SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Direitos coletivos (lato sensu): 2.1 Direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos – 3. Dano moral coletivo: 3.1 Previsão legal 3.2 Revisão bibliográfica - 4. Aproximação do direito penal e função punitiva da responsabilidade civil – 5. Dano moral (individual) - 6. Dano moral coletivo: dano extrapatrimonial com função punitiva - 7. Superior Tribunal de Justiça.
Resumo: O presente ensaio busca delinear o denominado dano moral coletivo. O objetivo principal é destacar que sua configuração independe de qualquer afetação ou abalo à integridade psicofísica da coletividade e, ainda, que a categoria não se confunde com a indenização por dano moral decorrente de tutela de direito individual homogêneo. Sustenta-se que a condenação judicial por dano moral coletivo (dano extrapatrimonial) é sanção pecuniária, com caráter eminentemente punitivo, em face de ofensa a direitos coletivos ou difusos nas mais diversas áreas (consumidor, meio ambiente, ordem urbanística etc).
Palavras-chave: Direitos coletivos: dano moral coletivo; função punitiva; responsabilidade; dano extrapatrimonial
1. Introdução
O presente artigo discute o denominado dano moral coletivo com o objetivo principal de evidenciar que sua configuração independe de qualquer afetação ou abalo à integridade psicofísica da coletividade e, ainda, que a categoria não se confunde com a indenização por dano moral decorrente de tutela de direito individual homogêneo. A condenação judicial por dano moral coletivo é sanção pecuniária, com caráter eminentemente punitivo, em face de ofensa a direitos coletivos ou difusos nas mais diversas áreas (consumidor, meio ambiente, ordem urbanística etc).
A indefinição doutrinária e jurisprudencial concernente à matéria decorre da absoluta impropriedade da denominação dano moral coletivo, a qual traz consigo – indevidamente –discussões relativas à própria concepção do dano moral no seu aspecto individual .
Outro motivo ensejador de equívocos é a inexistência, no campo material, de uma teoria própria e sedimentada dos direitos metaindividuais, obrigando o intérprete e aplicador da lei a recorrer a institutos e conceitos impróprios para tentar solucionar complexos problemas inerentes à sociedade massificada que exige uma outra racionalidade.
O objetivo da lei, ao permitir expressamente a imposição de sanção pecuniária pelo Judiciário, a ser revertida a fundos nacional e estadual (art. 13 da Lei 7.347/85), foi basicamente de reprimir a conduta daquele que ofende direitos coletivos e difusos. Como resultado necessário dessa atividade repressiva jurisdicional surgem os efeitos – a função do instituto – almejados pela lei: prevenir a ofensa a direitos transindividuais, considerando seu caráter extrapatrimonial e inerente relevância social.
A compreensão acertada do dano moral coletivo vincula-se naturalmente aos direitos metaindividuais e aos respectivos instrumentos de tutela. Requer, ademais, análise funcional do instituto, o qual é multifacetado, ora se aproximando de elementos e noções de responsabilidade civil nas relações privadas, ora aproveitando-se de perspectiva própria do direito penal.
Assim a referência a tópicos da responsabilidade civil nas relações privadas individuais possui, antes de qualquer outro, o objetivo de demonstrar que nem todos os seus elementos podem legitimamente ser transportados para uma adequada definição do dano moral coletivo. De outro lado, o objetivo preventivo-repressivo do direito penal conforma-se mais com o interesse social que está agregado aos direitos difusos e coletivos.
Ao final, faz-se exame crítico de recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida em 19 de maio de 2006, no julgamento do recurso especial 598.281, que, por maioria, não reconheceu a possibilidade de dano moral coletivo em ação civil pública cuja causa de pedir foi a ofensa ao meio ambiente decorrente de atividade de empresa imobiliária.
2. Direitos coletivos (lato sensu)
A discussão do dano moral coletivo, previsto na Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e, também, na Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) exige alusão aos direitos coletivos.
Para alguns, o reconhecimento dos direitos coletivos ou difusos decorrem de movimentos sociais que emergiram na virada da década de 50 para 60, representados por mulheres e negros norte-americanos e, em menor escala, por ambientalistas e consumeristas. Para os europeus, seriam considerados direitos de terceira geração, desdobramentos dos direitos de primeira e segunda geração.[1]
A propósito, Bobbio esclarece: “Ao lado dos direitos sociais que foram chamados de direito de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicados pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído.” [2]
Paulo Bonavides alude a direitos de terceira geração como os emergentes “da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da comunidade.” [3]
Independentemente do nome que se dê a esses “novos” direitos ou interesses, ou até mesmo da identificação dos seus fatores, certo é que seu reconhecimento legal e doutrinário constitui mais um golpe na dicotomia direito público/privado. Afinal, a proteção dos direitos metaindividuais enquadra-se em qual ramo do direito? Arruda Alvim, aludindo à evolução da disciplina dos direitos coletivos, propõe a designação de direito social, justamente para indicar a dificuldade de enquadrar seu estudo em ramos ou divisões tradicionais do direito: “A esta área ou província do direito, que não é propriamente direito público nem privado, pode-se designar como direito social, regida por normas de ordem pública.”[4]
Com integral razão, Consuelo Yoshida ao sustentar: “A visão holística, integrada e sincrética dos clássicos ramos, disciplinas, institutos e instrumentos jurídicos é a tendência dos últimos tempos, o que implica um nível maior de complexidade na compreensão, diagnóstico e solução dos conflitos individuais ou coletivos, nas relações e interações múltiplas propiciadas pela sociedade contemporânea” [5]
O fato é que, sem embargo do progresso na matéria representado pelas leis processuais e também pelo debate doutrinário, ainda não existe, no campo material, um modelo teórico suficientemente preciso para indicar, com segurança, as soluções para os intrincados problemas que se colocam nesta área, forçando, muitas vezes, um recurso indevido a categorias jurídicas que servem para outras finalidades, como é o caso de se pretender transportar integralmente os pressupostos da responsabilidade civil nas relações privadas individuais para à compreensão do dano moral coletivo.
Sustenta-se, neste ensaio, que a apreensão adequada do dano moral coletivo requer análise funcional do instituto, o qual é multifacetado, ora se aproximando de elementos e noções de responsabilidade civil nas relações privadas, ora aproveitando-se de perspectiva própria do direito penal, especialmente no que diz respeito à sua função.
No Brasil, a discussão científica dos direitos coletivos se iniciou pela doutrina de direito processual, mais precisamente no momento em que surgiram diplomas legais disciplinando as ações coletivas. Aliás, é notável, nas duas últimas décadas, a crescente preocupação do legislador, tanto constituinte como ordinário, pela instituição, melhor disciplina e sistematização de meios processuais para tutela judicial e extrajudicial de direitos coletivos, também denominados metaindividuais ou transindividuais. [6]
Esta preocupação do legislador brasileiro em relação ao assunto se explica por vários fatores. Sob o aspecto sociológico e político, consigne-se a influência da doutrina italiana do acesso à justiça que, em síntese, procura oferecer novos caminhos, estatais ou não, para solução de conflitos próprios de uma sociedade de massas. Assistiu-se, nas últimas décadas, ao surgimento de movimentos sociais, sem tradição histórica de confrontação, tais como dos negros, estudantes, consumidores, ambientalistas, homossexuais, todos em luta por novos direitos sociais nos mais diversos setores: segurança, saúde, habitação, educação transportes, meio ambiente, qualidade de vida etc. A configuração processual clássica – A versus B – mostrou-se absolutamente incapaz de absorver e dar resposta satisfatória aos novos litígios que acabavam ficando marginalizados e, gerando, em conseqüência, intensa e indesejada conflituosidade.
Acrescente-se o fato de que determinados direitos transindividuais – os difusos – por ausência de um titular específico, ficariam carentes de proteção jurisdicional e eficácia, se não houvesse um representante para levá-los à Justiça.[7]
Ademais, a solução concentrada de conflitos traz prestígio à Justiça ao evitar decisões contraditórias e diminuir o volume de processos, possibilitando resultados mais céleres.
Por fim, como destaca Ronaldo Porto Macedo Júnior, o outro fator, complementar aos demais, seria o reconhecimento de um direito social que se caracteriza por ser um direito das desigualdades, direito de grupos, que procura socializar os riscos e perdas sociais, direito que não pode ser mais encarado como a mera expressão de garantias dos indivíduos e sim como garantia de grupos, o que conduz, naturalmente, a duas outras características. O direito social é contraditório e possui uma forte dimensão política, pois o atendimento a direito de um grupo pode significar a preterição de outro grupo.[8]
O Constituinte de 1988 foi sensível a tais fatores, pois, a par de ampliar o catálogo de direitos materiais – ressaltando, em diversas passagens, um caráter coletivo e social – previu e realçou diversos meios processuais de tutela de interesses metaindividuais. A Constituição instituiu o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX); possibilitou aos sindicatos e associações defender em juízo interesses da respectiva coletividade (art. 5º, XXI e 8º, III); ampliou o objeto da ação popular (art. 5º, LXXIII); aumentou o número de legitimados para propositura de ação direita de inconstitucionalidade e, finalmente, fez referência expressa à ação civil pública, para a proteção do “patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”, cuja promoção é função institucional do Ministério Público, sem exclusão de outros entes (art. 129, III e § 1º).
No âmbito infraconstitucional, a preocupação com a eficácia dos interesses coletivos, lato sensu, refletiu-se na edição de diversos diplomas legais, com destaque para a Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), a Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). [9]
A Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) foi importante marco na evolução do direito processual coletivo, ao procurar conferir disciplina sistemática à matéria e também por conter amplo espectro de incidência, permitindo a judicialização de questões vinculadas ao meio ambiente, à ordem urbanística, ao consumidor e bens de valor artístico, estético, histórico e paisagístico – patrimônio cultural.
A Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), por seu turno, trouxe novidade. Inspirando-se na class actions for damages do direito norte-americano, possibilitou a tutela judicial, em ação coletiva, dos danos pessoalmente sofridos (direitos individuais homogêneos – art. 81, inciso II, c/c os arts. 91/100). Além disso, conceituou os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Aspecto bastante relevante foi a ampliação do campo de incidência da ação coletiva. Atualmente a ação pode ter por objeto qualquer espécie de matéria, desde que se caracterize tutela de interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo. A Carta Magna (art. 129, III, IX e parágrafo primeiro) e a Lei 8.078/90 (arts. 110 e 117) foram expressas neste sentido. A restrição, havida originariamente, pela qual somente os interesses relativos a meio ambiente, consumidor e patrimônio cultural poderiam ser tutelados por meio da ação civil pública, não mais existe. O Código de Defesa do Consumidor (art.110) acrescentou o inciso IV ao art.1º da Lei 7.347/85, ensejando a defesa de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.
Ademais, em virtude do disposto no art. 117 do CDC, há absoluta integração entre a Lei 7.347/85 e a Lei 8.078/90, de modo que as inovações, para o processo civil coletivo, trazidas por esta última (arts. 81 a 104), não se destinam apenas à tutela coletiva dos interesses do consumidor e sim a qualquer espécie de interesse coletivo.
Consigne-se, para encerrar o tópico, que a ação civil pública comporta, atualmente, qualquer espécie de tutela jurisdicional. A Lei 7.347/85 dispõe: "a ação poderá ter por objeto condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer", sugerindo, em princípio, seu caráter exclusivamente condenatório. Todavia, com o advento da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do consumidor) e sua absoluta integração com a Lei da Ação Civil Pública (art. 117 do CDC), são possíveis pedidos de natureza constitutiva, declaratória, mandamental e executiva, por força dos termos do art. 83: "para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”.
Por esse breve quadro, constata-se que toda a legislação, a partir da importância conferida à Constituição de 1988, evoluiu no sentido de criar instrumentos que assegurem uma efetiva tutela aos direitos coletivos. É nesse contexto que surge, em dois diplomas legais, a previsão de condenação por dano moral coletivo.
2.1. Direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos
Até o advento da Lei 8.078/90, o entendimento relativo ao direito coletivo e difuso decorria especialmente de reflexões doutrinárias e das referências iniciais da Lei 7.347/85. O Código de Defesa do Consumidor, ao conceituá-los, no art. 81,[10] bem como instituir a categoria de direitos individuais homogêneos, promoveu importante avanço no debate doutrinário.
Os direitos difusos são metaindividuais, de natureza indivisível, comuns a toda uma categoria de pessoas não determináveis que se encontram unidas em razão de uma situação de fato.
Na conceituação legal de direitos difusos, optou-se pelo critério da indeterminação dos titulares e da ausência entre eles de relação jurídica base (aspecto subjetivo) e pela indivisibilidade do bem jurídico (aspecto objetivo).
Como exemplos de proteção de interesses difusos, citem-se medidas preventivas (jurisdicionais ou não) para evitar a poluição do ar de determinada cidade, a veiculação de publicidade enganosa ou abusiva (art. 37 do CDC). Quem são, afinal, os titulares do direito? Quem são os beneficiários de eventual tutela jurisdicional que viesse a impedir os fatos indicados? Todos as pessoas expostas a eles. Não se poderia nem mesmo afirmar que essas pessoas se limitam, por exemplo, aos moradores da cidade poluída, pois os não moradores (turistas, visitantes) também são titulares do direito. Mais do que isso: a proteção ao meio ambiente não se restringe a aspectos físicos e regionais. Os direitos difusos, portanto, pertencem à comunidade, a um número indeterminável de pessoas. São materialmente difusos. Não é uma lei que o define como tal, mas a sua própria natureza.
Os direitos coletivos, por seu turno, são os transindividuais, de natureza indivisível, pertencentes a um grupo determinável de pessoas (categoria de pessoas), ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
Como exemplo de direito coletivo, cite-se o interesse de todos contratantes de determinado plano de saúde de não sofrerem reajuste das parcelas mensais em desacordo com orientação legal ou em ofensa à cláusula geral da boa-fé objetiva (art. 51, IV, do CDC). Cite-se, ainda na área de consumo, o reconhecimento de nulidade de determinada cláusula padrão, utilizada em milhares de contrato por incorporadora imobiliária com atuação em âmbito nacional. Nos dois casos, ajuizada ação civil pública (ou coletiva), os efeitos da sentença irão atingir todos que estiverem na situação indicada - categoria de pessoas determinadas. Se a demanda coletiva houver sido proposta, por exemplo, por associação de consumidores, os benefícios de eventual julgamento favorável não ficarão restritos aos associados, mas serão usufruídos por todos os consumidores – pessoas determinadas – que estão na situação de ilegalidade questionada na ação. É nesse sentido que deve ser compreendida a extensão ultra partes dos efeitos da decisão referida pelo art. 103, II, do CDC. [11]
Por fim, os direitos individuais homogêneos estão definidos no artigo 81, III, do CDC, simplesmente como aqueles “decorrentes de origem comum”. Entretanto, para uma melhor compreensão desta categoria, faz-se necessária análise mais ampla da Lei 8.078/90, especialmente do disposto nos arts. 91 a 100 que integram o Capítulo II (das ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos), bem como brevíssimo enfoque restrospectivo.
A Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) cuidava, em sua redação original, apenas dos direitos difuso e coletivo. A tutela dos interesses individuais homogêneos foi instituída no Brasil, conforme já consignado, pela Lei 8.078/90, sob a inspiração da class actions for damages do direito norte-americano. Objetiva-se o ressarcimento dos danos (morais e materiais) pessoalmente sofridos como decorrência do mesmo fato. Não se cuida, destaque-se desde logo, de condenação por dano moral coletivo, a qual se vincula a direitos difusos e coletivos, e sim aproveitamento de provimento jurisdicional coletivo para posterior liquidação do dano invidual.
De fato, a leitura do art. 91 e seguintes da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) conduz ao entendimento de que a tutela de direito individual homogêneo concerne a um único fato gerador de diversas pretensões indenizatórias. Há duas fases no processo. A inicial, promovida pelo legitimado coletivo, em que se busca o reconhecimento e declaração do dever de indenizar. A segunda fase é o momento da habilitação dos beneficiados na ação, com o fim de promover a execução da dívida reconhecida no âmbito coletivo.
Assim, a sentença, na hipótese de tutela de direito individual homogêneo, deve ser genérica limitando-se a reconhecer a responsabilidade do réu pelos danos causados (art. 95 do CDC). Futuramente, deverão as vítimas habilitarem-se no processo, a título individual, para procederem à liquidação da sentença, provando o dano sofrido, o seu montante, e que se encontram na situação amparada pela decisão.
No caso, o pedido de condenação genérica pode abranger os danos materiais e morais. Mas na hipótese, é bom ressaltar, não se trata, à evidência, de dano moral coletivo e sim de soma de danos morais individuais.
Para melhor esclarecer, imagine-se serviço de proteção ao crédito que, apesar da limitação temporal expressa de cinco anos, prevista no art. 43 § 1º do CDC, insiste em manter em suas base de dados inscrições de consumidores pelo prazo de dez anos. Na hipótese, é possível o ajuizamento de ação coletiva, com provimento jurisdicional no sentido de exlcuir todos os registros com prazo superior a cinco anos (direito coletivo), bem como indenizar os danos morais e materiais dos consumidores que estavam inscritos indevidamente (direito individual homogêneo).[12]
Além do pedido de exclusão, é viável o requerimento de indenização, por dano moral e material, sofrida por cada consumidor individualmente (tutela de direito individual homgêneo). Em relação a este pedido, haverá, num primeiro momento, condenação genérica, “fixando-se a responsabilidade do réu pelos danos causados” (art. 95 do CDC). A apuração do quantum indenizatório dependerá de futura habilitação no processo das vitimas (art. 91 e 97). Na hipótese, a indenização por dano moral é individual. Nada tem a ver com o dano moral coletivo, que se vincula a ofensa a direitos coletivos e difusos. O art. 91 é bastante esclarecedor ao se referir a “danos individualmente sofridos.” Cuida-se, portanto, de tratamento processual coletivo a direitos individuais.
Na mesma ação coletiva poderia ser veiculado, cumulativamente, pedido de condenação por dano moral coletivo, em face de ofensa a direito coletivo dos consumidores cujos nomes foram mantidos irregularmente nos bancos de dados de proteção ao crédito. O valor da condenação, de caráter punitivo, seria revertido ao fundo criado pelo art. 13 da Lei 7.347/85.
3 Dano moral coletivo
3.1 Previsão legal
Antes de problematizar, é importante deixar claro que o dano moral coletivo está consagrado expressamente no ordenamento jurídico brasileiro.
Cite-se, inicialmente, o disposto no art. 6º da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), dispositivo que enumera os direitos básicos do consumidor, verbis: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VI – a efetiva proteção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; (...) VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimonias e morais, individuais, coletivos e difusos (...)” – grifou-se.
De modo mais evidente, até porque abrangendo qualquer espécie de direito difuso ou coletivo, foi a alteração legislativa do caput do art. 1º da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), promovida, em junho de 1994, pela Lei 8.884.
Antes da Lei 8.884/94, a redação do caput era a seguinte: “Art. 1º Regem-se, pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados (...)” aos direitos coletivos, na seqüência, indicados.
Em 11 de junho de 1994, foi promulgada a Lei 8.884, a qual estabeleceu a seguinte e nova redação ao art. 1º da Lei 7.347/85: “Regem-se, pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I - ao meio ambiente; II - ao consumidor; III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo: V - por infração da ordem econômica.” (grifou-se)
Ou seja, além de condenação pelos danos materiais causados ao meio ambiente, consumidor ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, destacou, a nova redação do art. 1º, a responsabilidade por dano moral em decorrência de violação de tais direitos, tudo com o propósito de conferir-lhes proteção diferenciada.
Todavia, a expressa previsão do que se tem denominado dano moral coletivo traz inúmeros questionamentos. Qual o sentido da expressão dano moral coletivo? Quais são os seus pressupostos? É possível buscá-los na disciplina privada da responsabilidade civil? O conceito de dano moral coletivo se aproxima da compreensão do dano moral individual? O dano moral coletivo está associado ao abalo coletivo de integridade psíquica? O objetivo da condenação por dano moral coletivo é meramente punitivo? Sendo assim, quais os critérios para fixação do seu valor? Aceito o caráter punitivo, é possível a imposição simultânea de sanções administrativas e penais?
As respostas não podem ser valida e legitimamente encontradas no modelo teórico da responsabilidade civil forjado para relações privadas e individuais, considerando os objetivos diversos das leis que protegem direitos coletivos. Sustenta-se aqui que as soluções devem necessariamente prestigiar uma efetiva tutela dos direitos coletivos e difusos, da qual se sobressai o aspecto preventivo da lesão. A prevenção só pode ser alcançada se houver instrumentos eficazes para punir o comportamento que ofenda ou, em certos casos, ameace, ofender direitos metaindividuais.
Em face da exagerada simplicidade com que o tema foi tratado legalmente, a par da ausência de modelo teórico próprio e sedimentado para atender aos conflitos transindividuais, faz-se necessário construir soluções que vão se utilizar, a um só tempo, de algumas noções extraídas da responsabilidade civil, bem como de perspectiva própria do direito penal.
Portanto, na seqüência, após verificação de posições doutrinárias a respeito do tema, são realizadas referências a tópicos da responsabilidade civil com o objetivo de demonstrar que nem todos os seus elementos e controvérsias podem legitimamente ser transportados para uma tentativa de definição do dano moral coletivo. Procura-se, também, mostrar que, mesmo nas relações privadas individuais, admite-se a função punitiva da responsabilidade civil, o que é um forte e decisivo argumento para aceitá-la nos litígios e lesões decorrentes de conflitos de massa.
3.2 Revisão bibliográfica
O dano moral coletivo já foi objeto de importantes estudos doutrinários. Sem qualquer pretensão de aludir a tudo que se produziu na área, indicam-se relevantes trabalhos doutrinários para posterior avaliação crítica.
Xisto Tiago de Medeiros Neto, após destacar avanço legal da proteção aos interesses de essência moral (extrapatrimonial) e aos direitos coletivos (lato sensu), registra: “A ampliação dos danos passíveis de ressarcimento reflete-se destacadamente na abrangência da obrigação de reparar quaisquer lesões de índole extrapatrimonial, em especial as de natureza coletiva, aspecto que corresponde ao anseio justo, legítimo e necessário apresentado pela sociedade de nossos dias. Atualmente, tornaram-se necessárias e significativas para a ordem e a harmonia social a reação e a resposta do Direito em face de situações em que determinadas condutas vêm a configurar lesão a interesses: juridicamente protegidos, de caráter extrapatrimonial, titularizados por uma determinada coletividade. Ou seja, adquiriu expressivo relevo jurídico, no âmbito da responsabilidade civil, a reparação do dano moral coletivo (em sentido lato).”[13]
Defende o autor que o conceito de dano moral coletivo não deve se restringir ao sofrimento ou à dor pessoal e sim ser compreendido como toda modificação desvaliosa do espírito coletivo, ou seja, a qualquer violação aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade.[14] “Com efeito, toda vez em que se vislumbrar o ferimento a interesse moral (extrapatrimonial) de uma coletividade, configurar-se-á dano passível de reparação, tendo em vista o abalo, a repulsa, a indignação ou mesmo a diminuição da estima, infligidos e apreendidos em dimensão coletiva (por todos os membros), entre outros efeitos lesivos. Nesse passo, é imperioso que se apresente o dano como injusto e de real significância, usurpando a esfera jurídica de proteção à coletividade, em detrimento dos valores (interesses) fundamentais do seu acervo.”[15]
Por fim, em relação à destinação do dinheiro decorrente da condenação em dano moral coletivo, observa: “o direcionamento da parcela pecuniária ao Fundo é de importância indiscutível por apresentar-se a lesão, em essência, ainda mais fluida e dispersa no âmbito da coletividade. Além disso, tenha-se em conta que a reparação em dinheiro não visa a reconstituir um bem material passível de quantificação, e sim oferecer compensação diante da lesão a bens de natureza imaterial sem equivalência econômica, e sancionamento exemplar ao ofensor, rendendo-se ensejo para se conferir destinação de proveito coletivo ao dinheiro recolhido.”[16]
Carlos Alberto Bittar Filho conceitua o dano moral coletivo como “injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos.” Em seguida, esclarece: “Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara de dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa).” [17]
No que diz respeito à função da condenação, sustenta ser necessária utilização “da técnica do valor de desestímulo, a fim de que se evitem novas violações aos valores coletivos, a exemplo do que se dá em tema de dano moral individual; em outras palavras, o montante da condenação deve ter dupla função: compensatória para a coletividade e punitiva para o ofensor; para tanto, há que se obedecer, na fixação do quantum debeatur, a determinados critérios de razoabilidade elencados pela doutrina (para o dano moral individual, mas perfeitamente aplicáveis ao coletivo), como, v.g., a gravidade da lesão, a situação econômica do agente e as circunstâncias do fato.” [18]
André de Carvalho Ramos, por sua vez, expõe: “O ponto-chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas.” Argumenta que qualquer abalo no patrimônio moral de uma coletividade também merece reparação.[19] Em outra passagem, ressalta: “Devemos ainda considerar que o tratamento transindividual aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba cedendo lugar, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade.” [20]
Destaque-se a posição de Luiz Gustavo Grandinetti. O autor, em artigo cujo título já indica a sua concepção sobre o dano moral coletivo – Responsabilidade por dano não-patrimonial a interesse difuso – sustenta os seguintes pontos acerca da matéria: 1) Mostra-se inconveniente a separação rígida entre interesse público-pena e interesse privado-reparação (ressarcimento ou reintegração) 2) Quando se protege o interesse difuso, o que se está protegendo, em última instância, é o interesse público; 3) Tal interesse público pode ser tutelado pelo modo clássico de tutela dos interesses públicos, tipificando-se a conduta do agente causador do dano como crime e sancionando com uma pena criminal, mas pode ocorrer, por razões várias, que o ordenamento jurídico não tipifique tal conduta como crime, caso em que os instrumentos próprios para a proteção de interesses privados acabam assumindo nítida função substitutiva da sanção penal; 4) Deve-se admitir uma certa fungibilidade entre as funções sancionatória e reparatória em matéria de interesses difusos lesionados; 6) Com essa conformação e preocupação, surge o recém denominado dano moral coletivo, o qual deixa a concepção individualista caracterizadora da responsabilidade civil para assumir uma outra mais socializada, preocupada com valores de uma determinada comunidade e não apenas com o valor da pessoa individualizada. [21]
Vitor Fernandes Gonçalves, por fim, sustenta o caráter punitivo da indenização decorrente de violação aos direitos difusos. Apresenta, realizando paralelo ao punitive damages do common law, diversas vantagens em favor do sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.[22]
4 Aproximação com o direito penal e função punitiva da responsabilidade civil
A correta compreensão dano moral coletivo não se deve vincular, como já se destacou, a todos elementos e racionalidade próprios da responsabilidade civil nas relações privadas individuais. Na verdade, o objetivo de se prever, ao lado da possibilidade de indenização pelos danos materiais, a condenação por dano moral coletivo só encontra justificativa pela relevância social e interesse público inexoravelmente associados à proteção e tutela dos direitos metaindividuais.
Como se demonstrou nos itens anteriores, os direitos coletivos não se enquadram em modelos teóricos dos ramos tradicionais do ordenamento jurídicos. São uma nova categoria cuja compreensão exige análise funcional.
Especificamente em relação à positivação do denominado dano moral coletivo, a função é, mediante a imposição de novas e graves sanções jurídicas para determinadas condutas, atender ao princípio da prevenção e precaução, de modo a conferir real e efetiva tutela ao meio ambiente, patrimônio cultural, ordem urbanística, relações de consumo e a outros bens que extrapolam o interesse individual. É evidente, portanto, neste aspecto, a aproximação com a finalidade do direito penal, pois “a característica do ordenamento jurídico penal que primeiro salta aos olhos é a sua finalidade preventiva: antes de punir, ou com o punir, evitar o crime.”[23]
A propósito, cumpre transcrever observação de Cláudia Lima Marques, Antônio Benjamim e Bruno Miragem. Os autores também vinculam a função preventiva do direito penal do consumidor com seu caráter repressivo, evidenciando os pontos em comum apontados: “O direito penal do consumidor – assim como o próprio direito do consumidor – cumpre, idealmente, ao lado de seu caráter repressivo, uma função eminentemente preventiva. Não corre – ou não deve correr – atrás do dano, a ele se antecipa. Mais do que preventivo, hoje se reconhece a esse direito penal pós-moderno um função de evitar o dano a todo custo, mesmo quando inexiste certeza científica sobre sua probabilidade de ocorrência. Já não é mais um direito penal, baseado no princípio da prevenção, mas um edifício sancionatório fundado no princípio da precaução. [24]
A análise elaborada pelos autores, embora dirigida ao direito do consumidor, aplica-se, pelos fundamentos, a todas as espécies de tutela de direitos metaindividuais.
Portanto, em que pese a utilização de termos recorrentes na disciplina da responsabilidade civil das relações privadas individuais (“dano” e “moral”), não é necessariamente nesta área que o intérprete deve buscar as respostas. Todavia, como reforço de argumento para conclusão relativa ao caráter punitivo do dano moral coletivo, é importante ressaltar a aceitação da sua função punitiva até mesmo nas relações privadas individuais. Para tanto, faz-se rápida referência à responsabilidade civil.
A idéia da responsabilidade civil, presente em qualquer comunidade social, está vinculada, inicialmente, ao preceito ético de não prejudicar o outro - neminem laedere - e, ao mesmo tempo, de reparação do dano (indenização) ao lesado.
Sérgio Cavalieri assim traça as linhas conceituais da responsabilidade civil: “designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.”[25]
Em perspectiva histórica, foram os juristas franceses Domat e Pothier que se debruçaram sobre a noção de responsabilidade civil do direito romano para construir a teoria inspiradora do Código Civil francês e de todas as legislações modernas. Foi no Código Civil napoleônico de 1804, principalmente no disposto nos arts. 1.382 e 1.383, que o mundo ocidental foi buscar os pressupostos da responsabilidade civil que se baseia, como se sabe, na teoria da culpa.[26]
Os países da família romano-germânica, justamente sob a influência do Code Napoleon, adotaram para o direito privado, uma cláusula geral definidora do ato ilicíto e vinculado a ele a noção de responsabilidade civil. Os pressupostos (elementos), para configuração do dever de indenizar, são, de regra, os seguintes: 1) ação ou omissão do agente; 2) conduta intencional ou culposa (negligência, imprudência imperícia); 3) dano; 4) relação de causalidade entre o dano e a conduta.
No Brasil, antes da edição do Código Civil de 1916, inexistia preceito genérico definindo o ato ilícito ou trazendo os pressupostos gerais da responsabilidade civil. Era no artigo 159 do Código Civil de 1916[27] que, até o início de vigência do novo Código, se encontrava o fundamento da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana.
O atual Código Civil, promulgado em janeiro de 2002, trouxe, como se sabe, disposição sobre a responsabilidade civil aquiliana no art. 186, o qual prevê expressamente que o dano pode ser exclusivamente moral, verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” O dispositivo complementa-se com o art. 927 – “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo – cujo parágrafo único trata, genericamente, de hipóteses de responsabilidade objetiva “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Quanto à função específica da responsabilidade civil, destaque-se que, originalmente, no direito romano, não havia distinção entre ilícito civil e penal. “Pena e reparação se confundem; responsabilidade penal e civil não se distinguem. A evolução operou-se, conseqüentemente, no sentido de se introduzir o elemento subjetivo da culpa e diferenciar a responsabilidade civil da penal.”[28]
Atualmente, o mesmo fato pode gerar responsabilidade civil e penal. Afirma-se, tradicionalmente, que o objetivo da responsabilidade penal é punitivo,[29] enquanto a função da responsabilidade civil seria meramente indenizatório. Além disso, no primeiro caso, tutela-se interesse público e no segundo interesse meramente privado.[30]
A assertiva não é absolutamente verdadeira como se demonstrará. Embora primordial a função reparatória da responsabilidade civil nas relações privadas individuais, existem, ao seu lado, as funções punitiva e preventiva.[31] Em algumas situações, a função punitiva assume maior relevância que a função reparatória.
Em obra monográfica sobre a punição na responsabilidade civil, Vitor Fernandes Gonçalves ressalta: “em verdade, a teoria da indenização punitiva não constitui propriamente uma novidade no âmbito da responsabilidade civil, senão uma tendência, outrora universal, que foi retomada.”[32]
Esclarece o autor, examinando o ordenamento jurídico nacional, que diversas são as situações em que a função punitiva se evidencia, entre elas quando há imposição de valores múltiplus do quantum correspondente ao prejuízo.[33] O autor recorda, ainda, da pena civil representada pela astreinte, da dupla finalidade da cláusula penal: fixação antecipada das perdas e danos e coercitiva, para estimular o cumprimento da obrigação. Ressalta, também, o entendimento da doutrina e da jurisprudência acerca da função punitiva da reparação do dano moral.[34]
Por óbvio, não se exige, para admitir uma função punitiva da responsabilidade civil, a presença de todos os requisitos que caracterizam o punitive damagens (ou punitory damages) próprios do sistema common law, vale dizer, o pagamento de valor, em favor do lesado, além da quantificação do dano, com nítido objetivo punitivo.[35]
Na verdade, compreender a função punitiva passa pelo próprio sentido das palavras. Para alguns, apenas a reparação do dano como conseqüência do ato ilícito, a restituição aproximada do lesado ao status quo ante, sem qualquer acréscimo ao valor, não seria pena e, portanto, não haveria que se falar em indenização punitiva. Todavia, tomando-se uma acepção mais ampla do termo sanção,[36] coincidente como reação do ordenamento jurídico, é evidente que a indenização, mesmo quando do exato tamanho do dano, possui caráter punitivo.
Exatamente nessa linha, é o entendimento de Eduardo Ribeiro: “A responsabilidade civil, traduzida na obrigação de reparar o dano, encontra seu fundamento no princípio neminem laedere, que constitui pressuposto da vida em sociedade. Ocorrendo a lesão, haverá de ser reparada, colocando-se as coisas, quanto possível, no estado anterior. Entretanto, quando o ordenamento prevê a obrigação de reparar, como uma conseqüência da lesão, atende, igualmente, a outros fins. Releva, sem dúvida [...] a finalidade de prevenção, seja a geral, dizendo com toda a comunidade, seja a que se refere ao causador da lesão. Não é apenas o direito penal que visa a tais objetivos. Não se vinculasse aos ilícitos civis uma sanção, previsível que o número desses crescesse vertiginosamente.”[37]
Todavia, mesmo tomando-se a função punitiva no sentido de condenação em valor acima do suficiente para reparação do dano, existem, como indicado, várias situações consagradas na legislação brasileira. Acrescente-se, apenas como mais um exemplo, o disposto no art. 773 do atual Código Civil: “O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expedi a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.”
Acrescente-se que a função punitiva é amplamente admitida pela doutrina e jurisprudência em relação à indenização por dano moral individual.[38] Para este entendimento, que parece ser majoritário, sustenta-se que a reparação do dano moral (individual) deve revestir-se de caráter dúplice: indenizatório e punitivo (pedagógico). Objetiva-se oferecer compensação ao lesado para mitigar a lesão, a alteração do bem-estar psicofísico, bem como desestimular o ofensor a agir do mesmo modo no futuro.[39]
Portanto, ainda que se entenda que a análise do dano moral coletivo deve se dar unicamente à luz dos pressupostos da responsabilidade civil nas relações privadas, é possível admitir, sem grandes dificuldades, sua função punitiva. Se até nas relações privadas individuais se admite a função punitiva da responsabilidade civil, com maior razão se deve aceitar tal caráter nas lesões a direitos coletivos.
Para finalizar, registrem-se os ensinamentos de Fernando Noronha, o qual, com felicidade, conclui: 1) A responsabilidade civil possui, também, função punitiva: 2) a função punitiva está associada a função preventiva própria da responsabilidade penal; 3) Esta função assume especial relevância em face de danos transindividuais: “Esta função da responsabilidade civil é paralela à função sancionatória e, como esta, tem finalidades similares às que encontramos na responsabilidade penal, desempenhando, como esta, funções de prevenção geral e especial: obrigando o lesante a reparar o dano causado, contribui-se para coibir a prática de outros atos danosos, não só pela mesma pessoa como sobretudo por quaisquer outras. Isto é importante especialmente no que se refere a danos que podem ser evitados (danos culposos). Em especial quanto aos danos transindividuais (...), com destaque para os resultantes de infrações ao meio ambiente, tem sido muito enfatizada a necessidade de punições "exemplares", através da responsabilidade civil, como forma de coagir as pessoas, empresas e outras entidades a adotar todos os cuidados que sejam cogitáveis, para evitar a ocorrência de tais danos. A Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) indiretamente veio estimular a imposição dessas punições através do instituto da responsabilidade civil, quando abriu a possibilidade de condenação em indenizações que revertem para fundos de defesa de direitos difusos (a respeito dos quais importa ver em especial a Lei n. 9.008/95).” [40]
A conclusão, em síntese, é que, por ausência da sedimentação, no campo do direito material, de modelo teórico próprio, o entendimento acerca do dano moral coletivo decorre de enfoque multifacetado e, no que diz respeito à finalidade punitiva, tanto sob uma perspectiva civil como penal, é possível considerar a presença de tal caráter sancionatório.
5 Dano moral (individual)
A referência destacada ao dano moral possui três propósitos: 1) Demonstrar que a tradicional dicotomia dano moral e material não atende à caracterização de ofensa a direitos metaindividuais; 2) Dano moral não é sinônimo de dano extrapatrimonial 3) O dano moral decorre de ofensa à pessoa humana; 4) O dano moral coletivo, na verdade, é dano extrapatrimonial, não se aproximando da noção individual de dano moral; 5) Ainda que se aceite esta aproximação, a doutrina mais moderna não exige a presença da dor psíquica para configuração do dano moral individual, portanto tal exigência é, com mais razão, absolutamente desnecessária para caracterização do dano moral coletivo.
Como se sabe, a responsabilidade civil evoluiu historicamente no sentido de afastar a necessidade de prova de culpa do autor, consagrando, nas mais diversas áreas, hipóteses de responsabilidade objetiva. O dano, ao revés, continua a ser inexorável exigência para caracterização do ato ilícito e, conseqüentemente, do dever de reparar.
A propósito, destaca Gustavo Tepedino: “O dano é também elemento essencial do ato ilícito e da responsabilidade civil. Cuidando-se de elemento essencial do ato ilícito, fonte da responsabilidade civil, sem dano não há ato ilícito, ainda que se esteja de conduta antijurídica.”[41]
Na mesma linha, é o ensinamento de Maria Celina Bodin de Morais: “Muitas são as teorias a conceituar o dano como pressuposto inafastável da responsabilidade civil. De fato, quando se trata do direito da responsabilidade civil, usualmente se pontua: se não há dano, não há o que indenizar.”[42]
O dano é pressuposto inafastável da responsabilidade civil, do dever de indenizar. A evolução necessária diz respeito, como se verá, à necessidade de uma compreensão diferenciada do dano compatível à natureza dos direitos metaindividuais.
Tradicional dicotomia classifica o dano em patrimonial (material) e moral. Também, se coloca o dano moral como sinônimo de extrapatrimonial, o que não é acertado, principalmente ao se deparar com lesões (ou ameaça) a direitos coletivos.
O dano patrimonial é aquele que, como o próprio nome indica, constitui uma diminuição do patrimônio material do lesado, suscetível de avaliação pecuniária. Indenizar significa justamente reparar o dano causado à vitima. Sempre que possível, deve-se restabelecer o statu quo ante, a exemplo do que ocorre com a substituição do bem material destruído ou deteriorado por outro semelhante. Todavia, em inúmeras situações, o retorno ao estado anterior não é possível, hipótese em que a reparação irá se consubstanciar em indenização monetária (equivalente em dinheiro).
Correto, portanto, o critério de diferenciação apresentado por Fernando Noronha: “A distinção entre danos patrimoniais e extrapatrimoniais parte da noção de patrimônio. Este é o complexo de direitos e de obrigações de uma pessoa que sejam suscetíveis de avaliação econômica, isto é, de valoração em termos pecuniários [...] Por isso, será patrimonial, ou econômico, o dano que consiste da violação de interesses diretamente suscetíveis dessa avaliação em dinheiro.”[43]
O dano material abrange, na dicção do art. 402 do Código Civil, o que a vítima “efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de ganhar.” Denomina-se dano emergente ou positivo o que constitui uma diminuição imediata no patrimônio da vítima em decorrência do ato ilícito. [44] De outra parte, denomina-se lucro cessante o reflexo patrimonial negativo oriundo de análise prospectiva do ato ilícito, vale dizer, “na perda de ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima.”[45]
Ao lado do dano patrimonial – e eivado de divergências conceituais – tem-se o dano moral, também, nomeado, inadvertidamente, dano extrapatrimonial
A primeira dificuldade – hoje já superada – em relação ao dano moral vincula-se a sua própria admissão pelo ordenamento jurídico. Simplificando, pode-se apontar, em perspectiva histórica, a existência de três períodos: 1) fase da irreparabilidade do dano moral; 2) admissão, desde que fosse reflexo do dano material; 3) Reconhecimento do dano moral independentemente do dano material; 4) Possibilidade de cumulação de danos moral e material.
Até 1966, quando em vigor o Código Civil de 1916, muitos não admitiam a possibilidade de indenização por dano moral, sob argumentos diversos, mas com destaque para os seguintes: 1) o art. 159 do Código Civil não fazia previsão expressa do dano moral: 2) o dano moral é inestimável ou de difícil estimação; 3) Seria imoral estabelecer um preço para a dor.
Esta fase restou ultrapassada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual colocou a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III) e, ainda, fez expressa referência em duas passagens à indenização por dano moral (art. 5º, incisos V e X). Três anos depois, edita-se o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), o qual aludiu, também, ao direito básico do consumidor de prevenir e reparar os danos morais (art. 6º, incisos VI e VII). Recentemente, o novo Código Civil, promulgado em 10 de janeiro de 2002, ao definir o ato ilícito, no art. 186, torna claro que o dano a ser reparado pode ser “exclusivamente moral”.
Ao lado do avanço, em termos de consagração legislativa do dano moral, a doutrina mais moderna já vinha superando[46] os argumentos contrários ao reconhecimento do dano moral, como registra Sérgio Cavalieri: “aos poucos [...] foi sendo evidenciado que esses argumentos tinham fundamento um sofisma, por isso que não se trata de pretium doloris, mas de simples compensação, ainda que pequena, pela tristeza injustamente inflingida à vitima. Com efeito o ressarcimento do dano moral não tente à restituiu in integrum do dano causado, tendo mais uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um bem que recompense, de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida. Substituiu-se o conceito de equivalência, próprio do dano material, pelo de composição, que se obtém atenuando, de maneira indireta, as conseqüências do sofrimento.”[47]
De qualquer modo, em meio às controvérsias doutrinárias, o Supremo Tribunal Federal, em abril de 1966, ao julgar o Recurso Extraordinário 59.940, reconheceu a possibilidade de indenização dos pais por morte de filhos menores que não desempenhassem atividade econômica.
Enfatiza Wesley de Oliveira Louzada que foi a partir da citada decisão que os tribunais passaram a admitir o dano moral, ainda que fundamentado em “bases muito frágeis e pressupostos errôneos”, pois “apesar de reconhecer a reparabilidade, persistiu o critério monetarista, vez que o fundamento da reparação era não a dor e o sofrimento causado aos pais pela perda do filho, mas a expectativa de ganhos futuros do filho, bem como os gastos efetuados pelos pais na criação e educação do filho até o evento trágico.” [48]
De resto, como já se adiantou, tanto doutrina quanto a jurisprudência pacificaram o entendimento de que o ato ilícito pode ensejar, isolada ou cumulativamente, indenização por danos morais e patrimoniais. Neste sentido é a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundos do mesmo fato.”
A pacificação de alguns pontos, entretanto, não significou a ausência de controvérsias em outros. Paradoxalmente, a própria conceituação do dano moral (individual), a coincidência ou não de seu conceito com o dano extrapatrimonial, entre outros nuanças, permanecem problemáticas,[49] alimentando incertezas na compreensão do dano moral coletivo.
As divergências abrangem nomenclatura, critérios de distinção[50] e respectivos efeitos. Longe da pretensão de se referir a todas as correntes doutrinárias, indicam-se alguns pontos que, acredita-se, são proveitosos para o objetivo principal deste ensaio: a compreensão do dano moral coletivo.
Para uma primeira corrente, mais tradicional, o dano moral vincula-se diretamente a dor espiritual, a sentimentos negativos. A propósito, Yussef Said Cahali esclarece: “Segundo entendimento generalizado da doutrina, e de resto consagrado nas legislações, é possível distinguir, no âmbito dos danos, a categoria dos danos patrimoniais, de um lado, dos danos extrapatrimoniais, ou morais, de outro; respectivamente, o verdadeiro e próprio prejuízo econômico, o sofrimento psíquico ou moral, as dores, as angústias e as frustrações inflingidas ao ofendido.”[51]
Embora com prestígio no passado, a associação necessária do dano moral com sofrimento psíquico não é a melhor e nem tem sido adotada majoritariamente nos tribunais. Outras duas correntes melhor conceituam o dano moral. Ambas tem em comum a desnecessidade da prova de sofrimento psíquico para a caracterização do dano moral.
De fato, a dor ou, mais amplamente, a afetação do bem-estar psicofísico não devem ser considerados pressupostos necessários para caracterização do dano moral. Naturalmente a pertubação ao estado anímico da pessoa, bem como sua intensidade, são elementos que devem servir de ponderação na quantificação da indenização por dano moral. Nessa linha se sustenta que o dano moral se caracteriza como ofensa aos direitos da personalidade, vale dizer, honra, imagem, privacidade, integridade física entre outros. Para esta corrente, o dano moral se configura independentemente da dor psíquica ou afetação do estado anímico da pessoa.[52]
Concepção mais atualizada da matéria propugna que o dano moral decorre necessariamente de ofensa à dignidade da pessoa humana, violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana. A propósito, Maria Celina Bodin Moraes esclarece: “Tratar-se-á sempre de violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, seja causando-lhe um prejuízo material, seja violando direito (extrapatrimonial) seu, seja, enfim, praticando em relação à sua dignidade, qualquer ‘mal evidente’ ou ‘pertubação’, mesmo se ainda não reconhecido como parte de alguma categoria jurídica.” [53]
Fernando Noronha apresenta inovadora classificação dos danos, a qual coincide com a posição da Maria Celina Bodin de Moraes ao atribuir a expressão dano moral como exclusiva de dano à pessoa. Para o autor, numa classificação inicial, existem os danos pessoais, “quando são afetados valores ligados à própria pessoa do lesado, nos aspectos físico, psíquico ou moral, mesmo quando não seja caracterizável um direito de personalidade e, de outro lado, danos a coisas “quando se atingirem objetos do mundo externo (objetos materiais ou coisas incorpóreas).” [54]
O dano moral, nessa linha, não se confunde com o dano extrapatrimonial, embora as expressões sejam, invariavelmente, tomadas no mesmo sentido. O enfoque adequado é no sentido de que “em contraposição aos danos patrimoniais, são extrapatrimoniais aqueles que se traduzem na violação de quaisquer interesses são suscetíveis de avaliação pecuniária.” Portanto, de fato, “seria bom que a linguagem jurídica fizesse um esforço para corrigir a imprecisão terminológica que prevalece, na matéria. Há razões ponderosas que contra-indicam o uso da designação “dano moral" como sinônima de dano extrapatrimonial [...] Só a designação "extrapatrimonial" deixa claro que unicamente terá esta natureza o dano sem reflexos no patrimônio do lesado, e isso independentemente de se saber qual foi a origem desse dano: às vezes até pode ser resultado de atentado contra coisas.”[55]
O dano extrapatrimonial, na área de direitos metaindividuais, decorre da lesão em si a tais interesses, independentemente de afetação paralela de patrimônio ou de higidez psicofísica. A noção se aproxima da ofensa ao bem jurídico do direito penal que, invariavelmente, dispensa resultado naturalístico, daí a distinção de crimes material, formal e de mera conduta, bem como se falar em crime de perigo. Em outros termos, há que se perquirir, analisando a conduta lesiva em concreto, se o interesse que se buscou proteger foi atingido. Para ilustrar, a mera veiculação de publicidade enganosa ou abusiva (art. 37 do CDC), independentemente de qualquer aquisição de produto ou serviço ou ocorrência de danos material ou moral (individual), configura lesão a direitos difusos e enseja, portanto, a condenação por dano moral coletivo que, repita-se, possui exclusivo caráter punitivo
Conclui-se, portanto, que o dano extrapatrimonial não se confunde com o dano moral. Em que pese a redação dos dispositivos legais, que aludem a dano moral coletivo, mais preciso seria falar em dano extrapatrimonial.
Assim, é método impróprio buscar a noção de dano moral coletivo a partir do conceito, ainda problemático, de dano moral individual Mais impróprio ainda é trazer para a discussão o requisito relativo à necessidade de afetação da integridade psíquica, pois até mesmo nas relações privadas individuais está se superando, tanto na doutrina como nos tribunais, a exigência de dor psíquica para caracterizar o dano moral.
No item seguinte, procura-se, com argumentos adicionais aos apresentados, demonstrar que o dano moral coletivo há de ser concebido como dano extrapatrimonial e função punitiva.
6 Dano moral coletivo: dano extrapatrimonial com função punitiva
Pelo exposto até aqui, algumas conclusões são possíveis.
O primeiro ponto é ressaltar – reiterar, na verdade – a expressa previsão no ordenamento jurídico nacional do dano moral coletivo (caput do art. 1º da Lei 7.347/85, com a nova redação decorrente da Lei 8.884/94, art. 6º, VI e VII, da Lei 8.078/90.
Em segundo lugar, como se demonstrou, o dano moral coletivo não se confunde com a pretensão decorrente de direito individual homogêneo. A ação civil pública pode veicular pretensões indenizatórias materiais e morais, mas, neste caso, cuida-se de soma de pretensões individuais. O valor da reparação é dirigido ao próprio interessado que deverá se habilitar no processo coletivo na forma prevista no art. 97, inclusive para realizar a liquidação do quantum debeatur.
O terceiro ponto é no sentido de que a dor psíquica ou, de modo mais genérico, a afetação da integridade psicofísica da pessoa ou da coletividade não é pressuposto para caracterização do dano moral coletivo. Não há que se falar nem mesmo em “sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade” (André Carvalho Ramos) “diminuição da estima, inflingidos e apreendidos em dimensão coletiva” ou “modificação desvaliosa do espírito coletivo” (Xisto Tiago). Embora a afetação negativa do estado anímico (individual ou coletivo) possa ocorrer, em face das mais diversos meios de ofensa a direitos difusos e coletivos, a configuração do denominado dano moral coletivo é absolutamente independente desse pressuposto.
Portanto, assiste razão à doutrina citada no sentido de que melhor seria falar em dano extrapatrimonial, até porque “o dano moral é mais restrito do que a noção de dano extrapatrimonial e, com isso, supera-se a exigência tradicional da dor e do sofrimento que lhe è característica” [56]
Ainda que fosse realizada vinculação – indevida – à idéia de dano moral individual e todas as suas divergênciais conceituais, a conclusão seria a mesma, já que restou demonstrado que, para configuração do dano moral individual, a doutrina e o Superior Tribunal de Justiça não têm exigido a demonstração de eventual dor psíquica, seja em decorrência de ofensa a direitos da personalidade, seja como violação da cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana.[57]
A tendência em se referir a ofensa a “sentimentos coletivos” para caracterizar o dano moral coletivo é, sem dúvida, um reflexo, que precisa ser evitado, das discussões sobre a própria noção de dano moral individual, como já abordado.
O uso inapropriado da expressão dano moral coletivo pela legislação foi reflexo das divergências doutrinárias em torno da expressão dano moral e pela ausência de um modelo O mais correto, na hipótese, é falar em dano extrapatrimonial que é nota própria da ofensa a direitos coletivos (lato sensu), principalmente aos difusos.
A propósito, Márcio Mafra observa: “O conteúdo dos direitos difusos não garantem propriedade ou liberdade econômica, nem implicam mitigação de desigualdades nesse campo. Os direitos difusos têm conteúdo não-patrimonial e tratam de dois aspectos fundamentais: qualidade de vida e uma concepção de igualdade vista como direito à integração, baseada em aspectos participativos nas várias esferas da vida social.”[58]
No mesmo sentido, se posiciona Edis Milaré: "E claro que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não é um direito patrimonial, muito embora seja passível de valoração para efeito indenitário. Cuida-se de um direito fundamental e indisponível do ser humano.”[59]
Em se tratando de direitos difusos e coletivos, a condenação por dano moral (rectius: extrapatrimonial) se justifica em face da presença do interesse social em sua preservação. Trata-se de mais um instrumento para conferir eficácia à tutela de tais interesses, considerando justamente o caráter não patrimonial desses interesses metaindividuais. Qual seria, afinal, o valor do dano material representado por loteamento clandestino desfigurador da ordem urbanística de determinado município? Qual o valor do dano material decorrente de veiculação de publicidade enganosa ou abusiva? Qual o valor do dano material da poluição de um rio ou lago?
Até autores que apresentam resistência em relação à função punitiva da responsabilidade civil, aceitam tal possibilidade quando se trata de violação a direitos metaindividuais.
Fernando de Noronha, que considera secundária a função sancionatória da responsabilidade civil, afirma que ela assume especial relevo diante de ofensa aos direitos coletivos.[60]
Maria Celina Bodin de Moraes também aceita a função punitiva para situações de ofensa a direito difuso, verbis: “E de aceitar-se, ainda, um caráter punitivo na reparação de dano moral para situações potencialmente causadoras de lesões a um grande número de pessoas, como ocorre nos direitos difusos, tanto na relação de consumo quanto no Direito Ambiental. Aqui, a ratio será a função preventivo-precautória, que o caráter punitivo inegavelmente detém, em relação às dimensões do universo a ser protegido.” [61]
Como argumento adicional para o reconhecimento do caráter punitivo do dano extrapatrimonial coletivo, o qual afasta a crítica quanto à possibilidade da função punitiva gerar enriquecimento da vítima,[62] destaque-se que o valor da condenação não vai para o autor da ação coletiva, ele é convertido em benefício da própria comunidade, ao ser destinado ao Fundo[63] criado pelo art. 13 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), regulamentado, em nível nacional, pela Lei 9.008/95.[64]
O denominado dano moral coletivo não se confunde com a indenização decorrente de tutela de direitos individuais homogêneos. Constitui-se em hipótese de condenação jurdicial em valor pecuniário com função punitiva em face de ofensa a direitos difusos e coletivos.[65]
7 Superior Tribunal de Justiça
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 19 de maio de 2006, ao julgar o Resp. 598.281, caso em que se discutia a ofensa ao meio ambiente por conduta de empresa do setor imobiliário, entendeu, por maioria, na esteira do raciocínio do Min. Teori Zavascki, que “a vítima do dano moral é, necessariamente, uma pessoa. Não parece ser compatível com o dano moral a idéia de “transindividualidade” (= da indeterminabilidade do sujeito passivo e da individualidade da ofensa e da reparação) da lesão.”[66]
O Min. Teori Zavascki não acatou a tese do Ministério Público de Minas Gerais, recorrente, segundo a qual o reconhecimento da ocorrência de dano ambiental implicaria necessariamente na condenação por do dano moral coletivo, destacando ser “perfeitamente viável a tutela do bem jurídico salvaguardado pela Constituição (meio ambiente ecologicamente equilibrado), tal como realizada nesta ação civil pública, mediante a determinação de providências que assegurem a restauração do ecossistema degradado sem qualquer referência a um dano moral".
Além disso, de acordo com o voto vencedor, o Ministério Público não indicou em que consistiria o alegado dano moral (pessoas afetadas, bens jurídico lesados, etc.) "Ora nem toda conduta ilícita importa em dano moral, nem, como bem observou o acórdão recorrido, se pode interpretar o artigo 1° da Lei da Ação Civil Pública de modo a 'tornar o dano morai indenizável em todas as hipóteses descritas nos incisos I a V do artigo 1° da referida lei”. Foi indicado, ainda, que o dano moral envolve necessariamente, dor, sentimento, lesão psíquica.
De outro lado, o Min. Luiz Fux, em voto vencido, consignou, com acerto, que o meio ambiente tem valor inestimável para a humanidade, tendo alçado a eminência constitucional. De acordo com ele, a leitura do dano moral a partir da Constituição Federal de 1988 evidencia que está superada a barreira do individuo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade.
Como se observa, todas as dificuldades apresentadas ao longo do ensaio refletiram-se no aludido julgamento.
O voto que prevaleceu, negando a ocorrência de dano moral coletivo, não seguiu, com a devida vênia, a melhor compreensão da matéria.
Como exaustivamente demonstrado, o dano moral coletivo pouco tem a ver com o dano moral individual. E ainda que fosse feita tal vinculação, não se exige hoje, para uma necessária caracterização do dano moral (individual), qualquer afetação à integridade psíquica da pessoa. Tal exigência, por qualquer ângulo, é descabida na configuração da dano moral coletivo.
A condenação por dano moral coletivo é sanção pecuniária por violação a direitos coletivos ou difusos. O valor imposto pelo juiz é destinado ao fundo criado pelo art. 13 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública). O caráter da condenação é exclusivamente punitivo. Não se objetiva a reparação de dano material, embora seja possível (e recomendável) cumular pedidos reparatório e condenatório por dano moral coletivo.
O objetivo da lei, ao permitir expressamente a imposição de sanção pecuniária pelo Judiciário, a ser revertida a fundos nacional e estadual, foi basicamente de reprimir a conduta daquele que ofende direitos coletivos e difusos. Como resultado necessário dessa atividade repressiva jurisdicional surgem os efeitos – a função do instituto – almejados pela lei: prevenir a ofensa a direitos transindividuais, considerando seu caráter extrapatrimonial e inerente relevância social.
Assim, em tese, qualquer ofensa a direitos coletivos ou difusos, além da reparação por dano material, enseja a condenação, com exclusivo propósito punitivo, por dano moral coletivo (rectius: dano extrapatrimonial), como referido pelo voto do Min. Luiz Fux.[67]
[1] Márcio Flávio Mafra Leal. Ações Coletivas: História, Teoria e Prática. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 98-101.
[2] A Era dos direitos. Rio de Janeiro, Campus, 1992, p. 06.
[3]Curso de direito constitucional, 7ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 523. O autor sustenta ainda a existência de direitos de quarta geração: o direito à informação, o direito à democracia e o direito ao pluralismo. Ibid. p. 525.
[4] Ação civil publica: sua evolução normativa significou crescimento em prol da proteção às situações coletivas. In A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo, Revista dos tribunais, 2005, p. 74-75
[5] Ação civil publica: judicialização dos conflitos e redução da litigiosidade. In A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 113.
[6] A propósito, afirma Hugo Nigro Mazzilli: “interesses coletivos e difusos e individuais homogêneos sempre existiram; não são novidade de alguma poucas décadas. Nos últimos anos apenas se acentuou a preocupação doutrinária e legislativa em identificá-los e protegê-los jurisdicionalmente agora sob o processo coletivo.” A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 17 ed., rev. ampl. e atual., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 58.
[7] Márcio Flávio Mafra Leal, em obra referencial sobre a origem e história da ação coletiva, assim sintetiza tal aspecto: “de fato, sem que houvesse o regime processual da ação coletiva, o cumprimento dos direitos difusos, em geral, de índole constitucional, ficaria relegado à implementação de políticas públicas, a cargo do Executivo e Legislativo, porque, como se trata de direitos atribuídos a uma entidade sem personalidade jurídica (comunidade), ficariam esses direitos sem apreciação por parte do Judiciário”.Op. cit., p. 74.
[8] A Ação civil publica, o direito social e os princípios. In: A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. Milaré, Edis (coord.) São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 562-563.
[9] Citem-se, entre outras, a Lei 7.853/89 (ação civil pública em defesa das pessoas portadoras de deficiências físicas), Lei 7.913/89 (ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários) e Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
[10] “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.” Relembre-se que, em razão de total integração entre a Lei 8.078/90 e Lei 7.347/85, os conceitos acima transcritos referem-se a qualquer espécie de direitos e não apenas os relativos aos consumidores.
[11] Márcio Mafra chama a atenção para aspecto importante na distinção entre os direitos difusos e coletivos. Para o autor, apenas os primeiros são materialmente coletivos. Os coletivos estricto sensu são, na verdade, direitos individuais, que, por razões de economia e celeridade processual e, também, para evitar decisões contraditórias, podem ser veiculados numa única ação, ganhando dimensão processual coletiva. “A nota de transindividualidade do ponto de vista material, é típica somente dos direitos difusos. Do ponto de vista processual, a transindividualidade se verifica pela permissão de que determinado direito individual seja veiculado por intermédio de ação coletiva, quando a coisa julgada beneficia ou prejudica indistintamente todos os representados. [...] Os direitos coletivos são [...] interesses ou direitos individuais que ganham o caráter de indivisibilidade e transindividualidade quando veiculados mediante ações coletivas, pelo artifício da extensão subjetiva da coisa julgada, quando, aí então, o resultado tem de ser uniforme pra toda a classe invariavelmente.” Op. cit, p. 196-197. O raciocínio, embora minoritário em sede doutrinária, é apropriado para algumas espécies de direitos coletivos. De fato, podem ser considerados individuais o direito e pretensão correspondentes a evitar determinado reajuste ilegal de mensalidade escolar. Esta tutela pode ser obtida em ação individual, a qual irá beneficiar unicamente o autor da demanda. Do mesmo modo, pode-se requerer, em demanda individual, a declaração de nulidade de determinada cláusula inserida em contrato padrão. Ambas as situações podem ser veiculadas em ação coletiva e beneficiar todos os consumidores que se enquadram no caso. Ao revés, um consumidor, pessoa natural, não pode levar ao Judiciário pedido de interrupção de publicidade enganosa ou abusiva (art. 37 do CDC). O direito não é dele e sim da comunidade. Haveria ilegitimidade ativa para a causa.
[12] É irregular o registro em entidade de proteção ao crédito (SPC, Serasa etc) que não atende a todos os requisitos indicados no art. 43 do CDC, entre eles o limite temporal de cinco anos, cabendo indenização por danos morais e materiais. A propósito, registre-se a ementa do Recurso especial n. 51.158: “[...] O banco que promove a indevida inscrição de devedor no SPC e em outros bancos de dados responde pela reparação do dano moral que decorre dessa inscrição. A exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular. Já a indenização pelo dano material depende de prova de sua existência, a ser produzida ainda no processo de conhecimento.”
[13] Dano moral coletivo. São Paulo, LTr, 2004, p. 134.
[14] Ibid., p. 136.
[15] Ibid., p. 136-137.
[16] Ibid, p. 177.
[17] Dano moral coletivo no atual contexto brasileiro. Revista de Direito do Consumidor n. 12. São Paulo, Revista dos Tribunais, out-dez, 1994, p. 55.
[18] Ibid, p. 59.
[19]Ação civil pública e o dano moral coletivo. Revista de Direito do Consumidor n. 25, São Paulo, Revista dos Tribunais, jan-mar, 1988, p. 82.
[20] Ibid., p. 82.
[21] Responsabilidade por dano não-patrimonial a interesse difuso (dano moral coletivo) Revista da Emerj. V. 3, n. 9, 2000, p. 24-31
[22] Op. cit. ,p. 238-246.
[23] Francisco de Assis Toledo, Princípios básicos de direito penal, 4 ed, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 3.
[24] Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 791.
[25] Programa de responsabilidade civil 5ed. Malheiros, São Paulo, 2003, p. 24.
[26] Aguiar Dias, Da responsabilidade civil. Forense, Rio de Janeiro, p. 44. A respeito, afirma Alvino Lima: “A teoria clássica da culpa, que é a armadura da responsabilidade civil extracontratual das legislações modernas, recebeu do direito justinianeu a celula mater, da qual nasceu o princípio genérico daquela responsabilidade, cristalizado no preceito do art. 1382 do CC de Napoleão.” A responsabilidade civil pelo fato de outrem. 2 ed. rev. e atual. por Nelson Nery Jr. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 19. Apesar da conhecida denominação de responsabilidade aquiliana como sinônima de responsabilidade baseada na culpa, existem divergências doutrinárias quanto a existência e grau de importância do elemento culpa no direito romano, especialmente na Lex Aquilia. Ensina Aguiar Dias que alguns autores negam que a noção da culpa estivesse inserida na Lex Aquilia, argumentando, inclusive, que o princípio in lege aquilia et levissim culpa venit decorreu de mera interpolação. Para o autor, “a noção de culpa sempre foi precária no direito romano, onde jamais chegou a ser estabelecida como princípio geral ou fundamento da responsabilidade (...)”. De qualquer modo, foi na Lex Aquilia (possivelmente do século III antes de Cristo), que inicialmente se esboçou um princípio geral da reparação do dano constituindo-se, ainda que se considere ausente o elemento culpa, em fonte direta da concepção de responsabilidade civil extracontratual, nomeada, também, de responsabilidade aquiliana. Op. cit., p. 42-47.
[27] “Art. 159 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”
[28] Alvino Lima, op. cit., p. 27.
[29] A incidência da sanção penal pressupõe a prévia definição do fato como crime em atenção ao princípio da anterioridade e da reserva legal. O art. 5o, XXXIX, da CF, dispõe que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. O mesmo princípio é repetido pelo art. 1o, do Código Penal.
[30] Ilustre-se com passagem de Carlos Roberto Gonçalves: “No caso da responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público. O interesse lesado é o da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse diretamente lesado é o privado. O prejudicado poderá pleitear ou não a reparação.” Responsabilidade civil 8 ed. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 19.
[31] As funções sancionatória e preventiva são consideradas como sinônimas para parte da doutrina, como esclarece Maria Celina Bondin de Moraes ao discorrer sobre o dano moral: “De um lado, deve, como qualquer ressarcimento, compensar a vítima através da indenização pelos danos (rectius, dores) sofridos. É a chamada função compensatória. De outro lado, ao se propor que as condições econômicas das partes sejam consideradas, assim como grau de culpa do ofensor, é estabelecida uma outra causa de ressarcimento, desta vez visando punir o ofensor ou, com diz o Ministro Sálvio, desestimulá-lo a repetir o ato danoso. É a chamada função punitiva, que alguns chamam de função preventiva, pedagógica ou exemplar.” Op. cit., p. 31-32.
[32] A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília, Brasília Jurídica, 2005, p. 183-184.
[33] O autor indica, como exemplo, os arts. 561, 1.446, 1.530/1.532, 1547 e 1550, todos do Código Civil de 1916. Op. cit., p.184-185. Cite-se, no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), o disposto no parágrafo único do art. 42: “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”
[34] Op., cit, p. 183-197.
[35] Sobre punitive damages, v. Maria Celina Bodin Moraes, op. cit. p. 253-264. V. análise exaustiva de Vitor Fernandes Gonçalves, o qual indica, inclusive, as inúmeras divergências que o assunto gera nos países do common law. Op. cit., p. 23-180.
[36] Adota-se o conceito de sanção jurídica para toda conseqüência negativa imposta pelo ordenamento jurídico como represália a seus comandos. Como sintetiza Marcos Bernardes de Mello, “se constitui um revide do ordenamento à violação de suas normas, é evidente que se trata de uma sanção.” Teoria do fato jurídico: plano de validade. 3. ed. rev. São Paulo, Saraiva, 1999, p. 46.
[37] Prefácio à obra de Vitor Fernandes Gonçalves, A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília, Brasília Jurídica, 2005, p. 12.
[38] V., a propósito, Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, op., cit., p. 169 a 177.
[39] Nesta linha, é o Projeto de Lei 6.960, do Deputado Ricardo Fiúza, o qual propõe a inserção do seguinte dispositivo no Código Civil: “A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante.”
[40] Op. cit., p. 441.
[41] Como coordenador da obra Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. V. I, Rio de Janeiro, Renovar, 2004, p. 334.
[42] Maria Celina Bodin de Moraes. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2003, p. 144.
[43] Direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 566.
[44] Ilustre-se com tradicional exemplo. O taxista, que vem a ser vítima de acidente de trânsito, possui direito à indenização dos valores gastos com o conserto do veículo (dano emergente), bem como a receber o que deixou de ganhar em sua profissão, enquanto o carro esteve na oficina, sendo reparado (lucro cessante). O art. 402 do atual Código Civil possui redação substancialmente semelhante ao art. 1.059 do Código Civil de 1916.
[45] Sérgio Cavalieri Filho, o qual, em seguida, esclarece: “Pode decorrer não dó da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, como, por exemplo, a cessação dos rendimentos que alguém já vinha obtendo da sua profissão, como, também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado.” Op. cit., p. 90.
[46] Na verdade, o que mudou foi a própria noção de justiça em relação ao tema, como registra, coma precisão costumeira, Maria Celina Bodin: “O que fez com que aqueles argumentos, que ainda hoje podem ser considerados coerentes, ao menos sob o aspecto lógico-racional, se tornassem completamente irrelevantes em relativamente curto espaço de tempo? Não ficou mais fácil solucionar os empecilhos indicados, nem mais simples aceitar que um sentimento de dor possa gerar dinheiro. As controvérsias no direito da responsabilidade civil têm essa marcante característica: antes de serem técnicas, elas são decorrentes das diferentes concepções acerca do princípio de responsabilidade, princípio estrutural da vida em sociedade e que, como tantas vezes repetido, se consubstancia em conceito mais filosófico-político do que jurídico. O princípio decorre diretamente da idéia de justiça que tem a sociedade na qual incide. E o que mudou neste caso foi exatamente a consciência coletiva acerca do conceito de Justiça: o que antes era tido como inconcebível passou a ser aceitável, e, de aceitável, passou a evidente. Se era difícil dimensionar o dano, em questão de poucos anos tornou-se impossível ignorá-lo. Se era imoral receber alguma remuneração pela dor sofrida, não era a dor que estava sendo paga, mas sim a vítima, lesada em sua esfera extrapatrimonial, quem merecia ser (re) compensada pecuniariamente, para assim desfrutar de alegrias e outros estados de bem-estar psicofísico, contrabalançando (rectius, abrandando) os efeitos que o dano causara em seu espírito Apesar do reconhecido aspecto não-patrimonial dos danos morais, a partir de determinado momento tornou-se inustentável tolerar que, ao ter um direito personalíssimo seu atingido, ficasse a vítima irressarcida, criando-se um desequilíbrio na ordem jurídica, na medida em que estariam presentes o ato ilícito e a lesão a um direito (da personalidade), por um lado, e a impunidade, por outro.” Op.cit. p. 147-148.
[47] Op., cit., p. 93. Quanto ao argumento de carência de previsão legal, absolutamente superado a partir do quadro legal instituído pela Constituição de 1988, consigne-se que, antes disso, parte da doutrina[47] já sustentava, invocando o “interesse moral” a que aludia o art. 76 do Código Civil de 1916, que qualquer dano, não apenas o material. Se era verdade que o art. 159 não fazia expressa previsão do dano moral, também era igualmente verdadeiro que o dispositivo não o excluía. Além disso, uma análise sistemática do Código Civil de 1916, com especial atenção ao disposto nos artigos 76, 1547 e 1548, conduziria à conclusão de admissão do dano moral pelo ordenamento jurídico pátrio.
[48] Op. cit., p. 91.
[49] Como registra Sérgio Cavalieri: “O que configura e o que não configura o dano moral? Na falta de critérios objetivos, essa questão vem se tornando tormentosa na doutrina e na jurisprudência, levando o julgador a situação de perplexidade.” Op. cit., p. 97.
[50] Muito citada é a crítica de Aguiar Dias: “A distinção ao contrário do que parece, não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter de sua repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano patrimonial como dano moral em resultado de ofensa a bem material.” Op. cit., p. 729.
[51] Dano moral. 2 ed. ver. atual e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, p. 19.
[52] Embora não se possa afirmar que o entendimento é absolutamente pacífico, o Superior Tribunal de Justiça, em diversas oportunidade, tem considerado o dano moral como mera violação a direitos da personalidade, o qual se configura independentemente de dor psíquica. Apenas a título ilustrativo, indique-se julgado em que a Corte concluiu que a mera violação do direito à imagem, espécie dos direitos da personalidade, é suficiente para caracterizar o dano moral. (REsp. 267.259-RJ, DJU: 18.12.2000). Na área registros indevidos em bancos de dados de proteção ao crédito (SPC, Serasa etc), entende o Superior Tribunal de Justiça que, para obter êxito em ação indenizatória por danos morais, não há necessidade de demonstrar que o registro irregular ocasionou dor. Neste aspecto o tema é pacífico Vários acórdãos possuem, inclusive, a mesma ementa, verbis: “em se tratando de indenização decorrente de inscrição irregular no cadastro de inadimplentes, a exigência de prova do dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular.” ( AgRg. no AI 244.572-SP. Relator: Min. Carlos Alberto Menezes Direito. DJU: 17.12.1999; REsp. 204.036-RS, Min. Barros Monteiro, DJU: 23.08.1999) Outra controvérsia inerente a esta corrente diz respeito à possibilidade de as pessoas jurídicas serem titulares de direitos da personalidade e, conseqüentemente, sofrerem dano moral. Em que pese a pouca esclarecedora redação do art. 52 do Código Civil e o teor da a Súmula 227 do STJ (“A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”), autorizada doutrina repudia a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral, o qual deve sempre ser visto como ofensa à cláusula geral de dignidade da pessoa humana. Ver, por todos, Maria Celina Bodin Moraes, op. cit.
[53] Op. cit. p. 184. Adota esta corrente Wesley de Oliveira Louzada, sob o argumento de ser mais “coerente com o atual momento da civilistica moderna, que busca reconduzir a pessoa humana ao centro do ordenamento civilístico, subordinando o objeto de direito à plena realização mterial, moral e espiritual do homem. Dessa forma, a dignidade da pessoa humana passa a ocupar lugar de destaque, como, aliás, laborou nosso constituinte, ao erigi-la à condição de princípio fundamental da República Federativa do Brasil, criando uma cláusula geral.” Op. cit., p. 78.
[54] O autor chama atenção que a distinção considera não o ato lesivo, mas a esfera jurídica em que a lesão se reflete. “De um mesmo fato, por exemplo, um acidente de trânsito, poder resultar danos materiais (destruição do veículo) e pessoais (lesões nas pessoas transportadas).” Em relação aos danos à pessoa, realiza uma sub-classificação: danos corporais (à saúde ou biológicos) e danos anímicos ou morais em sentido estrito. Os primeiros referem-se ao corpo, enquanto os morais são relativos à alma. O autor esclarece, ainda, que tanto os danos a pessoas como os danos a coisas podem ou não refletir-se em perdas patrimoniais para os lesados, razão porque não se deve confundir a classificação proposta com a que distingue entre danos patrimoniais e extrapatrimoniais. As duas classificações são, para o autor, “independentes e intercruzáveis” pois “os danos à pessoa que não se reflitam em perdas patrimoniais podem ser chamados danos pessoais puros e estes serão divisíveis nas categorias danos corporais (ou biológicos) puros e danos anímicos (ou morais) puros; os danos à pessoa que se reflitam em perdas patrimoniais serão os danos pessoais impuros, também subdivisíveis em corporais impuros e anímicos impuros [...]” Op. cit., p. 557-563.
[55] Fernando Noronha, op. cit., p. 567.
[56] Na linha defendida por Luis Gustavo Grandinetti,.” Op. cit., p. 33.
[57] A rigor, a utilização da expressão dano moral (individual) deve se restringir a hipóteses de ofensa a cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa humana, como sustenta autorizada doutrina
[58] Op. cit. p. 103. Como reforço, o autor cita a seguinte passagem de Barbosa Moreira: Veja-se, ainda, Barbosa Moreira, verbis: "[...] 'interesses difusos' não raro se mostram insuscetíveis de redução a valores monetariamente expressos - característica com a qual se relaciona de maneira direta a insuficiência, a seu respeito, da 'tutela ressarcitória' É inconcebível que se compense mediante simples prestação em dinheiro o prejuízo consistente, v. g., na destruição da paisagem, na mutilação de monumentos históricos, na poluição do ambiente, etc.”[58] Ibid, p. 103.
[59] A ação civil pública em defesa do ambiente. In: Ação Civil Pública: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. MILARÉ, Edis (coord.) São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 260.
[60] Op. cit., p. 441-442.
[61] Op. cit., p. 263.
[62] Sobre a crítica, v. Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, op. cit., p. 177-178. Também, a propósito, Vitor Fernandes Gonçalves registra que a destinação do valor indenizatório ao fundo é de extrema importância para evitar o enriquecimento da pessoa autora de ação coletiva. Op. cit., p. 241.
[63] De acordo com § 3º, do art. 1º, da Lei 9.008/95: “Os recursos serão aplicados na recuperação de bens, na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente relacionados com a natureza da infração ou do dano causado, bem como da modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas relativas às áreas mencionadas no § 1º ”
[64] Maria Celina registra, com propriedade: “Nesses casos, porém, o instituto não pode se equiparar ao dano punitivo como hoje é conhecido, porque o valor a maior da indenização, a ser pago "punitivamente", não deverá ser destinado ao autor da ação, mas, coerentemente com o nosso sistema, e em obediência às previsões da Lei n° 7.347/85, servirá a beneficiar um número maior de pessoas, através do depósito das condenações em fundos já especificados. Assim é que a mencionada lei, ao regular as ações de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens que especifica, prevê em seu artigo 13.” Op. cit., p. 263.
[65] Tal conclusão importa avanço nas discussões doutrinárias em torno do assunto, como a relativa à afetação negativa de “sentimento da coletividade” e ainda, a distinção do dano moral coletivo da indenização por dano moral decorrente de tutela de direito individual homogêneo, mas não soluciona definitivamente outros problemas, entre eles a definição de critérios para fixação do valor condenatório, eventual caracterização de dupla punição pelo mesmo fato (quando tipificado como infração administrativa ou penal), necessidade, em concreto, de prova de culpa do autor (responsabilidade subjetiva ou objetiva). Vitor Fernandes Gonçalves enfrenta alguns pontos. No que diz respeito à proibição de dupla condenação pelo mesmo fato, releva salientar que o importante é que ocorra uma cuidadosa harmonização entre a ação penal e a civil, de molde a garantir que o réu não seja exposto a uma punição excessiva.” Op. cit. p. 244-245. Em relação à quantificação do valor, o autor chega a propor acréscimo de parágrafo ao art. 12 da Lei 7.347/85, com a seguinte redação: “Na quantificação do dano moral coletivo a que se refere o parágrafo anterior, deverá o juiz ter em conta a gravidade do ato ilícito, a malícia do ofensor e a extensão do benefício ou lucro que obteve, o montante do prejuízo causado e outras circunstâncias que entender pertinentes, não devendo o valor total da indenização punitiva redundar na insolvência da pessoa física ou falência da pessoa jurídica responsável.” Ibid., p. 245-246.
[66] Ao final, a ementa do julgado ficou assim redigida: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (STJ. Resp 598.281, Rel. Ministro Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Zavascki, julgado em 02.05.2006, DJ 01.06.2006).
[67] Naturalmente, outros pressupostos, que não foram objeto de discussão neste artigo, precisam ser enfrentados, tais como a definição de critérios para fixação do valor condenatório, eventual caracterização de dupla punição pelo mesmo fato (quando tipificado como infração administrativa ou penal), necessidade, em concreto, de prova de culpa do autor (responsabilidade subjetiva ou objetiva).
Promotor de justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e titular da Promotoria de Defesa do Consumidor graduado e mestre em Direito pela UnB professor de Direito do Consumidor em curso de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas e examinador da banca de concurso para ingresso na carreira de promotor de justiça do Ministério Público do Distrito Federal. Presidente do BRASILCON - Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (http://www.brasilcon.org.br/).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BESSA, Leonardo Roscoe. Dano moral coletivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2008, 09:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/15448/dano-moral-coletivo. Acesso em: 24 dez 2024.
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