DA INCONSTITUCIONALIDADE
(Esta tese foi ACOLHIDA pelo STF, ADIn nº 2.010/99)
Procurador do INSS junto aos tribunais superiores em Brasília (DF)
A Lei nº 9.783, de 28 de janeiro de 1999, instituiu dois adicionais às contribuições sociais incidentes sobre os proventos do servidor público federal civil, seja ativo ou inativo.
Essa norma assim dispõe:
"Art. 1º. A contribuição social do servidor público civil, ativo e inativo, e dos pensionistas dos três Poderes da União, para a manutenção do regime de previdência social dos seus servidores, será de onze por cento, incidente sobre a totalidade da remuneração de contribuição, do provento ou da pensão.
Art. 2º. A contribuição de que trata o artigo anterior fica acrescida dos seguintes adicionais:
I - nove pontos percentuais incidentes sobre a parcela da remuneração, do provento ou da pensão que exceder a R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), até o limite de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais);
II - catorze pontos percentuais incidentes sobre a parcela da remuneração, do provento ou da pensão que excedera R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).
Parágrafo único. Os adicionais de que trata o caput têm caráter temporário, vigorando até 31 de dezembro de 2002."
(Original sem destaques)
Salta aos olhos, desde logo, que os vencimentos dos servidores públicos federais militares não sofrem a incidência da contribuição social prevista no art. 1º da mencionada lei, muito menos a dos adicionais previstos no art. 2º.
Por outro lado, o art. 5º, caput e seu inciso XXII, bem como o art. 150, IV, da Constituição Federal, assim prescrevem:
"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXII - é garantido o direito à propriedade"
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
IV - utilizar tributo com efeito de confisco;"
Esse dispositivo é aplicável às contribuições sociais, posto que tais são tributos. Vejamos, assim, à luz da melhor doutrina, se os apontados adicionais configuram confisco.
Vamos analisar a questão à luz do princípio da proporcionalidade.
A respeito desse princípio, assim se manifesta o ilustre Gilmar Ferreira Mendes, no seu livro Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, Celso Bastos Editor, São Paulo, 1998, p. 68:
"A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.
Essa nova orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit). Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito)"
Referido jurista prossegue seu raciocínio, afirmando de forma categórica a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade ao direito tributário:
"É interessante notar que a primeira referência de algum significado ao princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal -- tanto quanto é possível identificar -- está intimamente relacionada com a proteção ao direito de propriedade. No RE nº 18.331, da relatoria do eminente Ministro Orozimbo Nonato, deixou-se assente, verbis:
'O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria e com o direito de propriedade. É um poder, cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do "détournement de pouvoir". Não há que estranhar a invocação dessa doutrina ao propósito da inconstitucionalidade, quando os julgados têm proclamado que o conflito entre a norma comum e o preceito da Lei Maior pode se acender não somente considerando a letra do texto, como também, e principalmente, o espírito do dispositivo invocado"
(Original sem destaques)
Nesse passo, resta evidente que deve ser analisado se os adicionais à contribuição dos servidores públicos são necessários e adequados. Caso eles o sejam, concluiremos pela observância do princípio da proporcionalidade ao caso concreto. Caso contrário, os adicionais estarão violando o direito dos servidores civis à propriedade, protegido pelo art. 5º e seu inciso XXII, bem como pelo art. 150, IV, da Constituição Federal e serão, portanto, inconstitucionais.
Vejamos, inicialmente, a questão da necessidade.
É certo que as contribuições sociais para custeio dos benefícios previdenciários dos servidores públicos não se inserem no orçamento fiscal, mas sim no orçamento da seguridade social.
Nesse sentido ensina-nos o jurista José Afonso da Silva, no seu Curso de direito constitucional positivo, Malheiros Editores, 1997, 13ª edição, p. 669:
"A lei orçamentária anual englobará três orçamentos: (...) (3) o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público"
Como toda contribuição social, também a prevista pela Lei nº 9.783/99 é tributo vinculado. Não pode ser usada para custeio outro, que não dos benefícios previdenciários dos servidores públicos federais e seus dependentes.
Em outras palavras, não pode a contribuição social em apreço, ou seus adicionais, serem usados para rolagem da dívida pública do governo federal ou para cobrir "buracos" do orçamento fiscal. Não pode essa contribuição ser usada para pagamento de juros a banqueiros ou mesmo para investimento em empresas estatais.
É fato que o orçamento da seguridade social é superavitário (não confundir com a arrecadação e o pagamento de benefícios vinculados ao INSS, que é deficitário! Os servidores públicos federais não têm seus benefícios pagos pelo INSS e nem recolhem suas contribuições a esta autarquia). Para demonstrar que a existência desse superávit, convém mencionar as seguintes leis, que ao longo do ano de 1.998, passaram verbas do orçamento da seguridade social para diversos órgãos da administração federal, que a rigor deveriam ser apenas contemplados com verbas oriundas do orçamento fiscal:
Lei nº 9.721, de 30/11/98. Autoriza o Poder Executivo a abrir ao Orçamento da Seguridade Social da União, em favor do Ministério do Planejamento e Orçamento, crédito especial até o limite de R$ 600.000,00, para os fins que especifica.
Lei nº 9.723, de 30/11/98. Autoriza o Poder Executivo a abrir aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, em favor de diversos órgãos dos Poderes Legislativo, Judiciário, Executivo e do Ministério Público da União, crédito suplementar no valor global de R$ 1.788.418.958,00, para os fins que especifica.
Lei nº 9.747, de 16/12/98. Autoriza o Poder Executivo a abrir aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, em favor do Ministério dos Transportes, crédito suplementar no valor de R$ 52.499.974,00, para os fins que especifica.
Lei nº 9.748, de 16/12/98. Autoriza o Poder Executivo a abrir aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, em favor de diversos Órgãos dos Poderes Legislativos e Executivo, crédito suplementar no valor global de R$ 370.799.399,00, para os fins que especifica.
Lei nº 9.751, de 16/12/98. Autoriza o Poder Executivo a abrir ao Orçamento da Seguridade Social da União, em favor do Ministério das Comunicações, crédito especial até o limite de R$ 1.480.370.363,00, para os fins que especifica.
Lei nº 9.759, de 17/12/98. Autoriza o Poder Executivo a abrir aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, em favor do Ministério da Justiça, crédito suplementar no valor de R$ 11.334.238,00 para os fins que especifica.
Lei nº 9.760, de 17/12/98. Autoriza o Poder Executivo a abrir aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, em favor do Ministério da Educação e do Desporto, crédito especial até o limite de R$ 2.026.591,00, para os fins que especifica.
Lei nº 9.761, de 17/12/98. Autoriza o Poder Executivo a abrir aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, em favor do Ministério da Educação e do Desporto, da Cultura e da Previdência e Assistência Social, crédito suplementar no valor global de R$ 366.519.877,00, para os fins que especifica.
Lei nº 9.773, de 21/12/98. Autoriza o Poder Executivo a abrir aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, em favor de diversos Órgãos dos Poderes Judiciário e Executivo, crédito suplementar no valor de R$ 197.438.062,00, para os fins que especifica.
Como se pode claramente observar, no final do ano de 1998, foi utilizada uma astronômica quantidade de verba do Orçamento da Seguridade Social para "tampar os buracos" de órgãos federais que gastaram mais do que o previsto. É imperioso lembrar que a contribuição previdenciária é tributo vinculado, não podendo ser utilizada para fim outro, que não o pagamento de benefícios previdenciários.
A explicação pela qual o orçamento da seguridade social é superavitário é muito simples: nele se incluem não apenas as contribuições sociais arrecadadas pelo INSS, mas também as contribuições arrecadadas pela Secretaria da Receita Federal, tais como a contribuição social sobre o faturamento e a contribuição social sobre o lucro (art. 195, I, b e c, da CF). Com o ingresso dessas contribuições, o governo federal supre o déficit do INSS e, somadas as verbas oriundas da contribuição previdenciária do art. 1º da Lei nº 9.783/99 (anteriormente prevista na Lei nº 8.112/90), paga também os benefícios previdenciários dos servidores civis e militares da União. E ainda sobra dinheiro, como se viu acima.
À toda evidência, não é necessária a instituição dos referidos adicionais, para o custeio de benefícios previdenciários.
Não é acaciano lembrar que nem antes e nem depois da EC nº 20/98 era ou é proibida a utilização das contribuições sociais previstas nas alíneas b e c do art. 195, I, da CF, para pagamento de benefícios previdenciários dos servidores públicos. Nem mesmo o art. 167, XI, da CF, em sua redação dada pela EC nº 20/98, fez essa proibição. O que está muito coerente, posto que o caput do art. 195 da CF é explícito ao afirmar que toda a sociedade financiará a seguridade social, com recursos da União e das contribuições sociais que menciona. Toda a sociedade e a União devem custear a aposentadoria daqueles que trabalharam no serviço público federal: é o óbvio constitucionalmente positivado.
Diante da apontada falta de necessidade de novas contribuições sociais incidentes sobre os proventos dos servidores públicos civis para o custeio de seus benefícios, resta evidente que o princípio da proporcionalidade não foi respeitado.
Vamos analisar agora a questão da adequação.
É sabido que os servidores públicos federais, tanto ativos como inativos, estão há mais de quatro anos sem reajustes. Nesse período houve inflação, o que já ocasionou um imenso prejuízo nos rendimentos desses servidores.
Revela-se, assim, totalmente inadequada a imposição de um adicional à contribuição já paga pelos servidores federais. É de se lembrar que nenhuma unidade da federação instituiu alíquota de 25% de contribuição previdenciária. A maioria dos Estados e Municípios ou não instituiu essa contribuições ou estabeleceu uma alíquota mais reduzida, de 6%. O Estado de São Paulo, que podemos comparar por seu tamanho à União, tem alíquota de apenas 6%.
Vejamos, finalmente, a questão da proporcionalidade em seu sentido estrito, também necessária para o atendimento ao princípio da proporcionalidade.
Data venia, o legislador ordinário chegou às raias do absurdo ao excluir da incidência da Lei nº 9.783/99 os servidores federais militares!
A ausência da proporcionalidade, em seu sentido estrito, aqui é manifesta: aos civis, a alíquota da contribuição social, acrescida dos adicionais, chega a 25%; aos militares, a alíquota é de zero por cento, posto que os militares não pagam contribuição alguma para o custeio dos seus benefícios previdenciários, embora tenham benefícios até maiores que os dos civis.
Afirmar que os militares têm dedicação exclusiva e por isso devem pagar menos é algo que não se sustenta a uma análise da realidade dos demais servidores. Com efeito, diversas outras categorias de servidores públicos federais civis estão na mesma situação, vale dizer, proibidos de ter outra atividade remunerada. Exemplo disso são os procuradores federais, de quaisquer órgãos da Administração Direta e Indireta, que necessariamente trabalham em regime de dedicação exclusiva, não tendo sequer capacidade postulatória para advocacia fora de suas funções. No entanto, se mantida a contribuição em apreço, toda essa categoria deverá pagar contribuição social na alíquota de 25%.
Imperioso mencionar que, além da contribuição em apreço, no importe de 25%, há também desconto na fonte de 27,5% de Imposto de Renda, bem como o pagamento de diversos tributos, sejam diretos, tais como IPTU, IPVA e indiretos, como ICMS e IPI. Tendo em vista que apenas 31% do PIB brasileiro é constituído por tributos, resta evidente que há uma desproporção gritante no tocante à parcela de tributos que os funcionários públicos estão sendo compelidos a pagar em relação aos demais assalariados.
Lembramos que a contribuição social dos servidores públicos federais não está limitada a nenhum "teto", incidindo sobre a totalidade dos proventos. O mesmo não ocorre com os trabalhadores da iniciativa privada, que são vinculados ao INSS, que contribuem com 11%, limitada essa incidência a uma base de cálculo máxima ("teto") que hoje está em apenas R$ 1.200,00: vale dizer o máximo que pagará um trabalhador do setor privado é R$ 132,00 mensais.
Portanto, se o servidor público federal tem aposentadoria integral, tal deve-se ao fato de sua contribuição incidir sobre a totalidade dos vencimentos; o trabalhador da iniciativa privada tem como teto da sua aposentadoria o valor máximo ("teto") da base de cálculo de sua contribuição. A situação, assim, é proporcional. Nesse passo, totalmente desproporcional é a incidência de uma alíquota de 11% para um e 25% para outro.
Por todas essas razões, resta evidente que o direito à propriedade restou violado pelo advento da mencionada lei, que impôs ao servidor público um tributo com efeito confiscatório, em flagrante afronta ao art. 5º, caput e inciso XXII, bem como ao art. 150, IV, da CF.
Advogado em Brasília e Consultor Legislativo do Senado Federal. Autor dos livros "Compra de Imóveis" (Ed. Atlas), "Prequestionamento, Recurso Especial e Recurso Extraordinário" (Ed. Forense) e "Direito de Empresa (Ed. Atlas). Site: www.brunosilva.adv.br<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Bruno Mattos e. Contribuição adicional dos servidores ativos e inativos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 dez 2008, 09:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/16296/contribuicao-adicional-dos-servidores-ativos-e-inativos. Acesso em: 23 dez 2024.
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