RESUMO: o presente artigo tem como intuito a análise da teoria do dano moral em ricochete, compreendido como o dano moral indireto, em que se adota a teoria dos resquícios da personalidade do de cujus – do falecido – e como ele pode transferir o dano moral, por lesão aos seus direitos personalíssimos, a terceiros. O objetivo do presente trabalho é a análise na jurisprudência e doutrinária da teoria do dano moral indireto ou em ricochete, tão crescente e nova na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O método de pesquisa utilizado no artigo será a revisão de literatura e análise dos casos concretos que envolvem essa teoria. Os resultados apontam para o crescimento das ações judiciais tangentes à teoria do dano moral em ricochete na jurisprudência do STJ. O presente autor concorda com os julgados procedentes da teoria do dano moral em ricochete, porquanto – apesar de o de cujus não estar vivo para reclamar os danos morais – a dignidade humana deve prevalecer em tais casos, visto que afeta os seus familiares colaterais e ascendentes, devendo, nesses casos, incidir o dano moral reflexo.
Palavras-chave: dano moral reflexo; responsabilidade civil; dignidade da pessoa humana; danos morais.
1.Introdução
O dano moral caracteriza-se pela ofensa à honra e à dignidade do ofendido. Segundo Flávio Tartuce[1], o dano moral compreende, na esteira da melhor e majoritária doutrina, na lesão aos direitos da personalidade do indivíduo. Direitos estes consagrados na Constituição Federal[2], como a honra, intimidade, privacidade e à dignidade da pessoa humana (art. 5°, X e art. 1°, III).
A teoria do dano moral, como qualquer dano na responsabilidade civil, compreende uma conduta comissiva ou omissiva, nexo de causalidade, resultado e o dano propriamente dito. O dano moral, no entanto, não é reparável, mas sim indenizável pelos males suportados pela vítima da conduta do ofensor[3]. Também, o dano moral não se liga aos maus sentimentos vindos da vítima, como bem afirma o enunciado aprovado na V jornada de Direito Civil: “o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento” (Enunciado n. 445). Ainda, vale ressaltar, o STJ tem entendido que violação aos valores fundamentais e aos direitos fundamentais, ensejam aplicação de dano moral, como diz a ementa abaixo:
RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. SAQUE INDEVIDO EM CONTA- CORRENTE. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SUJEITO ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. ATAQUE A DIREITO DA PERSONALIDADE. CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL. IRRELEVÂNCIA QUANTO AO ESTADO DA PESSOA. DIREITO À DIGNIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO DEVIDA.
1. A instituição bancária é responsável pela segurança das operações realizadas pelos seus clientes, de forma que, havendo falha na prestação do serviço que ofenda direito da personalidade daqueles, tais como o respeito e a honra, estará configurado o dano moral, nascendo o dever de indenizar. Precedentes do STJ.
2. A atual Constituição Federal deu ao homem lugar de destaque entre suas previsões. Realçou seus direitos e fez deles o fio condutor de todos os ramos jurídicos. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo, essência de todos os direitos personalíssimos e o ataque àquele direito é o que se convencionou chamar dano moral.
3. Portanto, dano moral é todo prejuízo que o sujeito de direito vem a sofrer por meio de violação a bem jurídico específico. É toda ofensa aos valores da pessoa humana, capaz de atingir os componentes da personalidade e do prestígio social.
4. O dano moral não se revela na dor, no padecimento, que são, na verdade, sua consequência, seu resultado. O dano é fato que antecede os sentimentos de aflição e angústia experimentados pela vítima, não estando necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima.
5. Em situações nas quais a vítima não é passível de detrimento anímico, como ocorre com doentes mentais, a configuração do dano moral é absoluta e perfeitamente possível, tendo em vista que, como ser humano, aquelas pessoas são igualmente detentoras de um conjunto de bens integrantes da personalidade.
6. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.245.550/MG, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/3/2015, DJe de 16/4/2015).
Desse modo, o STJ, acertadamente, julgou procedente a ação por danos morais, visto que tutelam valores fundamentais e direitos fundamentais, de eficácia plena e aplicabilidade imediata por ordem constitucional, segundo José Afonso da Silva[4], devendo essas normas incidirem diretamente no plano fático e serem resguardadas judicialmente. Afastando a corte superior, ainda, a prova de sentimentos desagradáveis por parte da vítima e parte autora do processo.
Deve-se levar em conta o tema desse artigo: o dano moral reflexo ou em ricochete. Conceitua-se ele como o dano moral que atinge de forma reflexa em casos de morte de familiar e lesão à personalidade do morto, por exemplo. Diversos julgados do STJ deram procedência a este tipo de dano moral, que será analisado a seguir.
2.Os casos concretos julgados pelo STJ e a defesa deles amparada na doutrina
O STJ, em alguns casos concretos, tem decidido de forma procedente para a reparação e indenização do dano moral reflexo, colacionando-se alguns julgados a seguir:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL REFLEXO. INDENIZAÇÃO PLEITEADA PELA IRMÃ DA VÍTIMA. CABIMENTO. CONTEXTO FÁTICO DELINEADO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REVALORAÇÃO JURÍDICA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. PREQUESTIONAMENTO SATISFEITO. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. DESINFLUÊNCIA QUANTO AO PROVIMENTO DO ESPECIAL APELO PELA FRANQUIA DA LETRA "A".
1. O reconhecimento da existência de dano moral reflexo, em hipóteses como a tratada nos presentes autos, não reclama o reexame de fatos ou provas. No caso, a decisão agravada se limitou a reconhecer que os fundamentos adotados pelo Colegiado local, para rejeitar o pedido de indenização por dano moral reflexo (por ricochete), em favor da irmã da vítima, não encontram amparo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que tem por presumida tal modalidade de dano.
2. Embora não referenciado expressamente pelo acórdão recorrido, é inconteste que o tema ligado ao art. 12, parágrafo único, do Código Civil, no que diz com a legitimidade de colateral até o quarto para reivindicar dano moral reflexo pela morte de parente seu, foi enfrentado pelo tribunal de origem, o qual, mesmo tergiversando acerca da legitimatio ativa da autora, concluiu por recusar-lhe indenização àquele título.
3. Faz-se de rigor, no entanto, a alteração do decisório agravado no passo em que ordenou o imediato restabelecimento da sentença condenatória de primeiro grau, haja vista que o acórdão estadual, ao repelir a tese de dano moral reflexo sofrido pela autora, sequer chegou a enfrentar os demais pontos de insurgência elencados nas apelações dos litisconsortes passivos, cujo eventual acolhimento poderá, em tese, impor relevantes alterações na sentença apelada.
4. Agravo interno de DP Barros Pavimentação e Construção Ltda. a que se nega provimento, mas com a oficiosa determinação de retorno dos autos à Corte de origem, para que ali se retome o julgamento das demais questões suscitadas nas apelações dos litisconsortes passivos.
(AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.253.018/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de 25/10/2022.)
Em outro julgado, o STJ também deu procedência ao pedido de dano moral em ricochete, a seguir:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MÉDICO-HOSPITALAR. FALHA. VALORAÇÃO DAS PROVAS. INTERVENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. DANO MORAL POR RICOCHETE. RECONHECIMENTO. DANOS MORAIS. VALOR. REVISÃO. SÚMULA Nº 7/STJ. TERMO INICIAL. JUROS DE MORA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Na hipótese, rever o entendimento firmado pelas instâncias ordinárias, no sentido de ser devida a indenização por danos morais em virtude da falha na prestação de serviço médico-hospitalar, demandaria a análise dos fatos e das provas dos autos, providência vedada em recurso especial devido à aplicação da Súmula nº 7/STJ.
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a possibilidade dos parentes do ofendido postularem, em conjunto com a vítima, a compensação pelo prejuízo experimentado, conquanto sejam atingidos de forma indireta pelo ato lesivo (dano moral por ricochete).
4. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de danos morais apenas quando irrisório ou abusivo, circunstâncias inexistentes no presente caso.
5. Nas hipóteses em que ocorre o óbito da vítima e a compensação por dano moral é reivindicada pelos respectivos familiares, o liame entre os parentes e o causador do dano possui natureza extracontratual, nos termos do art. 927 do Código Civil e da Súmula nº 54/STJ.
6. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 2.119.486/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 24/3/2023).
O dano moral reflexo, sob essa ótica, tem amparo na dignidade humana (art. 1°, III da Constituição Federal de 1988) dos familiares do de cujus nos casos citados que possuem vínculo afetivo com ele, pois o falecido possui resquícios de direitos da personalidade.
Direitos da personalidade podem ser conceituados de diferentes formas. Vejamos duas conceituações. Maria Helena Diniz[5] diz que:
“São direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio, vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social)”.
Rubens Limongi França[6] diz que “Direitos da personalidade dizem-se as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior.”
Dessa maneira, os direitos da personalidade do morto são resquícios de personalidade, reconhecido o dano a eles como dano indireto. O art. 6° do CC/2002[7] diz que “A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.” Em seus artigos 12 e 20, o Código Civil de 2002 diz:
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Dessa maneira, o Código Civil e a doutrina majoritária no Brasil – Flávio Tartuce, Paulo Lôbo, Maria Helena Diniz, Gustavo Tepedino e Rubens Limongi França –, aceitam a teoria do dano moral em ricochete amparada na dignidade humana e na preservação dos direitos da personalidade que, segundo o art. 12, caput, do Código Civil, devem ser reparados integralmente (princípio da reparação integral dos danos).
O morto tem, sim, resquícios de personalidade, pois possui familiares, em regra, pessoas estas que têm um vínculo de afetividade com ele e, qualquer lesão à sua imagem, honra ou dignidade, deve ser reparada integralmente, como vem fazendo o STJ.
[1] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 13ª ed. São Paulo: Editora Método, 2023.
[2] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: Constituição. Acesso em: 5 de dezembro de 2024.
[3] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 13ª ed. São Paulo: Editora Método, 2023, p. 474.
[4] SILVA, José Afonso da Silva. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 8ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do Direito Civil. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, V. 1, p. 142.
[6] FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 1.033.
[7] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 6 de dezembro de 2024.
Graduando em Direito UNIFAGOC, estagiário do Procon Municipal de Ubá (MG) desde 17/06/2024, escritor de artigos científicos da área jurídica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARCIA, Erick Labanca. A teoria do dano moral em ricochete: por uma efetiva aplicabilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2025, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67798/a-teoria-do-dano-moral-em-ricochete-por-uma-efetiva-aplicabilidade. Acesso em: 21 fev 2025.
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