Em agosto, a ONU lançou a campanha #ParaCadaUma, com vistas a combater a desinformação sobre os direitos das mulheres relacionados à violência em todos os seus aspectos. A campanha coincide com o 16º aniversário da Lei Maria da Penha. No mesmo viés, a Polícia Civil do Distrito Federal, desde 2020, investe com afinco no projeto NUIAM (Núcleo Integrado de Atendimento à Mulher), que tem como foco dar um atendimento multidisciplinar às vítimas alcançadas pela referida lei. O Núcleo soma-se à rede de proteção às mulheres vítimas de violência, já existente no DF, entretanto, com um diferencial: alcança a mulher agredida logo após a ação criminosa. A iniciativa traz não só o combate à criminalidade, mais também uma maior eficácia do trabalho da polícia judiciária e um resgate da mulher vítima de violência.
O NUIAM visa ao resgate da mulher, na esfera criminal e também nos aspectos cognitivo, afetivo, jurídico e até mesmo financeiro. Após o registro da ocorrência, é oportunizado à vítima ser atendida por psicólogos, assistente sociais e advogados. Mulheres que estão presas a relacionamentos abusivos podem romper esse ciclo pernicioso através da mudança de comportamento. A experiência já ocorria com sucesso na DEAM 1 e nas regiões de Vicente Pires, Núcleo Bandeirantes e Riacho Fundo. Agora, surge no Itapoã e no Paranoá. Urge citar que, quando o projeto finca suas raízes nas duas últimas regiões, está abrangendo nichos carentes e que assimilam um dos maiores índices de violência em relação à mulher do DF.
Após a ocorrência do ilícito penal, a vítima comparece à Delegacia - sozinha ou acompanhada por agentes do estado, e ali se inicia a lavratura do boletim de ocorrência, podendo ela, no bojo da comunicação, requerer medias protetivas de urgência - provimento que é encaminhado ao Poder Judiciário para análise e que tem como fim garantir a sua proteção e a da sua família. Em 2020, foram registradas no DF 17.192 ocorrências relacionadas à lei Maria da Penha e requeridas 9.789 medidas protetivas. Em 2021, foram 17.983 registros e 9.540 pedidos de medidas. Somente a 6ª Delegacia, responsável pelas regiões do Itapoã e do Paranoá, registrou, nos 2 anos citados, 2.100 ocorrências relacionadas à referida lei, tendo sido a segunda Delegacia com o maior número de comunicações do DF.
Em que pesem os números, após a conclusão de todo o rito apuratório: registro de ocorrência, medidas protetivas, inquérito policial e processo, muitas das vítimas manifestam desinteresse pela persecução criminal e retomam a relação conjugal. Esse fato acarreta o retorno de parte dessas mulheres às delegacias, após voltarem a sofrer violência por seus companheiros. Cito, como exemplo, um feminicídio ocorrido no Itapoã, em meados de 2021. Uma jovem de 22 anos que já se apresentava como vítima em 5 inquéritos policiais retornou ao convívio conjugal, após vários provimentos judiciais que determinaram o afastamento do agressor. Na madrugada, os vizinhos chamaram a Polícia Militar, pois ela gritava de dor em razão de ter sido submetida a uma sessão de espancamento. Os Policiais foram impedidos de ingressar, posto que a genitora do perpetrador relatou que nada de anormal acontecia ali. Após a saída dos militares, a sessão de tortura continuou e a vítima veio a falecer, em razão de ter tido sua cabeça esmagada por um taco de beisebol.
O NUIAM visa a fortalecer a mulher, para que esta possa analisar o seu passado, refletir sobre o presente e enxergar um novo futuro para si e para seus filhos, sem as amarras de um relacionamento abusivo. A iniciativa não tem como premissa fomentar a separação de casais, mas restabelecer o equilíbrio da convivência afetiva, para que as partes retomem o relacionamento ou decidam pela separação em paridade de condições. Com a experiência, é gratificante ver mulheres que pensavam até no seu autoextermínio almejarem novas condições de vida, trabalho e estudo, após a vivência com os profissionais. Urge frisar que um lar em lide afronta não só a saúde da mulher, mas também a educação e o desenvolvimento das crianças e adolescentes que ali habitam. A expectativa do projeto é que, com o trabalho da Polícia Civil e dos profissionais envolvidos, mulheres que foram subjugadas consigam se estruturar e construir novos caminhos, o que acarretará menores índices de registros policiais, uma comunidade mais equilibrada, bem como uma cidade e um país em transformação.
RICARDO NOGUEIRA VIANA, Delegado Chefe da 6ª DP e Professor de Educação Física.
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