uma prova é determinado levando-se em consideração as impressões e interpretações do órgão julgador, relacionado às condições e circunstâncias factuais que circundam a sua produção, quanto os parâmetros objetivos em sua valoração, como, por exemplo, os ritos legais que devem ser observados pelo julgador acerca da produção de provas, a fim de que não sejam aceitas provas ilícitas e ilegítimas no processo. Ademais, o juiz não está vinculado por lei a aceitar determinadas provas, contudo, tem a obrigação de explanar as razões de aceita-las ou nega-las, no todo ou parcialmente, uma vez que são produzidas sob o contraditório, em uma dinâmica de dialeticidade.
Dentro do processo penal, portanto, a decisão que põe fim à fase cognitiva, isto é, a sentença penal, deverá ser prolatada com fundamento no princípio da imparcialidade, no sistema acusatório e nas provas produzidas, não podendo a convicção de o magistrado ser formada apenas por elementos informativos colhidos na investigação, excetuadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, conforme preceitua o art. 155 do Código de Processo Penal.
1.1 Evolução Histórica da Prova e da Verdade
Ao longo de toda a história o Direito defrontou-se com a problemática da construção da verdade, perpassando por diversas culturas e modos de obtenção da verdade, com critérios e regras variadas, a fim de se chegar a uma decisão possivelmente justa. A necessidade da prova para se chegar a uma verdade, portanto, vem de milênios, e, de acordo com Khaled Jr., tem-se como um dos primeiros e principais exemplos, o sistema implantado por Sólon (639-559 a.C.) em suas legislações, na democracia ateniense, em que vigia o sistema acusatório puro, com a possibilidade dos cidadãos questionarem diretamente ao acusado. Tratava-se de uma disputa dialética das provas diante de uma multidão que julgava nos tribunais, com grandes debates encenados pelos sofistas e outros mestres da retórica e da oratória. Segundo o autor:
“Aristóteles destacava a acusação popular como um dos elementos principais do sistema judicial de Sólon. [...] O acusador original poderia ser substituído por outros no decorrer do processo, enquanto o acusado deveria necessariamente defender-se, ainda que eventualmente apoiado por outros cidadãos” (KHALED JR., 2013, p. 18-19).
A partir do advento das leis de Sólon, portanto, a prova foi introduzida no processo para que houvesse uma análise circunstancial dos fatos, por exemplo, na utilização de testemunhas, contratos e juramentos (LOPES, 2019, p. 39-40), objetivando a obtenção de uma resposta racional acerca da inocência ou culpabilidade do réu, visto que anteriormente o Estado punia os cidadãos de forma arbitrária, sem a possibilidade da contra argumentação por parte do acusado.
Apesar disso, a busca pela verdade no processo se mostrou, durante muitos séculos, especificamente no âmbito do sistema inquisitório, um pretexto para a prática de decisões arbitrárias, dissociadas, por vezes, de critérios lógicos e proporcionais aos atos cometidos pelo acusado, como, por exemplo, explicado de antemão, ocorria no sistema de apreciação de provas dos ordálios, em que se acreditava que um ente divino se manifestaria através de um fenômeno natural e que este fenômeno indicaria se o réu era culpado ou inocente. Cabia ao juiz, nessa situação, apenas constatar o resultado e aplicar a sanção.
Assim, ao longo dos anos, após o período da idade média, com surgimento do renascimento e entrando na modernidade, as crenças e as superstições, muitas das vezes apartadas de uma metodologia racional de apreciação das provas, deram lugar a lógica e a razão (MOUGENOT, 2019, p. 496). E aos poucos a discussão acerca da construção de uma verdade processual ou judicial foi ganhando espaço. Embora que muito discutido se a verdade real é realmente uma forma da prática inquisitória, é consenso que devem ser alcançadas no bojo do processo, mediante investigação causal e colheita de indícios de autoria e da materialidade, a maior fidedignidade entre os acontecimentos que circundam o fato e a decisão a ser prolatada pelo magistrado.
Ainda que prévia e sabidamente imperfeita, parte dos processualistas penais afirmam que é preferível que o processo penal construa uma verdade processual, visto que dificilmente será alcançada uma verdade plena, sobre a qual, uma vez passada em julgado a decisão final, incidirão os efeitos da coisa julgada, com todas as suas consequências, legais e constitucionais. O processo, portanto, produzirá uma certeza jurídica, que pode ou não corresponder com a realidade histórica dos fatos. A busca pela verdade real, então, segundo essa corrente, seria prejudicial à garantia dos direitos fundamentais, uma vez que o juiz teria autonomia para agir de ofício na busca de provas, rompendo, assim, com o sistema acusatório e o princípio do “ne procedat iudex ex officio” (LOPES JR., 2020, p. 66)
Na doutrina pátria é possível verificar, ainda, defensores da possibilidade da aplicação do princípio da verdade real, salientando que “o conjunto instrutório deve refletir, no maior grau de fidelidade possível, os acontecimentos pertinentes ao fato investigado” (MOUGENOT, 2019, p. 107). Outrossim, afirma-se, também, que só existe uma verdade e esta deve ser demonstrada no processo, sendo a questão dicotômica entre a verdade real e a verdade formal ou processual cada vez mais mitigada. Ademais, a verdade real não seria um salvo conduto para práticas inquisitórias, em razão de limitações impostas por normas constitucionais e infraconstitucionais (AVENA, 2020, p. 96-97).
Nessa esteira, frisa-se que a jurisprudência tem acolhido o princípio da verdade real no processo penal. Cite-se um julgado do STJ nesse sentido:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. EXPOSIÇÃO DE PERIGO À VIDA E À INTEGRIDADE FÍSICA DE DIVERSAS VÍTIMAS, MEDIANTE EXPLOSÃO. INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ NO CURSO DO PROCESSO PENAL. ATUAÇÃO SUBSIDIÁRIA. DETERMINAÇÃO, DE OFÍCIO, DA REALIZAÇÃO DE EXAME COMPLEMENTAR DE CORPO DE DELITO. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 168, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "no curso do processo penal, admite-se que o juiz, de modo subsidiário, possa - com respeito ao contraditório e à garantia de motivação das decisões judiciais - determinar a produção de provas que entender pertinentes e razoáveis, a fim de dirimir dúvidas sobre pontos relevantes, seja por força do princípio da busca da verdade, seja pela adoção do sistema do livre convencimento motivado" (RHC n. 59.475/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 9/6/2015, DJe de 18/6/2015).
(...)
(AgRg no RHC 119112/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 19/05/2020, DJe de 27/05/2020)” (grifo nosso).
Destarte, no afã de entender, afinal, o que é a verdade no campo jurídico, mencionam-se algumas das principais teorias da verdade, que são: a teoria da correspondência; a teoria da coerência; a teoria do pragmatismo e o consensualismo. Entretanto, ressalta-se apenas uma delas, que grande parte da doutrina anglo-americana adota, a teoria da correspondência, que é “baseada na ideia de que uma proposição é verdadeira se ela corresponde ao fato ou ao modo como as coisas são realmente no mundo” (DALLAGNOL, 2018, p. 37).
Nesse sentido, a natureza da prova apresenta-se com a atribuição de indicar uma possível ocorrência dos fatos, em outras palavras, a hipótese acerca de determinado fato é construída por meio de crenças ou evidências. Dessa forma, a conexão entre crenças que foram criadas mediante um prévio conhecimento de mundo, que é feito mediante constatações e comprovações empíricas, é capaz de originar uma nova crença, a conclusão ou uma hipótese (DALLAGNOL, 2018, p. 24-25).
Portanto, para que a prova alcance seu objetivo de demonstrar a verdade, faz-se necessário a existência prévia de um conhecimento epistemológico formado por meio de comprovações científicas, como, por exemplo, ocorre no laudo pericial do exame tanatoscópio, em que um perito médico legista, utilizando-se dos conhecimentos provenientes da tanatologia forense, define as circunstâncias envolvidas no delito, a fim de fornecer elementos que sejam capazes de conduzir a investigação à autoria do crime, bem como, segundo Wilson Luiz: “definir a causa da morte e também o tempo desta, não se resumindo, apenas, a esses fatores” (FERREIRA, 2020, p. 415).
Assim, a prova é produto da junção entre crenças formadoras de uma nova crença, pois fornecem suporte empírico, para que se conclua que a nova crença seja considerada verdadeira. Tais crenças podem ser chamadas, também, de evidências, pois constituem conhecimento de mundo que conduzem a uma determinada conclusão lógica. As evidências são elementos de prova que sustentam uma determinada hipótese, isto é, uma crença embasada formada a partir de crenças embasadoras (DALLAGNOL, 2018, p. 27).
Além disso, não se devem confundir as evidências com os dados, pois as evidências são informações específicas que servem de inferência para determinado fato ou hipótese e está diretamente ligado ao objeto de investigação, enquanto os dados podem ser quaisquer informações, independente de relação com o fato sob análise.
Na doutrina a prova é por diversas vezes tradada como um fato que provará outro fato, denominado no latim como factum probans (elemento de prova) e factum probando (objeto de prova). No entanto, alguns autores tratam de corrigir a denominação de que as provas são “fatos”, para “proposições sobre fatos”, visto que se trata de uma construção de hipóteses, como já relatado anteriormente.
Pontua-se, por fim, que o termo “prova” no âmbito jurídico brasileiro, é plurívoco, isto é, engloba diversas formas de significação. Assim, é possível dizer que em determinados momentos a prova pode ser entendida das seguintes formas: a) a atividade das partes em trazer elementos que comprovem a veracidade de suas alegações; b) os meios de prova utilizados que demonstram a verdade dos fatos; c) o resultado da atividade probatória ou o efeito de convicção que é provocado no magistrado.
Nesse sentido, a prova tem a finalidade de suprir o órgão julgador de elementos suficientes acerca dos fatos e permitir que o faça incidir o direito sobre eles, de maneira a confirmar ou recusar as alegações suscitadas pelas partes (MOUGENOT, 2019, p. 468).
1.2 Digressão Histórica dos Sistemas de Valoração da Prova
Atualmente, o Código de Processo Penal Brasileiro fundamenta-se no sistema do livre convencimento motivado do juiz ou livre apreciação da prova produzida no âmbito do processo com submissão ao contraditório judicial, contudo, ressalva-se que existem resquícios de outros sistemas de apreciação das provas, que será abordado mais adiante. Assim, nesse atual sistema predominante na lei processual penal, o magistrado não está vinculado a valores predeterminados em lei, cabendo a ele próprio valorar e atribuir peso às provas carreadas nos autos, não tendo, portanto, uma hierarquia entre as provas que foram produzidas. Tem-se como exemplo disso, o disposto no art. 182, demonstrando a possibilidade do juiz em aceitar parte ou negar totalmente a prova pericial, pois, não está vinculado à sua produção.
Dentre os mais relevantes sistemas de apreciação das provas, mas não incluso em nossa sistemática processual, cita-se, o sistema dos ordálios: na idade média existiam os juízes de Deus ou os ordálios, que se baseavam em crenças e superstições, na qual se acreditava que um ente divino interviria no julgamento e revelaria a inocência do acusado se ele conseguisse vencer as provas impostas. Cabia ao julgador somente a constatação do resultado final.
Quanto aos sistemas de avaliação da prova que ainda estão presentes em nossa lei processual penal, pode-se citar, inicialmente, o sistema legal ou tarifado das provas, na qual o julgador é vinculado a critérios predefinidos em lei, sendo impossível sua liberdade de avaliação relativa ao caso em concreto. Apesar da desvantagem de tal condicionamento, foi a partir desse sistema que o direito começou a ter critérios objetivos a respeito da aplicação da pena, deixando para trás o subjetivismo e o jugo da autoridade soberana ou da entidade religiosa.
Outro sistema que perdura em nosso Processo Penal é o da íntima convicção do julgador. Diferentemente do livre convencimento, no sistema da íntima convicção o julgador não precisa demonstrar as razões de sua decisão, podendo julgar de forma independente provas preexistentes, exteriorizando apenas a sua convicção. Essa sistemática é encontrada no Código de Processo Penal relativo aos julgamentos afetos ao Tribunal do Júri.
No julgamento do Júri, o conselho de sentença, formado por pessoas do povo (jurados), não precisa motivar sua decisão e, por não haver o dever de motivação, os jurados poderão decidir conforme critérios subjetivos que formam a sua íntima convicção. Contudo, apesar do princípio da soberania do veredito do conselho de sentença, é pacífico na jurisprudência e na doutrina que o julgamento de júri manifestamente contrário às provas trazidas nos autos, é passível de anulação mediante revisão criminal.
O sistema processual penal brasileiro, portanto, adota majoritariamente o sistema do livre convencimento motivado do juiz e, em decorrência disso, o magistrado deverá analisar todas as provas presentes no processo e proferir sua decisão, justificando qual a razão da mesma. Nesse sentido, cumpre registrar que existem alguns padrões probatórios para se chegar a uma decisão e o padrão adotado no Brasil é o da prova além da dúvida razoável, sendo este o utilizado na sentença.
A defesa, então, utilizando-se da presunção de inocência, tem a missão de, quando não conseguir comprovar de forma cabal a inocência de seu cliente, ao menos gerar dúvida no magistrado, pois, conforme o princípio in dúbio pro reo presente no art. 386, IV do CPP, o juiz, na dúvida, deve absolver, isto é, deve decidir a favor do réu. Assim, é exigido na lógica processual brasileira um lastro probatório suficiente para a condenação, o que se denomina de standard probatório, o quantum necessário para proferir uma decisão.
O standard probatório, assim, poderá ser diferente de acordo com a decisão a ser proferida, a exemplo do despacho, da decisão interlocutória ou de uma sentença condenatória.
2 O QUE É O STANDARD PROBATÓRIO
O standard probatório seria os parâmetros a serem seguidos pela justiça para se chegar a uma condenação ou absolvição do réu. Standard probatório seria o grau de confiança que a sociedade crê que o juiz deveria ter ao decidir. Os Standards são, portanto, os graus de “aval”, confiabilidade, credibilidade, confiança (sempre subjetivo, portanto). Esses graus de “aval” não são probabilidades matemáticas (HAACK, 2014).
Dado a isso, para que um standard seja completo, deve exigir provas que suportem todos os fatos pela acusação e que sejam penal e processualmente relevantes (BADARÓ, 2019).
É muito importante que haja critérios definidos que demonstrem que aquela prova é suficiente para que não haja dúvidas razoáveis acerca daquele fato que está sendo imputado contra um indivíduo (GASCÓN ABELLÁN, 2005). Um standard confiável é aquele que tenha um mínimo de carga probatória que torne aquele acontecimento provado aos olhos da sociedade (KIRCHER, 2018).
O standard da prova serve para que não haja condenações arbitrárias, é um alicerce para que o processo penal seja o mais justo possível nas suas análises dos casos concretos. Não se pode quantificar em números qual a probabilidade de que cada elemento de comprovação seja verdadeiro e que possa ser usado. Como no Processo Penal existe o princípio do in dubio pro reu, para que a pessoa que está sendo julgada venha a ser condenada, deverá haver uma superação de qualquer dúvida razoável acerca do caso. Por isso que no Processo Penal brasileiro utiliza-se um standard bem elevado para que haja a condenação (BRASILEIRO, 2019, p 625).
O processo penal brasileiro traz vários tipos de Standards Probatórios que varia de acordo o momento no processo. Na sentença, por exemplo, usa-se um standard mais elevado, pelo simples fato de ser a parte mais importante processual e que poderá colocar um indivíduo na cadeia. Já em uma denuncia para ser aceito, o standard probatório poderia ser menos elevado. Tudo isso está dentro de uma política criminal que foi imposta no Brasil para que venha ter um mínimo de erro possível na hora de julgar um indivíduo (LOPES JR, 2020, p 397).
O princípio da presunção da inocência está totalmente ligado aos Standards Probatórios e como deve haver uma prova clara para que uma pessoa seja condenada. Dentro da presunção da inocência está o in dubio pro reu, ou seja, caso haja dúvida se o acusado é realmente culpado ou não, deverá ser inocentado pelo juiz. Dado a isso, o standard que será usado para condenar alguém, o além da dúvida razoável deverá estar carregado de uma prova robusta, que dê a mínima certeza ao julgador da real culpa do acusado (LOPES JR, 2020, p 397).
Porém, é pacífico entre os doutrinadores que é impossível chegar a 100% de certeza sobre que realmente houve um fato delituoso através de qualquer prova produzida, que ateste a veracidade do fato e que o autor realmente é culpado. Dado a isso, chega-se a um impasse do julgador na hora de condenar ou absolver o réu. Já que é impossível ter 100% de certeza de um fato, infelizmente o juiz acabará condenando um inocente, ou até mesmo às vezes pela insuficiência de provas, inocentando um acusado, de acordo com o princípio relatado anteriormente (DALLAGNOL, 2018, p 253). Por isso que o julgador tem que analisar bem quanto de nível de standard probatório deverá ter para que seja proferida uma condenação criminal. Quanto mais alto for o Standard, mais difícil será para haver uma condenação, logo, muitas pessoas que realmente são culpadas não seriam condenadas. Inversamente, quanto menor fosse o nível de standard probatório para uma condenação, muitas pessoas inocentes acabariam sendo condenadas injustamente (DALLAGNOL, 2018, p 255).
Dentro do direito penal existe o instituto do Regime Disciplinar Diferenciado, que serve para os presos provisórios ou condenado que cometem crimes considerados dolosos dentro do presídio ou que apresente grande ameaça para aquele local. Nesse contexto, existe a possibilidade de o preso ser colocado em Regime Disciplinar Diferenciado se a ele recair fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave.
Porém, como está sendo estudado nesse artigo acerca do standard probatório e qual o nível de confiabilidade que deve ser utilizado para acontecer qualquer decisão criminal, deve-se haver um cuidado com as expressões “fundadas suspeitas” para que uma atitude tão brusca dessa seja tomada. Como no processo penal deve haver um standard um pouco elevado para que o juiz tome uma decisão, existindo apenas meras suspeitas, não há a necessidade de tal atitude.
2.1 Variações do Standard Probatório e a Possibilidade do Rebaixamento
Dentro da área das provas no processo penal, existem vários tipos de Standards Probatórias que serão usados dentro do processo ou até mesmo antes dele. Entre eles: prova clara e convincente (clear and convincing evidence); prova mais provável que sua negação (more probable than not); preponderância da prova (preponderance of the evidence); e prova além da dúvida razoável (beyond a reasonable doubt). O último Standard, prova além da dúvida razoável, é o mais confiável e lúcido entre todos, por isso é utilizado na hora da condenação. Por isso, o magistrado terá que receber uma prova que o deixe em uma condição adequada para optar pela condenação (LOPES JR., 2020, p 396).
Entre os outros Standards, podem ser usados nas demais fases do processo. Por exemplo, para o recebimento de uma denúncia, não é necessário que se use um standard muito elevado. Como o próprio Código de Processo Penal diz, deverá haver indícios razoáveis, suficientes, na fase interlocutória do processo. Isso seria o rebaixamento do standard probatório, em que não precisará usar uma carga alta de prova (LOPES JR., 2020, p 398).
O standard probatório além da dúvida razoável é o mais seguro para que seja usado no processo penal na fase condenatória do processo. Porém, como qualquer Standard, não é totalmente preciso, por isso, acarreta algumas críticas ao seu uso. Entretanto, a partir do momento em que há uma adequação na forma como ele será utilizado, trará bons frutos à justiça e fará com que haja menos erros judiciários.
A própria jurisprudência em alguns julgamentos já utilizou a tese de “para além de qualquer dúvida razoável” para se condenar alguém. No famoso caso do Mensalão, Ação Penal 470, vide voto da ministra Rosa Weber, in verbis:
“Certamente, o conjunto probatório, quer formado por provas diretas ou indiretas, ou quer exclusivamente por provas diretas ou exclusivamente por provas indiretas, deve ser robusto o suficiente para alcançar o standardde prova próprio do processo penal, de que a responsabilidade criminal do acusado deve ser provada, na feliz fórmula anglo-saxã, acima de qualquer dúvida razoável. Nesse cenário, caberá ao magistrado criminal confrontar as versões de acusação e defesa com o contexto probatório, verificando se são verossímeis as alegações de parte a parte diante do cotejo com a prova colhida. Ao Ministério Público caberá avançar nas provas ao ponto ótimo em que o conjunto probatório seja suficiente para levar a Corte a uma conclusão intensa o bastante para que não haja dúvida, ou que esta seja reduzida a um patamar baixo no qual a versão defensiva seja “irrazoável”, inacreditável ou inverossímil. (Supremo Tribunal Federal, Plenário, AP 470, 2012, fl. 52.710 (no voto da Min. ROSA WEBER).”
De acordo com as lições de Dallagnol (2018):
“O melhor StandardProbatório, que exprime essa ideia, é o da prova para além de uma dúvida razoável ou, na expressão inglesa, beyond a any reasonable doubt. Essa noção, embora um tanto fluida, assume a realidade de que a verdade e a certeza são inalcançáveis ou inadequadas e, ao mesmo tempo, infunde a necessidade de uma dose bastante significativa de segurança para a condenação criminal. Dentro dessa ideia, apenas a dúvida que seja razoável, e não qualquer dúvida, afasta a condenação, e nesse sentido é que deve ser compreendido o brocardo in dubio pro reo’’.
Ainda falando sobre o rebaixamento do standard probatório, temos um exemplo nos crimes sexuais, em que a palavra da vítima somente é utilizada para se receber a denúncia contra o acusado. Isso seria muito pouco e algo perigoso para se colocar alguém em um status de acusado apenas com esse tipo de verificação. Em outros casos, se tem a palavra da vítima mais o reconhecimento pessoal (feito pela própria vítima), ou seja, não se rompe com a circularidade probatória da ‘’palavra da vítima’’ e em última análise, ainda que não pareça, se está condenando apenas com base na palavra dela. Tal prática se traduz em um rebaixamento não justificado e não autorizado de standard probatório. Até porque a presunção de inocência não é “maior ou menor’’, ‘‘mais robusta ou mais frágil’’, conforme a natureza do crime” (LOPES JR., 2020, p 399).
Nessa mesma perspectiva se situa o inaceitável rebaixamento de standard nos julgamentos levados a cabo nos Juizados Especiais Criminais, onde, sob o equivocado argumento de “menor gravidade da infração” (e, portanto, da própria pena), acaba por exigir menos em termos de qualidade probatória para um juízo condenatório. E voltamos ao ponto: a presunção de inocência não é menor porque o crime é de menor gravidade. Ela permanece hígida e não varia conforme a pena. Tal erro histórico encontra definição naquilo que CORDEIRO chama de equação homeopática: à “plena probatio” correspondem as penas ordinárias; as “semiplenae probationes” implicam as penas diminuídas. Essa era a lógica probatória do sistema inquisitório, absolutamente incompatível, por óbvio, com o processo penal contemporâneo. (LOPES JR., 2020, p 399).
CONCLUSÃO
No estudo se questionou se a sistemática e os padrões adotados quanto à valoração das provas no Processo Penal Brasileiro são suficientes para a prolação de sentenças justas, baseadas em provas robustas e que quando não conseguem corresponder à realidade dos fatos ao menos se aproximam dela.
O standard probatório utilizado no sistema processual penal brasileiro, a depender do grau de certeza que a decisão requer, pode ser considerado suficiente para a efetiva prestação jurisdicional. No momento do recebimento da denúncia ou da decisão de pronúncia do réu, basta que haja indícios suficientes de autoria e prova da materialidade, contudo, para a prolação de uma sentença condenatória, é necessário que haja prova além da dúvida razoável.
O juiz, nesse sentido, deverá, baseando-se no sistema do livre convencimento motivado, analisar o conjunto probatório a fim de dar uma decisão justa e fundamentada, explicando as razões do acolhimento de uma prova em detrimento de outra, sopesando as provas que, no caso em concreto, estão mais próximas de alcançar a verdade processual.
As provas quando trazidas ao processo, deixa de pertencer às partes e começa a servir ao processo, daí emerge a necessidade do juiz verificar todas as provas produzidas, submetendo-as ao contraditório. Assim, o padrão adotado pelo Brasil na sentença penal, o qual surgiu na tradição anglo-saxã, corresponde ao critério mais rígido de suficiência probatória, admitindo o seu rebaixamento de acordo com a fase procedimental.
Nesse sentido, a construção “prova além da dúvida razoável”, embora passível de críticas, pode aportar contribuições a dogmática jurídica brasileira, tendo em vista a sua utilização consolidada internacionalmente na teoria do processo penal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Especialista em Ciências Criminais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRESTES, Jose Italo Santos. Valoração Das Provas: O Standard Probatório no Direito Processual Penal Brasileiro Contemporâneo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 mar 2022, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58139/valorao-das-provas-o-standard-probatrio-no-direito-processual-penal-brasileiro-contemporneo. Acesso em: 22 dez 2024.
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