Co-autor - NADIR DE CAMPOS JÚNIOR: Promotor de Justiça do I Tribunal do Júri de São Paulo, afastado de suas funções para o exercício do mandato de Diretor-Tesoureiro da Associação Paulista do Ministério Público.
Após 05 extenuantes dias de sessão plenária de julgamento assistimos, impassíveis, na madrugada do dia seguinte, a leitura de extensa e bem fundamentada sentença condenatória do casal Nardoni, às respectivas penas de 31 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão (Alexandre Nardoni) e 26 anos, 08 meses de reclusão (Anna Carolina Jatobá), pela prática de crime de homicídio triplamente qualificado, em concurso material com o crime de fraude processual, envolvendo a vítima Isabella Nardoni. Justificou-se a pena acima do mínimo legal tendo em vista a “frieza emocional”, bem como a investida de “forma covarde” contra criança de tenra idade (05 anos).
A comunidade jurídica acompanhou um dos mais importantes casos de crime doloso contra a vida, com repercussão na mídia nacional muito em razão do embate das provas dos autos, eminentemente periciais, produzidas pela testemunha Rosângela Monteiro, reportando-se aos laudos produzidos (muito bem explorados pelo competente colega de “Parquet” Francisco Cembranelli), a indicar que, no exato momento em que a vítima Isabella era defenestrada do 6º. andar do apartamento, na cena do crime se encontrava o casal Nardoni, embora não houvesse qualquer prova testemunhal a incriminar os acusados.
Como orienta o festejado autor GABRIEL CHALITA: “O ordenamento jurídico atinge subjetividades que devem ser, de alguma forma, atendidas para a decisão de um caso. Provas são, muitas vezes, insuficientes ou contestáveis. Testemunhos podem ter sua credibilidade abalada. Laudos podem não ser conclusivos. Quando são percebidos esses elementos, semeando a dúvida em um processo, o que pode levar o réu à condenação ou à absolvição? Sem dúvida, os argumentos do Promotor de Justiça e do advogado de defesa terão caráter decisivo. O poder de sedução das partes surge como elemento fundamental para o preenchimento das lacunas do Direito e para sua aplicação. Podemos, portanto, conceber o Direito – entre outras inúmeras concepções possíveis – como uma ciência da argumentação. Advogados e promotores devem argumentar em favor da parte que representam. Essa é a essência de sua atuação”.(in, A sedução no dircurso – O Poder da linguagem nos Tribunais do Júri, Ed. Max Limonad, pg. 15).
Importante a premissa retro-mencionada para concluir que os argumentos levados a efeito pelo colega Francisco Cembranelli foram tão efetivos em relação aos esposados pelo combativo defensor Roberto Podval, que certamente, caso permitisse a lei ao Juiz Maurício Fossen a abertura do 5º., 6º. e 7º. votos, estaríamos todos diante de uma votação unânime, seja em relação ao fato principal, seja em relação as circunstâncias que qualificaram o crime hediondo de homicídio, negando-se, pela mesma votação, qualquer circunstância atenuante em favor dos acusados. Não obstante a nova restrição legal, certo é que o Juiz se considerou habilitado a estabelecer sanção penal retumbante, dada a gravidade da conduta e a manifesta culpabilidade dos acusados.
Vencida esta etapa e providenciado o conforto espiritual para a mãe da jovem assassinada com missa realizada três dias após o término da sessão plenária, sobrevém discussão deletéria acerca da possibilidade do mesmo magistrado admitir protesto por novo júri, dada a necessidade da ultratividade de norma híbrida, mais benéfica aos agentes do crime. E o próprio STF já considerava que: “O protesto por novo júri tem uma única finalidade: a de desconstituir o julgamento anterior, para que outro se profira, em lugar do primeiro, para todos os efeitos. Ele torna, pois, inexistente o julgamento anterior, cabendo ao Juiz-Presidente do Tribunal do Júri somente designar novo julgamento” (RT 533/436).
A questão já foi bem colocada pelo mestre Damásio Evangelista de Jesus como de natureza polêmica, indicando a existência de três correntes:
1ª - a norma do art. 607 do CPP é de natureza penal e, por isso, ultra-ativa (mais benéfica), aplicando-se aos réus condenados a 20 ou mais anos de reclusão, por delitos da competência do Júri, cometidos antes da vigência da Lei n. 11.689/2008, mais gravosa e irretroativa (“novatio legis in pejus”; parágrafo único do art. 2.° do CP);
Por essa orientação, réus processados por homicídio ou outro delito do Júri, cometidos antes da Lei n. 11.689/2008, se condenados, na vigência da nova regra extintiva, na quantidade fixada pela norma, terão direito a um segundo julgamento;
2ª - o art. 4.º da Lei n. 11.689/2008 contém norma processual penal, sendo, por isso, de aplicação imediata, de maneira que, por exemplo, réus processados por homicídio cometido antes da Lei 11.689/2008, se condenados a 20 ou mais anos de reclusão, ainda que na vigência da nova regra extintiva, não terão direito a um segundo julgamento.
3ª - estamos em face de norma mista, penal e processual penal, prevalecendo sua natureza de Direito Material (Penal): o art. 4.º da Lei n. 11.689/2008 é irretroativo; o art. 607 do CPP é ultra-ativo. Solução: réus condenados a 20 ou mais anos de reclusão por homicídio (ou crime diverso, mas da competência do Júri), cometido antes da Lei n. 11.689/2008, julgados na vigência da nova regra extintiva, terão direito a um segundo julgamento.
Entende o honrado doutrinador que é prescindível a discussão acerca da natureza penal, processual penal ou híbrida das normas sob crivo de aplicação. A não permissão do protesto por novo júri, decorrente da adoção da 2ª. Corrente fere o princípio constitucional da amplitude de defesa. Assevera que não é constitucional que o Estado reduza a plenitude de defesa, diminuindo a sua amplitude com a exclusão de um recurso, alterando, assim, as regras do jogo em prejuízo do réu.
Entretanto, em respeito à dialética, ousamos discordar da posição de nosso mestre, adotando a 2ª corrente, ofuscando-se a possibilidade de designação de novo julgamento, anulando-se a decisão anteriormente adotada por votação soberana dos jurados.
Inicialmente, confunde-se a garantia constitucional de ampla defesa (art. 5.º, inciso LV, CF), com a garantia constitucional da plenitude de
defesa (art. 5.º, inciso XXXVIII, “a”, CF). Esta diz respeito a três aspectos importantes: a) Direito do réu apresentar tese pessoal diversa daquela apresentada pelo defensor técnico; b) Direito de ver-se declarado indefeso, caso o combate em plenário pelo defensor não esteja à altura de confrontar-se com a acusação realizada; c) Direito de valer-se de todos os recursos admitidos em lei.
Para aferição deste último aspecto que rege a plenitude de defesa, urge procuremos definir a natureza jurídica da norma ora revogada (art. 607, CPP). E qualquer norma que trate de um meio recursal diz respeito a uma garantia constitucional implícita que é o duplo grau de jurisdição. O devido processo legal (art. 5.º, inciso LIV, CF) deve garantir a possibilidade de revisão dos processos julgados. Se para tanto, o legislador infra-constitucional exige requisitos referentes à natureza do crime (doloso contra a vida) e quantidade da pena imposta na sentença condenatória (igual ou superior a 20 anos), tais exigências não afastam a natureza puramente processuais (ou formais, técnicas) da norma em destaque.
Assim, não há que se cogitar da retroatividade ou ultra-atividade mais benigna da norma revogada. O princípio a ser aplicado é o da aplicação imediata da lei processual, preconizado pelo artigo 2º do Código de Processo Penal, que reclama a aplicação imediata da nova norma, ainda que menos benéfica ao agente do delito, ao passo que a garantia constitucional estatuída no art. 5.º, inciso XL, CF (irretroatividade, salvo mais benéfica), somente incide sobre normas de direito material (penal). O princípio é o “tempus regit actum”.
Portanto, embora o crime supostamente praticado pelo casal Nardoni tenha ocorrido no dia 29 de março de 2008, antes da vigência da nova norma decorrente da lei n. 11.689/08, em vigor a partir de 09 de agosto de 2008, após 60 dias de “vaccatio legis”, sendo esta genuinamente processual, concluímos que ambos não têm direito ao Protesto por Novo Júri, admitindo-se o recurso interposto pelo combativo defensor apenas como apelação, cabendo ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aferir todas as teses apresentadas, em respeito ao princípio constitucional da mais ampla defesa dos acusados no processo penal.
Promotor de Justiça e Deputado Estadual. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Presidente do Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Bandeirante (UNIBAN). Autor de diversas obras jurídicas. Coordenador das Coleções Estudos Direcionados e Pockets Jurídicos da Editora Saraiva. Site: www.fernandocapez.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAPEZ, Fernando. Caso NARDONI: inaplicabilidade da ultra-atividade do protesto por novo júri em razão da pena imposta aos sentenciados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 abr 2010, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/563/caso-nardoni-inaplicabilidade-da-ultra-atividade-do-protesto-por-novo-juri-em-razao-da-pena-imposta-aos-sentenciados. Acesso em: 24 nov 2024.
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