O "princípio da não surpresa" não é um termo amplamente reconhecido no contexto jurídico tradicional até a última data da minha atualização em setembro de 2021. No entanto, a ideia de "não surpresa" ou de que partes envolvidas em um processo devem ter clareza e previsibilidade sobre os procedimentos e decisões pode ser inferida em diversos princípios do direito.
O princípio mais próximo que se relaciona com essa ideia é o "princípio do contraditório", presente em muitos sistemas jurídicos, incluindo o brasileiro. Este princípio garante que todas as partes em um processo judicial tenham a oportunidade de apresentar seus argumentos e defesas, e de serem informadas de todos os atos processuais, para que não sejam "surpreendidas" por decisões das quais não tiveram conhecimento ou oportunidade de se manifestar.
Além disso, o conceito de "não surpresa" pode estar relacionado ao princípio da segurança jurídica, que visa garantir estabilidade, previsibilidade e confiança no sistema jurídico. As partes devem poder antecipar as consequências legais de suas ações com base na legislação e jurisprudência existentes, sem medo de decisões arbitrárias ou inesperadas.
Fora do contexto estritamente legal, o princípio da "não surpresa" pode ser discutido em outros campos, como a ética empresarial, contratos comerciais ou serviços ao cliente, onde se espera que as partes ajam de maneira clara, transparente e previsível.
O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) trouxe em seu artigo 10 o chamado princípio da não surpresa: o juiz não poderá decidir com base em fundamento sobre o qual não se tenha dado às partes a oportunidade de se manifestar, mesmo que se trate de matéria que deva ser decidida de ofício.
O artigo 7º dispõe sobre o tema ao definir que é assegurada às partes paridade de tratamento, tendo o juiz o importante papel de zelar pelo efetivo contraditório. Já o artigo 9º define que "não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida".
Nas palavras do ministro Luis Felipe Salomão, ao proferir seu voto no REsp 1.755.266, a intenção do CPC/2015 foi "permitir que as partes, para além da ciência do processo, tenham a possibilidade de participar efetivamente dele, com real influência no resultado da causa", vejamos:
RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE ADOTOU FUNDAMENTO DIVERSO DO ADOTADO PELA SENTENÇA, COM BASE EM NOVA SITUAÇÃO DE FATO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. ART. 10 DO CPC/2015. OCORRÊNCIA. ANULAÇÃO PARA OITIVA DA PARTE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. "O 'fundamento' ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico - circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação -, não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure" (EDcl no Resp nº 1.280.825/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017.) 2. O art. 933 do CPC/2015, em sintonia com o multicitado art. 10, veda a decisão surpresa no âmbito dos tribunais, assinalando que, seja pela ocorrência de fato superveniente, seja por vislumbrar matéria apreciável de ofício ainda não examinada, deverá o julgador abrir vista, antes de julgar o recurso, para que as partes possam se manifestar. 3. Não há falar em decisão surpresa quando o magistrado, diante dos limites da causa de pedir, do pedido e do substrato fático delineado nos autos, realiza a tipificação jurídica da pretensão no ordenamento jurídico posto, aplicando a lei adequada à solução do conflito, ainda que as partes não a tenham invocado (iura novit curia) e independentemente de oitiva delas, até porque a lei deve ser do conhecimento de todos, não podendo ninguém se dizer surpreendido com a sua aplicação. 4. Na hipótese, o Tribunal de origem, valendo-se de fundamento jurídico novo - prova documental de que o bem alienado fiduciariamente tinha sido arrecadado ou se encontraria em poder do devedor -, acabou incorrendo no vício da decisão surpresa, vulnerando o direito ao contraditório substancial da parte, justamente por adotar tese - consubstanciada em situação de fato - sobre a qual a parte não teve oportunidade de se manifestar, principalmente para tentar influenciar o julgamento, fazendo prova do que seria necessário para afastar o argumento que conduziu a conclusão do Tribunal a quo em sentido oposto à sua pretensão. 5. No entanto, ainda que se trate de um processo cooperativo e voltado ao contraditório efetivo, não se faz necessária a manifestação das partes quando a oitiva não puder influenciar na solução da causa ou quando o provimento lhe for favorável, notadamente em razão dos princípios da duração razoável do processo e da economia processual. 6. No presente caso, ainda que não exista prova documental sobre a localização do equipamento (se foi arrecadado ou se está em poder do devedor ou de terceiros), tal fato não tem o condão de obstaculizar o pedido de restituição, haja vista que, conforme os ditames da lei, se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, deverá o requerente receber o valor da avaliação do bem ou, em caso de venda, o respectivo preço (art. 86, I, da Lei nº 11.101/05). 7. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1755266 SC 2018/0183510-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 18/10/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/11/2018 REVPRO vol. 291 p. 471)
No mesmo voto, o magistrado destacou a preocupação latente do novo CPC com o princípio do contraditório, previsto no artigo 5º, LV, da Constituição de 1988.
"Em busca de um contraditório efetivo, o normativo previu a paridade de tratamento, o direito a ser ouvido, bem como o direito de se manifestar amplamente sobre o substrato fático que respalda a causa de pedir e o pedido, além das questões de ordem pública, cognoscíveis de ofício, não podendo o magistrado decidir sobre circunstâncias advindas de suas próprias investigações, sem que antes venha a dar conhecimento às partes", salientou Salomão.
ANTES DO CPC/2015
Embora o princípio da não surpresa tenha aparecido expressamente no ordenamento jurídico brasileiro com o CPC/2015, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no julgamento do REsp 1.725.225, votou pela possibilidade de sua aplicação em processos regidos pelo CPC/1973, vejamos:
RECUSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/1973. APELAÇÃO DESERTA. RECOLHIMENTO A MENOR DA COMPLEMENTAÇÃO DO PREPARO. AUSÊNCIA DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DA TAXA JUDICIÁRIA. EXIGÊNCIA DECORRENTE DA INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO LOCAL. ÓBICE DA SÚMULA 280/STJ. JULGADOS DESTA CORTE SUPERIOR. SURPRESA PROCESSUAL. OCORRÊNCIA NO CASO CONCRETO. 1. Controvérsia acerca da incidência de correção monetária sobre o valor da taxa judiciária na hipótese complementação insuficiente do preparo da apelação, resultando em deserção. 2. Nos termos do art. 511, § 2º, do CPC/1973: "A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias". 3. Caráter tributário da taxa judiciária, inserindo-se na competência legislativa estadual disciplinar a incidência de correção monetária sobre a base de cálculo. 4. Necessidade de se interpretar a legislação tributária do Estado de origem para se concluir pela incidência, ou não, de correção monetária sobre o valor da taxa judiciária recolhida a destempo. 5. Incidência do óbice da Súmula 280/STF, segundo o qual "por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário". Julgados desta Corte Superior. 6. Ocorrência, porém, de surpresa processual no caso concreto, uma vez que o despacho de complementação do preparo não fez referência à incidência de correção monetária sobre o valor da complementação da taxa judiciária. 7. Possibilidade de aplicação do princípio da não surpresa na vigência do CPC/1973. Julgados desta Corte Superior. 8. Determinação de retorno dos autos para nova oportunidade de complementação do preparo. 9. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (STJ - REsp: 1725225 SP 2016/0271078-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 13/03/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/03/2018 REVPRO vol. 281 p. 640 RSTJ vol. 250 p. 538)
Neste sentido a Terceira Turma do STJ reformou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia considerado uma apelação deserta pelo fato de a complementação do preparo ter sido feita sem correção monetária. Para os ministros, o fato de não ter havido menção à necessidade de atualização monetária no despacho que determinou a complementação da taxa judiciária deu margem à surpresa processual.
Segundo Sanseverino, o artigo 10 do CPC/2015 não tinha correspondente no CPC/1973, mas mesmo assim "o princípio da não surpresa era possível de ser extraído daquele ordenamento processual, embora não com tamanha magnitude".
O relator mencionou precedente de relatoria da ministra Nancy Andrighi (REsp 1.178.562) no qual a magistrada, rememorando voto de sua lavra no REsp 963.977, destacou que "o processo civil muito comumente vem sendo distorcido de forma a prestar enorme desserviço ao Estado Democrático de Direito, deixando de ser instrumento da justiça para se tornar terreno incerto, recheado de armadilhas e percalços, onde só se aventuram aqueles que não têm mais nada a perder".
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. APELAÇÃO. PEÇAS NECESSÁRIAS À COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA. ÔNUS DO RECORRENTE. DIREITO INTERTEMPORAL. APLICAÇÃO IMEDIATA LEI PROCESSUAL. VIGÊNCIA DA LEI 11.382/2006. DESAPENSAMENTO. INSEGURANÇA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DAS PARTES. EFETIVIDADE DO PROCESSO. ART. 736, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. 1. Recurso especial, concluso ao Gabinete em 08/02/2010, no qual discute o ônus da parte de instruir a apelação, interposta contra sentença proferida em embargos à execução, com as peças necessárias ao deslinde da controvérsia. Embargos à execução opostos em 19/04/2004. 2. Esta Corte tem entendimento no sentido de que estando os autos dos embargos desapensados dos autos principais, é ônus da parte a instrução do processo com as cópias indispensáveis à solução da lide. 3. Na hipótese, os embargos à execução foram opostos anteriormente à vigência da Lei 11.382/06, quando não havia a obrigatoriedade de sua instrução com as peças processuais relevantes ao deslinde da controvérsia (art. 736 do CPC, parágrafo único, do CPC). 4. Mesmo tendo aplicação imediata, a nova redação do art. 736, parágrafo único, do CPC, não faz referência aos recursos interpostos em sede dos embargos que já tramitavam conforme o rito anterior, mas apenas à petição inicial dos novos embargos opostos. 5. "A razoabilidade deve ser aliada do Poder Judiciário nessa tarefa, de forma que se alcance efetiva distribuição de Justiça. Não se deve, portanto, impor surpresas processuais, pois estas só prejudicam a parte que tem razão no mérito da disputa" (Resp 963.977/RS). 6. Considerando as peculiaridades da hipótese, deveria ter sido, ao menos, dada oportunidade às partes para juntarem os documentos pertinentes, antes de se concluir pelo não conhecimento da apelação. 9. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1178562 RS 2010/0016682-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/09/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/09/2013)
PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL DA LEI 11.232/05. EMBARGOS DO DEVEDOR OPOSTOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI NOVA, MAS JULGADOS POSTERIORMENTE. DECISÃO ATACADA POR APELAÇÃO. POSSIBILIDADE. - Embora o direito brasileiro não reconheça a existência de direito adquirido a um certo rito processual, aplicando-se, portanto, a lei nova imediatamente ao processo em curso, segundo a máxima do 'tempus regit actum', é certo que a aplicação da regra de direito intertemporal deve ter em vista o princípio informador da segurança jurídica. - A razoabilidade exige que o Direito Processual não seja fonte de surpresas, sobretudo quando há amplo dissenso doutrinário sobre os efeitos da lei nova. O processo deve viabilizar, tanto quanto possível, a resolução de mérito. - Se não houve uma expressa conversão, pelo juízo em primeiro grau de jurisdição, dos ritos processuais, alertando as partes de que os embargos passaram a ser simples impugnação, deve-se a aceitar a apelação como recurso apropriado para atacar a decisão que, sob a égide da Lei 11.232/05, julgou os embargos do devedor. Recurso Especial Provido. (STJ - REsp: 963977 RS 2007/0146447-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/08/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/09/2008)
"A razoabilidade deve ser aliada do Poder Judiciário nessa tarefa, de forma que se alcance efetiva distribuição de justiça. Não se devem impor surpresas processuais, pois estas só prejudicam a parte que tem razão no mérito da disputa", completou Nancy Andrighi.
LEI NÃO INVOCADA
Em 2017, ao julgar embargos de declaração no REsp 1.280.825, a Quarta Turma do STJ seguiu, por unanimidade, o entendimento da relatora, ministra Isabel Gallotti, no sentido de que aplicar lei não invocada pelas partes não ofende o princípio da não surpresa, vejamos a ementa:
CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC/73. INEXISTÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA CVM. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO E FUNDAMENTO INATACADO. PRESCRIÇÃO. MARCO INICIAL. DOUTRINA OBJETIVA. DATA DA LESÃO. PRAZO. ILÍCITO CONTRATUAL (ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL). PRECEDENTES. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. ART. 200 DO CÓDIGO CIVIL. MÉRITO. REEXAME DE MATÉRIA CONTRATUAL E FÁTICA DA LIDE. SÚMULAS 5 e 7 DO STJ. 1. Inexistente a alegada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil se o tribunal se pronuncia detalhadamente sobre a questão jurídica posta em debate, revelando-se o recurso integrativo mera tentativa de rediscussão da causa e reforma do julgado. 2. Inviável o recurso especial quanto ao suposto cerceamento de defesa e à necessidade de dilação probatória, eis que a análise das razões de impugnação impõe reexame da matéria fática da lide, vedado nos termos do enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 3. Inviável o recurso que deixa de fazer impugnação específica ao fundamento do acórdão recorrido, nos termos da Súmula 283 do STF. 4. O Código Civil de 2002, assim como o fazia o de 1916, adota orientação de cunho objetivo, estabelecendo a data da lesão de direito, a partir de quando a ação pode ser ajuizada, como regra geral para o início da prescrição, excepcionando os demais casos em dispositivos especiais. Assim, não se deve adotar a ciência do dano como o termo inicial do prazo se a hipótese concreta não se enquadra nas exceções. Precedentes. 5. O prazo de prescrição de pretensão fundamentada em ilícito contratual, não havendo regra especial para o contrato em causa, é o previsto no art. 205 do Código Civil. Precedentes. 6. Não corre o prazo de prescrição no tocante à parte do pedido indenizatório cuja causa de pedir é conduta em persecução no juízo criminal ( Código Civil, art. 200). Precedentes. 7. Impossível a reforma do acórdão recorrido quanto ao mérito da lide se a fundamentação do acórdão recorrido e as alegações do recurso especial estão embasadas na interpretação de elementos circunstanciais e cláusulas contratuais, eis que incide a vedação das Súmulas 5 e 7 do STJ. 8. Recurso especial de Clube de Investimentos dos Empregados da Vale - INVESTVALE conhecido em parte e, na parte conhecida, provido em parte para declarar a prescrição da pretensão relativa ao pedido 46.a da inicial unicamente para as operações realizadas anteriormente a 27.8.1997. 9. Recurso especial de Francisco Valadares Póvoa conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido . (STJ - REsp: 1280825 RJ 2011/0190397-7, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 21/06/2016, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/08/2016 RSTJ vol. 243 p. 640)
O caso envolveu o prazo prescricional em ação que discutia ilícito contratual. No julgamento da causa, foi aplicado o artigo 205 do Código Civil (prescrição em dez anos) – o qual não foi impugnado –, em vez do artigo 206, parágrafo 3º, V, também do CC (prescrição em três anos) – considerado pelas partes como o correto.
Em embargos de declaração, alegou-se que a decisão violou o princípio da não surpresa, ao adotar fundamento jamais cogitado por todos aqueles que, até então, haviam discutido a controvérsia.
Em seu voto, a ministra destacou que "o fundamento ao qual se refere o artigo 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico – circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação –, não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria)".
Isabel Gallotti ressaltou ainda que a aplicação do princípio da não surpresa não impõe ao juiz o dever de informar previamente às partes os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame do processo. Segundo ela, o “os fatos da causa devem ser submetidos ao contraditório, não o ordenamento jurídico, o qual é de conhecimento presumido não só do juiz, mas de todos os sujeitos ao império da lei” (Resp. 1.280.825)
FALTA DE INTIMAÇÃO
No julgamento de agravo interno no AREsp 1.468.820, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, a Terceira Turma decidiu que não existe afronta ao princípio da não surpresa quando o julgador, examinando os fatos expostos na petição inicial, aplica o entendimento jurídico que considerada coerente para a causa, vejamos:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. PRINCÍPIO DA PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA DECISÃO SURPRESA. INEXISTÊNCIA. OFENSA AO ART. 489 DO CPC/2015. DEFICIÊNCIA NA ARGUMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos do entendimento jurisprudencial vigente nesta Corte Superior, inexiste violação ao princípio da colegialidade quando o relator julga monocraticamente recurso inadmissível, ainda mais quando é oportunizada à parte recorrente o direito de interposição de agravo previsto no art. 1.021 do CPC/2015. 2. A falta de intimação da parte para manifestação sobre a preclusão do pedido de inversão do ônus da prova não constitiu automática nulidade, ficando condicionada à demonstração dos prejuízos decorrentes. 3. Segundo orientação jurisprudencial, aplicando o princípio do pas de nullité san grief, a nulidade dos atos processuais só ocorre quando comprovados os prejuízos para as partes da relação processual. 4. In casu, entendendo o Tribunal estadual que a ausência de intimação para ciência do recorrente sobre a preclusão do pedido de inversão do ônus da prova não gerou prejuízos, descabe ao Superior Tribunal de Justiça alterar o posicionamento adotado, ante a incidência da Súmula 7/STJ. 5. Inexiste afronta ao princípio da não surpresa quando o julgador, examinando os fatos expostos na inicial, juntamente com o pedido e a causa de pedir, aplica o entendimento jurídico que considerada coerente para a causa. 6. O julgamento e conhecimento do recurso especial exige a efetiva demonstração, de forma clara e precisa, dos dispositivos apontados como malferidos pela decisão recorrida juntamente com argumentos suficientes à exata compreensão da controvérsia estabelecida, sob pena de inadmissão, por incidência da Súmula 284/STF. 7. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no AREsp: 1468820 MG 2019/0074221-1, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 23/09/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/09/2019)
O referido agravo interno foi interposto contra decisão monocrática do relator que manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) segundo o qual não é causa automática de nulidade – pois exige demonstração de prejuízo – a falta de intimação para prévia manifestação das partes sobre o pedido de inversão do ônus da prova.
A parte recorrente sustentou que houve violação dos princípios da não surpresa, do contraditório e da ampla defesa.
Ao analisar a alegada afronta ao princípio da não surpresa em virtude da ausência de intimação, Bellizze destacou que, conforme a jurisprudência do STJ, "a nulidade processual só deve ser declarada quando ficar comprovado prejuízo para a parte que a alega, em cumprimento ao princípio pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo)", podendo o juiz, depois de examinar os autos, aplicar o entendimento que considerar mais adequado ao processo.
RESULTADO PREVISTO
No julgamento do RMS 54.566, a Segunda Turma do STJ entendeu que não cabe alegar surpresa se o resultado da lide se encontra previsto objetivamente no ordenamento disciplinador do instrumento processual utilizado e se insere no âmbito do desdobramento causal, possível e natural da controvérsia.
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. CERTAME DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE. PROCESSO SELETIVO INSTAURADO PARA CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. PRETERIÇÃO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO COM PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PROVIMENTO DO MESMO CARGO EM QUANTIDADE SUFICIENTE A ALCANÇAR A CLASSIFICAÇÃO DA IMPETRANTE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DECISÃO SURPRESA OU DE TERCEIRA VIA NÃO CONFIGURADA. PROVIMENTO JURISDICIONAL PREVISÍVEL E COMPATÍVEL COM A LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. RESULTADO OBJETIVAMENTE PREVISTO NO ORDENAMENTO LEGAL. SOLUÇÃO DENTRO DO DESDOBRAMENTO CAUSAL, POSSÍVEL E NATURAL, DA CONTROVÉRISA. APLICAÇÃO DOS BROCARDOS IURA NOVIT CURIA E DA MIHI FACTUM, DABO TIBI IUS. 1. O Mandado de Segurança foi impetrado objetivando a nomeação e posse da recorrente no cargo de Professora de Língua Portuguesa do quadro efetivo da Secretaria de Estado da Educação e Cultura - SEDUC. Sustenta, em apertada síntese, que foi aprovada em 19º lugar para concurso com 19 vagas, mas que foi preterida na assunção do cargo em favor do preenchimento do quadro com profissionais temporários mediante processo seletivo instaurado durante a validade do concurso. 2. O Tribunal de origem extinguiu o feito sem resolução do mérito, por entender carentes os autos de prova pré-constituída do direito líquido e certo da impetrante. 3. Insurge-se a impetrante recorrente contra a decisão do TJPI alegando violação ao art. 10 do CPC/2015 e que a simples abertura de novo concurso para o mesmo cargo cria para ela direito subjetivo à nomeação. 4. Não há violação ao art. 10 do CPC/2015 pelo aresto impugnado. 5. O referido dispositivo estabelece que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, no caso de não se ter dados às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. 6. Trata-se de proibição da chamada decisão surpresa, também conhecida como decisão de terceira via, contra julgado que rompe com o modelo de processo cooperativo instituído pelo Código de 2015 para trazer questão aventada pelo juízo e não ventilada nem pelo autor nem pelo réu. 7. Na hipótese dos autos, o fundamento adotado pelo Tribunal acerca da necessidade de prova pré-constituída do direito líquido e certo da impetrante era perfeitamente previsível e cogitável pelas partes, pois inerente a pressuposto formal contido no art. 1º da Lei nº 12.016/2009, que rege a via estreita do Mandado de Segurança. Tal argumento foi, inclusive, invocado como matéria de defesa nas informações prestadas pela autoridade apontada como coatora. 8. Descabe alegar surpresa se o resultado da lide encontra-se previsto objetivamente no ordenamento disciplinador do instrumento processual utilizado e insere-se no âmbito do desdobramento causal, possível e natural, da controvérsia. Cuida-se de exercício da prerrogativa jurisdicional admitida nos brocados iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi ius. 9. Tampouco prospera o ataque de mérito do recurso. 10. Não há nos autos prova documental pré-constituída da preterição suscitada, que não decorre automaticamente da simples abertura de processo seletivo simplificado para contratação temporária. Necessário não só a demonstração inconteste da identidade entre os cargos, como principalmente destacar que o provimento dos cargos mediante contratação precária se deu em número suficiente a alcançar a impetrante na lista de classificação. 11. Assente no STJ que a "contratação temporária para atender à necessidade transitória de excepcional interesse público, consoante o art. 37, IX, da Constituição da Republica, não tem o condão, por si só, de comprovar a preterição dos candidatos regularmente aprovados, bem como a existência de cargos efetivos vagos"( AgInt no RMS 50.060/MG, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe 17/08/2016). 12. Desse modo, não se verificam razões a ensejar revisão do julgado, que corretamente entendeu inexistir prova pré-constituída, condição de procedibilidade do Mandado de Segurança, com base no art. 6º da Lei 12.016/2009. 13. Em que pese a afirmação de que a impetrante teria sido preterida em virtude da realização de contratações temporárias, ela não conseguiu demonstrar a efetiva ocorrência da preterição do direito à nomeação, porquanto, pelas provas produzidas, não é possível extrair tal fato, de forma conclusiva. Seria necessário dilação probatória para aferição efetiva da ilegalidade ou desvio do ato, o que é incompatível com o rito eleito. 14. Recurso Ordinário não provido. (STJ - RMS: 54566 PI 2017/0165308-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 19/09/2017, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2017)
Referido recurso teve origem em mandado de segurança impetrado por uma candidata aprovada em concurso público com o objetivo de assegurar sua nomeação e posse em cargo de professora de língua portuguesa.
A impetrante alegou que foi aprovada em 19º lugar no concurso com 19 vagas, mas que foi preterida na assunção do cargo em favor do preenchimento do quadro com profissionais temporários admitidos mediante processo seletivo instaurado durante a validade do concurso.
No tribunal de origem, o processo foi extinto sem resolução do mérito, sob a fundamentação de que não constava dos autos prova pré-constituída do direito líquido e certo da impetrante. A candidata recorreu ao STJ, sustentando violação do princípio da não surpresa, já que não foi chamada a se manifestar sobre a decisão.
Ao proferir seu voto, o relator, ministro Herman Benjamin, afirmou que não se pode falar em surpresa no caso, visto que "a necessidade de prova pré-constituída do direito líquido e certo da impetrante era perfeitamente previsível e cogitável pelas partes, pois inerente a pressuposto formal contido no artigo 1º da Lei 12.016/2009, que rege a via estreita do mandado de segurança".
"Cuida-se de simples exercício dos brocados iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi ius", concluiu o relator.
JULGAMENTO INTERROMPIDO
Outra importante questão sobre o tema foi decidida em 2018 pela Corte Especial, que entendeu que o ministro que não acompanhou o início de um julgamento com sustentações orais não pode participar de sua continuação.
O colegiado fundamentou a decisão – que se deu por maioria, em questão de ordem nos EREsp 1.447.624 – no respeito aos princípios do juiz natural e da não surpresa nos julgamentos. Na ocasião, a ministra Laurita Vaz, então presidente do STJ, afirmou que "o defensor deve saber, desde o início, qual é om quórum para o julgamento de seu processo".
O ministro Raul Araújo, ao proferir seu voto, afirmou que, no devido processo legal, as partes não podem ser surpreendidas em relação ao andamento da ação. Da mesma forma – acrescentou –, a não surpresa também se aplica aos juízes que participarão do julgamento após o seu início.
Por se tratar de matéria meramente procedimental, mas extremamente recorrente, a Corte optou por decidir o tema de imediato, entendendo, por maioria, pela impossibilidade de voto do magistrado ausente nas sustentações, ressalvadas as hipóteses estabelecidas no art. 162, § § 4º e 5º, do Regimento Interno – RISTJ, a versar acerca das hipóteses de desempate e formação de quórum. Assentou-se, ante os princípios do juiz natural e da não surpresa, ser imprópria a participação posterior do magistrado inicialmente ausente, por representar alteração na composição do órgão responsável no curso do julgamento.
A corrente minoritária, por sua vez se apoiou nos argumentos dos Ministros João Otávio Noronha – que entendeu não haver relação entre a habilitação e a sustentação oral, uma vez que o determinante deve ser o esclarecimento do julgador acerca do tema –; e Herman Benjamin – que diferenciou voto de fato (especialmente nos casos de competência originária) de voto da tese jurídica, entendendo como possível a habilitação do magistrado apenas nesta última hipótese.
O Ministro João Otávio Noronha propôs a formulação de súmula com o resultado do julgamento, compreendendo necessária proposta de emenda ao regimento interno do STJ no §4º do art. 162, para adicionar expressamente a vedação. Em relação à primeira proposta, a Corte, acompanhando posicionamento do Ministro Luis Felipe Salomão, rejeitou a formulação da súmula, entendendo como suficiente a existência do precedente. Em relação à emenda, a Corte a entendeu desnecessária, pela possibilidade de interpretação conjunta dos § § 4º e 5º do art. 162 do RISTJ.
REFERÊNCIAS:
BRASIL STJ - REsp: 1755266 SC 2018/0183510-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 18/10/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/11/2018 REVPRO vol. 291 p. 471
BRASIL. STJ - REsp: 1725225 SP 2016/0271078-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 13/03/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/03/2018 REVPRO vol. 281 p. 640 RSTJ vol. 250 p. 538
BRASIL. STJ - REsp: 1178562 RS 2010/0016682-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/09/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/09/2013
BRASIL. STJ - REsp: 963977 RS 2007/0146447-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/08/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/09/2008
BRASIL. STJ - REsp: 1280825 RJ 2011/0190397-7, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 21/06/2016, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/08/2016 RSTJ vol. 243 p. 640
BRASIL. STJ - AgInt no AREsp: 1468820 MG 2019/0074221-1, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 23/09/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/09/2019
BRASIL. STJ - RMS: 54566 PI 2017/0165308-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 19/09/2017, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2017
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. Princípio da não surpresa: algumas considerações do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2023, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3614/princpio-da-no-surpresa-algumas-consideraes-do-superior-tribunal-de-justia. Acesso em: 21 nov 2024.
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