O cerne da controvérsia existente entre as Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte cinge-se, em síntese, a saber se a existência de ato(s) infracional(is) pode ser sopesada para fins de comprovar a dedicação do réu a atividades criminosas e, por conseguinte, de impedir a incidência da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.
Embora atos infracionais praticados na adolescência não constituam crime na acepção normativa do termo, não há como se olvidar que eles são - e acredito ser isso um consenso - fatos contrários ao Direito e implicam, sim, consequências jurídicas, inclusive a possibilidade de internação do menor. Isso, por si só, já seria suficiente para nos levar à seguinte reflexão: o Estatuto da Criança e do Adolescente não permite a internação quando tratar-se de ato infracional que não tenha sido cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa (art. 122, I), mas possibilita, sim, a imposição dessa medida mais gravosa quando o adolescente praticar ato infracional não violento de forma reiterada (art. 122, II). Veja-se, portanto, que a reiteração no cometimento de outras infrações graves já permite uma solução jurídica mais drástica para o adolescente infrator.
Quando esse indivíduo completa 18 anos de idade - e, portanto, torna-se imputável -, essa mesma conduta deixa de ser considerada ato infracional e passa a ser, em seu sentido técnico-jurídico, classificada como crime. No entanto, do ponto de vista da essência do fato, não há distinção entre ambos, porque o fato, objetivamente analisado, é o mesmo.
Diante de tais considerações, não se vê óbice a que a existência de atos infracionais possa, com base peculiaridades do caso concreto, ser considerada elemento apto a evidenciar a dedicação do acusado a atividades criminosas, até porque esses atos não estarão sendo sopesados para um agravamento da pena do réu, mas para lhe negar a possibilidade de ser beneficiado com uma redução em sua reprimenda.
É de rigor consignar, ainda, que uma interpretação teleológica do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 à luz da política criminal de drogas instituída pelo Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad permite inferir que o espírito da norma contida no referido dispositivo de lei é o de beneficiar o agente iniciante na vida criminosa, que não faz do ilícito sua atividade profissional. Se o intuito foi esse, inequivocamente a orientação normativa pretendeu afastar o benefício àqueles que possuem um passado criminógeno e que, constantemente, incorrem na prática ilícita e já tiveram envolvimento com o narcotráfico e/ou com ilícitos que, não raro, estão a ele interligados (como delitos patrimoniais, homicídio, associação criminosa etc.).
Ademais, se a natureza do instituto em análise é justamente tratar com menor rigor o indivíduo que se envolve circunstancialmente com o tráfico de drogas - e que, portanto, não possui maior envolvimento com o narcotráfico ou habitualidade na prática delitiva -, não parece razoável punir um jovem de 18 ou 19 anos de idade, sem nenhum passado criminógeno e sem nenhum registro contra si, da mesma forma e com igual intensidade daquele indivíduo que, quando adolescente, cometeu reiteradas vezes atos infracionais graves ou atos infracionais equivalentes a tráfico de drogas. Se assim o fizéssemos, estaríamos afrontando o princípio da individualização da pena e o próprio princípio da igualdade.
Ainda, é imperioso salientar que o registro de que tais elementos - atos infracionais - pode afastar o redutor não por ausência de preenchimento dos dois primeiros requisitos elencados pelo legislador - quais sejam, a primariedade e a existência de bons antecedentes -, mas pelo descumprimento do terceiro requisito exigido pela lei, que é a ausência de dedicação do acusado a atividades criminosas.
Em outros termos, embora seja evidente que não possamos considerar atos infracionais como antecedentes penais e muito menos como reincidência, não se vê razões para desconsiderar todo o passado de atuação de um adolescente contrário ao Direito para concluir pela sua dedicação a atividades delituosas. Não há impedimento, portanto, a que se considere fatos da vida real para esse fim.
Ademais, exigir a existência de prévio cometimento de crime e de prévia imposição de pena para fins de justificar o afastamento do redutor em questão acaba, em última análise, esvaziando o próprio conceito de dedicação a atividades criminosas. Isso porque, se houver trânsito em julgado de condenação por crime praticado anteriormente, então essa condenação anterior já se enquadra ou no conceito de maus antecedentes ou no de reincidência. Assim, considerando que não há palavras inúteis na lei, por certo que o legislador quis abarcar situação diversa ao prever a impossibilidade de concessão do benefício àqueles indivíduos que se dedicam a atividades criminosas.
Portanto, a tese que se propõe, para fins de sanar a controvérsia existente entre as Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte, é a de ser possível, sim, sopesar a existência de ato(s) infracional(is) para fins de comprovar a dedicação do réu a atividades criminosas e, por conseguinte, impedir a incidência da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.
No entanto, não é todo e qualquer ato infracional praticado pelo acusado quando ainda adolescente que poderá, automaticamente, render-lhe a negativa de incidência do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, até porque justiça penal não se faz por atacado e sim artesanalmente, examinando-se atentamente cada caso para dele extraírem-se todas as suas especificidades, de modo a torná-lo singular e, portanto, a merecer providência adequada e necessária.
É, pois, necessário que, no caso concreto, se identifique: 1º) se o(s) ato(s) infracional(is) foi(ram) grave(s); 2º) se o(s) ato(s) infracional(is) está(ão) documentado(s) nos autos, de sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência; 3º) a distância temporal entre o(s) ato(s) infracional(is) e o crime que deu origem ao processo no qual se está a decidir sobre a possibilidade de incidência ou não do redutor, ou seja, se o(s) ato(s) infracional(is) não está(ão) muito distante(s) no tempo.
Em relação a esse terceiro ponto, semelhante proposta é o que esta Corte tem adotado, por exemplo, ao fazer alusão ao direito ao esquecimento para afastar condenação muito antiga a título de maus antecedentes (v. g., AgRg no REsp n. 1.875.382/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe 29/10/2020). Seguindo o mesmo raciocínio, entendo não ser possível sopesar a existência de atos infracionais muito antigos para, sem nenhuma ponderação sobre as circunstâncias do caso concreto, impedir o reconhecimento da minorante.
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