Agravo de Instrumento nº 2009.001243-5, de Chapecó
Agravante : Taís Motta
Advogados : Drs. Arcides de David (9821/SC) e outro
Agravado : Training Sport e Ginástica Ltda
Advogados : Drs. Cesair Bartolamei (2774/SC) e outro
Agravada : Lang Construtora e Incorporadora Ltda
Advogado : Dr. Edson Flávio Cardoso (4847/SC)
Relator : Des. Luiz Fernando Boller
Vistos etc.
Cuida-se de agravo de instrumento interposto por TAÍS MOTTA contra decisão prolatada pelo juiz da 3ª Vara Cível da comarca de Chapecó, que nos autos da ação Cominatória nº 018.05.010979-8, ajuizada por TRAINING SPORT E GINÁSTICA LTDA. contra a agravante e LANG CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA., deferiu medida liminar nos seguintes termos:
"Inegável a relação negocial tríplice existente entre as partes. A autora efetivamente demonstrou que pagou pelos terrenos que adquiriu, fato inclusive que não é negado pelas outras partes. Também inegável que a segunda ré estaria "segurando" o segundo terreno, a fim de garantir o cumprimento por parte da primeira do contrato que possui com ela.
Verifica-se pelas ações intentadas concomitantemente pela segunda ré – execução e ação de cumprimento de contrato – que ela pretende apenas lhe seja entregue pela primeira o apartamento que adquiriu e também pagou o preço.
Ora, ao menos em sede de tutela antecipada não vejo como a relação contratual existente entre as rés possa impedir que a autora exerça a posse sobre o imóvel que regularmente adquiriu.
As provas, em especial documentos e fotografias, bem demonstram a verossimilhança das alegações da autora.
Há receio de dano irreparável ou de difícil reparação a medida em que o terreno adquirido pela autora serviria para incrementar seu estabelecimento, oferecendo aos clientes estacionamento, considerando que a via onde está localizado não permite estacionamento adequado.
Outrossim, é de todo razoável que em a segunda ré não pretendendo exercer a posse sobre o imóvel, fato demonstrado pelas demandas que intentou, mas utilizando-o como garantia de que se contrato com a outra ré será cumprido, permitir que a autora possa exercer a posse, inerente ao direito de propriedade que adquiriu ao pagar o preço dos imóveis.
Destarte, entendo presentes os requisitos do art. 273 do CPC.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de tutela antecipada, a fim de determinar que a ré Taís Motta se abstenha de construir muro ou cerca, impedindo que a autora possa utilizar parte do imóvel (lote n. 111), como estacionamento, respeitada a área onde está construída uma casa.
Intime-se.
Expeça-se mandado urgente a ser cumprido pelo Oficial de Justiça de Plantão" (fls. 39/43).
Malcontente, em síntese TAÍS MOTTA argumenta que:
"firmou contrato com a empresa Lang Construtora Ltda., onde esta se comprometeu a entregá-la um apartamento. Em contrapartida a Agravante entregaria a Lang Construtora Ltda. dois lotes, de números 110 e 111, o primeiro deles no momento da assinatura do contrato e o segundo somente após a entrega do apartamento.
Todavia, o apartamento não foi entregue, e mesmo sem esta entrega, ou seja, mesmo sem ser ainda a proprietária do lote n. 111 (que lhe seria entregue pela agravante somente após o apartamento estar pronto, conforme o previsto no contrato), a empresa Lang vendeu este lote a Agravada Training, juntamente com o lote entregue no momento da assinatura do contrato (lote 110). Vendeu-a, assim, os dois lotes. Nesta operação jamais houve qualquer participação da Agravante" (fls. 06/07).
Portanto, concluindo que a aquisição da propriedade pela construtora apenas se consolidaria após o cumprimento do contrato, com a entrega do apartamento, classificou como ineficaz a disposição antecipada e precipitada do bem em proveito de terceiro, requerendo a hígida manutenção dos direitos inatos à propriedade.
Quanto ao atendimento do pressuposto legal da demonstração de possível causação de dano grave / de difícil reparação, relatou que o imóvel – onde se assenta a construção de uma casa – seria explorado por meio de contrato de locação, de modo que sua significativa indisponibilidade, com cessão da área externa para utilização como estacionamento da agravada, afastaria o interesse de terceiros. Tanto assim, que o atual locatário, temeroso quanto à restrição de uso do bem, acabou por denunciar o pacto locatício.
Destarte, bradou pela atribuição de efeito ativo ao reclamo, permitindo-se-lhe através do provimento da pretensão, dispor livremente do imóvel, com a construção de muro ou cerca, vedando a utilização da área pela co-agravada TRAINING SPORT E GINÁSTICA LTDA. (fls. 02/17).
É o relato do essencial.
O recurso reúne as condições de admissibilidade, tendo sido demonstrados o preparo e a tempestividade (fls. 02, 18 e 19), bem como apresentados documentos essenciais e facultativos, destacando-se a juntada de cópia fotostática da decisão guerreada às fls. 39/43.
Pois bem.
Num primeiro momento, impende destacar que em 05/02/2009 os doutos integrantes da 1ª Câmara de Direito Civil julgaram o mérito do Agravo de Instrumento nº 2006.039717-6, igualmente interposto por TAÍS MOTTA contra TRAINING SPORT E GINÁSTICA LTDA. e LANG CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA.
Do respectivo acórdão de julgamento, colhe-se bem a propósito que:
"Trata-se de agravo de instrumento interposto por Taís Motta contra decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da comarca de Chapecó que, nos autos da ação cominatória ajuizada por Training Sport e Ginástica Ltda. contra Lang Construtora e Incorporadora Ltda., na qual a agravante foi integrada ao processo como litisconsorte passiva necessária, concedeu a antecipação dos efeitos da tutela para determinar à agravante que transfira à autora Training, em vinte dias sob pena de multa diária, um imóvel de sua propriedade, em cumprimento do contrato de compra e venda celebrado entre as partes originárias da ação.
Alega, em resumo, que: a) não celebrou qualquer contrato com a autora da ação, motivo pelo qual não está obrigada a outorgar-lhe a escritura do imóvel; b) em maio de 1999 celebrou um contrato de compra e venda de um apartamento com a agravada Lang Construtora, dando em pagamento dois lotes urbanos, o primeiro já transferido na ocasião da assinatura do contrato e o outro somente seria transferido na entrega do apartamento, entretanto a construtora agravada não entregou aquele apartamento, conduta que não lhe obriga a implementar a transferência do imóvel; c) tomou conhecimento da venda desses lotes à agravada Training somente com a citação da ação monitória.
Requer, por fim, que seja desobrigada a efetuar a outorga da escritura do imóvel matrícula n. 48.784/lote 111 à agravada Training, bem como, afastada a possibilidade de imposição da penalidade de multa diária.
O efeito suspensivo foi concedido às fls. 86 a 89.
Contraminuta às fls. 99 a 102.
VOTO
Razão assiste à agravante, pois não pode ser compelida a promover a outorga de escritura de um imóvel, de sua exclusiva propriedade a um terceiro – agravada 'Training' – por não possuir qualquer espécie de envolvimento como o negócio efetuado por este e a agravada 'Lang Construtora'.
Apesar de a agravante ter celebrado negócio com a agravada Lang, dito negócio não está relacionado com o contrato firmado entre esta última e a agravada Training, a qual admite na peça inicial ter conhecimento de dito negócio, que não havia sido cumprido.
Não obstante, a agravante está acobertada pelo exposto no art. 476 do CC, que diz:
Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
Impende ainda destacar excerto do despacho proferido pelo Desembargador Newton Janke (fls. 86 a 89), o qual traduz com propriedade a situação jurídica dos autos e a necessidade de suspensão da decisão agravada, 'in verbis':
Os documentos que instruem o recurso bem demonstram que, em abril de 1999, a agravante e a construtora agravada celebraram um "contrato particular de construção e de compromisso de compra e venda de imóvel" de um apartamento a ser entregue, mediante o pagamento do preço de R$ 56.000,00 (cinqüenta e seis mil reais), representado pela transferência de imóveis lotes urbanos de propriedade da recorrente (lotes nos 110 e 111).
Também ficou ajustado que o primeiro lote (nº 110) seria transferido naquele ato (em abril de 1999), enquanto o segundo (nº 111) somente na entrega do imóvel (cláusula segunda – fl. 57). Contudo, até agosto de 2005 (data da notificação extrajudicial procedida pela recorrente), a construtora não havia entregue o apartamento, motivo pelo qual o lote nº 111, e somente ele, continua em nome da agravante (fl. 67).
Concomitantemente, a agravada Training celebrou, em maio de 1999, um "contrato particular de promessa de compra e venda" com a construtora agravada, por meio do qual adquiriu aqueles mesmos dois lotes mediante o pagamento de R$ 58.000,00 (cinqüenta e oito mil reais), em parcelas mensais, sucessivas e já integralmente quitadas. Ficou ajustado que o primeiro lote seria transferido no pagamento da 18ª (décima oitava), o que foi cumprido (fl. 66), enquanto o outro aguardaria a quitação da obrigação. Porém, o segundo lote (nº 111) não lhe foi transferido, motivo pelo qual pretende compelir a agravante a cumprir a obrigação assumida pela construtora agravada.
Sumariados os fatos, resta incontroverso que o contrato de compra e venda discutido na ação principal envolve, tão-somente, as empresas agravadas; a agravante com ele jamais anuiu (fl. 38/40). E, sobre esse ajuste deve prevalecer o estipulado no art. 1.122, do Código Civil/16, que obriga um dos contratantes a transferir o domínio de coisa certa (construtora, em relação aos lotes urbanos) e outra a pagar o preço ajustado (Training). Ou seja, a obrigação de escriturar o lote nº 111, em tese, somente pode ser exigido da construtora agravada, o que depende do cumprimento da obrigação contraída com a agravante. Esta, em princípio, age acobertada pela regra da exceção do contrato não cumprido.
Se, como entendeu o magistrado, a autora sucedeu a ré nos direitos contratuais, evidentemente que também se sub-rogou nas obrigações dele emergentes.
No que tange ao periculum in mora, a transferência do imóvel, além de irreversível, privaria a agravante da sua propriedade. Em contrapartida, não se vislumbra maiores riscos para a autora-agravada, na medida em que, na inicial, anunciou ter cancelado os planos de edificar nos terrenos (fl. 30, itens 2.6 e 2.7).
Logo, a agravante somente poderia ser compelida a transmitir a propriedade do imóvel lote 111/matrícula 48.784 à Agravada "Lang" na exclusiva hipótese de ter recebido o apartamento 201, de acordo com as cláusulas do contrato. Entretanto, o apartamento não foi concluído, de modo que a transferência do lote não pode ser exigido.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso para desobrigar a agravante de efetuar a outorga da escritura do imóvel, matrícula 48.784/lote 111 à agravada 'Training' e afastar a possibilidade de exigência/imposição da multa diária.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, decide a Câmara, por votação unânime, dar provimento ao recurso" (disponível em <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/cposg/pcpoSelecaoProcesso2Grau.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=20060397176&Pesquisar=Pesquisar> acesso nesta data).
Desta paradigmática decisão evidencia-se que o cumprimento ou resolução do contrato pactuado entre TRAINING SPORT E GINÁSTICA LTDA. e LANG CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA., não deve atingir a esfera de interesse de TAÍS MOTTA, visto que esta última, a rigor do disposto no art. 1.092 da Lei nº 3.071/16 (art. 476 do NCC), não pode ser compelida a dispor da propriedade do imóvel – matriculado no Cartório do Registro de Imóveis de Chapecó sob o nº 48.784 (fl. 65) – enquanto a construtora não cumprir sua parte no contrato subjacente, promovendo a entrega do apartamento nº 201, objeto do registro de incorporação imobiliária nº 18.681 (fls. 106/112).
O art. 524 do CC pretérito (art. 1.228 da Lei nº 10.406/02), estabelece que `a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua´.
Portanto, se há manifestação jurisdicional no sentido de que a agravante de fato não está obrigada a dispor da propriedade enquanto não cumprida condição atribuída à contratada, do mesmo modo se revela inadequada a limitação da posse em proveito de terceiro estranho a esta relação contratual, ainda que vinculado ou interessado no cumprimento do ajuste.
Neste sentido, a Súmula 487 do STF orienta que `será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada´.
Dúvidas não há acerca da adequação da conclusão à espécie, visto que cada qual dos litigantes, invocando condição contratual própria, pretende manter / obter a propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 48.784 do Cartório do Registro de Imóveis de Chapecó (fl. 65).
Tendo sido reconhecido que o domínio do bem – ainda que resolúvel em proveito de terceiro – pertence à agravante, revela-se evidentemente inadequada a limitação de seu direito possessório.
E ao determinar que a área ao derredor da edificação respectiva seja disponibilizada à TRAINING SPORT E GINÁSTICA LTDA. como espaço de estacionamento, não há que se exigir maior demonstração do evidente risco de dano grave ou de difícil reparação, constituído pela perda da intimidade, da segurança, da tranquilidade, paz, sossego e movimentação da estrutura em razão da movimentação do solo, danificação de eventuais benfeitorias (bosque, jardim, churrasqueira, playground, piscina, canil), etc..
Sob esta ótica, observando que a agravante explora o imóvel através de sua locação, não fica difícil compreender que qualquer atrativo comercial / residencial cessa por completo, o que resulta em imediato prejuízo econômico-financeiro.
Em elucidativo artigo dedicado ao estudo do agravo após as alterações concebidas pela Lei nº 11.187/05, o Ministro aposentado do STJ, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, leciona que:
"as decisões de adiantamento dos efeitos da tutela, a toda evidência e dado seu caráter satisfativo, somente comportam o agravo por instrumento; o propósito da tutela antecipada é, com efeito, superar de imediato os possíveis efeitos deletérios ao direito da parte, decorrentes do tempo em que o processo corre (ou lentamente marcha...) em juízo (Athos Gusmão Carneiro, Da antecipação de tutela, 6. Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005). O adiantamento tardio equivalerá, freqüentes vezes, ao não adiantamento" (CARNEIRO, Athos Gusmão. Do Recurso de Agravo ante a Lei nº 11.187/2005: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: RT, 2006, v. 10, p. 17).
Consequentemente, nos termos do disposto no art. 527, inc. III do CPC, esses são motivos bastantes não apenas para a imediata atribuição de efeito ativo ao reclamo, mas fundamentalmente para seu provimento de plano, com a cassação da decisão prolatada nos autos da Ação Cominatória nº 018.05.010979-8 em 15/12/2008 (fls. 39/43), o que faço com fundamento no art. 557, § 1º-A, do CPC, arts. 524 e 1.092 da Lei nº 3.071/16 – com consectários nos arts. 524 e 1.092 do NCC – e Súmula 487 do STF.
Comunique-se.
Intimem-se.
Fluido o prazo recursal, arquive-se, com as baixas respectivas nos registros pertinentes.
Florianópolis, 6 de maio de 2009.
Luiz Fernando Boller
RELATOR
Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (SC)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BOLLER, Luiz Fernando. Cessão de área para estacionamento de academia é revertida pelo TJSC Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 maio 2009, 07:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/274/cessao-de-area-para-estacionamento-de-academia-e-revertida-pelo-tjsc. Acesso em: 08 dez 2024.
Por: Remo Higashi Battaglia
Por: Remo Higashi Battaglia
Por: Marcos Antonio Duarte Silva
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