É cediço que no contrato de seguro de vida, um dos riscos (talvez o principal deles) é a morte do segurado. Assim, a cobertura securitária é a garantia do pagamento do capital segurado ao beneficiário em caso de morte do segurado principal, tanto por causas naturais como acidentais.
O risco, como elemento do contrato de seguro, é essencial para que se tenha o “interesse segurável”. Sua conceituação pode ser “no acontecimento futuro e incerto previsto no contrato, suscetível de causar dano. Quando este evento ocorre, a técnica securitária o denomina sinistro”.
Pautando-se pela regra contida no artigo 757 do Código Civil, os riscos cobertos são aqueles predeterminados. Logo, a atividade seguradora é gerida pela conceituação e delimitação dos riscos que pretende garantir. E, através de cálculos atuariais as seguradoras têm plena ciência de quais são os riscos cobertos e assim determinam seu alcance e o valor do prêmio.
Tendo em vista que o legislador reforçou que o contrato de seguro é regido pelo princípio da boa fé objetiva e pela função social do contrato, chegamos à conclusão de que tanto o segurado quanto o segurador devem agir com probidade e lealdade no seu cumprimento.
No que tange ao contrato de seguro de vida, tem-se que o segurado busca a proteção do bem mais importante para o ser humano – a vida. Nesse diapasão, é presumível que todos que aderem ao contrato de seguro querem continuar vivos e com a segurança de que, quando houver o óbito, seus beneficiários não sofrerão perda ou redução patrimonial instantânea. O segurado confia na seguradora e tem a certeza de que ela não irá desapontá-lo diante da ocorrência do sinistro.
Os tribunais de justiça estaduais e o Superior Tribunal de Justiça têm decidido nessa mesma linha de raciocínio, inclusive, no que se refere ao suicídio, matéria extremamente discutida na atualidade, o STJ decidiu haver cobertura quando o suicídio não é premeditado à adesão ao contrato. E esta prova fica a cargo da seguradora.
Dessa forma, o contrato de seguro de vida não é mais regido apenas pelo Código Civil, mas também por todas as fontes de direito, tais como o Código de Defesa do Consumidor, princípio da boa fé objetiva e princípio da função social do contrato.
Entretanto, o artigo art. 768 do Código Civil estabelece que:
“O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.” (destaque acrescido)
Seguindo esse raciocínio, surge a discussão: se o segurado tem cobertura para suicídio (ato de se expor intencionalmente ao risco), como é que pode a lei determinar que o segurado perderá a garantia se expor-se intencionalmente ao risco?
Verifica-se que há um contrassenso jurídico de interpretação legal.
A solução para essa celeuma está na cobertura para suicídio, pois se este ato está coberto, deve ser utilizada a mesma regra e fornecer cobertura, também, para atos do segurado que não tinham a intenção de levá-lo ao óbito, mas que por acidente o levaram a esse fim.
É de conhecimento geral que o ato suicida é aquele pelo qual uma pessoa pratica uma ação para tirar a sua própria vida (de forma intencional), pode-se dizer que essa pessoa se expôs a alto risco e deu causa ao sinistro coberto (morte).
Sendo o contrato de seguro de vida é um contrato pautado pela lealdade, é imperioso que a seguradora não possa eximir-se de pagar o capital segurado ao beneficiário daquele segurado que se colocou numa situação de risco que o levou a óbito, mesmo que de forma intencional.
A exposição ao risco, no caso de suicídio, está pacificamente coberta, logo, a ação do segurado que o exponha a quaisquer e diferentes riscos também tem que ter cobertura, seguindo-se, assim, a mesma lógica jurídica contratual.
Essa linha de raciocínio traz a ideia de que não se pode distinguir o ato suicida de qualquer outro ato que leve à morte do segurado, como por exemplo, dirigir alcoolizado, dirigir motocicleta sem capacete ou habilitação, ou o uso de entorpecentes que, por uma overdose, leve o segurado ao óbito, entre outros.
A própria SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) segue na linha defendida nesse artigo, a Carta Circular nº 8 de 2007 veda a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas. Esta Carta Circular está em total consonância com a interpretação do Código de Defesa do Consumidor, que limita a inclusão de cláusulas restritivas de direito do consumidor.
Entendimentos contrários são anteriores ao novo código civil e ao Código de Defesa do Consumidor.
É de se evidenciar que a cobertura securitária não fomenta a exposição ao risco, aliás, tal argumento se mostra extremamente frágil, tendo em vista o histórico securitário global. A cobertura para suicídio no contrato de seguro de vida não fez aumentar o número de suicídio no país. O seguro de vida não fez aumentar o número de assassinato de segurados pelos seus beneficiários. Por oportuno, nem no seguro de danos isso ocorre, pois se assim fosse, o seguro de Responsabilidade Civil para Produtos (RC Produtos) incentivaria a perda de qualidade de produção das empresas, o que não ocorre na prática.
A visão pautada na situação que o segurado colocar-se-á em risco porque possui um contrato de seguro de vida é bastante simplista se compararmos à vida como o bem mais precioso do ser humano.
Portanto, a sociedade que queremos ver constituída deve ser fundada em coerência, principalmente no que tange às cláusulas contratuais e legislações que versam sobre a vida do ser humano. A sociedade busca contratos que não pretendam distinguir coberturas entre morte por prática de suicídio de morte por atos de riscos que não pretendiam levar ao óbito, pois esta distinção se mostra extremamente contrária ao interesse do consumidor.
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