Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Direito de Família: Casamento Civil e União Estável. 2.1 Direito das Famílias: Da nomenclatura adequada 2.2 Família Matrimonializada e a Família Convivencional. 2.3 Os efeitos patrimoniais na família matrimonializada e na família convivencial. 2.4 A Confiança no âmbito do Direito das Famílias 3. Qual o entendimento mais adequado do processo nos dias atuais ? 3.1 Parâmetro Constitucional: Princípio da Solidariedade. 3.2 Parâmetro Processual: Princípio da Lealdade Processual. 3.3 Parâmetro Processual: Princípio da Adequação. 4. Direito Processual Civil: Inteligência do art. 10 do CPC. 4.1 Capacidade Processual do Cônjuge. 4.2 O artigo 10 do CPC – O que ele visa proteger ? 5. Conclusão
Resumo: O presente trabalho versa sobre a interpretação mais adequada do art. 11 do CPC. Esse artigo faz menção expressa ao consentimento do cônjuge, referindo-se portanto ao casamento civil. Todavia com a equiparação da união estável ao casamento civil, questiona-se se diante de ações que versem sobre direitos reais imobiliários é necessário o consentimento também do convivente ou só no caso de casamento civil. Diante da interpretação sistemática apontada como a mais adequada, os dois ramos do direito precisam interagir, sendo assim, a interpretação mais adequada nos leva a que em se tratando de união estável também há necessidade do consentimento ou da autorização. Ocorre porém, que se não for declarado a existência dessa situação como a parte contrário e o magistrado poderá se manifestar. Qual a obrigatoriedade do autor informar que existe uma união estável ? Quais as consequências de não se manifestar dessa forma ? [1]
Palavras Chave:. Consentimento. Autorização. Casamento. União Estável. Princípio da Confiança. Princípio da Solidariedade. Princípio da lealdade processual. Art. 10 do Código de Processo Civil.
1. Considerações Iniciais
O presente trabalho tem como objetivo verificar a necessidade do consentimento ou autorização, diante da determinação legal contida no art. 10 do CPC, quando estivermos no âmbito da União Estável.
De suma importância avaliar a necessidade de se verificar a existência da união estável nesses casos, haja vista que o objetivo desse artigo é preservar o patrimônio familiar e a união estável é uma das formas de família que temos.
Buscaremos então realizar uma interpretação que seja mais adequado com os princípios e valores que norteiam a nossa sociedade jurídica.
Para tanto, faz-se necessário esclarecer se existe distinção entre casamento civil e união estável e se essa distinção atinge o art. 10 do CPC. Dessa forma, faz-se necessário trabalhar em dois ramos do direito – direito civil e direito processual civil – que embora como ramos do direito são autônomos, não podem ser interpretados de forma isolada para não termos uma visão parcial do problema e por isso, chegar a um falso resultado por não apresentar todos os elementos necessários para a análise.
2. Direito de Família: Casamento Civil e União Estável[2]
Para começar a compreender a determinação prevista no art. 10 do CPC primeiramente precisamos buscar o significado de cônjuge, para tanto iremos buscar auxílio na conceituação De Plácido e Silva:
Cônjuge. Designação dada a cada uma das partes unidas pelos laços matrimoniais. É, assim, denominação que se dá aos esposos, ou seja, ao marido e à mulher, casados legalmente.
Desse modo, não é próprio dizer-se cônjuge para quem não é casado segundo as regras da lei civil, (...) [3]
Buscando compreender como está expresso no texto legal, primeiramente iremos nos socorrer do art. 1.511 do Código Civil e do art. 1.514 que nos traz que
Art. 1511 O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
Art. 1514 O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher, manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.
Quando analisamos a previsão legal da união estável encontramos nos art. 1723 e 1724 a seguinte disposição:
Art. 1723 É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (...)
Art. 1724 As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
Dessa forma, podemos depreender que o significado de cônjuge refere-se ao vínculo conjugal estabelecido mediante o casamento, enquanto que quando se tratar de união estável teremos então a figura dos companheiros.
Todavia se nós apenas fizermos essa interpretação, sem levar em consideração o conceito de família, poderíamos responder que no caso em tela, somente os cônjuges oriundos então do vínculo conjugal criado pelo casamento civil se adequaria ao enunciado do art. 10 do Código de Processo Civil.
Mas essa interpretação precisa ser contextualizada dentro do novo Direito das Famílias.
2.1 Direito das Famílias: Da nomenclatura adequada
Apesar do Código Civil de 2002 apresentar no seu Livro IV, a designação Do Direito de Família, hoje a denominação mais adequada é Direito das Famílias, já que nossa Carta Magna em seu art. 226 ampliou o conceito de família para além do casamento civil, alcançando a união estável entre o homem e a mulher e ainda a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Dessa forma, saímos de um conceito de família norteado pelo Código Civil de 1916, que somente entedia a família como sendo aquela oriunda do casamento civil para um conceito macro que visualiza a família como algo mais amplo, sendo assim o direito das famílias deve ser conceituado como um conjunto de normas jurídicas que regulamentam as múltiplas relações familiares.[4]
A Constituição Federal além de ampliar o conceito das famílias existentes nos traz toda uma releitura do sistema jurídico, especificamente, no âmbito do Direito das Famílias. Não podemos mais nos ater ao ramo do direito civil, faz-se necessário que tenhamos a compreensão desse ramo sempre levando em consideração os princípios e os valores que norteiam a Constituição de 1988.
2.2 Família Matrimonializada e a Família Convivencional
Apesar de termos verificado a existência de mais uma outra forma de família a esse trabalho nos ateremos somente a essas duas espécies, quais sejam a matrimonializada e a convivencional.
Não podemos negar que se tratam de duas espécies distintas de família, conforme verificamos, inicialmente pela norma constitucional, e posteriormente pela distinção apresentada no Código Civil, dessa forma, precisamos analisar as características de cada uma delas para podermos verificar em quais momentos elas devem ter o mesmo tratamento e em quais momentos os tratamentos deverão ser diferenciados.
2.2.1 Família matrimonializada
A família matrimonializada nasce com o casamento assim, precisamos compreender o que vem a ser casamento.
Doutrinariamente não há consenso sobre a natureza jurídica do casamento, assim surgem três correntes doutrinárias com o objetivo de explicar a natureza jurídica do casamento, são elas:
a) a concepção clássica ou contratualista ou individualista, que considera o casamento civil como sendo um contrato, cuja validade e eficácia decorreriam exclusivamente da vontade das partes.
b) Por outro lado temos a concepção institucionalista ou supra-individual, para os defensores dessa corrente temos que o casamento é na realidade uma instituição social, já que reflete uma situação jurídica cujos parâmetros foram pré-estabelecidos pelo legislador.
c) Surge ainda uma terceira corrente que entende que o casamento tem como natureza jurídica uma natureza mista ou eclética, já que seria ao mesmo tempo um contrato e uma instituição. Denominados por vários doutrinadores de um Contrato Especial, já que é um contrato no âmbito do direito das famílias com características distintas do direito das obrigações. [5]
Quando analisamos o casamento percebemos a existência de um conjunto de características que lhe é peculiar. Ocorre porém, que doutrinariamente não há um consenso de quais são essas características, sendo externada de forma diferenciada pelos doutrinadores, sendo assim, iremos apresentar a posição de apenas três doutrinadores.
Para Carlos Roberto Gonçalves o casamento apresenta as seguintes características: a) o casamento é um ato solene; b) sendo que as normas jurídicas que o regulamentam é de ordem pública; c) não permite termo ou condição; d) exige a diversidade de sexos; e) estabelece comunhão plena de vida, tendo por base a igualdade entre os cônjuges; f) representa uma união permanente; g) liberdade de escolha do nubente.[6]
Paulo Nader por sua vez, verificando as características do casamento, separa em duas vertentes. A primeira vertente refere-se ao casamento-ato, que apresenta como características: a) ser um ato dos nubentes, b) apresentar diversidade de sexo; c) trata-se de um ato civil; d) ato solene e público. Já para a vertente casamento-estado ou fins do casamento, apresenta como características: a) comunhão de vida ou affectio materialis; b) criação de prole eventual.[7]
Já Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald enunciam as seguintes características do casamento: a) caráter personalíssimo e livre escolha dos nubentes; b) solenidade da celebração; c) diversidade de sexos; d) inadmissibilidade de submissão a termo ou encargo; e) estabelecimento de uma comunhão de vida; f) natureza cogente das normas jurídicas que regulamentam o casamento; g) estrutura monogâmica; h) dissolubilidade, de acordo com a vontade das partes.[8]
Para demonstramos a existência de um casamento teremos que apresentar a prova do casamento e essa é a certidão de registro civil expedida pelo cartório competente, nos moldes do art. 1543 do Código Civil. É a prova direta, porém, pode ocorrer que haja a perda ou falta do registro civil, nesse caso teremos que buscar o parágrafo único desse mesmo artigo que nos permite fazer uma prova indireta, como por exemplo, documentos, testemunhas, fotografias, dentre outras. Nessa segunda hipótese faz-se necessário um procedimento especial de jurisdição voluntária denominada justificação judicial de casamento, que deverá ser ajuizada na vara de família e tem por escopo provar a existência do casamento.
Para que o casamento ocorra, faz-se necessário a processo de habilitação para o casamento, que é um procedimento administrativo, que origina-se por iniciativa dos nubentes, que irá tramitar perante o oficial do cartório do registro civil de pessoas naturais do domicílio de qualquer um dos nubentes, conforme o art. 67 da Lei de Registros Públicos.
Passando pelo processo de habilitação e não apresentando nenhum óbice teremos a celebração do casamento que será realizada no local, dia e hora agendados, sendo o casamento de natureza solene a celebração será revestida de formalidades próprias que se não foram realizadas adequadamente irá acarretar a inexistência do casamento.
Com a ocorrência da celebração do casamento surgem diversos efeitos jurídicos, dentre elas a previsão de que determinados negócios jurídicos, em razão de importar a diminuição do patrimônio familiar, não pode ser dispensada a interferência do outro cônjuge, estamos, assim, diante da outorga uxória ou marital. Assim, com exceção do regime de separação de bens, faz-se necessário a outorga, uxória ou marital, quando versar, de atos de disposição sobre bens imóveis, que abrange tanto a alienação quanto o gravame da propriedade; as ações que versem sobre direitos reais em que um dos cônjuges foi autor ou réu[9]. Figurando no pólo passivo ambos deverão ser citados, figurando no pólo ativo um deverá ser autorizado pelo autor; dentre outras hipóteses legais.
Em decorrência da celebração do casamento temos a alteração do estado civil dos nubentes, agora eles são denominados de casados.
2.2.2 Família Convivencial
A família convivencial decorre da união estável. Vejamos, rapidamente a evolução histórica da união estável após a constituição de 1988:
A primeira legislação que veio regulamentar a norma constitucional referente à união estável decorre da Lei 8.971 de dezembro de 1994 regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, sendo que no seu art.1º. nos traz que:
Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.
Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.
Dois anos depois tivemos a alteração desse conceito com o advento da Lei 9278, de 10 de maio de 1996 veio regular o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
Dentre as inovações podemos verificar que se substitui a denominação ”companheiro” passando a ser utilizado “convivente”. Além disso, apresenta como requisitos para se falar em união estável a convivência familiar duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, que foi estabelecida com o objetivo de constituição de família.
O art. 5º dessa norma determina que os bens, seja móvel ou imóvel, que vierem a ser adquiridos, pelos conviventes ou apenas por um deles, na constância da união estável, passando a pertencer a ambos, salvo se viesse a ser estipulado de outra forma.
Com o advento do Código Civil de 2002, as leis anteriores foram revogadas, haja vista que a união estável foi regulada no Livro de Família nos arts. 1.723 a 1.727 e de forma esparsa em outras partes do novo Código Civil.
Mantendo a idéia da lei 9278/96 não existe uma previsão legal para o período mínio de convivência. Assim, o tempo, mensurado em anos, dias, meses, não é relevante para caracterizar a união estável, mas sim a idéia de ser contínua e duradoura. Como preceitua o art. 1.723 do Código Civil
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Ao contrário do casamento que se estrutura por um ato solene, o formalismo é uma das características da união estável, assim, não depende de nenhuma solenidade.
Para Antonio Carlos Mathias Coltro a união estável surge
A partir do instante em que resolvem seus integrantes iniciar a convivência, como se fossem casados, renovando dia a dia tal conduta, e recheando-a de afinidade e afeição, com vistas à manutenção da intensidade.[10]
Carlos Roberto Gonçalves apresenta os requisitos para a configuração da união estável, dividindo-os em subjetivos e objetivos. Os requisitos de ordem subjetiva são: a) convivência “more uxório”, que é a comunhão de vidas, no sentido material e imaterial, em situação similar à de pessoas casadas e b) “affectio maritalis”, que é o ânimo ou objetivo de constituir família. Já os pressupostos de ordem objetiva são: a) diversidade de sexos; b) Notoriedade; c) Estabilidade ou duração prolongada; d) continuidade; e) inexistência de impedimentos matrimonias; f) relação monogâmica.[11]
Paulo Nader por sua vez entende que os requisitos da união estável são: a) Diversidade de sexos; b) ausência de impedimento matrimonial; c) convivência pública; d) continuidade; e) objetivo: affectio maritalis.[12]
Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald os elementos essenciais para configurar uma união estável, são: a) diversidade de sexos; b) estabilidade; c) publicidade; d) continuidade; e) ausência de impedimentos matrimoniais; f) “animus familiae” que é o intuito de constituir uma família.[13]
Pelos conceitos apresentados, temos que a união estável conforme o art. 1723 do CC fala em diversidade de sexos, ocorre porém que encontra-se tramitando no Supremo Tribunal Federal, a ADPF 178/DF[14], posteriormente convertida em ADI, pleiteando a interpretação extensiva desse artigo para abranger também a união estável entre pessoas do mesmo sexo.
No caso de união estável não há previsão legal de ter um estado civil diferenciado, assim, os conviventes continuam com o estado civil que tinham antes da união estável. Como não há essa alteração, acaba mascarando a situação real do patrimônio dos conviventes.
2.3 Os efeitos patrimoniais na família matrimonializada e na família convivencial
Conforme podemos verificar tanto a família matrimonializada quanto a família convivencial gera efeitos patrimoniais. Assim, ainda que a união estável não se confunda com o casamento, gera um quase casamento na identificação de seus efeitos, dispondo de regras patrimoniais praticamente idênticas.[15]
Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos afirma que
A vida comum, a constituição de uma entidade familiar, exige um esforço conjunto no tocante às despesas da residência comum, à mantença da própria família e ao impulso natural de adquiri patrimônio que assegure melhore condições econômicas para a união que se formou.[16]
Tanto no casamento quanto na união estável existe a liberdade de escolha do regime de bens. No caso do casamento, por meio do pacto antenupcial, pode-se fazer essa escolha e no caso da união estável esta escolha pode ser firmada mediante um contrato de convivência. Na hipótese dos nubentes ou conviventes não se manifestarem, a escolha é determinada pela norma, ou seja, teremos o regime de comunhão parcial de bens, conforme os arts. 1640 e 1725 do Código Civil.
Como regra então, tanto no casamento como na união estável teremos a comunhão parcial de bens, que se encontra previsto nos arts. 1.658 a 1.666 do Código Civil, o que significa dizer que os bens que forem amealhados durante o relacionado são fruto de trabalho comum, passando a pertencer a ambos os cônjuges.
Podemos assim verificar a recente decisão emanada da 3ª. Turma do STJ:
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. ESFORÇO COMUM QUE SE PRESUME.
- Não há ofensa ao Art. 535 do CPC se, embora rejeitados os embargos de declaração, o acórdão recorrido examinou, motivadamente, todas as questões pertinentes.
- É inviável, em sede de recurso especial, o reexame de matéria fática. Incidência da Súmula 7, STJ.
- O regime patrimonial da união estável implica em se reconhecer condomínio com relação aos bens adquiridos por um ou por ambos os companheiros a título oneroso durante o relacionamento, conforme dispõe o art. 5º da Lei n.º 9.278/96.
- A comunicabilidade de bens adquiridos na constância da união estável é regra e, como tal, deve prevalecer sobre as exceções, que merecem interpretação restritiva.
- Deve-se reconhecer a contribuição indireta do companheiro, que consiste no apoio, conforto moral e solidariedade para a formação de uma família. Se a participação de um dos companheiros se resume a isto, ao auxílio imaterial, tal fato não pode ser ignorado pelo direito.
Recurso parcialmente provido.
(STJ – 3ª. Turma – Relatora Ministra Nancy Andrighi – REsp 915297/MG – Julgamento em 13/11/208 publicado DJe 03/03/2009).
Enquanto que quando nos deparamos com o casamento civil quando da compra e venda de bens imóveis faz-se necessário o respectivo registro em nome de ambos os cônjuges, porém, a norma não traz essa previsão expressa quando se refere aos conviventes. Dessa forma, se o imóvel for escriturado em nome de apenas um dos conviventes o documento público é valido, pois não apresenta nenhum vício[17].
Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald não há necessidade de outorga na união estável para a alienação do imóvel adquirido na constância da união estável, bem como para a fiança e o aval. Pelos seguintes argumentos. Em primeiro lugar que a previsão do Código Civil se refere ao casamento, sendo assim, uma norma restritiva de direitos e como tal, precisa de ser expressamente prevista. Em secundo lugar, a união estável refere-se a uma união fática, dessa forma, não poderá produzir efeitos diante de terceiros. E por fim, em terceiro lugar, temos o que proteger o terceiro de boa-fé que adquiriu o bem imóvel, sem ter o conhecimento da união estável, devendo assim ser respeitado o seu direito.[18] Externando assim a posição de Zeno Veloso
No caso de um dos companheiros ter vendido imóvel que era da comunhão, que estava registrado no Registro de Imóveis apenas em seu nome, tendo ele omitido a circunstância de que vivia em união estável, o terceiro de boa-fé que adquiriu o bem não pode ser molestado ou prejudicado, podendo ser invocada, ainda, a teoria da aparência. A questão tem de ser resolvida entre os próprios companheiros, pleiteando o prejudicado, além de outras que forem cabíveis, indenização por perdas e danos.[19]
Para Maria Berenice Dias temos que:
A lei estabelece a necessidade da outorga uxória entre os cônjuges para a prática de atos que possam comprometer o patrimônio comum (CC 1647). Na união estável, nada é referido. Em face da omissão do legislador, não se poderia exigir o consentimento do companheiro para a alienação do patrimônio imobiliário, a concessão de fiança ou aval e a realização de doações. Todavia, como a limitação é imposta pela leia a todo e qualquer regime de bens (exceto ao regime de separação absoluta), não há como afastar a mesma exigência em sede de união estável que vigora o regime de comunhão parcial. Reconhecida a união estável como entidade familiar, é necessário estender-lhe as mesmas limitações, para salvaguardar o patrimônio do casal e proteger terceiros de boa-fé. Assim, também cabe aplicar a Súmula do STJ que proclama a ineficácia total da fiança prestada sem autorização.[20]
Defendemos esse mesmo posicionamento já que o que se visa proteger é o patrimônio familiar independentemente do tipo de família que estamos tratando, ou seja, nesse caso, independe se for uma família matrimonializada ou uma família convivencional.
Entendemos a necessidade que se tem de preservar o terceiro de boa-fé, nas relações negociais, porém, há que se considerar que estamos diante de uma situação que é mais ampla do que o interesse particular de um dos companheiros ou do terceiro. É necessário buscar preservar a família.
2.4 A Confiança no âmbito do Direito das Famílias
Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald a confiança passou a ser um elemento imprescindível da vida social, e dessa forma, também reflete e se torna imprescindível na ordem jurídica.[21] Isso significa dizer que a atividade jurídica protege a confiança que foi depositada na conduta entre os indivíduos.
Dessa forma, a ciência jurídica como um todo, e, portanto o Direito das Famílias, encontram o seu fundamento de validade contemporâneo no proteger das expectativas justas e legítimas recíprocas existentes entre as pessoas.[22]
A confiança encontra assento no solidarismo constitucional, que embora apresente diversas interpretações, conforme Pietro Perlingieri é voltado à proteção da pessoa. Dessa forma a solidariedade é superior ao individualismo, já que não se concebe um interesse superior aquele do pleno desenvolvimento do homem, que constituiu um princípio fundamental de ordem pública. Seguindo assim esse raciocínio, temos que a solidariedade prevista em nossa Carta Magna deve ser entendida como uma referência à igualdade e semelhante dignidade social, instrumentos e resultados da atuação da dignidade social do cidadão.[23]
Dessa feita, esse princípio constitucional estabelece um princípio que passar a nortear tanto a elaboração da legislação e a execução de políticas públicas, mas também, e principalmente para a interpretação e aplicação do direito por todos os membros de nossa sociedade.[24]
Para Rosa Maria Barreto de Andrade Nery para compreendermos o que deve ser a pacificação social e a funcionalização dos direitos faz-se necessário compreender o princípio da solidariedade.[25]
E por fim conclui Giovanni Ettore Nanni,
Uma vez que os seres humanos convivem em sociedade, tal previsão constitucional determina que os interesses pessoais não podem se sobrepor aos da sociedade.
Sendo um princípio constitucional dotado de plena aplicabilidade em todas as relações jurídicas entre particulares e ou com o Estado, a solidariedade, muito mais do que um mero valor simbólico ou de amor ao próximo, não apenas tutela como também impõe conduta às pessoas de agirem em conformidade com os seus ditames.
Isto acarreta a necessidade de o direito assegurar a todos uma existência livre e digna, não apenas no aspecto físico, intelectual, espiritual e material, mas também no negocial e econômico, sem a predominância do interesse meramente individual e sim de inserção no meio social de sua convivência.[26]
No âmbito do direito das famílias o princípio da solidariedade encontra-se consubstanciado na ideia de confiança que é depositada entre os familiares.
A confiança deve ser protegida porque é a base de criação e sustentação de uma família. Como se inicia uma família sem confiar ? Como um dos nubentes pode casar com o outro se não confiar nele ? Não confiar de que os dois estão em sintonia para poder ter uma vida em comum ?
Dessa forma, o conceito de confiança traz novos contornos para os direitos das famílias, já que incide tanto nos aspectos patrimoniais, quanto nos de aspecto pessoal. Buscando assim proteger valores constitucionais, que é a concretização da dignidade da pessoa humana e na solidariedade que deve existir entre as pessoas.
Como no momento em que os envolvidos se propõem a constituir uma família, está sendo depositado no outro uma grande confiança e isso irá repercutir, inclusive, no aspecto patrimonial dos envolvidos. Assim, apesar de não ser uma das características para a existência da família matrimonializada ou da família convivencial não se pode imaginar uma família em que, originalmente, não se estabelece uma ligação com base na confiança.
Dentro dessa percepção da confiança proíbe-se, também, no âmbito familiarista o comportamento contraditório – venire contrafactum propium.
A proibição de comportamento contraditório é uma espécie de abuso de direito, surgindo quando há violação ao princípio da confiança
Tal modalidade do abuso do direito decorre da ofensa ao princípio da confiança. Apesar de não vir de forma expressa em nosso ordenamento jurídico, entende-se que é possível ser aplicado no direito brasileiro. Na lição de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, temos de
A teoria dos atos próprios, ou a proibição de venire contra factum proprium protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. Aquele que vende um estabelecimento comercial e auxilia, por alguns dias, o novo comerciante, inclusive preenchendo pedidos e novas encomendas, fornecendo o seu próprio número de inscrição fiscal, não pode depois cancelar tais pedidos, sob alegação de uso indevido de sua inscrição. O credor que concordou, durante a execução do contrato de prestações periódicas, com o pagamento em lugar ou tempo diverso do convencionado não pode surpreender o devedor com a exigência literal do contrato. Para o reconhecimento da proibição, é preciso que haja univocidade de comportamento do credor e real consciência do devedor quanto à conduta esperada.
Renan Lotufo, analisando a teoria do venire, entende que aquele que adere a uma determinada forma de proceder, de agir, não poderá opor-se às conseqüências que irão acontecer em razão daquela opção, em razão das expectativas que irão surgir na outra parte que, de boa-fé, acredita que irão surtir os efeitos esperados.
O que temos é a vedação a um comportamento contraditório já que produziu em outra pessoa determinada expectativa e, de repente, “mudou de idéia”. Assim é a proibição da inesperada mudança de comportamento (vedação da incoerência), contradizendo uma conduta anterior adotada pela mesma pessoa, frustrando as expectativas de terceiro. Ou seja, ninguém pode se opor a fato a que ele próprio deu causa.
Essa modalidade de ato abusivo pode decorrer tanto de um comportamento comissivo quanto de um comportamento omissivo. Na visão de Marcelo Colombelli Mezzomo, temos que o venire contra factum proprium decorre do comportamento anterior que gera expectativa na outra parte a qual é frustrada em razão de um comportamento que é contrário ao que se tinha até então.
O comportamento anterior gera expectativa na outra parte a qual é frustrada pela ação do contratante que antagoniza seu anterior posicionamento. A proibição relaciona-se á confiança recíproca,o que nos é lembrado por Judidth Martins Costa, in verbis:
"A proibição de toda e qualquer conduta contraditória seria, mais do que uma abstração, um castigo. Estar-se-ia a enrijecer todas as potencialidades da surpresa, do inesperado e do imprevisto na vida humana. Portanto, o princípio que o proíbe como contrário ao interesse digno da tutela jurídica é o comportamento contraditório que mine a relação de confiança recíproca minimamente necessária para o bom desenvolvimento do tráfego negocial"[27]
Então temos que o abuso do direito decorre de um comportamento contraditório, e no caso específico, ofendendo o princípio da confiança que é a fase para a constituição de uma família.
Outras variantes do abuso do direito são a supressio, a surrectio e o tu quoque. Todas podendo, infelizmente, atingir o direito das famílias.
Dessa forma, mais do que proteger os interesses individuais, o princípio constitucional da solidariedade, visa proteger a sociedade, sendo assim, presume-se que ao interpretar uma norma devemos buscar extrair o seu significado conforme os preceitos constitucionais e em específico com o princípio constitucional da solidariedade.
3. Qual o entendimento mais adequado do processo nos dias atuais ?
A natureza jurídica do processo já passou por diversos entendimentos, desde que se tratava de um mero contrato, até visto como instituição social.
Porém, hoje compreendemos o processo como uma relação jurídica, posição adotada pela maioria dos doutrinadores pátrios, porém alguns doutrinadores continuam percebendo que falta mais alguma coisa, já que a concepção de relação jurídica processual nada menciona o conteúdo do processo. Dessa forma, o processo poderia se ater a qualquer fim.
Demonstrando o seu inconformismo com esse posicionamento Luiz Guilherme Marinoni assim se manifesta
Tal relação jurídica pode servir a qualquer Estado e a qualquer fim. Daí a sua evidente inadequação quando se pretende explicar o processo diante do Estado constitucional e dos direitos fundamentais.
(...)
O processo é um procedimento, no sentido de instrumento, módulo legal ou conduto com o qual se pretende alcançar um fim, legitimar uma atividade e viabilizar uma atuação. O processo é o instrumento através do qual a jurisdição tutela os direitos na dimensão da Constituição. É módulo legal que legitima a atividade jurisdicional e, atrelado à participação, colabora para a legitimidade da decisão. É a via que garante o acesso de todos ao Poder Judiciário e, além disso, é o conduto para a participação popular no poder e na reivindicação da concretização e da proteção dos direitos fundamentais. Por tudo isso o procedimento tem de ser, em si mesmo, legítimo, isto é, capaz de atender às situações substanciais carentes de tutela e estar de pleno acordo, em seus cortes quanto à discussão do direito material, com os direitos fundamentais materiais.[28]
Seguindo esse pensamento de Luiz Guilherme Marinoni temos que além de verificar a existência da relação jurídica processual, o processo deverá estar em consonância com os fins que se deseja e para tanto encontramos alguns parâmetros já estabelecidos em nossa Carta Magna e pelo nosso Código de Processo Civil, que iremos analisar a seguir:
3.1. Parâmetro Constitucional: Princípio da Solidariedade
Para Brunela Vieira de Vincenzi encontra-se inserido no inciso I do art. 3º de nossa Carta Magna o fundamento constitucional da proteção da boa-fé objetiva.[29] Dessa forma, é objetivo da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Portanto, há um dever fundamental de solidariedade, da qual decorre o dever de não quebrar a confiança e de não agir com deslealdade. Seguindo essa mesma linha de raciocínio, essa cláusula geral de boa-fé é uma forma de concretizar a proteção constitucional da dignidade da pessoa humana.[30] [31]
Conforme Paulo Lobo
A solidariedade, concebida como diretriz geral de conduta, no direito brasileiro, apenas com a Constituição de 1988 inscreveu-se como princípio jurídico. Para Paulo Bonavides, o princípio da solidariedade serve como oxigênio da Constituição não apenas dela, dizemos, pois, a partir dela se espraia todo ordenamento jurídico -, conferindo unidade de sentido e auferindo a valoração da ordem normativa constitucional.(...)
A Constituição e o direito de família brasileiros estão integrados pela onipresença dos dois princípios fundamentais e estruturantes: a dignidade da pessoa humana e a solidariedade. (...) São os dois hemisférios indissociáveis do núcleo essencial irredutível da organização social, política e cultural do ordenamento jurídico brasileiro. De um lado, o valor da pessoa humana enquanto tal, e os deveres de todos para com sua realização existencial, nomeadamente do grupo familiar; de outro lado, os deveres de cada pessoa humana com as demais, na construção harmônica de suas dignidades.
O macroprincípio da solidariedade perpassa transversalmente os princípios gerais do direito de família, sem o qual não teriam o colorido que os destacam, a saber, o princípio da convivência familiar, o princípio da afetividade, o princípio do melhor interesse da criança. (...)
O princípio jurídico da solidariedade resulta da superação do individualismo jurídico, que por sua vez é a superação do modo de pensar e viver em sociedade a partir dos interesses individuais, (...)
A regra matriz do princípio da solidariedade é o inciso I do art. 3º. Da Constituição. No capítulo destinado à família, o princípio é revelado incisivamente no dever imposta à sociedade, ao Estado e à família (como entidade e na pessoa de cada membro) de proteção ao grupo familiar (art. 226), à criança e ao adolescente (art. 227) e às pessoas idosas (art. 230).
A solidariedade familiar é fato e direito: realidade e norma. No plano fático, as pessoas convivem, no ambiente familiar, não por submissão a um poder incontrariável, mas porque compartilham afetos e responsabilidades. No plano jurídico, os deveres de cada um para com os outros impuseram a definição de novos direitos e deveres jurídicos, inclusive na legislação infraconstitucional (...)
O princípio da solidariedade, no plano das famílias, apresenta duas dimensões: a primeira, no âmbito interno das relações familiares, em razão do respeito recíproco e dos deveres de cooperação entre seus membros; e a segunda, nas relações do grupo familiar com a comunidade, com as demais pessoas e com o meio ambiente em que vive. (...)[32]
Percebemos pelo discurso de Paulo Lôbo que o princípio da solidariedade constitucional, visa não só ver o individual, mas sim os integrantes da coletividade, e esse princípio constitucional, atinge diversas áreas, e como o nosso trabalho visa sobre o âmbito familiar, verificamos que em sua visão, o princípio da solidariedade familiar apresenta uma dupla vertente, no plano interno familiar, determinando o respeito recíproco e no plano externo que se refere à relação da família com os demais entes da comunidade.
3.2. Parâmetro Processual: Princípio da Lealdade Processual
Explicando o princípio da lealdade processual Moacyr Amaral Santos nos traz que:
Sujeitos da relação processual, da qual é figura central o juiz, as partes visam deste uma providência que componha, segundo o direito, o conflito de interesses em que se encontram. Assim, quer nas suas afirmações, quer nas suas atividades, que se dirigem todas ao juiz e tem por finalidade a composição da lide com justiças, as partes devem proceder de boa-fé, não só nas suas relações recíprocas, como em relação ao órgão jurisdicional. Se, por um lado, cumpre-lhes dizer a verdade, por outro, suas atividades, no processo, insta sejam exercidas com moralidade e probidade, dirigidas por espírito de colaboração com o juiz na justa composição da lide. Poderíamos dizer, com o Código de Processo Civil italiano, art. 88, que “as partes e seus defensores têm o dever de comportar-se em juízo com lealdade e probidade”.[33]
As partes quando estão em juízo defendem os seus interesses privados, mas estes não podem sobrepor-se ao interesse estatal, cujo objetivo maior é o de buscar a pacificação social, mediante a justa composição do litígio e a prevalência da ordem jurídica. Dessa forma, há importante interesse público no processo. Como tanto o Estado quanto a sociedade se mostram empenhados em fazer com que o processo seja eficaz temos uma grande preocupação com as normas processuais para que elas estejam conforme os princípios, e especificamente, no caso em tela, o princípio da lealdade processual. Assim, temos: A lealdade processual é conseqüência da boa-fé no processo e exclui a fraude processual, os recursos torcidos, a prova deformada, as imoralidades de toda ordem.[34]
Para Cássio Bueno Scarpinella temos que
O “princípio da lealdade” significa que a atuação de todos os sujeitos do processo, sempre entendida a expressão na sua forma mais amplia de qualquer partícipe do processo, deve ser pautada nas noções de boa-fé, probidade e eticidade. (...)
É importante, contudo, ir além da previsão legislativa. Ainda mais porque os demais incisos do art. 14 e os arts. 15 a 18 buscam descrever alguns comportamentos que são repudiados no plano processual. O rol referido no precitado inciso II, por isto mesmo, é claramente exemplificativo. (...)
O próprio Código de Processo Civil prevê outros comportamentos que também repudia e que bem se amoldam ao princípio ora tratado. Assim, por exemplo, quando o art. 600 descreve atos que considera “atentatórios à dignidade da justiça”. De forma bem ampla, por sua vez, o art. 125, III, impõe como dever do magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça”.[35]
Alguns doutrinadores, dentre eles Joan Pico I Junoy se posicionam no sentido de que o princípio da boa-fé processual, está inserido dentro do princípio do devido processo legal.[36]
No Recurso Extraordinário 464.963-2/GO tendo como Relator o Ministro Gilmar Mendes, com publicação no DJ de 30/06/2006 temos o seguinte entendimento:
O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processo jurisdicionais e administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecias, e, além disso representa uma exigência de fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais.
A máxima do fair trial é uma das faces do princípio do devido processo legal positivado na Constituição de 1988, a qual assegura um modelo garantista de jurisdição, voltado para a proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos, e que depende, para seu pleno funcionamento, da boa-fé, e lealdade dos sujeitos que dele participam, condição indispensável para a correção e legitimidade do conjunto de atos, relações e processos jurisdicionais e administrativos.
Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção alargado, que exige o fair trial não apenas dentre aqueles que fazem parte da relação processual, ou que atual diretamente no processo, mas de todo o aparato jurisdicional, (...)
Por essa visão, o princípio do devido processo legal assegura a todos uma participação justa e leal, sempre orientado pela boa-fé e ética dos sujeitos processuais.
Além, dessa decisão, trazemos a cotejo a decisão proferida no AI 567171 AgR-ED-EDv-ED/ SE, tendo como relator o Ministro Celso de Mello, decisão proferida pelo Tribunal Pleno com o julgamento ocorrido em 03 de dezembro de 2008.
E M E N T A: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - RECURSO MANIFESTAMENTE INFUNDADO - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA À PARTE RECORRENTE (CPC, ART. 557, § 2º) - PRÉVIO DEPÓSITO DO VALOR DA MULTA COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DE NOVOS RECURSOS - VALOR DA MULTA NÃO DEPOSITADO - DEVOLUÇÃO IMEDIATA DOS AUTOS, INDEPENDENTEMENTE DA PUBLICAÇÃO DO RESPECTIVO ACÓRDÃO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS. MULTA E ABUSO DO DIREITO DE RECORRER.
- A possibilidade de imposição de multa, quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, encontra fundamento em razões de caráter ético-jurídico, pois, além de privilegiar o postulado da lealdade processual, busca imprimir maior celeridade ao processo de administração da justiça, atribuindo-lhe um coeficiente de maior racionalidade, em ordem a conferir efetividade à resposta jurisdicional do Estado. A multa a que se refere o art. 557, § 2º, do CPC, possui inquestionável função inibitória, eis que visa a impedir, nas hipóteses referidas nesse preceito legal, o exercício irresponsável do direito de recorrer, neutralizando, dessa maneira, a atuação processual do "improbus litigator".
O EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER E A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. - O ordenamento jurídico brasileiro repele práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual. O processo não pode ser manipulado para viabilizar o abuso de direito, pois essa é uma idéia que se revela frontalmente contrária ao dever de probidade que se impõe à observância das partes. O litigante de má-fé - trate-se de parte pública ou de parte privada - deve ter a sua conduta sumariamente repelida pela atuação jurisdicional dos juízes e dos tribunais, que não podem tolerar o abuso processual como prática descaracterizadora da essência ética do processo. (...)
Vejamos algumas posições das turmas do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL INFUNDADO - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - ALTERAÇÃO DA VERDADE - MULTAS - CPC, ARTS. 545 c/c 557, § 2º; e 18.
- É infundado o recurso do art. 545 do CPC dissociado das razões do agravo de instrumento anteriormente inadmitido.
- Litiga de má-fé a parte que, ferindo o princípio da lealdade processual, altera a verdade dos fatos, pelo que cabível a multa prevista no art. 18 do CPC.
- Agravo regimental improvido, aplicando-se ao agravante, cumulativamente, multas nos percentuais de 5% (cinco por cento), por litigância de má-fé, e 1% (um por cento), por protelação, ambas sobre o valor atualizado da causa, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao prévio recolhimento. (STJ – 2ª Turma – Ministro Relator Francisco Peçanha Martins – AGRg no Ag 670727-PE – Julgamento 06/12/2005)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTO NA ALINEA "A" DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. QUESTÃO NOVA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. FUNDAMENTO NA ALINEA "C" DO AUTORIZATIVO CONSTITUCIONAL. LITIGANCIA DE MA-FE. CONDENAÇÃO DE OFICIO. EXEGESE DO ART. 18, "CAPUT" (ANTIGO), E DO ART. 125, III, AMBOS DO CPC. PRECEDENTES. RECURSO NÃO CONHECIDO PELA ALINEA "A" E IMPROVIDO PELA ALINEA "C".
I - o recurso especial só prospera, com fulcro na alínea "a", se a materia juridica tiver sido debatida na instancia ordinária. Exige-se a interposição de embargos de declaração, para fins de prequestionamento, embora a alegada ofensa ao dispositivo legal tenha surgido apenas no acórdão recorrido. Para que o stj conheça do recurso especial e necessário que a questão federal nova tenha sido tratada no aresto guerreado.
II - O magistrado pode aplicar de oficio, no próprio processo em que constatou a litigância de má-fé, a pena pecuniária do antigo "caput" do art. 18 do CPC.
III - O processo moderno, alem de prestigiar o principio da lealdade processual, tem caráter preponderantemente público, cabendo ao magistrado prevenir e reprimir qualquer ato contrario a dignidade e a administração da justiça (art. 125, III, CPC).
IV - precedentes da corte: ERESP N. 36.718-0/RS, RESP N. 17.608-0/SP E RESP N. 23.384-0/RJ.
V - recurso especial não conhecido pela alínea "a" do permissivo constitucional. Conhecido pela alínea "c", mas improvido. (STJ – 6ª Turma – Ministro Relator Adhemar Maciel – REsp 36996-SP).
3.3. Parâmetro Processual: Princípio da Adequação.
Quando analisamos o processo civil verificamos que um dos princípios que o rege é o princípio da adequação. Esse princípio, num primeiro momento refere-se à obrigação do legislador criar normas processuais que sejam adequadas, compatíveis com o processo, não basta, portanto, que ela seja formalmente devida.
Mas, a que a norma processual deve ser adequada ?
Na visão do mestre Galeno Lacerda, a adequação ocorre em três esferas: Esfera objetiva, esfera subjetiva e esfera teleológica. [37]
Na esfera objetiva temos que o processo tem que ser adequado aos direitos por ele tutelado, assim, não pode dar o mesmo procedimento processual quando se depara com direitos diferenciados.
Por sua vez, a adequação subjetiva decorre de que as normas processuais devem estar em conformidade aos sujeitos que dela irão se utilizar, assim, faz-se necessário adequar aos envolvidos nos processo. Como exemplo podemos citar a nova alteração processual, que determina prioridade nos processos envolvendo idosos, pessoas portadoras de deficiência ou acometidas de doenças graves. Seguimos assim, a idéia de tratar os iguais de forma igual e os diferentes de forma diferente, é a aplicação do princípio da igualdade em nosso processo.
Já a adequação teleológica refere-se ao fato de que a norma processual deve estar em conformidade com o objetivo para qual ela foi criada. Assim, faz-se necessário verificar qual o escopo de cada norma para verificar se no caso concreto ele está sendo cumprido.
Inicialmente esse princípio somente era direcionado para o legislador, ocorre que com a nova visão processualista, verificamos que ela também se dirige o magistrado, quando diante do caso concreto precisa adequar as normas processuais. Apesar da legislação pátria não se manifestar a cerca desse princípio, podemos encontrá-lo codificado em outras legislações como por exemplo, no caso do Código de Processo Português, conforme o art. 265-A[38].
4. Direito Processual Civil: Inteligência do art. 10 do CPC
Com o nascimento da Constituição de 1988, estamos buscando compreendê-la e assim podermos compreender o novo sistema jurídico que se instaurou com ela. Nesse período de cerca de vinte anos, estamos aprendendo com a interpretar a nossa Carta Magna, e, por conseguinte precisamos reaprender todo o sistema jurídico que existia.
O Código de Processo Civil e as demais normas processuais precisam ser relidas sobre essa nova ótica que traz conceitos e princípios que não existiam até então.
Precisamos reler o sistema processual tomando com ponto de partida os princípios constitucionais, os quais irão nos nortear em nossa caminhada pelo universo processual que até então era conhecido, mas que precisa ser reaprendido sobre o prisma constitucional.
Iniciar essa jornada não é fácil. Abandonar uma posição confortável a ter que reaprender sob um novo ângulo é capaz de deixar muitas pessoas extremamente ressabiadas. Mas o direito é exatamente essa constante inovação, constante mutação; ele acompanha a sociedade e a sociedade acompanha o direito. E assim, iremos sempre nos renovando...
Para compreendermos o novo sistema processual, que tem a cara do velho, mas precisa ser lido sempre levando em consideração a nossa Carta Magna, não é fácil. Às vezes, assusta.
Mas é preciso continuar nessa jornada, sendo assim, espera-se que se compreenda o processo sob o olhar constitucional, e em específico iremos abordar o artigo 10 do Código de Processo Civil.
4.1. Capacidade Processual do Cônjuge
Com o fim da situação jurídica de pessoa relativamente incapaz da mulher casada, esta passou a uma posição de independência da mesma forma como o marido[39]. Como regra as pessoas casadas possuem capacidade processual plena, não sendo assim necessário o consentimento ou autorização do outro cônjuge para se manifestarem judicialmente, porém o artigo 10 do Código de Processo Civil nos traz algumas exceções. E essas exceções, pelo princípio da igualdade, referem-se a ambos os cônjuges, tanto o marido quanto a esposa.
Art. 10. O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários.
§ 1o Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações:
I - que versem sobre direitos reais imobiliários;
II - resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles;
III - fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto do trabalho da mulher ou os seus bens reservados;
IV - que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges.
§ 2o Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticados.
Esse artigo regula a legitimidade da causa para as pessoas casadas, conforme o caso tratando da legitimidade ativa e passiva.
Percebe-se pela leitura do caput desse artigo que a legitimatio ad causam ativa do cônjuge refere-se às ações que versam sobre direitos reais imobiliários. Nesse caso não se exige a formação de litisconsórcio necessário, basta que haja o consentimento. Para Marcelo Abelha Rodrigues a terminologia adequada quando nos deparamos com essa possibilidade deve ser denominada de integração de capacidade.[40] Humberto Theodoro Jr., afirma que a “outorga do outro cônjuge é integrativa da capacidade processual; por isso, a sua falta, desde que não suprida pelo juiz, invalida o processo”[41]
Diante da recusa sem fundamentação ou outros motivos diversos, o Código de Processo Civil, permite que esse consentimento seja suprido judicialmente e para tanto se faz necessário observar o procedimento da jurisdição voluntária.
Já no art. 10, § 1º do CPC iremos nos deparar com a capacidade processual passiva. Nesse caso teremos um litisconsórcio passivo necessário, que a sua inobservância nos levará à uma nulidade processual. Assim, o juiz tem o poder de determinar a citação do cônjuge, mesmo quando a petição inicial foi omissa, cabendo ao autor promovê-la no prazo determinado sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito.[42]
Dessa forma temos que, nas causas que tem por causa de pedir um direito real imobiliário, os Cônjuges, como réus, são litisconsórcio necessário, como autores, não há litisconsórcio necessário. Há necessidade de consentimento do outro cônjuge: outorga marital ou uxória.[43]
Quando nos deparamos com dívidas contraídas apenas por um dos cônjuges, o litisconsórcio se torna necessário quando o autor tem a pretensão de ver reconhecida a responsabilidade patrimonial sobre os bens de ambos os cônjuges. Essa hipótese decorre da previsão legal contida no art. 1.643 do Código Civil, já que os cônjuges respondem solidariamente, mesmo quando foi firmada por apenas um deles, conforme o art. 1644 do Código Civil.[44]
4.2. O artigo 10 do CPC – O que ele visa proteger ?
Pela leitura desse artigo verificamos que se aplica aos cônjuges, ou seja, àqueles oriundos da família matrimonializada. Vários doutrinadores se posicionam no sentido de que esse artigo somente se aplica aos casados, não podendo então ser aplicado para aqueles que vivem em união estável.
Para Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero não podemos fazer uma interpretação extensiva dessa norma, sendo assim, ela não pode ser aplicada à união estável.[45] Também é esse o entendimento de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery quando afirmam que
A norma incide apenas sobre pessoas casadas. Havendo sociedade de fato ou relação concubinária, não há necessidade de autorização do sócio ou do companheiro para o ajuizamento da ação real.[46]
Porém, em sentido contrário, temos a posição externada de Misael Montenegro Filho que assim se manifesta:
Citação da (o) companheira (o) da (o) réu: Embora a lei só se refira à necessidade de citação do cônjuge do réu, entendemos que a norma deve ser ampliada, em termos de interpretação, para prever a necessidade de citação do companheiro ou da companheira da(o) ré(u), em decorrência da equiparação da união estável ao casamento, para os fins civis (§ 3º do art. 226 da CF e art. 1.723 do CC). O comentário é limitado à hipótese em que a demanda se refere a bem imóvel adquirido na constância da união estável, que se comunica entre os companheiros (art. 1.725 do CC), salvo disposição contratual em contrário, evidenciando o interesse e a legitimidade do consorte para participar do processo.[47]
Para compreendermos qual dos dois posicionamentos é o mais adequado devemos nos questionar em primeiro lugar qual o objetivo desse artigo, o que ele visa proteger ?
Quando observamos o caput do referido artigo verificamos que ele prevê restrições ao direito de ação para as pessoas casadas quando a ação se referir a direitos reais imobiliários. Sendo que para Araken de Assis essa determinação é ampla, já que “além das ações diretamente relacionadas aos direitos reais catalogados, quaisquer outras, ainda que indiretamente relacionadas com aqueles direitos.”[48]
Quando verificamos seus parágrafos percebemos que a necessidade de citação do cônjuge decorre de que em todas as hipóteses é possível que o patrimônio familiar sofra algum prejuízo, logo, com o intuito de proteger a família criou-se essa proteção processual.
Sendo esse o objetivo do legislador, não podemos assim, ficar insensíveis às questões das diversas famílias existentes, dessa forma, quando se trata de proteger a família, deve proteger não só a família matrimonializada, mas também a família oriunda da união estável. Deixar de fazer essa interpretação é deixar de compreender a própria essência do artigo em comento.
5. Conclusão
Quando da construção da idéia de família percebemos claramente o elemento da confiança como sendo inerente à ela, tanto para a constituição quanto para a permanência dessa instituição. Essa confiança traduz-se pelo Princípio da Solidariedade, que se encontra inserido em nossa Carta Magna.
Ainda analisando a família percebemos que a nossa sociedade valoriza e precisa preservá-la até mesmo para se manter já que consideramos a família a célula-mater da sociedade. E essa importância reflete em nossa Constituição Federal que traz uma proteção especial à família.
Dentro dessa leitura constitucional, precisamos proteger a família, precisamos então levar essa leitura para o sistema infraconstitucional também. Logo, não podemos deixar de lado as questões processuais que são referentes à família, e assim, também no âmbito processual é preciso levar essa proteção constitucional.
Percebendo essa estrutura verificamos que faz-se necessário fazer uma interpretação extensiva do art. 10 do Código de Processo Civil para compreender que também há necessidade de preservar a família convivencional, não somente a família matrimonializada.
Assim, ao perceber essa necessidade, verificamos que diante de ações que versem sobre direitos reais imobiliários, para que o companheiro (a) possa ingressar em juízo deverá ter o consentimento do outro. E quando o autor ajuizar com uma das ações constantes nas hipóteses dos parágrafos do art. 10 do CPC, o réu, vivendo em união estável deverá informar no processo.
E essa obrigação decorre do princípio da lealdade processual, que é um dos princípios pilares do processo civil, já que todos aqueles que atuam no processo não deverá atual com honestidade e com lealdade sem criar obstáculos que venha a prejudicar o processo. Entre os deveres das partes e de todos aqueles que atuam no processo temos a obrigação de expor os fatos em juízo conforme a verdade.
Dessa forma, aquele companheiro (a) que não informa que está vivendo uma união estável, está afrontando o artigo 14 do Código de Processo Civil. Entendemos assim, que ele tem a obrigação de informar a existência da união estável, já que o resultado do processo pode atingir o patrimônio do casal, prejudicando assim a companheira (o).
Quando deixamos de chamar o convivente para tomar ciência do processo, e conforme o caso, ingressar como litisconsórcio passivo incentivamos o desrespeito à lealdade processual, já que contribuímos para que o companheiro precise ingressar em juízo para ter o que desde o começo ele tinha direito.
Caso não façamos essa leitura, estamos deixando desprotegida a família e o seu patrimônio. Se toda a nossa construção é em busca de proteção e preservação da família, nada mais adequado e correto do que preservar o patrimônio, assim, é natural que o companheiro(a) venha a participar do processo que possa a vir afetar os seus bens.
Infelizmente, o estado civil: companheiro, ainda não existe, mas ser companheiro acarreta consequências que não pode ser ignoradas. Assim, um companheiro, pelo princípio da solidariedade tem que informar o outro sobre o processo. Ser companheiro, ter uma união estável, gera consequências patrimoniais, conforme previsto no Código Civil, desta feita tanto o réu quanto o autor passa a ter o dever de informar a existência da união estável no processo, conforme o princípio da lealdade processual.
Caso o companheiro, excluído do processo, venha a ter prejuízos, existem mecanismos para que ele busque compensar esse prejuízo. Só que essa linha de pensamento nos leva a uma sobrecarga processual, a um aumento de número de processos, desnecessários, e que muitas das vezes, torna-se infrutífero o resultado.
Contribuir para aumentar o número de processos, não é a visão que temos hoje de nosso sistema normativo, ao contrário, buscamos desafogar o Judiciário e não inundá-lo de diversas ações que poderiam ser evitadas, simplesmente com a informação da existência de uma união estável.
Quando assoberbamos o Judiciário com ações dessa forma, acabamos dificultando o trâmite natural dos processos, já que o quantitativo de processos aumento, sendo assim, acabamos esbarrando no princípio constitucional da celeridade ou brevidade processual. Que nos protege contra dilações indevidas. Essas dilações não são só endoprocessual, mas precisam ser evitadas as dilações indevidas extra-processuais.
Diante dos argumentos ora apresentados, verificamos que quem vive em união estável tem a obrigação de comunicar a existência dela e ainda, quando nos deparamos com o artigo 10 do Código de Processo Civil, deve-se proteger tanto a família matrimonializada quanto a família convivencional.
Para a preservação dos princípios da adequação da solidariedade e da lealdade processual temos que:
Pelo Princípio da adequação deve o magistrado adequar a norma contida no art. 10 do Código de Processo Civil e assim, analisando o caso concreto abranger também a união estável, já que o escopo dessa norma é proteger a família e uma das formas de família existente é a família convivencial.
Já para aqueles que vivenciam uma situação de união estável, pelo princípio da solidariedade, da confiança para com o seu companheiro(a), deve informar ao outro a existência do processo. E pelo princípio da lealdade processual, deve informar a existência da união estável no processo.
[1]Texto elaborado em agosto de 2009.
[2] O presente artigo foi concebido antes da decisão da ADPF 178/DF transformada em ADI proposta pela PGR que questiona a união estável ser somente entre homem e mulher, pleiteando assim a interpretação extensiva ao art. 1723 para abarcar também a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Para o presente texto portanto, não faz diferença se a união estável corre somente entre homem e mulher, como é o atual entendimento, ou se abarca também a união estável entre pessoas do mesmo sexo. O que importa para o presente estudo é a distinção entre família matrimonializada e a família convivencial. Se ela existe e quais as consequências diante do art. 10 do Código de Processo Civil.
[3] De Plácido e Silva. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 350.
[4] BELLUSCIO, Augusto César. Manual de Derecho de Família, p. 23. apud FARIAS, Cristiano Chaves de. E ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2008, p. 12.
[5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Vol. VI. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 24-27.
[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 27-29.
[7] NADER, Paulo. Curso de direito civil – direito de família. Vol. 5. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 51-55.
[8] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2008, p. 100.
[9] WALD, Arnoldo e FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Direito Civil. Direito de Família. Vol. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 136.
[10] COLTRO, Antonio Carlos Mathias. A união estável: um conceito?, in Direito de família – aspectos constitucionais, civis e processuais. V. 2, p. 37 APUD GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 539.
[11] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p.538-549.
[12] NADER, Paulo. Curso de direito civil – direito de família. Vol. 5. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 474-478.
[13] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2008, p. 392.
[14] Ação ajuizada em julho de 2009 pela Procuradoria-Geral da República.
[15] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, 169.
[16] VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Tutela de urgência nas uniões estáveis Curitiba: editora Juruá, 2001, p. 53.
[17] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, 171.
[18] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2008, p. 413-414.
[19] VENOSO, Zeno. Código Civil Comentado, p. 144-145. APUD FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2008, p. 414.
[20] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 172.
[21] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2008, p.65.
[22] MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor, p. 32.
[23] PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità constituzionale, p. 168-169 APUD NANNI, Giovanni Ettore. Abuso de direito. In Teoria Geral do Direito Civil Coords, Renan Lotufo e Giovanni Ettore Nanni, São Paulo: Editora Atlas: 2008, p. 743.
[24] MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade, http://www.idcivil.com.br/pdf/biblioteca9.pdf. Acesso em 24 de julho de 2009.
[25] NERY, Rosa Maria Barreto de Andrade. Apontamentos sobre o princípio da solidariedade no sistema de direito privado, p. 70. APUD NANNI, Giovanni Ettore. Abuso de direito. In Teoria Geral do Direito Civil Coords, Renan Lotufo e Giovanni Ettore Nanni, São Paulo: Editora Atlas: 2008, p. 743.
[26] NANNI, Giovanni Ettore. Abuso de direito. In Teoria Geral do Direito Civil Coords, Renan Lotufo e Giovanni Ettore Nanni, São Paulo: Editora Atlas: 2008, p. 744.
[27] VILAS-BÔAS, Renata Malta. A Forma de Efetivação do Princípio da Celeridade mediante a coibição do Abuso Processual Consilium - Revista Eletrônica de Direito, Brasília n.3, v.1 jan/abr de 2009. http://www.unieuro.edu.br/downloads_2005/consilium_03_24.pdf Acesso em 24 de julho de 2009.
[28] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 477-478.
[29] VICENZI, Brunela Vieira de. A boa-fé no processo civil. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 163.
[30] CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Litigância de má-fé, abuso do direito de acção e culpa inagendo. Coimbra: Editora Almedina, 2006, p. 51.
[31] DIDER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1. Bahia: Editora Juspidvm, 2009, p. 48.
[32] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio da solidariedade familiar. http://www.ibdfam.org.br/anais_download.php?a=78. Anais do VI Congresso Brasileiro do Direito de Família. Acesso em 01 de agosto de 2009.
[33] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. Vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 78-79.
[34] THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 30.
[35] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol. 1. São Paulo: editora Saraiva, 2008, p. 505-506.
[36] JUNOY, Joan Pico i El devido processo leal, p. 345 e segs. In DIDER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1. Bahia: Editora Juspidvm, 2009, p. 49.
[37] DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza. Sobre dois importantes (e esquecidos) princípios do processo: adequação e adaptabilidade do procedimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2986>. Acesso em: 01 ago. 2009.
[38] Código de Processo Português – Art.265-A.
1 - Quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz, oficiosamente e com o acordo das partes, adaptar o processado.
2 - Na execução da atribuição referida no número anterior, determina o juiz a realização dos actos que melhor se adeqúem ao apuramento da verdade e acerto da decisão, prescindindo dos que se revelem manifestamente inidóneos para o fim do processo.
[39] THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p.84.
[40] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 168.
[41] THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p.84.
[42] THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p.85.
[43] DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil . Vol. 1 Tomo 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 187.
[44] Art. 1.643. Podem os cônjuges, independentemente de autorização um do outro:
I - comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica;
II - obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir.
Art. 1.644. As dívidas contraídas para os fins do artigo antecedente obrigam solidariamente ambos os cônjuges.
[45] MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 106.
[46] NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 196.
[47] MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de Processo civil – comentado e interpretado. São Paulo: Editora Atlas, 2008, p. 46.
[48] ASSIS, Araken de. Suprimento da incapacidade processual e da incapacidade postulatória. Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001, p. 127.
Advogada. Mestre em Direito pela UFPE. Professora na Graduação e na Pós-graduação de disciplinas tais como: Teoria Geral do Processo, Direito Processual, Introdução ao Estudo do Direito, dentre outras. Ex-Diretora do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RENATA MALTA VILAS-BôAS, . A necessidade de uma interpretação extensiva do art. 10 do Código de Processo Civil para abranger além da família matrimonializada a família convivencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2009, 07:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/18030/a-necessidade-de-uma-interpretacao-extensiva-do-art-10-do-codigo-de-processo-civil-para-abranger-alem-da-familia-matrimonializada-a-familia-convivencial. Acesso em: 27 dez 2024.
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