O imposto cor de rosa, uma sobretaxa oculta dos bens femininos que intensifica a desigualdade tributária entre homens e mulheres.
Nunca foi tão dolorosa e imprescindível a saída do mundo da Barbie como nos dias atuais; a utopia de perfeição, eterna diversão e supervalorização do ideal feminino, de fato, não correspondem a realidade preta e branca do cotidiano da mulher moderna. Entre os diversos entraves já superados pela conquista feminina, há ainda um mais sutil e silencioso fator de desmerecimento que macula o gênero feminino, atingindo-lhe desde tenra idade: O imposto cor de rosa.
O pink tax não se trata de imposto propriamente dito, e sim, um sobrepreço em toda mercadoria cujo destino seja o público feminino. Em pesquisa realizada pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) roupas de bebê cujas cores e personagens são destinadas as meninas, possuem uma valoração de 23% em comparação àquelas voltadas para meninos; aos brinquedos, o índice chega a 26%. Quanto aos fármacos, é perceptível o aumento de preço nos analgésicos destinados as comorbidades essencialmente femininas, quando a rotulagem medicamentosa é especialmente destinada a cólicas menstruais; enquanto medicamento similar e de mesma formulação química; entretanto, sem a padronagem feminina, mantem o preço de mercado. A diferença chega a quase 13% nos valores de mercadoria com destinação feminina.
A tributação desproporcional é pauta antiga e deveras silenciada política e juridicamente, na obra intitulada “Política Fiscal e Gênero” (2020) uma coletânea de estudos científicos voltados a Sociologia do Direito, relaciona o atual sistema de tributação nacional quanto as questões de gênero; uma das autoras, a jurista e também professora titular da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Luciana Grassano Melo demonstra que o atual sistema de arrecadação e despesa do estado brasileiro tende a acentuar essa desigualdade.
O retorno da pauta da reforma tributária (Emenda Constitucional 4.519), trouxe à tona a questão da aplicabilidade da questão de gênero; o intento objetivo da reforma é, sobretudo, garantir agilidade e praticidade no pagamento dos tributos, criando mecanismos facilitadores duplos (Fisco x contribuinte) em tese, a famosa simplificação. Dentre as previsões do texto aprovado, inclui a redução da alíquota dos regimes favorecidos em 60% da alíquota padrão, isso inclui medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; desta maneira, haverá incidência tributária em 40% do padrão, a ser definida... ou seja... ainda haverá tributação
Apesar da diminuição tributária a ser implantada aos produtos de destinação feminina (registre-se exclusivamente fármacos), é notável a desigualdade fiscal entre homens e mulheres. É imperioso o olhar de como nosso sistema de arrecadação em sua presente desproporcionalidade impacta negativamente a sociedade. Os estudos a respeito desta temática, não são diminutos; a advogada e pesquisadora Tathiane Piscitelli, coordenadora do grupo de estudos Gênero e Tributação, em parceria com o Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da FGV-SP e demais integrantes do grupo “Tributos a Elas”, composta por integrantes titulares da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicou em 2020 relatório denominado: Reforma tributária e desigualdade de gênero: Contextualização e propostas. O projeto trata desde a desoneração de produtos essenciais as mulheres (absorventes, medicamentos de reposição hormonal) bem como, mudanças em deduções de imposto de renda cujo benefício é exclusivo masculino. O intento do grupo visa tanto a igualdade de gênero, como também facilitar a mobilidade social dos menos favorecidos (retorno da dedução de contribuições previdenciárias das trabalhadoras domésticas, programas de incentivo a contratação de grupos vulneráveis, entre outros).
Tais pesquisas além de demonstrarem os aspectos objetivos de como a prática do pink tax é prejudicial e discriminatória, também agregam conceitos subjetivos no referente a própria matéria tributária. A origem do tributo remota a antiguidade, sendo meio utilizado pelo Poder Público tanto para autogerencia bem como, organização estatal; em termos jurídicos, a função fiscal do imposto é arrecadação. Quanto a função extrafiscal, é a utilidade do imposto como regramento e direcionamento de condutas sociais, a exemplo, taxas aduaneiras (proteção do mercado interno) taxas sobre cigarros e bebidas (desencorajar o uso, proteção à saúde) tais medidas não se restam a discricionariedade estatal, devem obedecer a princípios e regramentos constitucionais.
Do Princípio da isonomia
Equivale a premissa aristotélica “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade” garantir a aplicabilidade tributária de maneira padronizada, não importando a denominação dos rendimentos ou a ocupação profissional do contribuinte. O princípio elencado encontra previsão em nossa Carta Maior:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
Em sentido lato, a aplicabilidade deste princípio equivale a garantia de equidade fiscal entre homens e mulheres, vedando a tributação desproporcional; ou seja, a própria pink tax.
A Constituição Federal reforça o tratamento principiológico tributário, tanto em seus objetivos fundamentais como nos próprios Direitos e Garantias Fundamentais:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
É evidente a visão conservantista quanto a aplicabilidade da tributação como meio efetivo de justiça social, uma vez que a tradição nacional considera o imposto e sua aplicabilidade uma neutralidade natural fruto do desenvolvimento econômico de um sistema essencialmente capitalista. Gradativamente, essa resistência vem perdendo adeptos, uma vez que é notória a necessidade de correção fiscal visando a equidade de direitos, a exemplo o caso das pensões alimentícias.
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5422, ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) o Supremo Tribunal federal afastou a incidência do Imposto de Renda (IR) sobre valores recebidos a título de alimentos ou de pensões alimentícias, decorrentes do direito de família; a decisão (2022) baseou-se na evidência de que, na esmagadora maioria dos casos de divórcio, a guarda dos filhos menores recai, sobretudo a mulher; tendo que, além de lidar com a dupla (até tripla) jornada de trabalho, criação e educação solo dos filhos, acaba por arcar com o ônus tributário dos valores recebidos.
O entendimento da bitributação camuflada e não observância das premissas de igualdade de gênero e dos direitos fundamentais restaram-se demonstradas, uma vez que pensão era deduzida de forma integral do imposto do pagador (pai), entretanto, incidia sobre o recebedor (mãe).
Em realidade, a sobretaxa feminina é um fenômeno global, sendo uma das medidas a serem tratadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). A meta de número 5 – Igualdade de Gênero, constitui um dos 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a serem alcançadas por todos os 193 países membros; entre eles, o Brasil.
Não se trata de tratamento privilegiado, mas sim de uma correção tributária, fruto de uma desigualdade social acarretada pelo mau uso do poder. É fato notório que desde a implantação do patriarcado como sistema de governança, seus excessos sujeitaram a mulher a coadjuvar sua sobrevivência, restando pelas bordas sociais, equilibrando-se entre o dever ser social e a libertação de seu próprio ser. A medida a ser implantada pela reforma é apenas o início de uma modificação gradativa tanto de sistema de pensamento quanto da própria prática de mercado – pink tax – O imposto cor de rosa, uma sobretaxa oculta que nos distancia ainda mais da igualdade de gênero.
Apartamo-nos de uma supremacia rosa ou azul, mas busquemos o alvor da equidade social; o branco que reflete todos os raios luminosos, atende a todas as necessidades, indistintamente.
Advogada. Autora de artigos jurídicos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FALKOWSKI, Camila. Pink Tax – O mundo não tão cor de rosa da Barbie Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2023, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3613/pink-tax-o-mundo-no-to-cor-de-rosa-da-barbie. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Joao vitor rossi
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.