A controvérsia submetida ao exame desta Corte Superior é a (im)possibilidade de aplicação do princípio da consunção, para que o delito do art. 40 da Lei n. 9.605/1998 (causar dano ambiental em unidade de conservação) seja absorvido pelo crime do art. 64 da mesma lei (construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável).
As unidades de conservação não são o único espaço a receber especial tutela da legislação penal, pois a Lei n. 9.605/1998 tipifica, também, os danos ambientais causados em outras espécies de áreas, como as florestas de preservação permanente (arts. 38, 39, 40, 44), as de domínio público (arts. 44 e 50-A), a Mata Atlântica (art. 38-A), a vegetação fixadora de dunas e mangues (art. 50) e as praias (art. 54, § 2º, IV). Na verdade, considerando a quantidade e diversidade de espaços protegidos pela Lei n. 9.605/1998, é mesmo difícil imaginar uma situação em que o delito do art. 64 (na ação típica de construir em área não edificável por seu valor ecológico) não produza, também, danos sobre algum dos outros espaços referidos naquele diploma legislativo.
A empreitada hermenêutica de bem definir o alcance destes tipos incriminadores é, certamente, dificultada pelo emaranhado de regimes jurídicos de proteção de espaços com relevância ambiental, os quais não receberam do legislador um tratamento sistemático. Não obstante, para avaliar a possibilidade de absorção de um crime por outro, o mais importante é verificar se o delito menor se encontra na cadeia causal do delito continente, como uma etapa do iter criminis - seja na preparação, consumação ou exaurimento do crime maior.
Este raciocínio, ao contrário do que defende o órgão acusador, não é obstado pela diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador; tampouco impede a consunção o fato de que o crime absorvido tenha pena maior do que a do crime continente.
A Súmula 17/STJ bem exemplifica a linha aqui exposta: os crimes de falsidade (arts. 297 a 299 do CP) e estelionato (art. 171 do CP) localizam-se, topograficamente, em seções diferentes do CP e tutelam bens jurídicos diferentes: a fé pública, nos primeiros, e o patrimônio, no segundo. Também é possível vislumbrar situações em que o estelionato, apenado com 1 a 5 anos de reclusão, absorve a falsidade de documento público, cuja sanção é mais grave (2 a 6 anos de reclusão). Nem por isso fica inviabilizada a consunção, nos exatos termos da Súmula 17/STJ, que mesmo após três décadas de sua edição permanece norteando os julgamentos desta Corte Superior sobre o tema.
A bem da verdade, a distinção entre os bens jurídicos tutelados pelos arts. 40 e 64 da Lei n. 9.605/1998 não é tão intensa como aduz o MPF, pois este último dispositivo se refere, expressamente, à construção em espaços não edificáveis por sua especial relevância ecológica. Por conseguinte, o dispositivo não destina a proteger somente a higidez das posturas locais de ordenação urbanística e da ocupação do solo, como afirma o Parquet, mas abrange textualmente a guarida do meio ambiente.
Estabelecidas estas premissas teóricas, o dano causado pela construção à estação ecológica se encontra, efetivamente, absorvido pela edificação irregular. O dano pode, em tese, ser considerado concomitante à construção, enquanto ato integrante da fase de execução do iter do art. 64, caso em que se aplicaria o princípio da consunção em sua formulação genérica; ou, então, como consequência naturalística inafastável e necessária da construção, de maneira que seu tratamento jurídico seria o de pós-fato impunível. De todo modo, o dano à unidade de conservação se situa na escala causal da construção irregular (seja como ato executório ou como exaurimento), nela exaurindo toda sua potencialidade lesiva.
|
Precisa estar logado para fazer comentários.