1. BREVE INTRODUÇÃO
Inicialmente, gostaria de destacar que, recentemente publiquei artigo que foi concluído com o seguinte parágrafo:
Em síntese, a Lei n. 13.964/2019 torna a lei hedionda ainda mais hedionda, isso porque amplia o rol de crimes hediondos, inserindo até crime em que a conduta preparatória constitui crime autônomo (art. 1º, parágrafo único, inc. V)...[1]
Este novo texto é resultado da cobrança de 2 amigos e especialmente da necessidade de esclarecer aquilo que consta da nova lei, em prenúncio de nova inconstitucionalidade, isso porque o STF decidiu e foi publicada a lei, mantida, mas que viola o princípio da proporcionalidade. Aliás, cria um grande problema.
Em um momento niilista, em uma política ao modo Trump,[2] em decorrência do Projeto de Lei n. 10.372/2018, de autoria de vários Deputados Federais,[3] que é denominado Projeto Alexandre de Moraes e de Pacote Anticrimes, hoje, lei anticrimes, foi que surgiu a Lei n. 13.964, de 24.12.2019, publicada no mesmo dia.
Neste artigo, nos ocuparemos da parte em que a lei que (segundo a sua ementa, “Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal”) se ocupa da execução criminal. Em seu art. 4º, a Lei n. 13.964/2019 altera a Lei n. 7.210/1984 (Código de Execução Criminal, mais conhecido como Lei de Execução Penal – porque assim se autodenomina), iniciando pelo seu controverso art. 9º-A, inserido pela Lei n. 12.654, de 28.5.2012.
2. ALTERAÇÕES NA IDENTIFICAÇÃO DO PERFIL GENÉTICO
Apresento a seguir o art. 9º-A da Lei n. 7.210/1984 com os novos acréscimos em itálico:
Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.
§ 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.
§ 1º-A. A regulamentação deverá fazer constar garantias mínimas de proteção de dados genéticos, observando as melhores práticas da genética forense.
§ 2o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.
§ 3º Deve ser viabilizado ao titular de dados genéticos o acesso aos seus dados constantes nos bancos de perfis genéticos, bem como a todos os documentos da cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira que possa ser contraditado pela defesa.
§ 4º O condenado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não tiver sido submetido à identificação do perfil genético por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional deverá ser submetido ao procedimento durante o cumprimento da pena.
§ 5º (VETADO).
§ 6º (VETADO).
§ 7º (VETADO).
§ 8º Constitui falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético.
Seria alterado o caput, cuja nova redação seria a seguinte:
Art. 9º-A. O condenado por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional.
São razões do veto, conforme da Mensagem n. 726, de 24.12.2019, dirigida ao Presidente do Senado Federal:
A proposta legislativa, ao alterar o caput do art. 9º-A, suprimindo a menção expressa aos crimes hediondos, previstos na Lei n. 8.072, de 1990, em substituição somente a tipos penais específicos, contraria o interesse público, tendo em vista que a redação acaba por excluir alguns crimes hediondos considerados de alto potencial ofensivo, a exemplo do crime de genocídio e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, além daqueles que serão incluídos no rol de crimes hediondos com a sanção da presente proposta, tais como os crimes de comércio ilegal de armas, de tráfico internacional de arma e de organização criminosa.[4]
Esta é uma matéria que, caso o STF venha se posicionar de forma garantista, declarará a inconstitucionalidade do art. 9º-A. No entanto, foi declarada repercussão geral, em 24.6.2016, no RE 973837-MG, havendo parecer da PGR pelo improvimento do recurso.[5] O veto evita um erro, mantendo outro, visto que o tráfico ilícito de psicotrópicos, crime assemelhado a hediondo continua fora da autorização para o cadastro de perfil genético, quando se trata de crime constitucionalmente assemelhado a hediondo. De todo modo, mantenho a minha posição, exposta academicamente alhures:
Não vou me estender muito sobre o assunto, apenas esclarecendo que concordo com Pacelli, no sentido de que o art. 9º-A do CEC é inconstitucional,[6] eis que não prevê prazo para manutenção do cadastro no perfil genético dos condenados.[7]
Ao contrário de corrigir a inconstitucionalidade, a reforma que visa a aprimorar a legislação, amplia o alcance do inconstitucional cadastro de perfil genético. Pior, considera falta grave a pessoa se recusar a fornecer dados e materiais biológicos para tal cadastro. Ao meu sentir, é inconstitucional obrigar uma pessoa a produzir prova criminal contra si mesma.
Creio que já li sobre o princípio nemo tenetur se degenere, “segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em atividade probatória da acusação”.[8] Veja-se que o cadastro é pior do que isso, é uma prova predisposta, caso o cadastrado venha a praticar crime, o Estado terá como encontrá-lo por intermédio dos dados armazenados.
Tenho até medo de citar Luigi Ferrajoli, mesmo academicamente, porque, após fazer sustentação oral em um habeas corpus, ouvi de uma Desembargadora de Justiça que pretende um garantismo em um sistema de justiça que não prestigie o acusado, como o preconizado por Ferrajoli,[9] mas que defenda a sociedade pelo rigor jurídico criminal. Em suma, que se danem os direitos individuais em nome de uma suposta boa coletividade. No Brasil de hoje, a posição da referida Desembargadora de Justiça, que sequer merece ter o nome citado para não ser valorizada, tem grande número de obstinados apoiadores, o que faz com que as leis caminhem nessa direção policialesca e punitivista. Apenas posso afirmar com Assis Toledo:
A lei penal mais repressiva, com penas cruéis, já foi utilizada aqui e alhures, mas contraditoriamente deu como resultado novos tipos de crime, como ocorreu com gangsterismo por ocasião da lei seca... É um círculo vicioso interminável.[10]
O novo § 1º-A do art. 9º-A nada ou pouco acresce. Garantia de respeitar regras científicas é o mínimo que se pode esperar de um Estado de Direito.
Doutrinariamente se afirma ser o direito criminal do autor inconstitucional. É isso que consagra o art. 9º-A, especialmente o seu § 2º, razão de não concordar com o mesmo e a ampliação dos rigores para o tal cadastro de perfil genético, eis que defendo a sua revogação.
O novel § 3º procura acrescer algo garantista ao condenado. Isso não retira o caráter de um ultrapassado Direito Criminal do Autor ao prestigiar o famigerado cadastro de perfil genético. Essa valorização fica mais clara no § 4º, o qual determina a submissão ao cadastro na fase da execução criminal, caso não tenha isso havido antes.
O § 5º e as razões do seu veto se seguem:
§ 5º A amostra biológica coletada só poderá ser utilizada para o único e exclusivo fim de permitir a identificação pelo perfil genético, não estando autorizadas as práticas de fenotipagem genética ou de busca familiar.
Razões do veto
A propositura legislativa, ao vedar a utilização da amostra biológica coletada para fins de fenotipagem e busca familiar infralegal, contraria o interesse público por ser uma técnica que poderá auxiliar no desvendamento de crimes reputados graves, a exemplo de identificação de irmãos gêmeos, que compartilham o mesmo perfil genético, e da busca familiar simples para identificar um estuprador, quando o estupro resulta em gravidez, valendo-se, no caso, do feto abortado ou, até mesmo, do bebê, caso a gestação seja levada a termo.
Somente um utilitarismo exagerado poderá levar à justificação do veto. Ele é ruim por si mesmo, eis que pretender alcançar outrem por meio de um inocente, como se os fins justificassem o meio poderia justificar o absurdo veto. Se a pessoa sujeita ao exame não é autora do crime, por que deverá se submeter ao exame?
O veto pretende tão somente prestigiar a inconstitucionalidade de se ter uma investigação criminal que não respeita direitos fundamentais de primeira dimensão.
Curiosamente, tendente a minimizar a inconstitucionalidade do art. 9º-A, vetou-se o § 6º do art. 9º-A. Veja-se:
§ 6º Uma vez identificado o perfil genético, a amostra biológica recolhida nos termos do caput deste artigo deverá ser correta e imediatamente descartada, de maneira a impedir a sua utilização para qualquer outro fim.
Razões do veto
A proposta legislativa, ao prever o descarte imediato da amostra biológica, uma vez identificado o perfil genético, contraria o interesse público tendo em vista que a medida pode impactar diretamente no exercício do direito da defesa, que pode solicitar a refeitura do teste, para fins probatórios. Ademais, as melhores práticas e recomendações internacionais dizem que após a obtenção de uma coincidência (match) a amostra do indivíduo deve ser novamente testada para confirmação do resultado. Trata-se de procedimento de controle de qualidade com o objetivo de evitar erros.
Seria inconstitucional a prova não submetida ao crivo do contraditório, razão de se concordar com o veto. Pior é a pretensão da manutenção do Direito Criminal do Autor na legislação criminal pátria, razão de entender que todo art. 9º-A seja declarado inconstitucional.
O § 8º estabelece: “Constitui falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético”. Ao meu sentir, isso é inconstitucional por violar o princípio nemo tenetur se degenere, conforme já afirmamos anteriormente.
Consequência natural da inserção do § 8º no art. 9º-A, foi o novel art. 50, inc. VIII, que inclui a falta grave de o condenado se “recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético”. Ocorre que tal obrigatoriedade viola o princípio nemo tenetur se degenere.
3. MAIS RIGORES PARA O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO
A Lei n. 13.964/2019 modificou o caput do art. 52, com todos os seus incisos (embora tenha mantido a redação do inc. II), passando a dispor:
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas) horas;
IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso;
V - entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial em contrário;
VI - fiscalização do conteúdo da correspondência;
VII - participação em audiências judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do preso.
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também será aplicado aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros:
I - que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade;
II - sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave.
§ 3º Existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime disciplinar diferenciado será obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional federal.
§ 4º Na hipótese dos parágrafos anteriores, o regime disciplinar diferenciado poderá ser prorrogado sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano, existindo indícios de que o preso:
I - continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal de origem ou da sociedade;
II - mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, considerados também o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário.
§ 5º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, o regime disciplinar diferenciado deverá contar com alta segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais.
§ 6º A visita de que trata o inciso III do caput deste artigo será gravada em sistema de áudio ou de áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada por agente penitenciário.
§ 7º Após os primeiros 6 (seis) meses de regime disciplinar diferenciado, o preso que não receber a visita de que trata o inciso III do caput deste artigo poderá, após prévio agendamento, ter contato telefônico, que será gravado, com uma pessoa da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez) minutos.
A redação originária do Código de Execução Criminal trazia apenas o art. 52, sem incisos e parágrafos, com a seguinte redação: “A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e sujeita o preso, ou condenado, à sanção disciplinar, sem prejuízo da sanção penal”.
Na 3ª edição do meu Execução criminal: teoria e prática, inseri um apêndice intitulado “Comentários ao Projeto de Lei n. 12/2003”. Na ocasião, iniciei expondo:
Existem vários projetos de lei no Congresso Nacional, todos tendentes à modificação da Lei de Execução Penal, sendo principais o que ora está em tramitação na Câmara dos Deputados sob o n. 5.075/2001. O Projeto de Lei n. 5.075/2001 ganhou novo número no Senado, passando a ser o n. 12/2003. Aquele tem sido chamado de “lepona” e este, o que comentamos, de “lepinha”.
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O Manual está repleto de colocações contrárias à ideia de que o problema da criminalidade pode ser superado pela simples edição de nova lei criminal. A grande inflação legislativa leva à banalização do Direito Criminal,[11] ao contrário de dar-lhe maior conotação científica ou utilitária. Entretanto, fácil é perceber que inúmeros fatos graves, de conotação criminal, com indícios de envolvimento de presos, fazem emergir a urgência de aprovação do Projeto de Lei n. 12/2003, como se a nova lei fosse a resposta necessária à criminalidade e superasse todos os problemas.[12]
O Projeto de Lei n. 5.075/2001 (PLS n. 12/2003) transformou-se na Lei n. 10.792, de 1.12.2003, a qual inseriu incisos no caput do art. 52 do Código de Execução Criminal e os §§ 1º-2º.[13] Também, os arts. 3º-8º da Lei n. 10.792/2003 regulou o regime disciplinar diferenciado e ela aproveitou a parte do Projeto de Lei n. 5.075/2001 para disciplinar o interrogatório, alterando os art. 185-196 do Código de Processo Penal. Agora, a Lei n. 13.764/2019, inseriu no § 2º no 1º e, consequentemente, revogou o § 2º.
O novel inc. I, ao meu alerta, carecia, no mínimo de melhora na técnica legislativa. Com efeito, antes da aprovação da Lei n. 10.792/2003, afirmei:
...o legislador desconhece o art. 10 do CP, uma vez que se o conhecesse não teria pensado em 360 dias, mas em um ano, tendo em vista que o prazo de direito material criminal é contado segundo o calendário comum...
O art. 52 da LEP está repleto de equívocos... infrações distintas devem gerar sanções também distintas,... não é coerente estabelecer o máximo de 1/6 da pena,... Em síntese, melhor seria criar regime disciplinar diferenciado com prazo inferior a um ano, mas com possibilidade de imposição por todo o período da pena.[14]
Os prazos penais devem ser previstos em dias, meses e anos. A nova redação, adequou a linguagem ao previsto no art. 10 do Código Penal. Mas, o ideal mesmo seria desaparecer com o regime disciplinar diferenciado do nosso sistema legislativo. Ao contrário, ampliou-se o prazo de 1 ano para 2 anos, sem o limite máximo de 1/6 da pena.
Os direitos do preso no regime disciplinar diferenciado serão significativamente mitigados, visto que não se possibilitarão visitas íntimas, nem contatos físicos (inc. III). Mais ainda, a visitas serão gravadas em sistema de áudio ou áudio e vídeo e, com autorização judicial, ser fiscalizada por Agente Penitenciário (§ 6º). A entrega de algum objeto ou documento ao preso, somente poderá se dar por intermédio do Defensor e com expressa autorização judicial (inc. V).
A fiscalização do conteúdo da correspondência, com previsão expressa no inc. VI do caput do art. 52, já é aplicada a todos os presos, o que natural para evitar graves perturbações da ordem e tráfico ilícito de psicotrópicos. Mas, a preferência por audiências judiciais por vídeo conferência é algo pouco justificável se o preso estiver na comarca ou circunscrição judicial de se concretizará a audiência. De todo modo, em nome da segurança pública, muitas restrições aos direitos fundamentais têm se concretizado.
O § 3º do art. 52 obriga o recolhimento em presídios federais dos líderes de organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que atuem em 2 ou mais Estados da Federação. Nesses casos, o regime disciplinar diferenciado se dará com alta segurança interna e externa para evitar os contatos com os seus antigos grupos ou rivais (§ 5º).
A supressão do prazo máximo do regime disciplinar diferenciado, em 1/6 da pena, permitiu a criação do § 4º, o qual autoriza a prorrogação do prazo do regime por períodos de 1 ano se a pessoa continuar apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal de origem e da sociedade; ou se a pessoa mantiver vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada.
O § 7º possibilita que o preso no regime disciplinar diferenciado que não receber visitas, após 6 meses de ingressar no regime, possa ter contato telefônico com uma pessoa da família, por 10 minutos, 2 vezes por mês, sendo tais telefonemas gravados. Observe-se a prática do Direito Penal do Inimigo, de extremo simbolismo que constatamos no dia-a-dia: elegem um inimigo do RJ, transferem para o DF e o máximo que ele poderá ter de contato com apenas 1 ente familiar, por mês, será de 20 minutos, com tudo gravado. Isso viola o princípio da humanização da pena.
4. UM SISTEMA PROGRESSIVO MAIS BRASILEIRO E MENOS IRLANDÊS
Acerca dos sistemas penitenciários clássicos, academicamente, expliquei:
1. Modelo pensilvânico (ou regime da Filadélfia) (1828): baseado no completo isolamento celular, em que os condenados não podiam sair da cela em nenhum momento, sendo que somente depois de alguns anos de criado é que foi autorizado o trabalho, mas ainda na cela. Tal sistema autoriza o exercício permanente da tortura, aniquilando a dignidade humana.[15]
2. Sistema alburniano (ou do silêncio): iniciado no Estado de New York, com a Penitenciária de Alburn, consiste no trabalho em comum diurno, com isolamento celular durante à noite.[16] Tanto o sistema alburniano como o pensilvânico, na última fase, vedam a comunicação com o exterior e baseiam sua eficácia no trabalho.[17]
3. Sistema progressivo: iniciado em 1840 por Maconochie, Capitão da Marinha Inglesa, tendo sido aplicado na Austrália aos deportados da Grã-Bretanha, previa três fases: (a) período de prova (isolamento diuturno com trabalho obrigatório); (b) trabalho em comum durante o dia e isolamento noturno; (c) livramento condicional.[18] O sistema irlandês adotou o sistema progressivo (ou inglês), introduzindo um novo estágio a este, ou seja, antes de entrar em livramento condicional, o condenado passava por uma fase intermediária, que era a do trabalho externo. Também fragilizou a ideia concebida, que era a da adoção do sistema pensilvânico durante o primeiro estágio, e durante o segundo estágio não mais exigia a rigidez do sistema alburniano, rigores adotados pelo sistema progressivo inglês.[19]
4. Também é importante o Sistema de Elmira, instituído em 1876, o qual é um modelo progressivo, mas que não tem pena determinada. Aliás, o estabelecimento tem caráter reformatório, ou seja, o interesse maior não é fazer com que o infrator tenha que pagar a pena, mas que o mesmo melhore, optando, portanto, pela pena indeterminada, ou seja, o condenado, de acordo com seu comportamento, poderia ter o prazo da pena aumentado ou diminuído, pois a pena seria extinta somente no dia em que se tornasse evidente sua recuperação.[20]
Veja-se que partimos de um sistema de isolamento total para um sistema de silêncio, tentando evitar a promiscuidade e a má-influência de um preso sobre outro para um sistema mais flexível. O Brasil, adota um sistema inspirado no progressivo irlandês, mas vem estabelecendo rigores pretendendo resgatar um sistema próximo ao do isolamento, visto que amplia os rigores do regime disciplinar diferenciado e cria novos dificultadores à progressão de regime.
A Lei n. 13.964/2019 alterou significativamente a redação ao art. 112 da Lei n. 7.210, de 11.7.1984 (constarão em itálico, as novas alterações):
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.
§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
§ 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que também será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.[21]
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V - não ter integrado organização criminosa.
§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo.
§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006.
§ 6º O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena, caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena remanescente.
§ 7º (VETADO). (NR)
Vê-se que o caput foi dividido em incisos e os §§ 1º e 2º ganharam novas redações, mas foram mantidos os §§ 3º e 4º. Estes foram introduzidos na Lei n. 7.210/1984 por força da Lei n. 13.769, de 19.12.2018, visando a adequar o nosso Código de Execução Criminal à decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida nos autos do Habeas Corpus n. 143.641/SP,[22] sendo recomendável a leitura de texto específico sobre tal lei, que visa a adequar a individualização da pena da mulher grávida, com filho criança ou dependente com deficiência física.[23]
A seguir, em um quadro comparativo, apresentarei os requisitos da Lei n. 13.964/2019, a qual, em seu art. 4º, altera a Lei n. 7.210/1984. Informarei como a lei estava redigida e, sucintamente, esclarecerei sobre eventual alteração ou manutenção dos requisitos temporais legais.
Lei n. 7.210, de 11.7.1984, art. 112: inovações acerca do requisito temporal para progressão de regime |
||
Dispositivo |
Requisito: nova lei |
Lei anterior |
Inc. I |
16% - primário em crime sem violência ou grave ameaça |
1/6 – houve arredondamento, visto que representa 16,666667% |
Inc. II |
20% - reincidente em crime sem violência ou grave ameaça |
Inovação legislativa (20% é igual a 1/5). Antes era 1/6. |
Inc. IIII |
25% - primário em crime com violência ou grave ameaça |
Inovação legislativa (25% é igual a 1/4). Antes era 1/6. |
Inc. IV |
30% - reincidente em crime com violência ou grave ameaça |
Inovação legislativa (30% é quase 1/3). Antes era 1/6. |
Inc. V |
40% - primário em crime hediondo ou assemelhado |
Mantido o requisito anterior (art. 2º, § 2º da Lei n. 8.072/1990). 40% é o mesmo que 2/5. |
Inc. VI |
50% - primário em: (a) crime hediondo ou assemelhado com resultado morte; (b) exercer comando em organização criminosa para crime hediondo ou assemelhado; (c) constituição de milícia privada |
Inovação legislativa. 50% é o mesmo que 1/2. Antes era 2/5. |
Inc. VII |
60% - reincidente em crime hediondo ou assemelhado |
Mantido o requisito anterior (art. 2º, § 2º da Lei n. 8.072/1990). 60% é o mesmo que 3/5. |
Inc. VIII |
70% - reincidente em crime hediondo ou assemelhado com resultado morte |
Inovação legislativa. 70% é mais do que 2/3, o exigido para o livramento condicional de primário em crime hediondo ou equiparado |
§ 3º |
1/8 – mulher gestante, mãe de criança ou responsável por deficiente |
Inserido pela Lei n. 13.769/2018, no caso de qualquer crime e sendo ela primária ou reincidente (1/8 é igual a 12,5%) |
Os sistemas de computação utilizados para a execução criminal estão preparados para no caso de condenado por crime hediondo ou assemelhado e por outros crimes, utilizarem o requisito de 3/5 para as penas por crimes hediondos e assemelhados e 1/6 para os demais crimes.[24] Hoje, a distinção será muito mais imperiosa e difícil de se efetivar.
Sendo Tício primário em crime sem violência ou grave ameaça contra pessoa, condenado a 2 penas, 1 de 3 anos e outra de 2 anos, deverá cumprir 16% de 5 anos para progredir de regime. Mas se for considerado reincidente em uma das sentenças, o requisito será de 20% de 5 anos para a progressão de regimes.
No caso de Caio, primário, ser condenado por crimes sem violência e grave ameaça contra a pessoa à pena de 3 anos e considerado reincidente em nova condenação, à pena de 8 anos, por crime com violência ou grave ameaça contra a pessoa, deverá cumprir 16%, de 3 anos, e 25%, de 8 anos, para progressão de regime, eis que Caio será primário em crime com violência ou grave ameaça contra pessoa.
Veja-se que o requisito de 30% exigirá ser “reincidente em crime com violência à pessoa ou grave ameaça”. O mesmo critério se aplicará aos demais requisitos, em que serão exigidos percentuais superiores (40%, 50%, 50% e 70%), visto que entendimento diverso levará à injustificável violação ao princípio da legalidade. Assim, se condenado por um crime hediondo sem violência real contra pessoa e outro com resultado morte, para o primeiro crime o requisito será 40% da pena, enquanto para o 50% será 50%.
4.1 Omissão legislativa quanto ao exame criminológico
A redação originária do Código de Execução Criminal era técnica, exigindo o requisito temporal de 1/6 da pena e exame do mérito, facultando expressamente a realização de exame criminológico para efetiva compreensão do mérito.[25]
A Lei n. 10.792/2003 tentou adequar o art. 112 ao art. 2º da Lei n. 8.072/1990, o qual estabelecia o regime integralmente fechado para o condenado por crime hediondo ou assemelhado. À época, esse preceito violador do princípio da individualização da pena era considerado constitucional pelo STF. Mais ainda, o parágrafo único foi desmembrado em 2 parágrafos, retirando-se a referência expressa ao exame criminológico.[26] Alguns começaram a aduzir que era vedada a submissão ao exame criminológico para aferir o mérito para a progressão de regime. No entanto, me posicionei no sentido de que não haveria excesso na determinação para submissão ao referido exame.[27]
Embora o § 1º do art. 112 só faça referência à boa conduta e o § 2º só exija a manifestação do Ministério Público e da defesa técnica, é razoável exigir-se, em alguns casos, a submissão do condenado ao exame criminológico para aferir o mérito.
4.2 Favorecimento às mulheres
Se antes eu já manifestava a minha preocupação com o favorecimento às grávidas e mães durante a execução, os novos rigores tornam ainda mais oportuna a preocupação, assim exposta:
Sem aprofundar uma discussão de gênero, registra-se que a isonomia é relativa e não parece adequado partir do pressuposto que mulher seja sempre melhor para a educação de filhos do que o homem. Também, não parece coerente conceder um prêmio à mulher que vier a engravidar com o único objetivo de alcançar um benefício na execução criminal ou prisão provisória.
Concluo dizendo que, embora tenha algumas objeções à nova lei, considero pior a perspectiva punitivista que assola o Brasil e entendo que devemos repensar todo sistema jurídico-criminal para combatermos o alarmante crescimento da criminalidade.[28]
Uma condenada por crime hediondo, que seja reincidente, terá que cumprir 70% da pena para progredir de regimes, ou seja, 14 anos. No entanto, caso se engravide ou venha a parir no cárcere, o requisito temporal cairá para 5 anos. Isso justifica a minha preocupação. No entanto, antes de pensar em piorar o tratamento às mulheres, estou certo que os rigores só levarão a piorar o caos carcerário do que já concretizamos no Brasil, eis que fatalmente acentuará a superpopulação carcerária.
4.3 Complicadores advindos da interrupção do prazo pela prática de falta grave
O rol de faltas graves consta do art. 50 do Código de Execução Criminal. O cometimento de qualquer delas, segundo o § 6º do seu art. 112, interromperá o prazo para obtenção de progressão de regime.
Altamente discutível é o § 6º do art. 112, visto que um condenado reincidente à pena de 20 anos e que cumprir 10 anos, dos 14 necessários à progressão, terá o prazo do requisito de progressão interrompido, ultrapassando a pena total. Nesse caso, a única interpretação lógica possível será considerar inconstitucional o referido dispositivo legal, isso por violar o princípio da proporcionalidade.
Veja-se o imbróglio criado: (a) o ato de fugir constituirá falta grave (Código de Execução Criminal, art. 50, inc. II); (b) interrompem o prazo prescricional, o início e a continuação do cumprimento da pena (Código Penal, art. 117, inc. III); (c) no caso de fuga ou de revogação do livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena (Código Penal, art. 113).
Entender que o § 6º do art. 112 do Código de Execução Criminal impõe considerar que a interrupção deverá ser entendida literalmente, ou seja, que o prazo de cumprimento anterior à interrupção deverá ser desprezado, reiniciando-se a contagem tomando por base o total da pena, conduzirá, em muitos casos, à impossibilidade de nova progressão de regime. Pior, levaria à necessária interpretação de que o art. 113 do Código Penal estaria tacitamente revogado senão haveria uma incompreensível aceitação de que o rigor só obstará a progressão de regimes, em uma diferença radical de valorização de situações semelhantes.
A interpretação restritiva do § 6º do art. 112 do Código de Execução Criminal, permitirá entender que a falta grave não impedirá a concessão de livramento condicional, haja que este não representará progressão de regime, podendo ingressar no livramento condicional quem se encontrar no regime fechado.
Não podemos nos olvidar do art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei n. 4.657, de 4.9.1942). Assim, naquilo que a nova lei quis alterar em relação ao livramento condicional, o fez. E, como lei especial que é, não podemos entender que revoga tacitamente o Código Penal naquilo que não regula expressamente.
O fato é que retirar a esperança de menor rigor na execução da pena, mediante progressão paulatina, que inspirou o surgimento do sistema progressivo irlandês, representa um retrocesso perante o atual estado de civilização. A cada vez que nos distanciamos, mais de tal sistema, tendemos a criar um caos ainda maior.
As unidades federativas mais estruturadas estão utilizando o regime semiaberto harmonizado, pelo qual o condenado permanece em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico. Nas outras unidades federativas, nem isso há para o condenado no regime semiaberto, bastando assinar periodicamente uma folha de frequência e cumprir determinadas condições. Aumentando o rigor maior será o descumprimento prático da lei, isso por falta de estrutura.
5. MAIORES RIGORES PARA O LIVRAMENTO CONDICIONAL
O livramento condicional, segundo o sistema irlandês, é a última fase. No entanto, admitimos que o condenado possa ingressar no livramento condicional, ainda que esteja no regime fechado.
Na prática, o livramento condicional será mais grave do que o regime aberto e, na maioria das comarcas brasileiras, pior do que o regime semiaberto, pois nelas, o regime semiaberto será apenas “assinar quinzenalmente ou mensalmente”. De todo modo, falemos da lei.
O Código Penal regula os requisitos para a concessão do livramento condicional no art. 83, o que será apresentado em pequenos tópicos adiante.
5.1 Requisitos objetivos: art. 83 do Código Penal
Condenação à pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 anos (caput); não cometimento de falta grave nos últimos 12 meses (inc. III, alínea “b”); prova de poder prover a própria subsistência licitamente (inc. III, alínea “d”); reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo (inc. IV); submissão ao exame criminológico (parágrafo único); ter cumprido parte da pena, a saber:
· 1/3 se for primário ou reincidente em crime negligente;
· 1/2 se for reincidente em crime doloso;
· 2/3 se for primário em crime hediondo.
O Código de Execução Criminal prevê um procedimento para a concessão do livramento condicional que trazem outros requisitos objetivos, por exemplo, obrigatoriedade de manifestação do Conselho Penitenciário (art. 131).
5.2 Requisito subjetivo: mérito (art. 83 do Código Penal)
Bom comportamento (inc, III, alínea “a”); bom desempenho no trabalho (inc. III, alínea “c”); e resultado do exame criminológico.
5.3 Proibição de concessão do livramento condicional
A Lei n. 8.072, de 8.072, de 25.7.1990, inseriu o inciso V no art. 83 do Código Penal, criando uma nova espécie de reincidência específica para efeitos de proibição de livramento condicional. Será reincidente específico condenado por crime hediondo e vier a praticar outro crime hediondo ou assemelhado. Esse não poderá obter livramento condicional.
Ao alterar o art. 112 do Código de Execução Criminal, a Lei n. 13.964/2019 criou nova proibição ao livramento condicional, conforme transcrito no início deste artigo, a saber: condenado primário em crime hediondo ou assemelhado com resultado morte (inc. VI, alínea “a).
O Código Penal prevê que se o livramento condicional for revogado, pela mesma condenação não poderá haver novo livramento condicional, salvo quando a revogação resultar de condenação por outro crime anterior ao início do benefício (art. 88).
Enfrentaremos adiante um tema complicado que é acerca da intertemporariedade da lei, em relação à execução criminal e, especialmente, em face do livramento condicional.
6. APLICABILIDADE, PARCIAL, IMEDIATA DA LEI N. 13.964/2019
O surgimento da Lei n. 8.072/1990 de 1990 fez reacender a discussão sobre a aplicação intertemporal da norma de execução criminal. Naquela ocasião, Alberto Silva Franco se posicionou pela irretroatividade dos rigores da referida lei, seja em relação aos à proibição de progressão de regime ou obtenção de livramento condicional.[29]
Atento ao art. 5º, inc. XL, da Constituição Federal, Auri Lopes Jr. não admite a tese sequer da irretroatividade da lei processual criminal mais benéfica, visto que a Constituição Federal não distinguiu e entende não ter fundamento científico pretender distinguir a lei material da lei processual. Criticando a regra da imediatidade da lei processual, ele entende ser ele aplicável apenas às regras procedimentais puras, que não ensejarem gravames aos acusados. Daí, propor uma (re)leitura constitucional da matéria.[30]
Citado por Aury Lopes Jr, Paulo Queiroz trata especificamente do regime disciplinar diferenciado, expondo:
Exemplo disso foi dado pela Lei n. 10.792/2003, que, alterando a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984), introduziu (art. 52) o regime disciplinar diferenciado, que consiste no cumprimento da pena em condições extremamente penosas para o preso, regime a ser imposto exclusivamente àqueles que cometeram delito após a sua vigência, e não antes, sob pena de violação ao princípio da legalidade da pena.[31]
Este texto já está longo, razão de não nos estendermos sobre a questão respeito. Mas, posiciono-me a favor da regra da imediatidade em relação às normas eminentemente processuais. Assim, como o Supremo Tribunal Federal decidiu, acerca dos rigores dos regimes das penas, entendo ser irretroativa a norma jurídica mais grave. Mas, é retroativa a mais benéfica.[32]
Imagine-se, Mévio, primário em crime sem violência ou grave ameaça contra pessoa, foi condenado a 20 anos de prisão. O requisito para progressão de regime, segundo a nova lei (16%), será 3 anos, 3 meses e 28 dias. Na lei anterior, o requisito (1/6) era 3 anos e 4 meses. Portanto, a Mévio a lei retroagirá.
Contrariamente, imagine-se que Tício, reincidente em crime com violência ou grave ameaça contra pessoa, venha a ser condenado a 20 anos de prisão. Na lei anterior, o requisito (1/6) é de 3 anos e 4 meses, enquanto na nova lei, o requisito seria de 6 anos. Assim, essa inovação será irretroativa, aplicando-se a regra anterior.
7. CONCLUSÃO
O presente texto evidencia que todos erram. Considero equivocados os novos rigores, afastarmos de uma progressão paulatina, em quatro fases. Veja-se que a nova lei é fruto de um trabalho conduzido por Ministro do STF, discutido no Congresso Nacional e Sancionado pelo Presidente da República. Assim, não se deve isolar um dos Poderes da República Federativa do Brasil para atribuir a ele toda culpa pelo retrocesso representado pela nova lei.
Falei da vontade de rigor, mas remeti o histórico legislativo àquele texto foi citado no início deste artigo. Aqui, restringi a abordagem ao Código de Execução Criminal, tratando inicialmente da ampliação dos rigores do cadastro de identificação do perfil genético, o qual tenho por inconstitucional, especialmente quando obriga o condenado a produzir prova preordenada contra si mesmo. Mas, a matéria está em discussão perante o STF, com declaração de repercussão geral, esperando que ela tenha uma interpretação respeitadora de direitos fundamentais ali.
Passei superficialmente pelo garantismo, que tem bases sólidas. Mas, entendo ser necessário conjugar posições distintas para não cair em extremismos, como é exagerado o do momento, o qual traz tão somente um discurso policialesco de rigor.
A seguir, tratei dos novos rigores do regime disciplinar diferenciado, isso sem deixar de elogiar a evolução legislativa ao mencionar os prazos. Mas, ele tende ao sistema penitenciário do isolamento, que não deu certo. Resgatá-lo é um erro. Então, fiz uma defesa da necessidade de recuperarmos um pouco da inspiração irlandesa de um sistema progressivo da pena.
Apresentei o novo art. 112 do Código de Execução Criminal, comparando com o que havia antes e as modificações anteriores à Lei n. 13.964/2019, operadas pela Lei n. 10.792/2003, também, ruim.
Demonstrei a minha preocupação com o fomento à gravidez irresponsável, em face da Lei n. 13.769/2018, remetendo o leitor a outro artigo da minha autoria. O pior é que a nova lei fomenta ainda mais a gravidez inconsequente da mulher presa.
Procurei demonstrar que os requisitos devem ser considerados separadamente, podendo-se até por agrupar penas, mas por categorias de condenações: primário em crime sem violência ou grave ameaça contra pessoa; reincidente em crime com violência ou grave ameaça contra pessoa etc.
Passei superficialmente pelo exame criminológico, esquecido pelo legislador. Porém, cheguei ao terrível complicador advindo da previsão de interrupção do prazo pelo cometimento de falta grave, considerando absurda a previsão legislativa, especialmente, ante tantos novos rigores. Depois, comentei os novos rigores ao livramento condicional, especialmente a proibição da concessão do benefício ao condenado primário por crime hediondo ou assemelhado com resultado morte.
Finalmente, defendi a retroatividade benéfica da nova lei, mas a sua irretroatividade, em matéria de execução criminal, naquilo que ela for mais grave. Nessa parte, ela só poderá ser aplicada aos crimes cometidos a partir de 23.1.2020.
Não se olvide, em breve, o Estado não suportará o grande número de presos e ele próprio buscará corrigir o erro já praticado com a Lei n. 8.072/1990, que proibia a progressão de regimes, pois se continuar como está, logo teremos mais brasileiros presos do que em liberdade.
Longe de esgotar a matéria, para não transformar este artigo em um ensaio cansativo, afirmo que a nova lei é essencialmente mais grave (só é menos grave no arrendondamento de 1/6 para 16%) e, portanto, é irretroativa, só alcançando fatos que se concretizaram após 23.1.2020, salvo nos casos em que ela for mais benéfica.
REFERÊNCIAS
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[1] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Participação em suicídio. Novo crime formal e que pode não ser propriamente contra a vida. Teresina: Revista Jus Navigandi, Dez2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/78705/participacao-em-suicidio-novo-crime-formal-e-que-pode-nao-ser-propriamente-contra-a-vida>. Acesso em: 2.1.2020, às 1h38.
[2] HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o homem do século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 31.
[3] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 10.372, apresentado em 6.6.2018. Deputados Federais José Rocha (PR/BA), Marcelo Aro (PHS/MG) Wladimir Costa (SD/PA) et al. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2178170>. Acesso em: 2.1.2020, às 2h05.
[4] BRASIL. Presidência da República. Mensagem n. 726, de 24.12.2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Msg/VEP/VEP-726.htm>. Acesso em: 22.1.2019, às 19h41.
[5] BRASIL. STF. Pleno. RE 97383. Rel. Gilmar Mendes. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4991018>. Acesso em: 22.1.2019, às 20h46.
[6] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 396-397.
[7] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2014. p. 168.
[8] LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 242.
[9] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
[10] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. IX.
[11] TEMONTI, Giulio. Apresentação. GRAZIANO, Giusepe. Il futuro del diritto penale. Milão: Seam, 1998. p. 11.
[12] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Manual de execução penal: teoria e prática. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 358-359.
[13] Com a Lei n. 10.792/2003, a redação passou a ser a seguinte:
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.
§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.
[14] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Manual... Op. cit. p. 362. Na última edição, já com novo título: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução... Op. cit. p. 200.
[15] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. t. 3, v. 1, p. 1.455.
[16] Ibidem. p. 1.456.
[17] LYRA, Roberto. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942. v. 2, p. 90.
[18] COSTA, Álvaro Mayrink da. Exame criminológico. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 284-285.
[19] NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1967. v. 1, p. 269.
[20] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução... Op. cit. p. 378-379.
[21] Redação anterior:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
§ 1o A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor.
§ 2o Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.
[22] BRASIL. STF. 2ª Turma. Habeas Corpus n. 143.641/SP. Min. Ricardo Lewandowski. Julgamento, em 20.2.2018. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=748401053>. Acesso em: 18.4.2019, às 2h.
[23] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Rápidas considerações acerca da Lei n. 13.769/2018. Teresina: Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, ano 24, n. 5774, 23.4.2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/73455>. Acesso em: 19.1.2020, às 15h24.
[24] Nos autos do Agravo na Execução n. 20180020005086 (0000508-47.2018.8.07.0000), a 2ª Turma do TJDFT decidiu:
Execução penal. Crime hediondo e crime comum. Concurso formal. Progressão de regime. Fração.
1 - Tratando-se de concurso formal entre crime hediondo e crime comum, aplicam-se, em regra, as frações de 2/5 ou 3/5 para a pena do crime hediondo, e de 1/6 para o crime comum.
2 - Na hipótese excepcional em que não fixada a pena do crime comum na sentença condenatória, deve ser aplicada a fração de 1/6 sobre diferença de pena referente à fração de aumento do concurso formal.
3 - Agravo provido.
(Publicado no DJe, de 8.3.2018, p. 187-199, Rel. Jair Soares. Disponível em: <https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/indexadoracordaos-web/sistj>. Acesso em: 28.1.2019, às 18h30).
[25] A redação era a seguinte:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo Juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão.
Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário.
[26] Com a Lei n. 10.792/2003, a redação do artigo passou a ser a seguinte:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
§ 1o A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor.
§ 2o Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.
[27] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução... Op. cit. p. 398.
[28] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Rápidas considerações acerca da Lei n. 13.769/2018. Teresina: Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, ano 24, n. 5774, 23.4.2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/73455>. Acesso em: 19.1.2020, às 15h24.
[29] FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: notas sobre a Lei 8.072/90. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 80-82; e 116-120.
[30] LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 247-251.
[31] QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 148.
[32] BRASIL. STF. Súmula Vinculante n. 26: Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
Procurador Federal; Concluiu o Curso de Formação de Oficiais (APMG) e Graduou-se em Direito (UniCEUB); Especialista em Direito Penal e Criminologia (UniCEUB); e em Metodologia do Ensino Superior (UniCEUB); Mestre (UFPE) e Doutor em Direito (UNZL); Professor, Procurador Federal e Advogado; Autor dos livros "Prescrição Penal", "Execução Criminal: Teoria e Prática" e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (Editora Atlas); e de vários artigos jurídicos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIDIO ROSA DE MESQUITA JúNIOR, . Uma nova execução criminal confusa: tendência de mais uma declaração de inconstitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 fev 2020, 05:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3037/uma-nova-execuo-criminal-confusa-tendncia-de-mais-uma-declarao-de-inconstitucionalidade. Acesso em: 26 dez 2024.
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