O Código de Processo Penal, em 2019 sofreu alterações com o Pacote Anticrime (Lei 13.964), regulamentando a cadeia de custódia, ou seja, da guarda dos vestígios coletados em locais de crime, consoante se verifica nos art. 158-A e seguintes do CPP, vejamos:
Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.
Note-se que o Legislador além de definir a cadeia de custódia, também definiu as suas etapas, bem como fixou que os vestígios deverão ser coletados, preferencialmente por perito oficial, vejamos:
Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 1º Todos vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por detalhar a forma do seu cumprimento. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Assim, a partir da definição jurídica da cadeia de custódia, o Pacote Anticrime instituiu a regulamentação de uma das questões mais sensíveis do processo penal: a guarda dos vestígios do delito. Afinal, caso não haja o recolhimento correto dos vestígios logo após o crime, a sua preservação durante as fases policial e judicial e o seu acondicionamento até a decisão final no processo, a chamada quebra da cadeia de custódia pode comprometer a apuração da verdade.
Considerando as inovações no CPP, o Superior Tribunal de Justiça já vem se debruçando sobre as questões práticas envolvendo a “cadeia de custódia” ou a “quebra da cadeia de custódia”.
Questão relevante é saber quais as consequências daí resultantes. Segundo NORBERTO AVENA[1], há duas correntes:
Primeira: Esta quebra não acarreta, necessariamente, a nulidade do laudo pericial produzido, mas, sim, a redução de seu valor probante, impondo-se, para sua consideração como elemento probatório, que sejam agregados outros elementos que também concorram para a prova da materialidade do crime ou da situação que se pretende retratar com a prova pericial.
Segunda: A quebra conduz à imprestabilidade da prova, invalidando-se o laudo, pois não é possível aferir a sua confiabilidade. Haveria uma presunção de prejuízo.
Prevalece no STJ a primeira orientação, considerando esse tribunal que as irregularidades da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo juiz com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável.
Assim, se houver vícios na cadeia de custódia e não houver outras provas capazes de sustentar a acusação, deve o réu ser absolvido por insuficiência probatória. De qualquer forma, quem alega a quebra da cadeia de custódia deve comprovar o prejuízo sofrido (que não pode ser presumido – conforme o STF e o STJ, mesmo as nulidades absolutas não dispensam a demonstração do prejuízo)[2], pois este é um princípio inerente às nulidades processuais, previsto no art. 563 do CPP (Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa).
Conforme definido pelo ministro Ribeiro Dantas no RHC 77.836, "a cadeia de custódia tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e, principalmente, o direito à prova lícita. O instituto abrange todo o caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade".
NÃO SE ADMITE PROVA DIGITAL SEM REGISTRO DOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELA POLÍCIA
Em fevereiro deste ano, a Quinta Turma do STJ decidiu que são inadmissíveis as provas digitais sem registro documental acerca dos procedimentos adotados pela polícia para a preservação da integridade, da autenticidade e da confiabilidade dos elementos informáticos.
No caso dos autos, um homem foi denunciado por, supostamente, fazer parte de organização criminosa que praticava furtos eletrônicos contra instituições financeiras. Durante a investigação que embasou o oferecimento da denúncia, foram realizadas buscas e apreensões e subsequentes quebras do sigilo de dados armazenados nos aparelhos eletrônicos apreendidos pela polícia.
A defesa do acusado alegou que houve quebra da cadeia de custódia, o que foi reconhecido pela turma julgadora. Segundo o ministro Ribeiro Dantas, cujo voto prevaleceu no julgamento, "antes mesmo de ser periciado pela polícia, o conteúdo extraído dos equipamentos foi analisado pela própria instituição financeira vítima". Além disso, não havia documentação sobre os métodos utilizados para acondicionar os aparelhos e extrair seus dados.
O ministro observou que, embora já sejam há alguns anos conhecidos os procedimentos técnicos necessários para assegurar a integridade de provas digitais, diversos foram os descuidos da autoridade policial no manuseio dos aparelhos apreendidos.
"Não existe nenhum tipo de registro documental sobre o modo de coleta e preservação dos equipamentos, quem teve contato com eles, quando tais contatos aconteceram e qual o trajeto administrativo interno percorrido pelos aparelhos, uma vez apreendidos pela polícia. Nem se precisa questionar se a polícia espelhou o conteúdo dos computadores e calculou a hash da imagem resultante, porque até mesmo providências muito mais básicas do que essa – como documentar o que foi feito – foram ignoradas pela autoridade policial", afirmou.
A Ementa do julgado ficou assim redigida:
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. LEI N. 8.137/1990. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PLANO DE POSSÍVEL CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO. PRESCINDIBILIDADE. REVOLVIMENTO DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, inocorrentes na espécie. 2. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que se termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício de futura e eventual ação penal. 3. O inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal assegura o sigilo das comunicações telefônicas, de modo que, para que haja o seu afastamento, imprescindível ordem judicial, devidamente fundamentada, segundo o comando constitucional estabelecido no artigo 93, inciso IX, da Carta Magna. 4. O art. 5º da Lei n. 9.296/1996 determina, quanto à autorização judicial de interceptação telefônica, que "a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova". 5. No caso em exame, verifica-se a existência de fundamentação idônea a justificar a necessidade da medida, cujo objeto de investigação é descrito claramente, com a indicação e qualificação dos investigados, demonstrando haver indícios razoáveis das autoria e materialidade da infração penal punida com reclusão, além de não ser possível elucidar os fatos por outro meio. 6. A jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que a interceptação telefônica deve perdurar pelo tempo necessário à completa investigação dos fatos delituosos, devendo o seu prazo de duração ser avaliado fundamentadamente pelo magistrado, considerando os relatórios apresentados pela polícia, o que se verifica na espécie. 7. A quebra da cadeia de custódia tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita. O instituto abrange todo o caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade. 8. Esta Corte firmou entendimento pela prescindibilidade do relatório circunstanciado previsto no previsto no art. 6º, § 2º, da Lei n. 9.296/1996, "por se tratar de elemento informativo e secundário, mormente quando presentes elementos substitutivos" ( HC 140.798/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/10/2012, DJe 19/10/2012). 9. Em sede de habeas corpus, mostra-se incabível o exame das interceptações telefônicas para se verificar eventuais prejudicialidades existentes - em relação às datas ou períodos das interceptações faltantes, defeituosas, inaudíveis ou inacessíveis, na medida em que não comporta o exame de provas. 10. Recurso não provido. (STJ - RHC: 77836 PA 2016/0286544-4, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 05/02/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/02/2019)
Segundo RIBEIRO DANTAS, não há, desse modo, como assegurar que os dados periciados são íntegros, o que acarreta "a quebra da cadeia de custódia dos computadores apreendidos pela polícia, inadmitindo-se as provas obtidas, por falharem num teste de confiabilidade mínima; inadmissíveis são, igualmente, as provas delas derivadas, em aplicação analógica do artigo 157, parágrafo 1º, do CPP", concluiu.
PROVA SUFICIENTE AFASTA DISCUSSÃO SOBRE SUPOSTA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA
No julgamento do AREsp 1.847.296, a Quinta Turma decidiu que a alegada quebra da cadeia de custódia não invalida a condenação se esta foi amparada em evidências suficientes da materialidade do crime. O colegiado seguiu o entendimento de que, no processo penal, o reconhecimento de nulidade exige a comprovação de prejuízo efetivo.
Um homem foi acusado de armazenar grande quantidade de maços de cigarros estrangeiros sem a documentação regular de entrada no país. De acordo com o auto de infração da Receita Federal, foram encontrados 1.050 maços no depósito, enquanto o auto de apreensão da Polícia Civil registrava 10.050 maços. Diante dessa divergência, o acusado alegou que deveria ser reconhecida a quebra da cadeia de custódia e a imprestabilidade da prova.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator do recurso, destacou que, apesar da divergência sobre a quantidade apreendida, não se pode falar em quebra da cadeia de custódia, uma vez que há provas suficientes nos autos para a condenação.
Vejamos a ementa do julgamento:
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO. ART. 334-A, § 1º, INCISO IV, DO CP. CIGARROS. MATERIALIDADE COMPROVADA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA NÃO DEMONSTRADA. NULIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o instituto da quebra da cadeia de custódia diz respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade. Tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita ( AgRg no HC 615.321/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 03/11/2020, DJe 12/11/2020). 2. In casu, embora tenha se reconhecido a divergência da quantidade de cigarros apreendidos constantes no auto de infração confeccionado pela Receita Federal (1.050 maços) e no auto de apreensão e e exibição da polícia civil (10.050 maços), não se pode falar na quebra da cadeia de custódia, uma vez que há provas suficientes nos autos para a condenação, tendo em vista que ficou comprovado que o acusado manteve em depósito pelo menos 1.050 maços de cigarros estrangeiros sem a devida documentação da regular internalização em território nacional. Assim, tal situação não induz à imprestabilidade da prova, tendo em vista que ficou comprovado que os 1.050 maços pertencem mesmo ao acusado, o que configura o delito. 3. Ademais, importante destacar que a jurisprudência desta Corte Superior se firmou no sentido de que, no campo da nulidade no processo penal, vigora o princípio pas de nulité sans grief, previsto no art. 563, do CPP, segundo o qual, o reconhecimento de nulidade exige a comprovação de efetivo prejuízo. Desse modo, a contradição do número de cigarros apreendidos não proporcionou prejuízo para a demonstração da materialidade do crime imputado ao acusado, sendo indubitável que o réu manteve em depósito pelo menos 1.050 maços de cigarros estrangeiros sem a devida documentação da regular internalização em território nacional. Assim, a defesa não logrou demonstrar prejuízo em razão do alegado vício, visto que a condenação se sustenta nos 1050 maços apreendidos. 4. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 1847296 PR 2021/0049381-6, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 22/06/2021, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2021)
"Ficou comprovado que o acusado manteve em depósito pelo menos 1.050 maços de cigarros estrangeiros sem a devida documentação da regular internalização em território nacional. Assim, tal situação não induz à imprestabilidade da prova", declarou.
O relator observou que a contradição sobre a quantidade de cigarros não comprometeu a comprovação da materialidade do crime e que a defesa não demonstrou prejuízo em razão do alegado vício, "visto que a condenação se sustenta nos 1.050 maços apreendidos".
IRREGULARIDADE NA GUARDA DE PROVAS DEVE SER APONTADA ANTES DA PRONÚNCIA
A Sexta Turma do STJ decidiu que a irregularidade na guarda de provas em processo do tribunal do júri deve ser apontada antes da pronúncia. Segundo o colegiado, há preclusão quando a nulidade supostamente ocorrida durante a instrução do processo de competência do tribunal do júri é apontada após a sentença de pronúncia (artigo 571, inciso I, do CPP).
De acordo com a denúncia, os réus detiveram um homem acreditando que ele teria roubado um posto de gasolina. Em seguida, por ordem do dono do posto, teriam dado 16 tiros na vítima. O Tribunal do Júri de Contagem (MG) condenou os réus a 14 anos de reclusão, mas o TJMG anulou a decisão.
Relator do REsp 1.825.022, o ministro Sebastião Reis Júnior observou que a arma do crime e alguns projéteis apreendidos desapareceram, além de ter havido mistura de evidências do homicídio cometido em Contagem com vestígios relativos à investigação da morte de um promotor.
Apesar do desaparecimento dos objetos, o magistrado esclareceu que seria inviável declarar a nulidade da perícia, como pretendido pela defesa, pois esta não fez tal pedido no momento oportuno. "A preclusão apontada pelo órgão ministerial efetivamente obsta a declaração de nulidade efetivada pela corte de origem", concluiu.
A ementa do julgamento ficou assim concluída:
RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. JÚRI. VEREDICTO CONDENATÓRIO. ANULAÇÃO EM SEDE DE JULGAMENTO DO APELO DEFENSIVO, CALCADA NA QUEBRA DE CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA QUE SUBSIDIOU A ELABORAÇÃO DA PERÍCIA OFICIAL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELO ÓRGÃO MINISTERIAL. NEGATIVA DE VIGÊNCIA DOS ARTS. 2º, 170, 563, 564, IV, 571, I, V E VIII, E 572, I, TODOS DO CPP. PROCEDÊNCIA. TESE SUSCITADA EXTEMPORANEAMENTE. PRECLUSÃO. ART. 571, I, DO CPP. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STF. FUNDAMENTO SUBSIDIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTO CONCRETO QUE INDIQUE QUE AS IRREGULARIDADES NO TRATO DA PROVA REPERCUTIRAM DE FORMA CONCRETA NAS CONCLUSÕES DA PERÍCIA TÉCNICA. INCIDÊNCIA DO ART. 563 DO CPP. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELA DEFESA DOS RÉUS. ADMISSIBILIDADE DO AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 1º E 2º, II, AMBOS DA LEI N. 9.296/1996. SUPOSTA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO QUE DEFERIU A QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. AUSÊNCIA DE COMANDO NORMATIVO SUFICIENTE PARA RESPALDAR A TESE RECURSAL. SÚMULA 284/STF. ILICITUDE DA PROVA. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 157 DO CPP. PREJUDICIALIDADE (RECURSO MINISTERIAL ACOLHIDO). Recurso especial interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais provido, a fim de cassar o acórdão exarado no julgamento da Apelação Criminal n. 1.0079.02.018891-2/017, determinando o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que prossiga no julgamento dos apelos, afastada a tese de nulidade da perícia oficial, ora rechaçada. Agravo interposto por Luciano Farah Nascimento e Edson Sousa Nogueira de Paula conhecido para conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, desprovido o recurso. (STJ - REsp: 1825022 MG 2019/0197162-9, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 22/02/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/03/2022)
QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA NEM SEMPRE IMPEDE UTILIZAÇÃO DA PROVA
A quebra da cadeia de custódia não gera nulidade obrigatória da prova colhida. Nessas hipóteses, eventuais irregularidades devem ser observadas pelo juízo ao lado dos demais elementos produzidos na instrução criminal, a fim de decidir se a prova questionada ainda pode ser considerada confiável. Só após essa confrontação é que o magistrado, caso não encontre sustentação na prova cuja cadeia de custódia foi violada, pode retirá-la dos autos ou declará-la nula.
O entendimento, por maioria de votos, foi estabelecido pela Sexta Turma ao conceder habeas corpus (HC 653.515) e absolver um réu acusado de tráfico de drogas, porque a substância apreendida pela polícia foi entregue à perícia em embalagem inadequada e sem lacre. Para o colegiado, como a origem e outras condições da prova não foram confirmadas em juízo, ela não poderia ser utilizada como fundamento para a condenação.
O ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, cujo voto prevaleceu no julgamento, considerou que o fato de a substância ter chegado à perícia sem lacre e sem o acondicionamento adequado fragiliza a acusação de tráfico, pois não permite identificar se era a mesma que foi apreendida. Segundo Schietti, a situação seria diferente se o réu tivesse admitido a posse das drogas ou se houvesse outras provas para apoiar a condenação.
"A questão relativa à quebra da cadeia de custódia da prova merece tratamento acurado, conforme o caso analisado em concreto, de maneira que, a depender das peculiaridades da hipótese analisada, podemos ter diferentes desfechos processuais para os casos de descumprimento do assentado no referido dispositivo legal" – concluiu o ministro ao absolver o réu do crime de tráfico. Ficou mantida, porém, a condenação por associação para o tráfico (artigo 35 da Lei 11.343/2006).
Vejamos a ementa:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. AUSÊNCIA DE LACRE. FRAGILIDADE DO MATERIAL PROBATÓRIO RESIDUAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA. ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. HIGIDEZ DA CONDENAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A superveniência de sentença condenatória não tem o condão de prejudicar a análise da tese defensiva de que teria havido quebra da cadeia de custódia da prova, em razão de a substância entorpecente haver sido entregue para perícia sem o necessário lacre. Isso porque, ao contrário do que ocorre com a prisão preventiva, por exemplo - que tem natureza rebus sic standibus, isto é, que se caracteriza pelo dinamismo existente na situação de fato que justifica a medida constritiva, a qual deve submeter-se sempre a constante avaliação do magistrado -, o caso dos autos traz hipótese em que houve uma desconformidade entre o procedimento usado na coleta e no acondicionamento de determinadas substâncias supostamente apreendidas com o paciente e o modelo previsto no Código de Processo Penal, fenômeno processual, esse, produzido ainda na fase inquisitorial, que se tornou estático e não modificável e, mais do que isso, que subsidiou a própria comprovação da materialidade e da autoria delitivas. 2. Segundo o disposto no art. 158-A do CPP, "Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte". 3. A autenticação de uma prova é um dos métodos que assegura ser o item apresentado aquilo que se afirma ele ser, denominado pela doutrina de princípio da mesmidade. 4. De forma bastante sintética, pode-se afirmar que o art. 158-B do CPP detalha as diversas etapas de rastreamento do vestígio: reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte, recebimento, processamento, armazenamento e descarte. O art. 158-C, por sua vez, estabelece o perito oficial como sujeito preferencial a realizar a coleta dos vestígios, bem como o lugar para onde devem ser encaminhados (central de custódia). Já o art. 158-D disciplina como os vestígios devem ser acondicionados, com a previsão de que todos os recipientes devem ser selados com lacres, com numeração individualizada, "de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio". 5. Se é certo que, por um lado, o legislador trouxe, nos arts. 158-A a 158-F do CPP, determinações extremamente detalhadas de como se deve preservar a cadeia de custódia da prova, também é certo que, por outro, quedou-se silente em relação aos critérios objetivos para definir quando ocorre a quebra da cadeia de custódia e quais as consequências jurídicas, para o processo penal, dessa quebra ou do descumprimento de um desses dispositivos legais. No âmbito da doutrina, as soluções apresentadas são as mais diversas. 6. Na hipótese dos autos, pelos depoimentos prestados pelos agentes estatais em juízo, não é possível identificar, com precisão, se as substâncias apreendidas realmente estavam com o paciente já desde o início e, no momento da chegada dos policiais, elas foram por ele dispensadas no chão, ou se as sacolas com as substâncias simplesmente estavam próximas a ele e poderiam eventualmente pertencer a outro traficante que estava no local dos fatos. 7. Mostra-se mais adequada a posição que sustenta que as irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável. Assim, à míngua de outras provas capazes de dar sustentação à acusação, deve a pretensão ser julgada improcedente, por insuficiência probatória, e o réu ser absolvido. 9. O fato de a substância haver chegado para perícia em um saco de supermercado, fechado por nó e desprovido de lacre, fragiliza, na verdade, a própria pretensão acusatória, porquanto não permite identificar, com precisão, se a substância apreendida no local dos fatos foi a mesma apresentada para fins de realização de exame pericial e, por conseguinte, a mesma usada pelo Juiz sentenciante para lastrear o seu decreto condenatório. Não se garantiu a inviolabilidade e a idoneidade dos vestígios coletados (art. 158-D, § 1º, do CPP). A integralidade do lacre não é uma medida meramente protocolar; é, antes, a segurança de que o material não foi manipulado, adulterado ou substituído, tanto que somente o perito poderá realizar seu rompimento para análise, ou outra pessoa autorizada, quando houver motivos (art. 158-D, § 3º, do CPP). 9. Não se agiu de forma criteriosa com o recolhimento dos elementos probatórios e com sua preservação; a cadeia de custódia do vestígio não foi implementada, o elo de acondicionamento foi rompido e a garantia de integridade e de autenticidade da prova foi, de certa forma, prejudicada. Mais do que isso, sopesados todos os elementos produzidos ao longo da instrução criminal, verifica-se a debilidade ou a fragilidade do material probatório residual, porque, além de o réu haver afirmado em juízo que nem sequer tinha conhecimento da substância entorpecente encontrada, ambos os policiais militares, ouvidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não foram uníssonos e claros o bastante em afirmar se a droga apreendida realmente estava em poder do paciente ou se a ele pertencia. 10. Conforme deflui da sentença condenatória, não houve outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de tráfico de drogas que foi imputado ao acusado. Não é por demais lembrar que a atividade probatória deve ser de qualidade tal a espancar quaisquer dúvidas sobre a existência do crime e a autoria responsável, o que não ocorreu no caso dos autos. Deveria a acusação, diante do descumprimento do disposto no art. 158-D, § 3º, do CPP, haver suprido as irregularidades por meio de outros elementos probatórios, de maneira que, ao não o fazer, não há como subsistir a condenação do paciente no tocante ao delito descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. 11. Em um modelo processual em que sobrelevam princípios e garantias voltadas à proteção do indivíduo contra eventuais abusos estatais que interfiram em sua liberdade, dúvidas relevantes hão de merecer solução favorável ao réu (favor rei). 12. Não foi a simples inobservância do procedimento previsto no art. 158-D, § 1º, do CPP que induz a concluir pela absolvição do réu em relação ao crime de tráfico de drogas; foi a ausência de outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do delito a ele imputado. A questão relativa à quebra da cadeia de custódia da prova merece tratamento acurado, conforme o caso analisado em concreto, de maneira que, a depender das peculiaridades da hipótese analisada, pode haver diferentes desfechos processuais para os casos de descumprimento do assentado no referido dispositivo legal. 13. Permanece hígida a condenação do paciente no tocante ao crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006), porque, além de ele próprio haver admitido, em juízo, que atuava como olheiro do tráfico de drogas e, assim, confirmando que o local dos fatos era dominado pela facção criminosa denominada Comando Vermelho, esta Corte Superior de Justiça entende que, para a configuração do referido delito, é irrelevante a apreensão de drogas na posse direta do agente. 14. Porque proclamada a absolvição do paciente em relação ao crime de tráfico de drogas, deve ser a ele assegurado o direito de aguardar no regime aberto o julgamento da apelação criminal. Isso porque era tecnicamente primário ao tempo do delito, possuidor de bons antecedentes, teve a pena-base estabelecida no mínimo legal e, em relação a esse ilícito, foi condenado à reprimenda de 3 anos de reclusão (fl. 173). Caso não haja recurso do Ministério Público contra a sentença condenatória (ou, se houver e ele for improvido) e a sanção permaneça nesse patamar, fica definitivo o regime inicial mais brando de cumprimento de pena. 15. Ordem concedida, a fim de absolver o paciente em relação à prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, objeto do Processo n. 0219295-36.2020.8.19.0001. Ainda, fica assegurado ao réu o direito de aguardar no regime aberto o julgamento do recurso de apelação. (STJ - HC: 653515 RJ 2021/0083108-7, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 23/11/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/02/2022)
Segundo SHIETTI, “com a mais respeitosa vênia àqueles que defendem a tese de que a violação da cadeia de custódia implica, de plano e por si só, a inadmissibilidade ou a nulidade da prova, de modo a atrair as regras de exclusão da prova ilícita, parece-me mais adequada aquela posição que sustenta que as irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesados pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável”.
NÃO É POSSÍVEL FALAR EM QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA ANTES DA LEI 13.964/2019
Ao julgar o agravo regimental no HC 739.866, a Quinta Turma entendeu que não era cabível discutir quebra da cadeia de custódia por inobservância de regras legais que não existiam à época do crime.
Após ser condenado a 11 anos e seis meses de reclusão, o réu alegou que teve sua defesa cerceada, pois não teve acesso a todos os caminhos percorridos por uma prova que, segundo ele, teria fundamentado a condenação – o que teria resultado na quebra da cadeia de custódia.
O relator do recurso, ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, observou que, nos termos do artigo 2º do CPP, a lei processual penal será aplicada desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.
"Diante da recente alteração legislativa sobre o procedimento acerca da cadeia de custódia da prova, a corte local, de forma objetiva e fundamentada, explicou que, no processamento das evidências relativas aos fatos ora julgados, ainda não existia um procedimento específico para a manutenção da cadeia de custódia da prova como temos hoje", observou.
O magistrado ainda apontou que, conforme destacado no parecer do Ministério Público Federal, não foram trazidos aos autos elementos aptos a demonstrar que houve adulteração ou mesmo interferência a ponto de invalidar a prova e, assim, afastar a condenação do réu nos termos fixados na sentença e ratificados pelo acórdão impugnado.
CONCISÃO EM OFÍCIO SOBRE EXAME DE DNA NÃO SIGNIFICA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA
Em 2021, ao julgar o HC 574.103, a Sexta Turma decidiu que, embora o ofício sobre exame de DNA tenha sido elaborado de maneira concisa, sem indicação do número do pacote, não ficou comprovada a quebra da cadeia de custódia do material genético enviado para exame, uma vez que a simples concisão do ofício e a ausência de indicação do número do pacote não são suficientes para configurar ilegalidade.
De acordo com os autos, um homem foi condenado a 18 anos de prisão pelo homicídio de sua parceira. A defesa, então, impetrou o habeas corpus sustentando que a condenação seria contrária à prova dos autos, pela ilicitude – entre outras coisas – do exame de DNA realizado no corpo da vítima. Segundo a defesa, não foi possível comprovar a materialidade do crime, pois não havia como assegurar que o DNA analisado nos autos fosse o da vítima, uma vez que o pacote que guardava o material genético não tinha número de identificação.
O ministro NEFI CORDEIRO (hoje aposentado), relator do habeas corpus, destacou que, de acordo com o ofício, o médico legista solicitou ao delegado de polícia o material genético relativo à mãe da vítima, para fins de comparação de DNA – o que foi atendido. Segundo o magistrado, também é possível extrair do ofício que o material genético foi enviado em frasco plástico e envolto por embalagem plástica, devidamente identificada. A ementa ficou assim:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, I, CP). NULIDADES. ALEGAÇÃO DE AUTORIA RECONHECIDA COM BASE EM INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA ILEGAL. NULIDADE AFASTADA. INDICAÇÃO DE OUTROS INDÍCIOS DE AUTORIA E PRECLUSÃO DA MATÉRIA. ILEGALIDADE DO LAUDO PERICIAL. EXAME REALIZADO EM CORPO QUE NÃO SERIA DA VÍTIMA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. DIVERGÊNCIAS NA COR DA PELE E TEMPO DE MORTE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM DENEGADA. 1. Além da interceptação telefônica, as instâncias de origem indicaram outros indícios de autoria, como justa causa para o júri, não havendo se falar em ilegalidade no reconhecimento de autoria com base em interceptação telefônica nula. Ademais, a defesa absteve-se de arguir a nulidade em recurso em sentido estrito e alegações finais, estando, portanto, preclusa a matéria. 2. Com relação à ilegalidade referente à cadeia de custódia do material genético enviado para exame de DNA, tem-se que, apesar de o ofício ter sido elaborado de maneira concisa, sem indicação de número do pacote, não restou comprovada a quebra da cadeia de custódia, uma vez que a simples concisão do ofício e a ausência de indicação do número do pacote não são suficientes para reconhecer a ilegalidade. 3. No tocante à divergência entre o tempo de desaparecimento da vítima e o lapso temporal da morte indicado no laudo, justificou na valoração a Corte local que o próprio laudo pericial atestou a dificuldade em precisar o momento da morte, e a indicação de erro não pode ser tida como certa. 4. No concernente à divergência na cor da pele da vítima, novamente, tem-se que o exame pericial destaca a possibilidade do resultado ser divergente do real, em razão da miscigenação, na valoração justificada que fez da prova. 5. Ademais, inviável alteração das conclusões das instâncias de origem relacionadas ao laudo pericial, por demandarem a análise fático-probatória, o que é vedado na via do habeas corpus. 6. Habeas corpus denegado. (STJ - HC: 574103 MG 2020/0089616-5, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 04/08/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/08/2020)
NEFI CORDEIRO esclareceu que, ainda que o ofício tenha sido conciso, sem indicação do número do pacote ou qualquer outra informação, não se pode ter como provada a violação à custódia das provas. "Assim, após valoração da perícia e outras provas, admitiu-se como demonstrada a materialidade do crime, não sendo possível agora a alteração de entendimento quanto ao material fático produzido ao longo da instrução processual", declarou.
ALEGAÇÃO DE QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA QUE EXIGE EXAME DE PROVA NÃO CABE EM HC
A Sexta Turma, no julgamento do RHC 104.176, de relatoria do ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, decidiu que eventual quebra da cadeia de custódia que demande análise fático-probatória não pode ser reconhecida em ação de habeas corpus, vejamos:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE QUEBRA DE CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. COLETA DE PROVAS NO EXTERIOR. IMPRESCINDIBILIDADE DA PRESERVAÇÃO CRONOLÓGICA DA PROVA. HAVENDO DIVERGÊNCIA DE MATÉRIA FÁTICA, É INADEQUADA A UTILIZAÇÃO DO WRIT. IMPOSSIBILIDADE DE O HABEAS CORPUS ESTABELECER, SEM DILAÇÃO PROBATÓRIA, QUAL DAS VERSÕES CORRESPONDE AO OCORRIDO NO MUNDO DA VIDA. DIREITO FUNDAMENTAL DO RÉU E DAS VÍTIMAS AO ACERTAMENTO FÁTICO COMO ELEMENTO DO JUSTO PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS NÃO PROVIDO. 1. A observância da cadeia de custódia de prova é imprescindível para que haja o respeito ao devido processo legal. Contudo, a alegação de quebra de referida documentação cronológica acompanhada de mais de uma versão dos eventos empíricos não pode ser reconhecida nos limites da ação de habeas corpus. 2. A busca do acertamento fático é elemento do justo processo penal. É fundamental que haja, com o respeito aos direitos fundamentais do réu, de eventual vítima e da sociedade, a correspondência, ao menos aproximada, entre os fatos, tal como ocorreram, e aqueles descritos nos autos. E o campo para dirimir dúvidas é o juízo da causa, sob o contraditório judicial. 3. A divergência acerca do modo e local de obtenção da prova também inviabiliza, em habeas corpus, o debate sobre a necessidade de cooperação internacional. 4. Recurso ordinário não provido. (STJ - RHC: 104176 RJ 2018/0270095-7, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 04/05/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2021)
O relator afirmou que, apesar de a observância da cadeia de custódia de prova ser imprescindível para que haja o respeito ao devido processo legal, o rito do habeas corpus não permite a dilação probatória. Segundo o ministro, a existência de controvérsia sobre matéria fática gera um óbice intransponível para a utilização dessa ação constitucional.
SCHIETTI ressaltou que a elucidação dos fatos é essencial, porém deve ocorrer na ação penal, sob o contraditório judicial, e não em habeas corpus, por total incompatibilidade com as regras e os limites próprios da ação mandamental.
"A busca do acertamento fático é elemento do justo processo penal. É fundamental que haja, com o respeito aos direitos fundamentais do réu, de eventual vítima e da sociedade, a correspondência, ao menos aproximada, entre os fatos, tal como ocorreram, e aqueles descritos nos autos. E o campo para dirimir dúvidas é o juízo da causa, sob o contraditório judicial", declarou.
REFERÊNCIAS:
AVENA, Norberto. Processo penal – 15. ed. – Rio de Janeiro: Método, 2023. Epub.
STJ - RHC: 77836 PA 2016/0286544-4, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 05/02/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/02/2019
STJ - AgRg no AREsp: 1847296 PR 2021/0049381-6, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 22/06/2021, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2021
STJ - REsp: 1825022 MG 2019/0197162-9, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 22/02/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/03/2022
STJ - HC: 653515 RJ 2021/0083108-7, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 23/11/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/02/2022
STJ - HC: 739866 RJ 2022/0130443-1, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: DJ 30/08/2022
STJ - HC: 574103 MG 2020/0089616-5, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 04/08/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/08/2020
STJ - RHC: 104176 RJ 2018/0270095-7, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 04/05/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2021
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a cadeia de custódia no processo penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 ago 2023, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3600/a-jurisprudncia-do-superior-tribunal-de-justia-stj-sobre-a-cadeia-de-custdia-no-processo-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
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