Inicialmente cumpre afirmar que a Lei 11.382/2006, quando acrescentou o artigo 745-A ao Código de Processo Civil, procurou estabelecer uma nova forma de adimplemento da obrigação exeqüenda, tornando-a menos onerosa para o devedor.
Porém, o artigo 745-A silenciou quanto à possibilidade da outra parte impugnar o pedido de parcelamento, e essa brecha têm ensejado inúmeras discussões quanto à possibilidade do exeqüente discordar da concessão de tal benefício e contrariar a sua concretização.
Há que se ressaltar que é preciso reconhecer que a oportunidade de oitiva do exeqüente se faz imprescindível, em respeito ao princípio constitucional do contraditório, pois o requerimento do devedor, se acatado pelo juiz, interfere diretamente na esfera de direitos da parte contrária, forçando-a a aceitar uma forma de pagamento que não concorda. Em razão disso, o titular do direito afetado deve ter oportunidade para se manifestar sobre o parcelamento.
Ocorre que, há discordância quanto aos limites da defesa do credor. Os doutrinadores que não compreendem o parcelamento como direito potestativo do executado exigem a concordância do exeqüente como uma das condições para a concessão do benefício.
Para esta parte da doutrina, a interferência do Estado através do judiciário no sentido de impor o pagamento parcelado é inaceitável, pois o título executivo, já devidamente formado, não aceita modificação da obrigação por ele representada, sendo que somente o titular do direito discutido poderia concordar com esta concessão.
Dentre as respeitáveis opiniões que conferem especial relevância à concordância do credor está o nobre jurista Elpídio Donizzeti. O insigne entende que tal aquiescência é um dos requisitos para o deferimento do parcelamento, pois havendo discordância, este só poderia ser concedido caso o juiz não encontrasse forma mais proveitosa para a satisfação do crédito.
Também se posicionando a favor da liberdade do exeqüente, o ilustre professor José Maria Tesheiner, apesar de reconhecer que a lei dispensa a concordância da parte afetada, critica duramente o dispositivo por nele verificar ofensa ao direito líquido e certo do credor ao recebimento, à vista, do valor devido. Para Tesheiner, somente ao titular do direito caberia apreciar a conveniência ou não do parcelamento.
Não obstante as respeitáveis opiniões acima descritas, o melhor entendimento é o que considera ser desnecessária tal anuência, pois do contrário, implicaria em desprezo à inteligência do legislador, pois o instituto consolidado no artigo 745-A corresponderia exatamente à transação entre partes, cuja aplicação é tranquilamente acolhida em sede de execução, ou o legislativo teria desperdiçado esforços para autorizar o que já era possível.
Nessas circunstâncias o artigo 745-A tornar-se-ia letra morta, sempre esbarrando na ‘vontade’ do exeqüente, certamente mais interessado em tirar proveito da situação desvantajosa do executado que já não poderia mais discutir o valor da dívida.
Além disso, a discordância do credor traria malefícios desproporcionais ao devedor, que não apenas perderia o direito ao parcelamento, como estaria ainda impedido de opor embargos à execução e de reaver o depósito prévio de 30% (trinta por cento) do valor total da execução.
Diante do exposto, entendemos que é inevitável concluir que o credor tem, sim, direito a se manifestar sobre o pedido de parcelamento, mas seus argumentos devem se limitar tão somente à desconstituição dos requisitos erigidos pela Lei, onde poderão ser argüidas, a insuficiência do depósito prévio, a intempestividade do requerimento, a prévia oposição de embargos à execução, etc.
Quanto à possibilidade de o parcelamento ser deferido em fase de cumprimento da sentença, a análise da articulação do Código de Processo Civil revela que o artigo 745-A foi inserido no capítulo dedicado aos embargos à execução, deixando claro que o instituto é aplicável à execução fundada em título executivo extrajudicial, já que apenas o processo executivo autônomo aceita a oposição de embargos.
Para a execução baseada em títulos executivos judiciais, a Lei 11.232/2005 instituiu o cumprimento de sentença, procedimento que é mera fase do processo sincrético e que aceita apenas o oferecimento de impugnação.
Entretanto, o artigo 475-R do CPC, dispõe que as normas que regem o processo de execução extrajudicial são aplicáveis subsidiariamente ao cumprimento de sentença, no que couber. Assim, com a criação desse dispositivo, começou-se a discutir se o parcelamento compulsório está entre as normas que aceitam tal aplicação subsidiária.
Uma parte da doutrina tem se manifestado favoravelmente, sob o argumento principal de que não haveria qualquer incompatibilidade entre o instituto do parcelamento e o procedimento do cumprimento de sentença.
O emérito processualista Elpídio Donizetti vai além quando assevera que, mesmo inexistindo a regra do artigo 475-R, a aferição da proporcionalidade entre a garantia à execução do crédito tal como consubstanciado no título e o melhor proveito para o exeqüente autorizaria o parcelamento. Outros sustentam também o necessário respeito ao princípio da isonomia consagrado no art. 5º da Constituição Federal, ao argumento de que, se o benefício fosse exclusivo do devedor na execução de título extrajudicial, haveria privilégio não estendido ao devedor de montante judicialmente reconhecido.
O mestre Fredie Didier depõe contra a corrente capitaneada por Elpídio Donizetti. O nobre doutrinador explica, que não cabe aplicação de analogia para estender um estado de sujeição ao credor, conferindo um direito potestativo ao devedor. Tal espécie de direito constitui exceção dentro do ordenamento jurídico, razão pela qual depende de expressa previsão legal, pois de fato, o parcelamento representa restrição à liberdade do sujeito ativo da relação obrigacional. Esta sujeição foi expressamente prevista apenas para as execuções de título extrajudiciais, de forma que sua aplicação no âmbito do cumprimento de sentença representaria analogia em prejuízo do credor, o que é inaceitável.
Não obstante os brilhantes argumentos descritos, entendemos que a melhor doutrina é a que sustenta que a tutela efetiva dos direitos do credor não recepciona a aplicação subsidiária do artigo 745-A ao cumprimento de sentença. É por esse motivo que não se pode dizer que a aplicação subsidiária do parcelamento é medida isonômica. O devedor de título executivo judicial encontra-se em situação bem mais confortável porque já pôde discutir exaustivamente seu débito e procrastinar ao máximo o adimplemento. Tratar igualmente pessoas em situações diversas é injustiça, e não isonomia.
Por fim, é preciso lembrar que a própria letra da lei evidencia a incompatibilidade entre o parcelamento compulsório e o procedimento de cumprimento de sentença, ao exigir que o devedor faça sua proposta no prazo dos embargos à execução.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2008. v. 2.
DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 8ª ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
TESHEINER, José M. Execução fundada em título extrajudicial (de acordo com a Lei nº. 11.382/2006). Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 55, nº 355, p. 29-45, 2007.
Precisa estar logado para fazer comentários.