Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. A SÚMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA HIPOTECA.. 3. A SÚMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAÇÃO EM CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE. 3. AS SÚMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E FINANCEIRAS. 4. A SÚMULA 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CONTRATOS OBJETO DE NOVAÇÃO. 5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO.
Em nosso livro A Função Social dos Contratos, tivemos a oportunidade de demonstrar toda a evolução pela qual vem passando o contrato, particularmente todas as alterações substanciais pelas quais vem passando esse instituto, que é basilar e fundamental não só para o Direito Civil, como para todo o Direito Privado.[1]
Não vamos, aqui, repetir todos os conceitos que constaram naquela obra. Na realidade, o presente trabalho serve como atualização antecipada do nosso trabalho, trazendo novos tratamentos jurisprudenciais dados tanto em relação à função social dos contratos quanto à boa-fé objetiva. Isso, inclusive, para demonstrar que a jurisprudência de nossos Tribunais superiores vêm acompanhando essa tendência.
De qualquer forma, pertinente lembrar que, pela função social dos contratos, os negócios jurídicos patrimoniais devem ser analisados de acordo com o meio social. Não pode o contrato trazer onerosidades excessivas, desproporções, injustiça social.[2] Também, não podem os contratos violar interesses metaindividuais ou interesses individuais relacionados com a proteção da dignidade humana, conforme reconhece Enunciado n. 23 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil.[3]
Assim sendo, entendemos que a função social dos contratos traz conseqüências dentro do contrato (intra partes) e também para fora do contrato (extra partes).
Como efeito intra partes, citamos a previsão do art. 413 do novo Código Civil, exemplo típico de relativação da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda), justamente uma das conseqüências da função social dos negócios jurídicos. Por esse dispositivo, o juiz deve reduzir o valor da cláusula penal se a obrigação tiver sido cumprida em parte ou se entender que a multa é excessivamente onerosa. Como o comando legal utiliza-se a expressão “deve” a redução é de ofício, sem a necessidade de argüição pela parte interessada. Isso é confirmado pela natureza jurídica do princípio da função social dos contratos, de ordem pública, conforme previsão do art. 2.035, parágrafo único, do próprio Código Civil.[4]
Como exemplo de efeitos extra partes, citamos um caso em que o contrato, pelo menos aparentemente, é bom para as partes, mas ruim para a sociedade. Podemos citar um contrato celebrado entre uma empresa e uma agência de publicidade. O contrato é civil e paritário, não trazendo qualquer desequilíbrio ou quebra do sinalagma. Entretanto, a publicidade veiculada é discriminatória (publicidade abusiva – art. 37, § 2º do CDC), estando nesse ponto presente o vício. Pela presença do abuso de direito, o contrato pode ser tido como nulo, combinando-se os arts. 187 e 166, VI, do novo Código Civil – nulidade por fraude à lei imperativa diante do ato emulativo.[5]
Ao lado da função social dos contratos, a boa-fé objetiva procura valorizar a conduta de lealdade dos contratantes em todas as fases contratuais (art. 422 do novo Código Civil - função de integração da boa-fé).
Na dúvida, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé (art. 113 do novo Código Civil – função de interpretação da boa-fé). Em reforço, lembramos a interpretação a favor do consumidor (art. 47 do CDC) e do aderente (art. 423 do novo Código Civil).
Por fim, a boa-fé objetiva está relacionada com deveres anexos, inerentes a qualquer negócio. A quebra desses deveres caracteriza o abuso de direito (art. 187 do novo Código Civil – função de controle da boa-fé).
Sem dúvidas, esses dois princípios trazem uma nova dimensão contratual. Felizmente, antes mesmo do novo Código Civil a nossa melhor jurisprudência já vinha aplicando ao contrato esses novos paradigmas.
Superou-se a tese pela qual o contrato visa principalmente a segurança jurídica. Na realidade, o contrato tem a principal função de atender à pessoa e aos interesses da coletividade, diante da tendência de personalização do Direito Privado.[6] Essa a real função dos contratos!
As súmulas a seguir, felizmente, servem para demonstrar essa tendência. Passamos a analisar o seu conteúdo.
2. A SÚMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA HIPOTECA.
Prevê a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça que: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. Trata-se de súmula com relevante enfoque sociológico.
Ora, sabe-se que a hipoteca é um direito real de garantia sobre coisa alheia, que recai principalmente sobre bens imóveis, tratada entre os arts. 1.473 a 1.505 do atual Código Civil. Sem prejuízo dessas regras especiais, a codificação traz ainda regras gerais quanto aos direitos reais de garantia, entre os seus artigos 1.419 a 1.430.
Um dos principais efeitos da hipoteca é a constituição de um vínculo real, que acompanha a coisa (art. 1.419). Esse vínculo real tem efeitos erga omnes, dando direito de excussão ao credor hipotecário, contra quem esteja o bem (art. 1.422).
Exemplificando, se um imóvel é garantido pela hipoteca, é possível que o credor reivindique o bem contra terceiro adquirente do bem, o que traz o que se denomina direito de seqüela. Assim, não importa se o bem foi transferido a terceiro; esse também perderá o bem, mesmo que o tenha adquirido de boa-fé.[7]
A constituição da hipoteca é muito comum em contratos de construção e incorporação imobiliária, visando um futuro condomínio edilício. Como muitas vezes o construtor não tem condições econômicas para levar a frente a sua obra, celebra um contrato de empréstimo de dinheiro com um terceiro (agente financeiro ou agente financiador), oferecendo o próprio imóvel como garantia, o que inclui todas as suas unidades do futuro condomínio.
Iniciada a obra, o incorporador começa a vender as unidades para terceiros, que no caso são consumidores, pois é evidente a caracterização da relação de consumo, nos moldes dos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/90.
Diante da boa-fé objetiva e da força obrigatória que ainda rege os contratos, espera-se que o incorporador cumpra com todas as suas obrigações perante o agente financiador, pagando pontualmente as parcelas do financiamento. Assim sendo, não haverá maiores problemas.
Mas, infelizmente, como nem tudo são flores, nem sempre isso ocorre. Em casos tais, quem acabará perdendo o imóvel, adquirido a tão duras penas? O consumidor, diante do direito de seqüela advindo da hipoteca.
A referida súmula visa justamente proteger o último, restringindo os efeitos da hipoteca às partes contratantes. Isso, diante da boa-fé objetiva, já que aquele que adquiriu o bem pagou pontualmente as suas parcelas frentes à incorporadora, ignorando toda a sistemática jurídica que rege a incorporação imobiliária.
Presente a boa-fé do adquirente, não poderá ser responsabilizado o consumidor pela conduta da incorporadora, que acaba não repassando o dinheiro ao agente financiador. Fica claro, pelo teor da súmula, que a boa-fé objetiva também envolve ordem pública, pois caso contrário não seria possível a restrição do direito real.[8]
Aliás, concluímos que a boa-fé objetiva é princípio de ordem pública interpretando o art. 167, § 2º, do novo Código Civil, que traz a inoponibilidade do ato simulado frente a terceiros e boa-fé. Esclarecemos. Como se sabe, a simulação gera, em regra, a nulidade absoluta do negócio celebrado. Mas essa nulidade absoluta, que envolve ordem pública, não poderá ser oposta frente a terceiros de boa-fé. Pois bem, se o princípio da boa-fé não envolvesse ordem pública, a boa conduta não faria frente ao ato simulado.
Superado esse ponto, entendemos que a súmula 308 do STJ também mantém relação com o princípio da função social dos contratos, já que visa preservar os efeitos do contrato de compra e venda do imóvel a favor do consumidor, parte economicamente mais fraca. Por essa simples razão, já mereceria os nossos aplausos.
Mas a súmula visa também proteger o direito à moradia, assegurado constitucionalmente, no art. 6º da Carta Política de 1988. Reforçando, tende-se a preservar o negócio jurídico, diante do principio da conservação negocial, inerente à concepção social do contrato.[9]
Concluindo, percebe-se que a eticidade e a socialidade acabam fazendo milagres no campo prático, relativizando o rigor formal da concepção dos direitos reais, em prol da proteção do vulnerável, do hipossuficiente, daquele que sempre agiu conforme a boa-fé.
3. A SÚMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAÇÃO EM CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE.
Não se pode esquecer da grande importância do Código de Defesa do Consumidor para os contratos, uma vez que a grande maioria dos negócios jurídicos patrimoniais são de consumo, enquadrados nos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/90.
Por muito tempo, afirmou-se que, havendo relação jurídica de consumo não seria possível a aplicação concomitante do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Isso, na vigência do Código anterior, eminentemente individualista e muito distante da proteção do vulnerável constante da Lei Consumerista.
Entretanto, atualmente e ao contrário, tem-se defendido um “diálogo das fontes” entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Por meio desse diálogo, deve-se entender que os dois sistemas não se excluem, mas se complementam. A tese foi trazida para o Brasil por Cláudia Lima Marques, utilizando os ensinamentos de Erik Jayme.[10] Isso se dá diante de uma aproximação principiológica entre os dois sistemas legislativos, principalmente no que tange aos contratos.[11]
Pretendemos analisar a Súmula 302 do STJ à luz desse diálogo de complementariedade entre os dois sistemas, “a permitir a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas”.[12] Prevê a referida súmula que “é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo o internação hospitalar do segurado”.
A súmula somente consubstancia o que já vinha entendendo tanto a doutrina quanto a jurisprudência.[13] A abusividade da cláusula é flagrante, enquadrando-se inicialmente no art. 51, I, da Lei n. 8.078/90, pela qual é nula a cláusula que exonerem ou atenuem a responsabilidade do prestador do serviço. Além dessa previsão, a referida cláusula já era vedada expressamente pela Portaria n. 3, de 19 de março de 1999, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.[14]
Fazendo um necessário “diálogo das fontes”, a cláusula de limitação de internação poderia também ser considerada abusiva pelo que consta do art. 424 do atual Código Civil, já que o contrato em questão assume a forma de adesão, sendo o seu conteúdo imposto unilateralmente pela empresa de plano de saúde.
Isso porque o comando legal em questão prevê a nulidade absoluta, nos contratos de adesão, das cláusulas que implicam em renúncia prévia a direito resultante da natureza do negócio. Ora, pela referida cláusula está sendo limitado o uso do serviço pelo aderente, que é o principal objetivo do contrato celebrado entre as partes.
Partindo-se para a análise principiológica da referida súmula, observa-se, de imediato, que a mesma traz aplicação direta do princípio da função social dos contratos, relativizando a força obrigatória (efeito inter partes).
Podemos também citar o já mencionado Enunciado n. 23 do Conselho da Justiça Federal, uma vez que a autonomia contratual não pode prevalecer diante de um interesse maior, relacionado com a vida e com a integridade física do segurado, direitos da personalidade relacionados com a dignidade humana. Vale lembrar que os direitos da personalidade são irrenunciáveis (art. 11 do novo Código Civil). Pela cláusula de limitação de internação, o contratante renuncia ao direito de ser tratado como se espera, principalmente num caso de gravidade, em unidade de tratamento intensivo (UTI). Sem prejuízo de tudo isso, entendemos que a cláusula de limitação traz no seu conteúdo um abuso de direito (art. 187 do novo Código Civil), a gerar a sua nulidade por fraude à lei imperativa (art. 166, VI, do nCC).
Em reforço, a parte que impõe a referida cláusula desrespeita o dever anexo de lealdade e, com isso, a boa-fé objetiva que se espera nas relações negociais.[15] Percorre-se o mesmo caminho: pela quebra da boa-fé, caracteriza-se o abuso de direito a gerar a nulidade absoluta do referida cláusula.
De qualquer forma, não se pode esquecer que a cláusula é nula, mas deve preservado todo o resto do contrato, aplicação direta do art. 51, § 2º do Código de Defesa do Consumidor, que consagra o princípio da conservação contratual na ótica consumerista.[16]
Feitas essas observações e ressalvas, manifestamos o nosso entusiasmo e a nossa concordância integral em relação à Súmula 302 do STJ, que atende àquela visualização personalizada do Direito Contratual, pela qual o principal objetivo dos negócios jurídicos patrimoniais é atender aos interesses da pessoa. Isso, sintonizada, com o Direito Civil Constitucional e os seus três princípios máximos: a proteção da dignidade humana (art. 1º, III, da CF/88), a solidariedade social (art. 3º, I, da CF/88) e a igualdade em sentido amplo (art. 5º, caput, da CF/88).
4. AS SÚMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E FINANCEIRAS.
Ainda em relação ao Código de Defesa do Consumidor, duas importantes súmulas do Superior Tribunal de Justiça prevêem a sua aplicação em dois casos muito comuns da prática contratual: aos contratos bancários e financeiros. Transcreveremos o teor das ementas de forma destacada para uma análise conjunta:
“Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições
financeiras”
“Súmula 285: Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do
Consumidor incide a multa moratória nele prevista”.
As duas ementa sepultam de vez a suposta discussão quanto à existência ou não de relação de consumo nos contratos celebrados com as instituições bancárias e financeiras.
Dizemos suposta, e de forma destacada, pois sempre nos pareceu clara a possibilidade de aplicação da Lei n. 8.078/90 ao contratos celebrados entre correntistas/destinatários finais e instituições bancárias e financeiras. Aliás, entender ao contrário sepultaria a efetividade prática do Código de Defesa do Consumidor em nosso País. Por certo que o grande interesse social relacionado com a norma consumerista é vê-la aplicada às relações jurídicas que as pessoas mantém com as instituições bancárias e financeiras.
A possibilidade ou, mais do que isso, a necessidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor fica clara pelo que consta do art. 3º, § 2º, da Lei n. 8.078/90, pelo qual “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” (destacamos). Norma mais clara não há!
De qualquer forma, os bancos, por meio da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) propuseram uma ação declaratória de inconstitucionalidade desse comando consumerista, que recebe o número 2.591/2003. Nessa ação pretendem que o CDC não seja aplicado às relações bancárias. Com todo o respeito em relação às razões que constam da referida ação, com ela não concordamos em hipótese alguma.
A referida ADIN, para nós, é totalmente destoada da principiologia adotada pela Constituição Federal de 1988 que protege os consumidores de forma expressa (art. 5º, XXXII e art. 170, V). A não aplicação do CDC aos bancos viola a própria dignidade humana e a solidariedade social, particularmente a tendência de personalização do Direito Privado. Essa não incidência entra em conflito também com a função social dos contratos e a boa-fé objetiva, regramentos sociais indeclináveis que corporificam uma nova realidade contratual.
Esperamos, portanto, que a ADIN n. 2.591/2001 não obtenha êxito. Na verdade, entendemos que a mesma está prejudicada pela entrada em vigor no novo Código Civil, que confirma a tendência de proteção dos mais fracos, dos mais frágeis.[17]
Com o insucesso da ADIN, continuarão a ter aplicação as referidas súmulas, com a aplicação do CDC aos contratos bancários e financeiros, entre os últimos, o caso dos contratos de cartão de crédito. De qualquer forma, o que falta ainda à jurisprudência brasileira é limitar as taxas de juros cobrada por tais instituições, o que não vem ocorrendo, diante da vigência de duas outras súmulas de nossos Tribunais Superiores.
A Súmula 596 do STF prevê que as instituições bancárias não estão sujeitas à Lei de Usura (Decreto-lei 22.626/1933), sendo perfeitamente possível a livre convenção de juros, o que vem sendo aplicado pelo STJ.[18] A recente Súmula 283 do STJ prevê o mesmo para as empresas administradoras de cartão de crédito. Já manifestamos nossa discordância em relação às referidas súmulas.[19]
Na situação descrita vemos um paradoxo: duas súmulas prevêem a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários e financeiros; mas duas outras trazem a livre convenção dos juros. Em outras palavras: as Súmulas 297 e 285 do STJ tendem a proteger os consumidores; as Súmulas 596 do STF e 283 do STJ tentem a beneficiar as entidades bancárias e financeiras.[20]
Se isso ocorre quanto aos juros convencionais, infelizmente; o mesmo não se pode dizer quanto à multa moratória, felizmente. Isso porque a cláusula penal é limitada em dois por cento (2%) sobre o valor da dívida tanto nos casos de contratos bancários quantos nos contratos financeiros - repita-se, o caso do contrato de cartão de crédito.
A Súmula 285 do STJ prevê essa limitação de forma expressa para os contratos celebrados na vigência do CDC. Não faz o mesmo, de forma expressa, a Súmula 297, mas isso é decorrência lógica do seu teor, já que a referida multa consta da própria lei consumerista. Para ilustrar, reportamo-nos à ementa transcrita na última nota de rodapé.
Mais uma vez, manifestamos nosso contentamento em relação às duas últimas súmulas, adaptadas à nova Teoria Geral dos Contratos e aos novos paradigmas contratuais. Lembramos que as súmulas apenas consubstanciam o que a doutrina consumerista especializada sempre defendeu em relação aos contratos bancários e financeiros. As ementas vieram em boa hora, para que não pairem mais dúvidas em relação ao seu conteúdo.
5. A SÚMULA 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CONTRATOS OBJETO DE NOVAÇÃO.
Como se sabe, a novação (arts. 360 a 367 do novo Código Civil) pode ser conceituada como uma forma de pagamento indireto em que ocorre a substituição de uma obrigação anterior por uma obrigação nova, diversa da primeira criada pela partes. Seu principal efeito é a extinção da dívida primitiva, com todos os acessórios e garantias, sempre que não houver estipulação em contrário (art. 364 do novo Código Civil). Aliás, havendo a referida previsão em contrário, autorizada pela própria lei, haverá novação parcial. Podem as partes convencionar o que será extinto, desde que isso não contrarie a ordem pública, a função social dos contratos e a boa-fé objetiva.
A novação não produz, como ocorre no pagamento direto, a satisfação imediata do crédito. Por envolver mais de um ato volitivo, constituiu para nós negócio jurídico e forma de pagamento indireto.
São elementos essenciais da novação a existência de uma obrigação anterior (obrigação antiga) e de uma nova obrigação, ambas válidas e lícitas, bem como a intenção de novar (animus novandi). Prevê o art. 361 do novo Código Civil que o ânimo de novar pode ser expresso ou mesmo tácito, mas sempre inequívoco. Não havendo tal elemento imaterial ou subjetivo, a segunda obrigação simplesmente confirma a primeira.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência sempre apontaram que a novação liqüidava totalmente a obrigação anterior, que não poderia ser restabelecida.[21] Esse seria, na verdade, o principal efeito da novatio, que a diferenciava de institutos jurídicos como sub-rogação e a dação em pagamento.
Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça tem analisado ultimamente a novação com vistas ao princípio da função social dos contratos e das obrigações, revolucionando a própria concepção do instituto. Isso pode ser evidenciado pelo teor da recente Súmula 286 daquele Tribunal, que tem a seguinte redação: “A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores”.
Ora, a socialidade salta aos olhos, uma vez que se quebra com aquela tradicional regra pela qual ocorrida a novação não é mais possível discutir a obrigação anterior. Sendo flagrante o abuso de direito cometido pela parte negocial e estando presente a onerosidade excessiva por cobrança de juros abusivos nas obrigações anteriores, será possível a discussão judicial dos contratos novados. Visando esclarecer, transcrevemos uma das ementas de julgado que gerou a edição do entendimento sumular no ano de 2004, em que se faz menção expressa ao instituto da novação:
“NEGÓCIOS BANCÁRIOS. REVISÃO. Na ação revisional de negócios bancários, pode-se discutir a respeito de contratos anteriores, que tenham sido objeto de novação. Recurso especial não conhecido” (STJ, RESP 332832 / RS ; RECURSO ESPECIAL, 2001/0086405-2. Relator: Ministro Asfor Rocha, Segunda seção de Direito Privado, Data do Julgamento: 28/05/2003. Data da Publicação e Fonte: DJ 23/02/20003).
Não só concordamos com a súmula e o julgado acima transcrito como entendemos que nasce um novo entendimento jurisprudencial quanto à matéria, quebrando velhos paradigmas, em prol dos princípios do Direito Civil Constitucional, particularmente o da construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CF/88).
O objetivo da súmula é única: evitar o enriquecimento sem causa, o locupletamento sem razão, a lesão subjetiva e a desproporção negocial. Recordamos que muitas vezes as negociações contratuais são impostas por um das partes, em posição privilegiada. A Súmula n. 286 do STJ representa uma total quebra de paradigma, assim como as demais ementas nesse breve estudo comentadas.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Fachin, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
Ferri, Luigi. La autonomia privada. Tradução e notas em espanhol por Luis Sancho Mendizibal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969.
Khouri, Paulo R. Roque A. Direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Introdução. São Paulo: RT, 2004.
Monteiro, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das obrigações. 1ª Parte. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1972.
Rosenvald, Nelson. Dignidade humana e boa-fé. São Paulo: Saraiva, 2005.
Tartuce, Flávio. A função social dos contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005.
Tepedino, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
VIANA, Marco Aurélio S. Comentários ao novo Código Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. XVI.
[1] Flávio Tartuce. A Função Social dos Contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005.
[2] Não se pode esquecer que o contrato é importante fonte obrigacional. Nesse sentido, Nelson Rosenvald, um dos mais brilhantes juristas da nova geração sintetiza muito bem como deve ser encarada a obrigação atualmente: “A obrigação deve ser vista como uma relação complexa, formada por um conjunto de direitos, obrigações e situações jurídicas, compreendendo uma série de deveres de prestação, direitos formativos e outras situações jurídicas. A obrigação é tida como um processo – uma série de atos relacionados entre si -, que desde o início se encaminha a uma finalidade: a satisfação do interessa na prestação. Hodiernamente, não mais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade à qual se dirige a relação dinâmica. Para além da perspectiva tradicional de subordinação do devedor ao credor existe o bem comum da relação obrigacional, voltado para o adimplemento, da forma mais satisfativa ao credor e menos onerosa ao devedor. O bem comum na relação obrigacional traduz a solidariedade mediante a cooperação dos indivíduos para a satisfação dos interesses patrimoniais recíprocos, sem comprometimento dos direitos da personalidade e da dignidade do credor e devedor” (Dignidade Humana e Boa-Fé. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 204).
[3] “Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.
[4] Entendemos que a função social do contrato tem respaldo na Constituição Federal. Primeiro, na tríade dignidade-solidariedade-igualdade, que consubstancia o Direito Civil Constitucional, constantes dos arts. 1º, 3º e 5º da Norma Fundamental. Segundo, na função social da propriedade (art. 5º, XXII e XXIII e art. 170, III da CF/88) (Flávio Tartuce. Função Social dos Contratos, ob, cit.). Sobre o Direito Civil Constitucional recomendamos a leitura da obra de Gustavo Tepedino (Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004).
[5] Vale citar uma passagem de Luigi Ferri, citando Acarelli no sentido de que o juiz deverá anular qualquer acordo de vontades pela simples ocorrência de um dano potencial à sociedade, mesmo que haja algum outro interesse comum (Luigi Ferri. La Autonomia Privada. Tradução e notas em espanhol por Luis Sancho Mendizibal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969, p. 438)
[6] Sobre a personalização do Direito Privado, recomendamos as contribuições de Luiz Edson Fachin, particularmente a brilhante obra Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo (Rio de Janeiro: Renovar, 2001).
[7] Marco Aurélio S. Viana comenta muito bem esse efeito da hipoteca: “O que caracteriza o direito real de garantia é a vinculação de um bem ao cumprimento da obrigação. Sua função é assegurar ao credor a satisfação do crédito, colocando-o a cavaleiro da insolvência do devedor (Cf. Orlando Gomes, Direitos Reais, cit., v. 2, p. 468; Clóvis Bevilacqua, Direito das Coisas, cit., v. 2, p. 10). O titular do direito goza de seqüela e preferência. Vinculado o bem à garantia de uma prestação, sua transmissão implica na do gravame. Isso equivale a dizer que o titular do direito real de garantia acompanhará o bem, exigindo a satisfação do crédito, pouco importando em mãos de quem ele esteja. O valor do bem está afeto à satisfação do crédito. Assim, quem adquire imóvel hipotecado, por exemplo, poderá vê-lo levado à venda para pagamento da dívida que garantia. É o direito de seqüela” (Comentários ao Novo Código Civil. Volume XVI. Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 700).
[8] A referência à boa-fé é expressa no recente julgado a seguir transcrito, do próprio STJ, já aplicando a recente súmula 380: “CIVIL E CONSUMIDOR. IMÓVEL. INCORPORAÇÃO. FINANCIAMENTO. SFH. HIPOTECA. TERCEIRO ADQUIRENTE. BOA-FÉ. NÃO PREVALÊNCIA DO GRAVAME. 1 - O entendimento pacificado no âmbito da Segunda Seção deste STJ é no sentido de que, em contratos de financiamento para construção de imóveis pelo SFH, a hipoteca concedida pela incorporadora em favor do Banco credor, ainda que anterior, não prevalece sobre a boa-fé do terceiro que adquire, em momento posterior, a unidade imobiliária. Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça. 2 - Recurso especial conhecido, mas não provido” (STJ, REsp 625045 / GO ; RECURSO ESPECIAL 2003/0229385-3, RELATOR: Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, Julgamento: 17/05/2005, Publicação: DJ 06.06.2005).
[9] Interessante aqui transcrever o Enunciado n. 22 do Conselho da Justiça Federal, também da I Jornada de Direito Civil, que traz a relação entre função social e conservação contratual: “Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”.
[10] Cláudia Lima Marques demonstra as razões filosóficas e sociais da tese do “diálogo da fontes”: “Segundo Erik Jayme, as características da cultura pós-moderna no direito seriam o pluralismo, a comunicação, a narração, o que Jayme denomina de ‘le retour des sentiments’, sendo o Leitmotiv da pós-modernidade a valorização dos direitos humanos. Para Jayme, o direito como parte da cultura dos povos muda com a crise da pós-modernidade. O pluralismo manifesta-se na multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a descodificação ou a implosão dos sistemas genéricos normativos (Zersplieterung), manifesta-se no pluralismo de sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam da proteção do meio ambiente, na pluralidade de agentes ativos de uma mesma relação, como os fornecedores que se organizam em cadeia e em relações extremamente despersonalizadas. Pluralismo também na filosofia aceita atualmente, onde o diálogo é que legitima o consenso, onde os valores e princípios têm sempre uma dupla função, o ‘double coding’, e onde os valores são muitas vezes antinômicos. Pluralismo nos direitos assegurados, nos direitos à diferença e ao tratamento diferenciado aos privilégios dos ‘espaços de excelência’ (JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internacionale privé postmoderne. Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye, 1995, II, Kluwer, Haia, p. 36 e ss)” (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Introdução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 24).
[11] Sobre essa aproximação, aliás, foi aprovado o Enunciado nº 167 na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em dezembro último, com o seguinte teor: “Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos”. As razões apontadas pelo magistrado paraibano e jovem civilista Wladimir Alcibíades Marinho Falcão Cunha, autor da proposta, são pertinentes, merecendo transcrição o seguinte trecho: “Entretanto pode-se dizer que, até o advento do Código Civil de 2002, somente o Código de Defesa do Consumidor encampava essa nova concepção contratual, ou seja, somente o CDC intervinha diretamente no conteúdo material dos contratos. Entretanto, o Código Civil de 2002 passou também a incorporar esse caráter cogente no trato das relações contratuais, intervindo diretamente no conteúdo material dos contratos, em especial através dos próprios novos princípios contratuais da função social, da boa-fé objetiva e da equivalência material.Assim, a corporificação legislativa de uma atualizada teoria geral dos contratos protagonizada pelo CDC teve sua continuidade com o advento do Código Civil de 2002, o qual, a exemplo daquele, encontra-se carregado de novos princípios jurídicos contratuais e cláusulas gerais, todos hábeis a proteção do consumidor mais fraco nas relações contratuais comuns, sempre em conexão axiológica, valorativa, entre dita norma e a Constituição Federal e seus princípios constitucionais. Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 são, pois, normas representantes de uma nova concepção de contrato e, como tal, possuem pontos de confluência em termos de teoria contratual, em especial no que respeita aos princípios informadores de uma e de outra norma” (Proposta enviada por e-mail pelo próprio Conselho da Justiça Federal aos participantes da III Jornada).
[12] Marques, Cláudia Lima, Comentários, ob. cit., p. 26.
[13] Por todos os julgados, transcrevemos o seguinte: “CONTRATO - Plano de saúde - Contrato de adesão - Relatividade das volições contratuais - Cláusula limitativa - Internação em unidade de terapia intensiva (UTI) - Prazo exíguo de 15 dias anuais com prorrogação dependente unicamente do critério da prestadora de serviço - Nulidade - Predominância do direito à vida sobre qualquer outro - Criação de vantagem exagerada para o convênio e restrição do direito para o conveniado - Lei Federal n. 8.078, de 1990 (art. 5º, IV) - Recurso provido”. (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 144.424-4/0 - São Paulo - 4ª Câmara de Direito Privado de Férias “Janeiro/2004" - Relator: Munhoz Soares - 29.01.04 - V. U.)
[14] A portaria, regulamentando o art. 51 do CDC, considera abusivas, dentre outras, as cláusulas que: “2. Imponham, em contratos de planos de saúde firmados anteriormente à Lei 9665/98, limites ou restrições a procedimentos médicos (consultas, exames médicos, laboratoriais e internações hospitalares, UTI e similares) contrariando prescrição médica”.
[15] Sobre a quebra dos deveres anexos, relacionados com a boa-fé objetiva, vale conferir o teor do Enunciado n. 24, também da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”.
[16] “Art. 51. (...) §2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”. Já tivemos a oportunidade de demonstrar a relação entre o princípio da conservação do contrato e a função social, lembrando a proteção do ato jurídico perfeito, que consta do art. 5º, XXXVI da CF/88 e a importante função que o contrato exerce para a sociedade. Assim sendo, a nulidade deve ser o último recurso (Tartuce, Flávio. A Função Social dos Contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005, p. 104). .
[17] Concordamos integralmente com a notas do advogado e professor Paulo R. Roque A Khouri em relação à referida ADIN: “Ora, da forma como a questão é colocada na ADIn nº 2.591, o consumidor jamais poderia valer-se das normas protetivas do CDC, principalmente, do art. 6º, V, para questionar, v. g., juros bancários ‘pactuados’ em 500% ao ano. Tal entendimento contraria, ao meu sentir, a própria Constituição Federal que elegeu a ‘defesa do consumidor’, no seu art. 5º, XXXII, como um direito e garantia fundamental. De mesma forma, ao lado da própria função social da propriedade, da livre concorrência, a defesa do consumidor é princípio da ordem econômica de acordo com o art. 170 da Constituição. Impedir ao consumidor o direito de questionar a justiça da pactuação da cláusula de juros implica negar vigência a um direito e garantia fundamental, como se fosse dada à instituição financeira uma carta branca para livremente explorar a sua propriedade, sem atentar-se para sua função social”. (Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2ª Edição, 2005, p. 64)
[18] Por todos os julgados, transcrevemos o seguinte: “CONTRATO BANCÁRIO. APLICABILIDADE DO CDC EM TESE. CASO CONCRETO EM QUE NÃO INCIDE. ABUSIVIDADE INDEMONSTRADA. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO N. 596 DA SÚMULA STF. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA À TAXA MÉDIA DE MERCADO. LEGALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO. I - A norma protetiva do consumidor, mais nova e específica, regula situações apenas genericamente subordinadas à regra ampla do Sistema Financeiro Nacional. Não sendo caso de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, ou não sendo demonstrada abusividade, aplica-se a jurisprudência tradicional sobre o tema, refletida no enunciado n. 596 da súmula do Supremo Tribunal Federal. II - Consoante se tem proclamado, a comissão de permanência "é aferida pelo Banco Central do Brasil com base na taxa média de juros praticada no mercado pelas instituições financeiras e bancárias que atuam no Brasil, ou seja, ela reflete a realidade desse mercado de acordo com o seu conjunto, e não isoladamente, pelo que não é o banco mutuante que a impõe" (Superior Tribunal de Justiça, ACÓRDÃO: RESP 374356/RS (200101533375), 485166 RECURSO ESPECIAL, DATA DA DECISÃO: 12/03/2003, ORGÃO JULGADOR: - SEGUNDA SEÇÃO, RELATOR: MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, RELATOR ACÓRDÃO: MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, FONTE: DJ DATA: 19/05/2003 PG: 00120, VEJA: JUROS ALÉM DO LIMITE DA LEI DE USURA) STJ - RESP 214003-SC, RESP 221942-RS, RESP 235380-MG, RESP 196253-RS).
[19] Tartuce, Flávio. A Função Social dos Contratos, ob. cit., p. 291.
[20] Não podemos concordar com julgados como o seguinte, em que fica clara a mencionada contradição: “CONTRATO - Cartão de crédito - Reconhecida a ocorrência de abusividade na conduta da administradora ao auferir lucro no repasse do financiamento - Declarada a nulidade da cláusula, por ser potestativa, nos termos da lei civil e do Código de Defesa do Consumidor (artigo 51, IV, X e XII) - Determinado o recálculo do saldo, com aplicação da taxa mensal de juros, mais os encargos pertinentes a serem comprovados, além da multa moratória (2%), afastando-se a verba relativa a honorários advocatícios decorrentes da cobrança administrativa - Inaplicabilidade, porém, do limite de juros de 12% ao ano, por depender o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal de regulamentação por lei complementar - Ação parcialmente procedente - Recurso provido em parte - Voto vencido” (Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, PROCESSO: 1142957-7, RECURSO: Apelação, ORIGEM: São Paulo, JULGADOR: 3ª Câmara de Férias de Julho de 2003, JULGAMENTO: 03/08/2004, RELATOR: Maia da Rocha)
[21] Sobre esse efeito da novação, vale conferir: “A novação corresponde a meio liberatório singular, a modo especial de extinguir-se a obrigação. Chega-se a compará-la a um pagamento fictício. Define-se como ‘a conversão de uma dívida em outra para extinguir a primeira’. É a substituição de uma dívida por outra, eliminando-se a precedente. Desaparece a primeira e, em seu lugar, surge nova. Êsse o seu conteúdo essencial, aliás, duplo: um extintivo, referente à obrigação antiga; outro gerador, relativo à obrigação nova. Não existe, pois, tão-sòmente, uma transformação; o fenômeno é mais complexo, abrangendo a criação de nova obrigação, que subsistiu à antiga” (Barros Monteiro, Washington de. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações. 1ª Parte. São Paulo: Saraiva, 8ª Edição, 1972, p. 324)
Advogado. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Especialista em Direito Contratual pela COGEAE/PUC/SP. Bacharel pela Faculdade de Direito da USP. Professor dos cursos de pós-graduação da Escola Paulista de Direito (São Paulo), das Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo (Presidente Prudente), do DIEX-UNISUL e da UNIFACS (Salvador, Bahia). Professor do Curso Preparatório Flávio Monteiro de Barros (São Paulo). Autor da Editora Método. Membro do IBDFAM. http://www.flaviotartuce.adv.br/.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TARTUCE, Flavio. A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2008, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/15862/a-funcao-social-dos-contratos-a-boa-fe-objetiva-e-as-recentes-sumulas-do-superior-tribunal-de-justica. Acesso em: 25 dez 2024.
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