Agravo de Instrumento nº 2009.028736-2, de Balneário Camboriú
Agravante : Fulano de tal
Advogados : Drs. Robson Luiz Tomazoni Pereira (12724/SC) e outro
Agravado : Beltrano
Advogados : Drs. Arlei Humberto Marchiori (19721/SC) e outro
Relator : Des. Luiz Fernando Boller
DECISÃO MONOCRÁTICA
Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo administrador de empresas Fulano de tal contra decisão prolatada pelo juízo da 2ª Vara Cível da comarca de Balneário Camboriú, que nos autos da Ação Indenizatória nº 005.08.016617-7, deferiu apenas em parte a antecipação dos efeitos da tutela pretendida pelo ajudante de motorista Beltrano de tal, arbitrando alimentos civis no valor mensal de R$ 518,00 (quinhentos e dezoito reais), devidos à partir da data do decisum (fls. 217/218).
Malcontente, o agravante alega que:
Tendo o Magistrado, data vênia, se convencido da culpabilidade do Agravante, pela simples juntada aos autos, da denúncia do crime deflagrado contra o mesmo, resta violado o direito do contraditório e da ampla devesa, assim como da imparcialidade do Magistrado.
Data maxima venia, não se pode considerar alguém culpado, pela simples juntada aos autos, do processo crime, que não possui, qualquer decisão, até o momento, conforme cópia da movimentação atualizada em anexo;
Avultando que "a decisão do Magistrado de origem considerou o Agravante culpado, sem ter sido, ainda, oportunizado ao mesmo, qualquer direito de resposta, no processo crime", afirmou que houve violação aos princípios de presunção de inocência, devido processo legal e contraditório, asseverando que a decisão não teria feito expressa referência aos documentos ensejadores da convicção sumária, apresentando-se genérica em seus fundamentos.
De outro vértice, argumentando que o agravado estaria recebendo auxílio previdenciário – omitindo esta circunstância do juízo – bradou pela condenação deste em pena por litigância de má-fé, com a atribuição de efeito ativo ao recurso e, ao final, seu provimento, com a reforma da decisão objurgada (fls. 02/11).
É o relato do essencial.
O recurso foi interposto regularmente e preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual é conhecido.
A possibilidade de concessão de efeito suspensivo ou antecipação dos efeitos da tutela recursal está disposta nos arts. 527, inc. III e 558, ambos do CPC, estabelecendo este último que:
O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.
Depreende-se, portanto, que a tutela recursal depende da suficiente demonstração de risco de lesão grave ou de difícil reparação e relevância da fundamentação, sobre o que passo a discorrer.
Deturpando o teor da decisão guerreada, Fulano de tal busca fazer crer que ao referir que os documentos acostados à demanda subjacente evidenciam sua culpabilidade, o magistrado a quo lhe teria condenado antecipadamente.
Sem razão, absolutamente, visto que a utilização precisa e adequada da palavra `evidenciam´ vai ao encontro da robusta prova logo de início produzida pelo agravado.
Isto não significa afirmar que ao agravante foi denegada a oportunidade própria de derrogar a prematura verossimilhança da pretensão deduzida por Beltrano de tal, mas, sim, que o perigo de lesão assume envergadura tal, que erige-se a um primeiro plano de proteção.
Os princípios constitucionais do contraditório, presunção de inocência e devido processo legal não foram violados, mas apenas postergados para a fase processual adequada, tudo em razão do privilégio conferido à necessidade de imediata proteção do interesse jurídico do ofendido, com a minimização dos danos inatos à demora procedimental, resultante da natural observância dos princípios sobreditos, invocados pelo agravante.
Amparando tal conclusão, entendo pertinente consignar que em razão do acidente de veículos adiante detalhado, Beltrano de tal ficou definitivamente paraplégico, "com movimentos restritos nos membros superiores e atrofia nos inferiores" (fl. 15), quadro bem sedimentado nos documentos de fls. 29 e 31, que ainda revelam a presença de pino de metal em sua coluna vertebral, destinado a consolidar fratura óssea.
O argumento manejado no sentido de que a vítima estaria usufruindo de benefício previdenciário, circunstância que, além de impedir ou interferir no pagamento dos alimentos civis deveria ensejar a condenação por litigância de má-fé, igualmente não vinga.
Sobre a matéria, ULDERICO PIRES DOS SANTOS leciona, bem a propósito, que:
Nos casos de acidente de trânsito, o pagamento da indenização deve ser feito à vitima ou aos seus familiares, independentemente de ela estar percebendo pensão previdenciária. Esta circunstância não afasta, por si só, o valor da indenização devida pelo ato ilícito e nem diminui o seu quantum. Uma coisa nada tem a ver com a outra, ou melhor: a pensão previdenciária paga pelos cofres públicos à vítima ou aos seus beneficiários não ilide, de forma alguma, a que lhe for devida em conseqüência do evento danoso. A cumulatividade de ambas é absolutamente pacífica nos nossos tribunais locais e até na Corte Suprema, que entende que não é justo e muito menos lícito os responsáveis pelos atos danosos decorrentes de procedimentos ilícitos se beneficiarem com as verbas ou vantagens que os dependentes da vítima já auferirem antes do acidente sob outro título (RT, vol. 348, pág. 179; RJTJESP, ed. Lex, vols. 37/72 e 6/182) (SANTOS, Ulderico Pires dos. A responsabilidade civil na doutrina e na jurisprudência. Forense, 1984. p. 90).
Da JC-Jurisprudência Catarinense, de forma idêntica colhe-se que:
O valor da pensão oriunda da responsabilidade civil aquiliana independe da percepção de benefício previdenciário (AC nº 2004.031088-6, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. em 10/08/2006).
E do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, infere-se que:
I. Diversamente do benefício previdenciário, a indenização de cunho civil tem por objetivo não apenas o ressarcimento de ordem econômica, mas, igualmente, o de compensar a vítima pela lesão física causada pelo ato ilícito do empregador, que reduziu a sua capacidade laboral em caráter definitivo, inclusive pelo natural obstáculo de ensejar a busca por melhores condições e remuneração na mesma empresa ou no mercado de trabalho.
II. Destarte, ainda que mantido o empregado nas suas funções anteriores, o desempenho do trabalho com maior sacrifício em face das seqüelas permanentes há de ser compensado pelo pagamento de uma pensão indenizatória, independentemente de não ter havido perda financeira concretamente apurada (Resp nº 324.149,SP, rel. Min. Aldir Guimarães Passarinho Junior, j. em 14/05/2002, DJU 12/08/2002, p. 00216).
Por consequência, viável a conclusão de que em razão da distinção das verbas, Beltrano de tal não está obrigado a aludir eventual percepção de benefício previdenciário, o que derroga a pretendida – e, na espécie, teratológica – aplicação da penalidade estatuída no art. 18 do CPC.
De outro vértice, relativamente ao argumento de que o magistrado a quo não teria referido qual o(s) documento(s) utilizado para a formação da convicção debatida, valendo-se de uma fundamentação genérica, basta compulsar o instrumento para concluir que a análise pormenorizada justamente não foi consignada em face da prevalência dos princípios garantistas ditos violados...
Não há dificuldade alguma para aferir que o instrumento está repleto de documentos e declarações de agentes públicos dando conta de que em 10/09/2006, Fulano de tal estava conduzindo veículo automotor sob influência de elevado nível de alcoolemia, envolvendo-se no acidente de veículos que, além de acarretar a incapacidade definitiva de Beltrano de tal, hoje com 31 (trinta e um) anos de idade, resultou na morte de CELSO DE TAL, que à época contava apenas 27 (vinte e sete) anos de idade (fl. 135).
E este desditoso evento não constitui fato isolado, visto que em 27/01/2007, na condução do GM ASTRA GL de placas LZF-8912, o agravante, também sob o efeito de bebida alcoólica e com a habilitação vencida, teria fugido de fiscalização da Polícia Militar, imprimindo velocidade excessiva ao veículo, "passando por cima do canteiro e derrubando os cones existentes entre o meio das pistas de rolamento", desencadeando perseguição cinematográfica pela rodovia BR-101, em direção ao município de Itapema, resultando na destruição da viatura VTR-0279, e, logo após o posto da Polícia Rodoviária Federal próximo, a perda de controle de seu automotor, com a colisão contra uma sarjeta situada às margens da rodovia (fls. 47/48, 49, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 79/80, 81, 82, 83, 84/85 e 86/87).
Gize-se que este segundo evento ocorreu após transcorridos pouco mais de 4 (quatro) meses depois da fatídica ocorrência, evidenciando habitualidade de reprovável conduta.
Não há como crer que a pretensão contida na inicial vem desprovida de verossimilhança. Bem ao contrário: com incensurável acerto, o magistrado a quo deixou de referir cada um dos inúmeros e consistentes documentos justamente para afastar eventual alegação de parcialidade, mantendo a isenção própria dos julgadores dotados de elevada sindérese.
No decorrer da lide, cabe a Fulano de tal comprovar que não concorreu com culpa para a consecução do evento descrito na inicial.
Mas diante das circunstâncias, isso não impede que – logo de início – se afiram os pressupostos indispensáveis à aplicação do disposto no art. 273 do CPC.
Neste sentido, a JC-Jurisprudência Catarinense é copiosamente fecunda, destacando-se, a propósito, o seguinte precedente:
PROCESSO CIVIL - INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - PROVIMENTO ANTECIPATÓRIO DEFERIDO NO JUÍZO DE 1º GRAU - INCONFORMISMO GENÉRICO QUANTO À AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA - ALEGAÇÕES AFASTADAS - PROVA INEQUÍVOCA E INCONTROVERSA - IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA - RELATIVIDADE - SUBORDINAÇÃO À NECESSIDADE E PROPORCIONALIDADE - PREVALÊNCIA DO DIREITO À SOBREVIVÊNCIA SOBRE O DIRETO PATRIMONIAL - DECISUM MANTIDO - RECURSO DESPROVIDO. É cabível o provimento antecipatório em ações de acidente de trânsito em que a vítima pretenda pensionamento mensal do ofensor, desde que demonstrados prova inequívoca, verossimilhança, perigo de dano e irreversibilidade com o indeferimento da tutela antecipada. No conflito de preponderância entre direitos deve-se garantir os absolutos (direito à vida, saúde, etc) em detrimento dos relativos, em conseqüência do relativismo da irreversibilidade, subordinada que está aos princípios da necessidade e da proporcionalidade. (AI nº 2003.026008-0, Chapecó. Rel. Des. Monteiro Rocha, julgado em 07/07/2005).
Concluindo a apreciação da matéria, compreendo relevante destacar que, especialmente nos dias de hoje, onde as campanhas publicitárias e educativas são absolutamente enfáticas e conhecidas de todos, quem voluntariamente assume a condução de veículo automotor depois de ingerir qualquer quantidade de álcool, deve estar preparado para as consequências – diretas ou indiretas – desta conduta, aí incluída a possibilidade de vir a ser processado civil e/ou criminalmente em razão de acidente em que tenha se envolvido, com culpa, ou não.
Na espécie, o que se deve privilegiar é a dignidade de jovem homem que, de inopino, teve a sua compleição e capacidade física atingida por violento e insensato acidente de trânsito.
Por fim – relativamente à alegação de que o agravante sobrevive com proventos de aposentadoria de apenas R$ 1.895,00 (hum mil, oitocentos e noventa e cinco reais), sendo incapaz de suportar a pensão mensal arbitrada em proveito do agravado no importe de R$ 518,00 (quinhentos e dezoito reais) – há que se considerar que por ocasião da prestação de fiança, Fulano de tal emitiu cheque de R$ 1.750,00 (hum mil, setecentos e cinquenta reais), sacado da conta corrente mantida desde outubro de 1999 por DELTA DE TAL LTDA. na agência do BANCO BRADESCO S/A. em Blumenau-SC. (fls. 69 e 70).
Naquela oportunidade, o agravante afirmou ser sócio-proprietário e representante legal da DELTA DE TAL LTDA., o que inviabiliza o acolhimento da tese de hipossuficiência financeira.
Ademais, quem pode se dar ao gosto da ostentação e do prazer de destruir dois valiosos automóveis de luxo (HONDA ACCORD e GM ASTRA) no intervalo de pouco mais de 4 (quatro) meses (fls. 171/184 e 185/188), despendendo substantiva quantia para o pagamento de reiteradas multas de trânsito – a grande maioria por excesso de velocidade (fls. 116/120) –, deve esforçar-se para manter a dignidade de vítima incapacitada, em cadeira de rodas.
Diante do exposto, observando que a decisão objurgada encontra guarida em jurisprudência consolidada tanto nesta Corte quanto no STJ, especialmente em razão da ausência de relevância das razões de agravo, com fundamento nos arts. 527, inc. I, e 557, ambos do CPC, conheço o presente reclamo, mas nego-lhe seguimento.
Intime-se, comunique-se.
Após, arquive-se, com a baixa devida nos registros correspondentes.
Florianópolis, 09 de junho de 2009.
Luiz Fernando Boller
RELATOR
Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (SC)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BOLLER, Luiz Fernando. Beber e dirigir acarreta o risco de indenizar de forma antecipada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2009, 08:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/303/beber-e-dirigir-acarreta-o-risco-de-indenizar-de-forma-antecipada. Acesso em: 08 dez 2024.
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