Co-autora: CAROLINE MEIRELES ROQUE - Advogada, pós-graduada em Direito Processual Civil. Consultora Jurídica de empresas do mercado imobiliário. Associada ao escritório Schneider Advogados Associados (www.schneiderassociados.com.br). Membro da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário – ABAMI.
RESUMO: O presente trabalho visa verificar a utilidade e legalidade da possibilidade de penhora de bem de família de quem presta fiança para a locação de imóvel urbano, prevista no prevista no inciso VII do art. 3º da Lei Federal nº 8.009 de 1990. Analisando, para tanto, a legislação, jurisprudência e doutrina correlacionadas ao tema, além de refletir sobre o Projeto de Lei Federal nº 6.413 de 2009, que visa impossibilitar esse tipo de penhora.
PALAVRAS-CHAVE: BEM DE FAMÍLIA – FIADOR – LOCAÇÃO – IMÓVEL - PENHORA
SUMÁRIO: 1. Introdução. – 2. A fiança como garantia do contrato de locação. – 3. A regra de impenhorabilidade do bem de família e a exceção da fiança locatícia. – 3.1. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. – 3.2. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. – 4. Projeto de Lei nº 6.413/2009 e a relevância da penhorabilidade do imóvel do fiador. – 5. Conclusão. – 6. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Nesse breve texto, abordar-se-á a importância da possibilidade de se penhorar o único bem de família do fiador em contrato de locação de imóveis em prol do equilíbrio social, econômico e jurídico do mercado imobiliário, assim como tecer comentários sobre o inoportuno Projeto de Lei nº 6.413/2009 da Câmara de Deputados, que visa derrubar essa regra.
2. A FIANÇA COMO GARANTIA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO.
O contrato de fiança é regulado pelo Código Civil Brasileiro (Lei Federal nº 10.406/2002), cujo art. 818 expressa: “Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”. A fiança é uma das quatro garantias que podem ser exigidas pelo locador em um contrato de locação de imóvel urbano e, apesar de ter sua base primária no Código Civil, quando a fiança é prestada em benefício de um locatário de imóvel, prevalecem as disposições especiais da Lei do Inquilinato (Lei Federal nº 8.245/91).
De acordo com as normas legais, quando uma pessoa física ou jurídica assume a qualidade de fiadora, implica dizer que a partir daquele momento assumiu a responsabilidade de assegurar, com o seu patrimônio, o cumprimento do contrato de locação. Nas palavras de Orlando Gomes (Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 548 in DINIZ, Maria Helena. Lei de locações de imóveis urbanos comentada. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 159): “Haverá contrato de fiança, sempre que alguém assumir, por escrito, para com o locador, a obrigação de pagar o aluguel e demais encargos locativos, se o inquilino não o fizer”.
Pode-se afirmar que são características da fiança: (1) a pessoalidade, pois é um sujeito de direitos e obrigações que se compromete com outrem a garantir o contrato; (2) forma escrita, exigida pelo art. 819 do Código Civil; e (3) assessoriedade, ou seja, o contrato de fiança só existe em função do contrato principal, que é o contrato de locação, dessa forma, quando o contrato de locação se extingue, automaticamente também finda o contrato de fiança.
3. A REGRA DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E A EXCEÇÃO DA FIANÇA LOCATÍCIA.
O legislador infra-constitucional, em harmonia com a Constituição Federal de 1988 (CF/88) e com seu princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), através da Lei Federal nº 8.009 de 1990, protegeu o único imóvel destinado a moradia da entidade familiar, com algumas ressalvas. E, assim como em outros países, no Brasil, o imóvel destinado à habitação da família passou a receber proteção especial, impossibilitando a constrição judicial do imóvel residencial próprio do casal ou da família, incluindo os móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Em outras palavras, pela regra do art. 1º da Lei nº 8.009/90, ao propor uma ação em face de uma pessoa, seu imóvel residencial, seja do casal ou família, não está sujeito à penhora se houver condenação judicial.
Para melhor esclarecimento, colacionam-se os artigos 1º e 5º da lei mencionada, que rezam:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”.
(...)
“Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil” (grifam-se).
Todavia, embora essa seja a regra, como exceção, estipulou-se que o bem de família do fiador pode ser penhorado em razão de obrigação decorrente de contrato de locação, conforme o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 (dispositivo que foi adicionado em 1991, pelo art. 82 da Lei do Inquilinato).
Logo, como forma de resguardar a fiança como garantia locatícia (art. 37, II, da Lei nº 8.245/91), alterou-se o artigo 3º da Lei nº 8.009/90, incluindo um novo inciso VII, que é reproduzido abaixo:
“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”.
Sylvio Capanema de Souza comenta o dispositivo acima exposto (A lei do inquilinato comentada. 5ª edição. Rio de Janeiro: GZ, 2009, p. 390):
“A nova exceção, acrescida ao artigo 3º da Lei nº 8.009, se impunha, no interesse do mercado, pois estava se tornando quase impossível o oferecimento da garantia da fiança, já que raramente o candidato à locação conseguia um fiador que tivesse, em seu patrimônio, mais de um imóvel residencial”.
Porém, quando a lei tornou o bem de família do fiador penhorável, surgiram várias ações perante o Poder Judiciário a fim de derrubar o dispositivo legal, principalmente, após o ano 2000, sob o fundamento de ofensa ao direito à moradia, direito social incluso no art. 6º da Constituição Brasileira pela Emenda nº 26 de 2000. Após um período de insegurança jurídica, devido às divergências de entendimentos nos tribunais, a jurisprudência posicionou-se favorável à possibilidade de constrição judicial do imóvel do fiador que se fizesse necessária para garantir o contrato de locação, ainda que este fosse seu único imóvel, pois entendeu-se que o dispositivo também visava, mesmo que indiretamente, viabilizar o direito à moradia, especialmente para as pessoas que não possuem condições para adquirir definitivamente a propriedade imóvel. Como fica claro no trecho do julgamento do Supremo Tribunal Federal, reproduzido abaixo:
“porquanto, atendendo à própria ratio legis da exceção prevista no art. 3°, VII, da Lei 8.009/90, facilita e estimula o acesso à habitação arrendada, constituindo reforço das garantias contratuais dos locadores, e afastando, por conseguinte, a necessidade de garantias mais onerosas, tais como a fiança bancária" (RE-AgR 464586, Rel. Min. CARLOS BRITTO, julgamento em 06/06/2006, DJ de 24-11-2006).
Embora o posicionamento acima tenha sido objeto de divergências, atualmente, o STF consolidou o entendimento de que a exceção prevista no art. 3°, VII, da Lei 8.009/90, permitindo a execução do bem de família do fiador em contrato de locação é inteiramente constitucional.
Sobre a constitucionalidade do dispositivo, Sylvio Capanema de Souza acrescenta (A lei do inquilinato comentada. 5ª edição. Rio de Janeiro: GZ, 2009, p. 391-392):
“Sempre preferimos aderir à corrente oposta, não vislumbrando a mácula de inconstitucionalidade no dispositivo ora em exame.
À uma, porque nem de leve se arranha o princípio da isonomia, cuja essência é tratar igualmente os que são iguais e desigualmente os desiguais. O fiador de contrato de locação de imóvel urbano, pelas peculiaridades desse negócio jurídico, não é igual aos demais, que se prestam a garantir obrigações de outra natureza.
(...)
À duas porque o direito à moradia, de que trata a Constituição Federal, deve ser entendido de maneira genérica, traduzindo o dever do Estado de promover e criar políticas públicas que assegurem aos cidadãos o acesso à moradia digna, através de projetos de construção de unidades habitacionais, ampliação do crédito imobiliário, redução de taxas de juros e tudo mais que se torne necessário à redução do déficit habitacional.
A vingar a tese de ser inconstitucional o inciso VII do artigo 3º da Lei nº 8.009/90, introduzido pelo artigo 82 da Lei do Inquilinato, todos os demais incisos também o serão, já que admitem que seja penhorado o único imóvel residencial do devedor, nas hipóteses neles referidas.
Jamais se argüiu essa tese, e nem o Pretório Excelso a proclamou, pelo que entendemos ser legal a penhora do único imóvel residencial do fiador de contrato de locação urbana” (grifa-se).
Não é outra a opinião de Maria Helena Diniz, que expõe (Lei de locações de imóveis urbanos comentada. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 361-362):
“Se assim é, parece-nos, ante o caráter de norma especial do art. 82 da Lei n. 8.245/91 e do art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/90, inconstitucionalidade não há, tendo em vista que a moradia é direito social tutelado pelo Estado e não pelo particular e que o fiador, ao garantir dívida locatícia, assumiu tal risco e que as obrigações do locatário e do fiador são diferentes apesar de terem a mesma causa: o contrato de locação. Os deveres do locatário decorrem do contrato de locação feito entre ele e o locador e os do fiador do contrato de fiança entre ele e o locador; logo, o fiador, pagando o débito do locatário inadimplente ao locador, sub-rogar-se-á nos direito do credor, podendo reembolsar-se do que despendeu em razão da garantia fidejussória, tendo ação regressiva contra o inquilino”.
Considerando que a divergência pretoriana mencionada acerca da constitucionalidade do dispositivo, expôs diversos aspectos relacionados a necessidade da penhorabilidade do bem do fiador, é relevante que se faça um levantamento e verificação dessa jurisprudência no tópico seguinte.
3.1. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Não obstante o Superior Tribunal de Justiça tivesse certa divergência interna quanto à aplicabilidade imediata do novo inciso VII do Art. 3º da Lei nº 8.009 aos processos em curso, o tribunal sempre mostrou-se favorável a penhorabilidade, como se vê a seguir:
“PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. REDUÇÃO DA PENHORA. MOMENTO DE ALEGAÇÃO. ART. 685, I E II DO CPC. IMÓVEL CARACTERIZADO COMO BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. CABIMENTO. ART. 82 DA LEI 8.245/91. INC. VII, ARTS. 1º E 3º DA LEI 8.009/90.MULTA CONTRATUAL. REDUÇÃO DE 10% PARA 2%. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. I – Consoante a regra inscrita no art. 685, I e II do CPC, a alegação de excesso ou o pedido de redução da penhora dever ser formulado na execução, após realizada a avaliação. Na hipótese, o v.acórdão recorrido, em sede de embargos à execução, indicou como momento apropriado para este mister a exata regra do mencionado dispositivo processual, no que aplicou ao litígio a adequada solução. II – A Lei 8.245/91, ao inserir o inciso VII no art. 3º da Lei 8.009/90, autorizou expressamente a penhora do bem de família para garantir débitos decorrentes de fiança locatícia.
III – O Código de Defesa do Consumidor não se aplica às relações locatícias, descabendo na espécie, com apoio nesta norma, vindicar a redução da multa - contratualmente pactuada entre as partes -, de 10% para 2%. IV – Recurso especial conhecido, mas desprovido” (REsp 302603, Relator Ministro GILSON DIPP, julgamento 06/04/2001, DJ 04.06.2001, p. 235, grifa-se).
“LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. ARTIGO 82, LEI 8.245/91. ARTIGO 3º, LEI 8.009/90. NOVA REDAÇÃO. O ordenamento jurídico pátrio possui como regra a impenhorabilidade do bem de família. Porém, com as disposições trazidas pela Lei 8.245/91, em seu artigo 82, que não confere ao referido bem, ainda que seja o único, o caráter da impenhorabilidade, nova redação foi dada ao artigo 3º da Lei 8.009/90, mormente pela introdução do inciso VII em seu rol. Configura-se válida a penhora do bem de família para garantir débitos decorrentes de fiança locatícia. Precedentes do STJ. Esta Corte tem como recomendação mais adequada a orientação segundo a qual o bem, se for indivisível, será levado por inteiro à hasta pública, cabendo à outra metade proprietária, 50% do preço alcançado. Recurso especial provido” (REsp 583484, Relator Ministro PAULO MEDINA, julgamento 02/03/2004, DJ 29.03.2004, p. 287, grifa-se).
Já o acórdão a seguir exemplifica o período cuja constitucionalidade o Art. 3º, VII, da Lei nº 8.009 estava sendo questionada:
“PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - COISA JULGADA - TERCEIRO - INEXISTÊNCIA - ART. 472 CPC - FIANÇA - OUTORGA UXÓRIA - AUSÊNCIA - INEFICÁCIA TOTAL DO ATO - FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO. I - A coisa julgada incidente sobre o processo de conhecimento e conseqüente embargos opostos por um cônjuge não pode atingir o outro, quando este não tiver sido parte naqueles processos. (art. 472, do Código de Processo Civil). II - A ausência de consentimento da esposa em fiança prestada pelo marido invalida o ato por inteiro. Nula a garantia, portanto. Certo, ainda, que não se pode limitar o efeito dessa nulidade apenas à meação da mulher. III - Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000). Recurso provido” (REsp 631262, Relator Ministro FELIX FISCHER, julgamento 02/08/2005, DJ 26.09.2005, p. 439, grifa-se).
Todavia, após o Supremo Tribunal Federal consolidar sua interpretação sobre a constitucionalidade da norma, como será abordado no próximo tópico, a questão voltou a ser pacífica, como revelam os acórdãos a seguir:
“RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. POSSIBILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI 8.009/90 E ART. 82 DA LEI 8.245/91. PRECEDENTES DESTA CORTE. CONSTITUCIONALIDADE. DECISÃO DO STF. 1. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é legítima a penhora sobre bem de família de fiador de contrato de locação, a teor do inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90, acrescentado pelo art. 82 da Lei 8.245/91, inclusive para os pactos anteriores à vigência deste diploma legal. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 407.688, declarou a constitucionalidade das mencionadas normas, em face do disposto no art. 6º da Constituição da República, que consagra o direito à moradia a partir da edição da Emenda Constitucional 26/2000. 3. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 876511, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgamento 17/04/2007, DJ 07.05.2007, p. 368).
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. É possível a penhora de bem de família como forma de garantir a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, não obstante a Emenda Constitucional 26/00 tenha incluído a moradia entre os "direitos sociais". Precedentes do STF e STJ. 2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" (Súmula 83/STJ). 3. Recurso especial conhecido e improvido” (REsp 856753, Relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, julgamento 06/09/2007, DJ 22.10.2007, p. 359).
“DIREITO CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA. PENHORABILIDADE. GARANTIA OFERTADA EM FAVOR DA FAMÍLIA. DESNECESSIDADE. FIADOR QUE INTEGRAVA O QUADRO SOCIETÁRIO DA EMPRESA AFIANÇADA. RETIRADA POSTERIOR. AÇÃO DE EXONERAÇÃO. INEXISTÊNCIA. MANUTENÇÃO DA OBRIGAÇÃO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal firmaram o entendimento no sentido de ser possível a penhora de bem de família como forma de garantir a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, nos termos do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, incluído pela Lei 8.245/91, que, por sua vez, não faz nenhum tipo de restrição à origem da fiança, se em favor da própria família ou de terceiros. 2. O art. 3º, VII, da Lei 8.009/90 visa facilitar a concretização dos negócios locatícios, possibilitando que também os proprietários de um único imóvel sejam aceitos como fiadores. Destarte, limitar sua aplicação aos casos de fiança prestada em favor da própria família do fiador importaria em dar ao dispositivo legal interpretação não-condizente com o espírito da lei, praticamente inviabilizando sua utilização. 3. Hipótese em que o fiador-varão, à época da assinatura do contrato de locação, integrava o quadro societário da empresa afiançada, não tendo, após sua retirada, buscado exonerar-se na forma prevista no art. 1.500 do Código Civil de 1916. 4. Embargos declaratórios rejeitados” (EDcl no REsp 951649, Relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, julgamento 08/05/2008, DJ 23.06.2008, p. 1).
3.2. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.688, cuja decisão foi:
"Fiador. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009/90, com a redação da Lei n. 8.245/91." (RE 407.688, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 8-2-06, DJ de 6-10-06).
Por outro lado, em outra oportunidade, como bem mostra o acórdão a seguir, os Ministros Cezar Peluso, Eros Grau e Celso de Mello chegaram a votar pela inconstitucionalidade do dispositivo, o que demonstra a controvérsia existente, embora tenham sido vencidos pela maioria:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. LEI Nº 8.009/90. DIREITO À MORADIA. ART. 6º DA MAGNA CARTA (REDAÇÃO DA EC 26/2000). PRECEDENTE PLENÁRIO. O Plenário deste excelso Tribunal, no julgamento do RE 407.688, Relator o Ministro Cezar Peluso, decidiu que "...a penhora do bem de família do recorrente não viola o disposto no art. 6o da CF, com a redação dada pela EC 26/2000 (...) mas com ele se coaduna, já que é modalidade de viabilização do direito à moradia (...) porquanto, atendendo à própria ratio legis da exceção prevista no art. 3o, VII, da Lei 8.009/90, facilita e estimula o acesso à habitação arrendada, constituindo reforço das garantias contratuais dos locadores, e afastando, por conseguinte, a necessidade de garantias mais onerosas, tais como a fiança bancária..." (Informativo nº 415 do STF). Fiquei vencido, na companhia dos eminentes Ministros Eros Grau e Celso de Mello. Nesse mesmo sentido, foram proferidas as seguintes decisões singulares: RE 467.638, Relator o Ministro Gilmar Mendes; RE 477.366, Relator Ministro Ricardo Lewandowski; RE 397.725, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence; RE 475.855, Relatora a Ministra Ellen Gracie; e RE 432.253, Relator o Ministro Cezar Peluso. Agravo regimental a que se nega provimento, com a ressalva do entendimento divergente do Relator” (RE-AgR 464586, Rel. Min. CARLOS BRITTO, julgamento em 06/06/2006, DJ de 24-11-2006).
Entretanto, prevalece ainda o posicionamento favorável à penhora. No mesmo sentido, o STF também decidiu que:
“FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República” (RE 407688, Rel. Min. CEZAR PELUSO, julgamento em 08/02/2006, DJ 06-10-2006, grifa-se).
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA. SÚMULAS NS. 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PENHORA. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. LEGITIMIDADE. 1. A aferição do cabimento do REsp tem natureza processual, não alcançando nível constitucional capaz de ensejar a abertura da via extraordinária. 2. O Tribunal a quo não se manifestou explicitamente sobre os temas constitucionais tidos por violados. Incidência dos óbices das Súmulas ns. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 407.688, decidiu pela possibilidade de penhora do bem de família de fiador, sem violação do artigo 6º da Constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI-AgR 666879, Rel. Min. EROS GRAU, julgamento em 09/10/2007, DJ 23-11-2007, grifa-se).
“Penhora: bem de família do fiador de contrato de locação: inexistência de violação ao artigo 6º da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 26/2000. Precedente (RE 407.688, Plenário, 08.02.2006, Cezar Peluso, DJ 06.10.2006)” (AI 576.544-AgR-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 7-8-07, DJ de 14-9-07).
4. PROJETO DE LEI Nº 6.413/2009 E A RELEVÂNCIA DA PENHORABILIDADE DO IMÓVEL DO FIADOR.
Está tramitando na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6.413/2009 que visa exclusivamente proibir a penhora do bem da família do fiador para pagamento de débitos locatícios. Ressalte-se que já houve outras tentativas de alterar a lei sobre a impenhorabilidade do bem de família, como os Projetos de Lei n° 3452/04 e n° 4728/98, sem, contudo, terem sido aprovados em definitivo.
Pelo art. 37, II, da Lei do Inquilinato, o locador pode determinar que o locatário ofereça uma das quatro modalidades de garantia locatícia: caução, fiança, seguro de fiança locatícia ou cessão fiduciária de quotas de fundos de investimento.
Com exceção da locação por temporada, nas demais espécies de locação a fiança é certamente a modalidade mais utilizada, especialmente porque, dentre as opções facultadas pela lei, a fiança é a garantia mais acessível e menos onerosa para o locatário.
A garantia nos contratos de locação é fundamental para assegurar ao locador o cumprimento do que foi avençado, e, se a lei furtar do locador a possibilidade de executar o imóvel do fiador, seja em uma locação residencial ou não, acabará resultando em insegurança, pois, certamente, a fiança, que é a modalidade mais tradicional e acessível aos locatários, ficará fragilizada.
A possibilidade de alcançar o imóvel do fiador, prevista no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, visa facilitar a concretização das locações, vez que dá também oportunidade aos proprietários de um único imóvel de serem aceitos como fiadores. Portanto, alterar a lei para que o imóvel destinado à família do fiador não possa ser penhorado judicialmente a fim de honrar os encargos da locação, importaria em inviabilizar a fiança, fato que não é condizente com o próprio espírito da lei que visa facilitar e não impedir locações.
5. CONCLUSÃO.
Ao propor uma nova lei, o legislador deve observar o contexto social e as consequências que poderão advir de tal ato. É óbvio que, caso o projeto de lei seja aprovado, haverá repercussões negativas no mercado de locações, afetando principalmente os locatários, pois retirando do locador a tranquilidade quanto à certeza dos efeitos da fiança, fará com que ocorra uma retração na oferta de imóveis para locação e havendo um desequilíbrio entre oferta e demanda, como consequência natural, os valores dos alugueres irão aumentar, assim como a exigência de oferecimento de outras garantias mais onerosas ao locatário, especialmente o seguro-fiança, que é a forma de garantia mais benéfica ao locador, mas que obriga o locatário a pagar o prêmio do seguro, aumentando os encargos locatícios.
Assim, além de ocorrer majoração dos aluguéis, o locatário que possuir uma pessoa próxima que, de forma gratuita, aceite a condição de fiador, não poderá se valer dessa situação e terá que se submeter à outra garantia mais onerosa que, por vezes, até será capaz de inviabilizar o negócio jurídico. Retirando, assim, a possibilidade da exploração de seu comércio/negócio ou, inclusive, prejudicando o acesso ao direito à moradia, terminando por inviabilizar a concretização do preceito contido no art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
CAPANEMA DE SOUZA, Sylvio. A lei do inquilinato comentada. 5ª edição. Rio de Janeiro: GZ, 2009.
DINIZ, Maria Helena. Lei de locações de imóveis urbanos comentada. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNQUEIRA, André Luiz. ROQUE, Caroline Meireles. Da possibilidade de penhora do bem de família do fiador - Críticas ao projeto de lei 6.413 de 2009. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 maio 2010. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.26818>. Acesso em: 14 maio 2010.(atualizar data)
Advogado, formado pela Universidade Veiga de Almeida (RJ). Consultor Jurídico de empresas do mercado imobiliário. Especializado em Direito Civil e Empresarial, pela Universidade Veiga de Almeida. Associado ao escritório Schneider Advogados Associados (www.schneiderassociados.com.br). Membro da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário - ABAMI.<br>
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.