Quem milita na área Jurídica está acostumado com a controvérsia, porquanto sabe que o direito não é uma ciência exata. Os fatos sociais são mais ricos do que pode prever o melhor legislador. Já a interpretação das leis e a visão dos fatos varia conforme a formação e as influências que possa sofrer o intérprete. Isso não significa que uma ou outra esteja certa ou errada, mas deve preponderar aquela que pareça mais adequada.
Um argumento que se usa muito ao embasar uma discussão doutrinária ou fundamentar uma decisão é a de que “a melhor doutrina” ou “a melhor jurisprudência” tem este ou aquele entendimento.
Qual a melhor doutrina ou a melhor jurisprudência?
Aquela que dá embasamento ao ponto que EU estou sustentando. Aliás, velho jargão jurídico afirma que jurisprudência se encontra para embasar qualquer coisa.
O julgamento pelo Tribunal do Júri, com competência para os crimes dolosos contra a vida, é precedido de uma série de formalidades.
Como visa assegurar que o acusado seja julgado por seus pares, ou seja, pela sociedade em que vive, são alistados anualmente os cidadãos que comporão a lista geral de jurados.
Dessa lista são sorteados, em audiência pública, 25 jurados que participarão da reunião do Tribunal. Nessa reunião poderão ser realizadas várias sessões, ou seja, vários processos que estejam prontos para julgamento.
Em cada sessão deverão estar presentes pelo menos 15 jurados de onde serão sorteados os 7 que servirão naquele julgamento. O Juiz sorteará jurados suplentes para completar o número legal para as próximas sessões.
Jurados podem escusar-se no caso de algum impedimento e tanto a defesa como a acusação podem recusar imotivadamente três jurados cada um.
No caso da tragédia da boate Kiss os réus foram condenados a elevadas penas privativas de liberdade. As defesas recorreram alegando uma série de nulidades.
Em julgamento pela 1ª Câmara Criminal, composta por três desembargadores, o relator negou o recurso dos réus repelindo todas as alegações de nulidades pois as irregularidades não teriam trazido prejuízo aos réus. Essa é a regra de ouro das nulidades.
Prevê o art. 563, do Código de Processo Penal, que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
Com relação ao Júri, no entanto, o Código especifica uma série de formalidades que o tornam nulo.
Divergindo do relator, a maioria, no entanto, acolheu algumas alegações e anulou o julgamento pelo Júri, determinando que fosse procedido novo julgamento.
Pesou na decisão que os jurados foram escolhidos após três sorteios, em vez de um, sendo o último fora do prazo legal. O Juiz teria conversado com os jurados sem a presença das partes e questionado os jurados sobre questões ausentes do processo. Foi considerado, ainda, o uso pelo Ministério Público de uma maquete 3D, anexada aos autos sem prazo suficiente para ser analisada pela defesa, e impossível de ser aberto em computadores comuns. Por fim, ter sido invocado como argumento, pelo assistente da acusação, o silêncio dos réus, violando o princípio constitucional de que o silêncio não pode prejudicar a defesa dos acusados.
Fundamentou-se que a “paridade de armas” é mais abrangente do que a garantia constitucional da ampla defesa e visa assegurar à defesa dos réus igualdade de condições com o acusador. A defesa não teve acesso ao sistema Consultas Integradas, utilizado pelo Ministério Público para excluir jurados com ligação com os réus ou com as vítimas.
A decisão é por maioria e, certamente, deverão ser interpostos pelos interessados os recursos processuais previstos em lei. Caso improvidos, serão os réus submetidos a novo julgamento, agora com observância das formalidades que foram objeto de crítica pelo Tribunal e Justiça.
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