Em meio à turbulência política que toma conta do país, eis que surge a notícia de que o Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, teria se deslocado em sua viagem para o Egito, num jato de um empresário cujos antecedentes não seriam dos mais recomendáveis.
Tem sido indagado se essa conduta de receber uma vantagem (gastos de fretamento e viagem em jato para o Egito) de um empresário configuraria crime, em especial o delito de Corrupção Passiva, previsto no artigo 317, CP.
A resposta a essa espécie de especulação, tendo em vista tão somente notícias veiculadas na imprensa, é um tanto quanto insegura.
Na notícia mencionada em nota de rodapé, há a informação de que todos iriam num mesmo jato, não estando somente Lula e o empresário, mas lideranças ambientais, ex – governadores etc. Nesse passo, se for um jato fretado por coincidência pelas mesmas pessoas, é evidente que não há crime algum para ninguém.
Não obstante, há a informação de que o jato pertence ao empresário, não foi fretado por coincidência. Assim sendo, teria Lula recebido a vantagem acima exposta, seja a seu pedido ou aceitando oferta do empresário (fato a ser apurado). Caso contrário, teria de se deslocar às próprias expensas ou com dinheiro do partido, seja em jato particular ou em voo regular de empresas aéreas.
Para fins de uma análise técnico – jurídica se admitirá a hipótese de que o jato seja realmente do empresário e Lula tenha solicitado ou recebido a viagem às custas do primeiro na qualidade de Presidente eleito em vias de posse. Deixa-se de lado a questão ética e de improbidade relativa aos antecedentes do empresário envolvido, focando somente no aspecto jurídico – penal do caso.
O artigo 317, CP (Corrupção Passiva) tem a seguinte redação:
Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem (grifo nosso).
Não se sabe com certeza se Lula “solicitou ou recebeu” a vantagem da viagem. Isso precisaria ser apurado em uma devida investigação legal. No entanto, não se altera a tipicidade objetiva se a conduta se adequar a um ou a outro verbo.
A vantagem teria sido, ao que consta na imprensa, para o próprio político enfocado, ou seja, na dicção legal, “para si”.
Não há como afirmar se o recebimento ou pedido foi feito “direta ou indiretamente”. Se o político fez o pedido ou aceitou diretamente a proposta ou se houve alguma interposta pessoa. Também isso deveria ser objeto de investigação legal. Porém, também não há alteração quanto à tipicidade objetiva acaso o pedido ou aceite tenha sido direto ou indireto.
Há comentários alegando que Lula não poderia ser responsabilizado por Corrupção Ativa porque se trata de crime praticado por funcionário público contra a administração. E até o momento ele ainda não tomou posse como Presidente da República. Acontece que isso não é impeditivo da prática do crime em discussão, pois que a redação é clara ao estabelecer que o agente pode atuar mesmo “antes de assumir a função”, desde que “em razão dela”. No caso concreto, não haveria a menor dúvida de que essa viagem é feita pelo político em razão de sua futura assunção como Presidente da República.
Sobre o tema assim se manifestam Maximiliano Füher e Maximilianus Cláudio Füher:
Ainda que Fora da Função ou Antes de Assumi-la, Mas em Razão Dela. Significa que a solicitação, o recebimento ou a aceitação devem ser feitos em razão da qualidade de funcionário público do agente, mesmo que ele esteja afastado, em férias de licença etc., ou ainda nem tenha assumido. Pune-se o fato de o agente usar o acesso à máquina administrativa como um instrumento para alcançar a vantagem pretendida (grifo no original).
No mesmo sentido afirma a doutrina a imprescindibilidade de que a vantagem seja solicitada, aceita ou recebida “em razão da função pública do agente, ainda que fora dela ou antes de assumi-la” (grifo nosso).
Em suma, considerando que o jato seja do empresário e não haja fretamento, sendo a viagem feita às suas expensas sem gasto por parte do político envolvido, seria totalmente viável a tipificação do crime de Corrupção Passiva, conforme previsto no artigo 317, CP.
Há que apurar, porém, as condições fáticas que se admitiu a título hipotético neste trabalho, o que somente pode ser realizado mediante a devida investigação legal, inclusive com o emprego da chamada VPI (Verificação da Procedência das Informações) preliminar ao efetivo Inquérito Policial.
REFERÊNCIAS
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