Resumo: Discute a necessidade de ordem judicial para que o Delegado de Polícia tenha acesso a dados secundários das comunicações telefônicas, que não se refiram exatamente ao conteúdo delas, mas que possuam interesse real para as investigações criminais, diante das recorrentes recusas de fornecimento por parte das operadoras de telecomunicações.
Palavras-chave: telecomunicações – sigilo – dados secundários – operadoras – inteligência policial – autorização judicial – Delegado de Polícia – investigações - chamadas recebidas e emitidas - estação de radio-base.
Muito comum, no curso de investigação policial, que a Autoridade Policial tendo requisitado à operadora de telefonia as planilhas sobre chamadas originadas e recebidas, ERB’s e outros dados sobre emitentes e destinatários que possibilitassem sua identificação e localização, tenha recebido minuciosa negativa por escrito, sob o fundamento de ilegalidade do pedido por alegada violação do sigilo das comunicações telefônicas.
À primeira vista, de fato, parece impossível dissociar o áudio de uma chamada de seus respectivos bilhetes, aqui compreendidos como sendo número chamador, número chamado – data hora da chamada – duração da chamada – tipo de chamada – dados de geo-referenciamento, a que se costuma chamar de Dados da Chamada, divergindo dos Dados Cadastrais em que se constituem o número da linha, o nome, CPF, RG e o endereço do seu titular.
À falta de doutrina específica, pela recenticidade da discussão, recorrendo ao dicionário eletrônico[1] de significados extraímos os seguintes conceitos, imprescindíveis para composição do cerne do assunto:
“Comunicação é uma palavra derivada do termo latino "communicare", que significa "partilhar, participar algo, tornar comum".
Através da comunicação, os seres humanos e os animais partilham diferentes informações entre si, tornando o ato de comunicar uma atividade essencial para a vida em sociedade.
Desde o princípio dos tempos, a comunicação foi de importância vital, sendo uma ferramenta de integração, instrução, de troca mútua e desenvolvimento. O processo de comunicação consiste na transmissão de informação entre um emissor e um receptor que descodifica (interpreta) uma determinada mensagem.
A mensagem é codificada num sistema de sinais definidos que podem ser gestos, sons, indícios, uma língua natural (português, inglês, espanhol, etc.), ou outros códigos que possuem um significado (por exemplo, as cores do semáforo), e transportada até o destinatário através de um canal de comunicação (o meio por onde circula a mensagem, seja por carta, telefone, comunicado na televisão, etc.).
Nesse processo podem ser identificados os seguintes elementos: emissor, receptor, código (sistema de sinais) e canal de comunicação. Um outro elemento presente no processo comunicativo é o ruído, caracterizado por tudo aquilo que afeta o canal, perturbando a perfeita captação da mensagem (por exemplo, falta de rede no celular).
Quando a comunicação se realiza por meio de uma linguagem falada ou escrita, denomina-se comunicação verbal. É uma forma de comunicação exclusiva dos seres humanos e a mais importante nas sociedades humanas.”
A celeuma versa sobre os limites constitucionalmente impostos no artigo 5º da Constituição Federal/1988 e a autorização legal do §2º do artigo 2º da Lei nº 12.830/2013, que autoriza ao Delegado de Polícia, durante a investigação criminal, a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.
Parece não residir qualquer dúvida que o áudio de uma comunicação telefônica é, de forma absoluta, protegido pela garantia constitucional do sigilo, subsistindo a polêmica sobre os demais dados que obrigatoriamente compõem as comunicações por meio eletrônico, inclusive as mensagens de SMS (short message service).
No inciso XII do Artigo 5º da CF/88 está disposto que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Para regulamentar esse dispositivo, foi publicada a Lei nº 9.296/1996, que ensina o seguinte:
Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.
Por definição legal, a interceptação de comunicações telefônicas prevista no artigo 5º da Constituição Federal e definida na Lei nº 9.296 versa sobre intercepção do fluxo de comunicações.
Conforme o Dicionário Brasileiro Globo, 44ª ed. São Paulo: Globo, 1996, p.358: “interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza”, frisando-se que, em razão da própria etimologia da palavra (interceptio +ar), interceptar quer dizer interromper o seu curso, reter ou deter o que era destinado a outrem.
Nesse sentido, a jurisprudência defende a inexistência de ilegalidade quando:
HC 990093116952 SP:
“NULIDADE DE OBTENÇÃO DE DADOS CADASTRAIS DE LINHAS TELEFÔNICAS - Inocorrência -Fornecimento de senha pelo Juiz Corregedor dos Presídios ao Delegado da Corregedoria Auxiliar com a finalidade de célere fornecimento das informações necessárias às/ investigações policiais, tratando-se, neste caso, de quebra de sigilo de dados e não de interceptação telefônica – Ordem Denegada”.
Portanto, em uma análise primária, a requisição de dados secundários, do tipo bilhetagem, geo-referenciamento, registros cadastrais do usuário, existentes nos arquivos das operadoras de telefonia, não caracterizariam a interceptação telefônica, constitucionalmente restrita.
Aponta nessa direção a decisão do Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. ROUBO, DESCAMINHO E TRÁFICO DE DROGAS. ALEGADA VIOLAÇÃO AO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. INOCORRÊNCIA. 1. A obtenção direta pela autoridade policial de dados relativos à hora, ao local e à duração das chamadas realizadas por ocasião da prática criminosa não configura violação ao art. 5º, XII, da CF/88. Precedentes. 2. Habeas Corpus a que se nega seguimento. 1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado contra acórdão unânime da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, da Relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, do qual extraio a seguinte passagem da ementa: “[...] 2. O teor das comunicações efetuadas pelo telefone e os dados transmitidos por via telefônica são abrangidos pela inviolabilidade do sigilo - artigo 5.º, inciso XII, da Constituição Federal -, sendo indispensável a prévia autorização judicial para a sua quebra, o que não ocorre no que tange aos dados cadastrais, externos ao conteúdo das transmissões telemáticas. 3. Não se constata ilegalidade no proceder policial, que requereu à operadora de telefonia móvel responsável pela Estação Rádio-Base o registro dos telefones que utilizaram o serviço na localidade, em dia e hora da prática do crime. 4. A autoridade policial atuou no exercício do seu mister constitucional, figurando a diligência dentre outras realizadas ao longo de quase 7 (sete) anos de investigação. 5. Ademais, eventuais excessos praticados com os registros logrados podem ser submetidos posteriormente ao controle judicial, a fim de se verificar qualquer achincalhe ao regramento normativo pátrio. 6. In casu, a autoridade policial não solicitou à operadora de telefonia o rol dos proprietários das linhas telefônicas ou o teor do colóquio dos interlocutores, apenas os numerários que utilizaram a Estação de Rádio-Base na região, em período adstrito ao lapso delitivo, não carecendo de anterior decisão judicial para tanto, sobressaindo, inclusive, a necessidade da medida policial adotada, que delimitou a solicitação para a quebra do sigilo das conversas dos interlocutores dos telefones e da identificação dos números que os contactaram, feita perante o Juízo competente, que aquiesceu com a obtenção do requestado. 7. A alegação defensiva de eivas na juntada de prova emprestada de outros feitos não pode ser objeto de exame, pois deixou-se de proceder à demonstração do asserido, mediante documentação comprobatória suficiente, que evidenciasse a tese, não sendo possível apurar, portanto, qualquer ilegalidade. 8. Impende ressaltar que cabe ao impetrante a escorreita instrução do habeas corpus, indicando, por meio de prova pré- constituída, o alegado constrangimento ilegal. 9. Ao refutar a ocorrência de pecha na juntada do conteúdo de autos diversos, enalteceu o magistrado singular que ‘o juiz titular do feito, atendendo ao requerimento da autoridade policial, remeteu cópia integral dos autos’, tendo o Colegiado de origem salientado ‘a inexistência de qualquer ilicitude da prova emprestada, uma vez que precedida de autorização judicial, sendo anexado ainda cópia integral aos autos, restando garantido, portanto, o pleno exercício dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa’. 10. Com arrimo no acervo dos autos originários, a conclusão da instância ordinária não é passível de exame, pois, para se adotar diverso entendimento, há necessidade de revolvimento do acervo fático-probatório, providência incabível na via estreita do habeas corpus. 11. Habeas corpus não conhecido.”[2]
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é assente no sentido de que
“não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados”[3]
Contudo, apesar de recorrentes decisões judiciais, no sentido da legalidade das requisições de dados registrados em arquivos de empresas, o assunto suscitou nova controvérsia com a recente publicação da Lei 12.830/2013. A lei, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, está sob análise de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, através das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 5.059 e 5.073.
Em sede de manifestação preliminar, a Procuradoria Geral da República pugnou nos seguintes termos:
Afronta o art. 5o , XII, da Constituição, o art. 2o , § 2 o , da Lei 12.830/2013, ao conferir poder de requisição a delegados de polícia sem resguardar a reserva de jurisdição para quebra de sigilo telefônico e para outras medidas investigativas.
(...)
De maneira semelhante, o art. 2o , § 2 o , da Lei 12.830/2013, ao conferir a delegados de polícia poder de requisição de perícia, informações, documentos e dados, no curso de investigação criminal, pode induzir à interpretação equivocada e inconstitucional de que essa atribuição seria exclusiva desses servidores policiais, excluindo a atuação investigatória, o poder de requisição e a função de exercer controle externo da atividade policial por parte do Ministério Público, definidas pela Constituição da República.
Portanto, os questionamentos sobre a lei nº 12.830/2013, na ADI de referência, não visam questionar a possibilidade de o Delegado de Polícia solicitar dados diretamente às empresas telefônicas, através de Requisição, que se esclareça, possui caráter coercitivo e respaldo na jurisprudência dos Tribunais Superiores. O que se discute é o Controle Externo exercido pelo Ministério Público, e a interpretação de que a requisição de dados não pode ser atribuição exclusiva do Delegado de Polícia.
Sob esse aspecto, a questão secundária de exclusividade do poder investigativo e o controle do Ministério Público, pode macular a eficácia e eficiência da lei, que caso seja declarada inconstitucional, macularia de vício insanável todas as decisões que tiverem por base a lei que possivelmente pode ser considerada como inconstitucional.
Consultada por manifestação da Assesoria Jurídica da Chefia da Polícia Civil de Minas Gerais, a Advocacia Geral do Estado, em Promoção datada de 23 Fev 2016, aprovada pela Consultoria Jurídica/AGE, ratificou o entendimento da Consulente, informando que “O mencionado parecer nº 1552/2015, analisou com profundidade a questão, trazendo robusta e irrespondível fundamentação, principalmente porque baseada em recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, intérprete máximo da Constituição..”
Diante do exposto, verifica-se que desde antes da Lei nº 12830/2013, a requisição de dados diretamente às empresas telefônicas não é caracterizada como violadora do artigo 5º da Constituição Federal, posto que pretende, para atendimento à investigação criminal, dados secundários da comunicação e não da transmissão do pensamento entre duas ou mais pessoas.
Há de se reconhecer, entretanto que muitos conflitos com operadoras de telefonia haverão de ser judicializados até que se consiga pacificação do assunto, que insistem em interpretar de maneira completamente divergente.
[1] http://www.significados.com.br/comunicacao/ em 07 Out 2015.
[2] HABEAS CORPUS 124.322 RIO GRANDE DO SUL - http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9467219 - Brasília, 21 de setembro de 2015
[3] HC 91.867, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Sessão de 24.04.2012
Delegado de Polícia (apos). Mestre em Administração Pública/FJP - Especialista em Criminologia, Direito Penal e Processual Penal - Professor do Centro Universitário Metodista de Minas - Assessor Jurídico da Polícia Civil. Auditor do TJD/MG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, João. Interceptação Telefônica e a Lei nº 12.830/2013 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2024, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2379/interceptao-telefnica-e-a-lei-n-12-830-2013. Acesso em: 13 dez 2024.
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