SUMÁRIO: RESUMO.ABSTRACT.INTRODUÇÃO. 1. REFERENCIAL TEÓRICO. 1.1 Da separação de Poderes. 1.2 Agências reguladoras no Brasil. 1.3 Do Poder Normativo das Agências Reguladoras.CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
RESUMO
No presente artigo, buscar-se-á, a partir de uma perspectiva da Ciência do Direito, analisar a questão referente ao poder normativo das agências reguladoras brasileiras à luz do Direito Constitucional e Administrativo pátrio. Cridas sob o molde norte americano, as agências reguladoras no Brasil ostentam natureza jurídica de autarquias especiais. Entretanto, em que pese a necessidade do exercício de poder normativa por estas agências, como forma de desenvolvimento de função reguladora, o tema na atualidade, vem suscitando inúmeras discussões face ao regime jurídico brasileiro e à sua inadequação ao modelo regulatório. Neste particular, alguns doutrinadores entendem que,assim como as autarquias ordinárias, as agências só poderão expedir regulamentos impróprios, que não esbarrem na competência privativa do Chefe do Executivo. Ou seja, detêm competência para edição de atos normativos secundários. Além disso, a regulação se dirigirá a aspectos técnicos da prestação dos serviços. Outros, doutrinários, porém, acreditam que o poder normativo conferido aos entes reguladores envereda a busca de novas formas de interpretação do ordenamento jurídico vigente que compatibilizem esta função normativa com os princípios constitucionais e os postulados de outros ramos do Direito, de maneira a possibilitar que exerçam plenamente a função reguladora que lhes foi atribuída. Neste diapasão, o fortalecimento desse poder é conferido mediante a função reguladora de cada agência, em um primeiro exame; mas, que como se viu e não é um ponto pacífico na doutrina.
Palavras Chaves: Agências Reguladoras; Poder Normativo; Entes Autárquicos.
ABSTRACT
In this article we will seek, from a perspective of the Science of Law, examine the question concerning the normative power of Brazilian regulators in light of Constitutional and Administrative Law patriotism. Believed in the mold North American regulatory agencies in Brazil boast special legal status of municipalities. However, despite the need for the exercise of power by these regulatory agencies as a way of developing a regulatory function, the theme today, has raised many discussions over the Brazilian legal system and its inadequacy to the regulatory model. In particular, some scholars believe that, as ordinary municipalities, agencies may dispatch improper regulations, which do not hit the exclusive authority of the Chief Executive. That is, are competent to issue normative acts side. Moreover, the regulation will address the technical aspects of service delivery. Others, doctrinal, however, believe that the legislative powers granted to regulators is appealing to search for new ways of interpreting the law in force that reconcile this normative function with constitutional principles and the tenets of other branches of law, so as to enable fully exercise the regulatory function assigned to them. In this vein, the strengthening of such power is conferred upon the regulatory function of each agency on an initial review, but as we have seen and that is not a given in doctrine.
Key Words: Regulatory Agencies; Normative Power; loved Autarchic.
INTRODUÇÃO
A criação de agências reguladoras é resultado direto do processo de retirada do Estado da economia. Estas foram criadas com o escopo de normatizar os setores dos serviços públicos delegados e de buscar equilíbrio e harmonia entre Estado, usuários e delegatórios.
Em toda a Europa, este novo conceito é chamado economia social de mercado. Logo, se há uma regulação, não é o liberalismo puro; é o que se chama de neoliberalismo, que preconizavam os opositores do ex-governo de Fernando Henrique Cardoso[1]. Também não é correto afirmar que este modelo se aproxima dos conceitos socialistas, pois há concorrência entre a iniciativa privada na prestação de serviços. Portanto, a idéia é a de um capitalismo regulado, que visa evitar crises, a partir das agências reguladoras, que a priori pareça assustadora, não deixa de ser um modo de interferência do Estado na economia.
No presente trabalho, buscar-se-á, a partir de uma perspectiva da Ciência do Direito, analisar a questão referente ao poder normativo das agências reguladoras brasileiras à luz do Direito Constitucional e Administrativo pátrio.
A relevância para estudo do tema proposto, deriva-se do fato de deitar-se a República Federativa do Brasil no Estado Democrático de Direito. Regime político que possibilita uma zona de interação entre os órgãos de poder e a sociedade. Resvelado pela separação de poderes, cujo escopo, é evitar o surgimento do absolutismo, representado pela morte da democracia e dos direitos fundamentais[2]. Com a separação, cada órgão de poder realiza uma atividade, especializando-se nela de forma a melhorar a sua eficácia. Pois, do contrário, a concentração de poderes tenderia ao arbítrio.
O método de pesquisa adotado para este estudo exploratório, constitui-se unicamente na técnica de revisão bibliográfica, com base exclusivamente em doutrinas, legislação, jurisprudências e periódicos científicos, a fim de compreender o universo de trabalho teórico desenvolvido; a conclusão encerra a exposição da temática proposta.
Com o objetivo de pôr a discussão em termos práticos, o presente estudo voltará às atenções à figura do poder normativo que possuem as agências reguladoras no Brasil, tendo em vista as mesmas, estatuindo normas jurídicas, como o “seguro apagão[3]” pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, cuja referida exação ter sido tratada por ato normativo da agência.
Para tanto, parte-se da análise dos limites da competência normativa do Poder Executivo dentro de um Estado Democrático de Direito em que exista a repartição dos poderes.
Em seguida, abordar-se-ão os institutos das agências reguladoras e da função reguladora do Estado, especificamente quanto à possibilidade de edição de atos de natureza normativa para a regulação da atividade econômica.
Finalmente, tratam-se do caso específico do poder normativo conferido as agências com o programa de privatização em todo o Brasil. Ocasião em que se analisará tal poder na esfera do Direito Administrativo. As Considerações Finais encerram a exposição
1. REFERENCIAL TEÓRICO
1.1 Da separação de Poderes
A terminologia separação de poderes, segundo a visão doutrinária de Meirelles[4], foi erroneamente expressada, porque, na verdade, o poder soberano é uno. O que se reparte na verdade são as funções realizadas por esses poderes: executivo, legislativo e judiciário.
A separação de poderes, o check and balances[5] da doutrina inglesa, foi um dos motivos que originou a Constituição. O artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão afirma que onde não houver separação de poderes e outorga dos direitos fundamentais não se pode falar na existência de uma Lei Maior.
Preleciona Agra[6] que o mencionado princípio foi inicialmente formulado por Aristóteles, estudado por Locke e, depois, aprimorado por Montesquieu, que parte da premissa de Aristóteles ao conceber a existência de três poderes. Assim surge a teorização de que cada órgão de poder realiza uma atividade. Seja legislar, administrar ou julgar.
Contudo, é importante ressaltar que essa repartição não ocorre de forma rígida. Diante da complexidade das demandas sociais do Estado moderno, ou pós- moderno, como querem alguns, o campo de atuação dos poderes tem de ficar entrelaçado, diminuindo-se os limites que separam a atuação de cada um deles. Porém, cada um realiza urna função de forma preponderante. Eles têm uma função precípua (atividade para a qual o órgão foi estruturado) e outras subsidiárias.
Conquanto, são independentes, não necessitando do outro para o seu funcionamento; além de harmônicos, o funcionamento de um deles não obstacula o exercício da função dos outros. Isso significa que eles podem trabalhar de forma autônoma, mas não de forma isolada, obviamente porque a seara fática onde eles têm de incidir é a mesma; manter sucumbido o absolutismo do passado.
Neste sentido, o princípio da separação de poderes esculpido no artigo 2º da Carta Magna Federal, originou outras formas de delegação de poderes, os regulamentos delegados, os quais são aceitos no Brasil, sob outra nomenclatura, em razão da eliminação da cláusula-parâmetro da indelegabilidade de poderes, bem como em razão de não ter havido abdicação da competência originária, tampouco face à estipulação de limitações ao conteúdo dos atos normativos transferidos.
Assim, o estudo da questão referente ao Estado Democrático de Direito e do princípio constitucional da separação dos poderes está intimamente ligada ao campo de atuação do poder executivo, incumbido da prestação de serviços públicos, através de suas autarquias, denominadas de agências reguladoras, tema de fundamental importância neste trabalho[7].
Isto porque, apenas em Estados Democráticos de Direito, em que exista a atribuição dos três poderes tradicionalmente concebidos (Executivo, Legislativo e Judiciário) a diferentes órgãos, se é possível falar em submissão da atuação do Estado aos ditames predeterminados pelo ordenamento jurídico, o que é uma das acepções conferidas ao princípio da separação de poderes.
1.2 Agências reguladoras no Brasil
Entende-se por agência reguladora, as agências dos governos federal, estadual e municipal, responsáveis pela definição de regras e fiscalização dos serviços essenciais, tais como fornecimento de energia elétrica, telefonia, etc.
Estes modelos de gestão servem para preservar o objetivo da administração pública, harmonizar os interesses em comum da coletividade, como forma de perpetuar o atendimento aos interesses da sociedade.
As Agências Reguladoras resultam da necessidade de o Estado influir na organização das relações econômicas de modo muito constante e profundo, com o emprego de instrumento de autoridade, e do desejo de conferir às autoridades incumbidas dessa intervenção, boa dose de autonomia frente estrutura tradicional do poder político[8].
Com a nova política governamental de transferir para o setor privado a execução de serviços públicos, reservando ao Estado a regulamentação, o controle e a fiscalização desses serviços, houve a necessidade de criar, na Administração, agências especiais destinadas a esse fim, no interesse dos usuários e da sociedade.
Neste sentido, tais agências foram denominadas de agências reguladoras e instituídas como autarquias sob regime especial, com o propósito de assegurar sua autoridade e autonomia administrativa.
No modelo atual de Administração Pública brasileira, existem as seguintes agências e leis criadoras: Lei 9.427, de 26.12.96, instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL; Lei 9.472, de 16.7.97, criou a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL; Lei 9.478/97, criou a ANP - Agência Nacional do Petróleo; Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVS (Lei 9.782, de 26.1.99); depois criou-se a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS (Lei 9.961, de 28.1.2000); finalmente, a Agência Nacional de Águas - ANA (Lei 9.984, de 17.7.2000); A Lei 10.233, de 5.6.200 1, criou o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transportes e instituiu duas agências reguladoras: a Agência Nacional de Transportes Terrestres e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários[9].
Como dito, todas essas agências foram criadas como autarquias sob regime especial, considerando-se o regime especial como o conjunto de privilégios específicos que a lei outorga à entidade para a consecução de seus fins. No caso das agências reguladoras até agora criadas no âmbito da Administração Federal esses privilégios caracterizam-se basicamente pela independência administrativa, fundamentada na estabilidade de seus dirigentes (mandato fixo), autonomia financeira (renda própria e liberdade de sua aplicação) e poder normativo (regulamentação das matérias de sua competência).
Entendeu-se indispensável a outorga de amplos poderes a essas autarquias, tendo em vista a enorme relevância dos serviços por elas regulados e fiscalizados, como também o envolvimento de poderosos grupos econômicos (nacionais e estrangeiros) nessas atividades.
A Lei 9.986, de 18.7.2000, dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências reguladoras, estabelecendo que as relações de trabalho destas, são regidas pela CLT e legislação trabalhista correlata, em regime de emprego público. E para resguardar sua independência proíbe aos empregados, requisitados, ocupantes de cargos comissionados e dirigentes o exercício de qualquer outra atividade profissional, inclusive gestão operacional de empresa, ou direção político-partidária, excetuados os casos admitidos em lei[10].
Com relação a compras e contratação de serviços, estendem a todas as agências reguladoras o regime especial de licitação antes somente concedido à ANATEL, possibilitando que elas se utilizem das modalidades de consulta e pregão, nos termos de regulamento próprio.
Com este modelo de descentralização, aliado à flexibilização dos monopólios estatais e a redução de barreiras à entrada de capital estrangeiro no país, surgiram grandes grupos econômicos com interesse em explorar atividades que outrora eram de exclusiva função do Estado, como os serviços de telecomunicações e energia[11].
Os demais atos das agências que não constituam gestão de recursos sofrem o controle externo do Poder Judiciário, quanto a sua legalidade ou abuso, devido ao mencionado controle jurisdicional da administração pública. Assim, por força do princípio da jurisdição una, as decisões administrativas tomadas pelas agências reguladoras submetem-se a apreciação do judiciário.
Desta forma, as agências reguladoras, uma vez tidas como autarquias sob o regime especial, expressão esta utilizada nas suas respectivas leis instituidoras, possuem uma margem bem dilatada de independência em relação aos poderes de supervisão, fiscalização e normatização das empresas às quais foram delegados os serviços públicos[12].
Vale consignar, que as ações dessas empresas são controladas pela Comissão de Valores Mobiliários e as fusões pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, em ambos os casos a intervenção do Estado ocorre de maneira semelhante.
Neste diapasão, por terem sido implantadas na estrutura organizacional da Administração Indireta estas agências surgiram para permitir que o Estado deixe a exploração de atividades econômicas e a prestação de serviços públicos nas mãos de terceiros, principalmente nas dos investidores estrangeiros. Assim, ao mesmo tempo em que o Estado atrai capital externo, mantém a atividade fiscalizadora, normativa e sancionadora, conforme será melhor abordado no tópico seguinte.
1.3 Do Poder Normativo das Agências Reguladoras
Inicialmente carece definir o que vem a ser poder normativo, cuja visão fora obtida segundo Di Pietro, para quem, o poder é de que dispõem as autoridades administrativas para editar determinados atos com conteúdo normativo, com o objetivo de reger situações gerais ou explicitar o teor de um preceito legal[13]. Essa capacidade de impor regras para o atendimento do interesse coletivo constitui um importante mecanismo da gestão pública, por meio do qual ela não só fixa seus critérios diretivos, mas também favorece a correta aplicação da lei.
Preleciona a doutrinadora acima, que nas atribuições do poder normativo estão inseridas:
A faculdade de expedir normas para regular matérias diversas referentes à organização e ao controle interno da própria Administração (a exemplo das instruções normativas dos Ministros de Estado, dispondo sobre a operacionalidade das rotinas internas das pastas federais), bem como para disciplinar condutas no âmbito externo (como as resoluções baixadas pelo Banco Central que impõem diversos parâmetros aos que atuam no mercado financeiro); A possibilidade de regulamentar o conteúdo de certas leis, através de decreto, visando complementar, minudenciar ou aclarar o alcance e o sentido da legislação[14].
É importante consignar que, mediante a colocação da doutrinadora, pode-se extrair que, no caso da primeira hipótese acima, tem-se o poder normativo propriamente dito e, na segunda, o que se denomina de poder regulamentar, que está abrangido pela amplitude da prerrogativa de normatização conferida aos órgãos públicos. Ao passo em que este está inserido na competência privativa dos Chefes do Poder Executivo, aquele pode ser efetivado por qualquer ente estatal.
O exercício desse poder encontra-se subordinado aos ditames da lei e aos preceitos constitucionais. Assim, esses atos administrativos normativos ingressam no ordenamento jurídico na categoria dos atos infralegais e, por tal razão, sujeitam- se aos limites estabelecidos nas regras de status superior (como a Constituição e as leis complementares, ordinárias e delegadas), em respeito ao princípio da hierarquia das normas.
Em face desse escalonamento normativo, não se admite que essas regras emanadas da Administração disponham sobre matérias que só podem ser disciplinadas por lei em sentido estrito.
Imperioso, observar, portanto, que relacionando tal poder às agências reguladoras, mediante o conceito adotado de função reguladora, percebe-se que a existência do poder normativo é imanente à própria definição da referida atividade desempenhada pelo Estado, de acordo com o dispositivo do artigo 174 da Constituição Federal de 1988[15].
Entretanto, em que pese a necessidade do exercício de função normativa pelas agências reguladoras, como forma de desenvolvimento de função reguladora, o tema poder normativo aos referidos entes suscita inúmeras discussões face ao regime jurídico brasileiro e à sua pretensa inadequação ao modelo regulatório.
Assim, não se vislumbra ponto pacífico nas doutrinas, a exemplo de Di Pietro[16], Cuéllar[17], Sampaio[18] e Bruna[19], segundo estes somente as agências reguladoras com previsão constitucional exerceriam poderes regulamentares.
O que se leva a observar, que somente a Agência Nacional de Telecomunicações e a Agência Nacional de Petróleo regulariam a atividade econômica por meio de atos de cunho normativo, vez que originadas nos artigos “21, XI, 177, §2º, III da Constituição Federal de 1988[20]”. Para as doutrinadoras acima elencado, as demais não têm previsão constitucional, o que significa que a delegação está sendo feita pela lei instituidora da agência.
Por isso mesmo, a função normativa que exercem não pode, sob pena de inconstitucionalidade, ser maior do que a exercida por qualquer outro órgão administrativo ou entidade da Administração Indireta.
Elas nem podem regular matéria não disciplinada em lei, porque os regulamentos autônomos não têm fundamento constitucional no direito brasileiro, nem podem regulamentar leis, porque essa competência é privativa do Chefe do Poder Executivo e, se pudesse ser delegada, essa delegação teria que ser feita pela autoridade que detém o poder regulamentar e não pelo legislador[21].
No entanto, Di Pietro, aponta as normas que podem baixar tais agências: (a) regular a própria atividade da agência por meio de normas de efeitos internos; (b) conceituar, interpretar, explicitar conceitos jurídicos indeterminados contidos em lei, sem inovar na ordem jurídica[22]. Essa segunda função explica-se pela natureza técnica e especializada das agências.
Com relação à ANATEL e à ANP pode-se reconhecer a sua função normativa mais ampla, porque se trata de entidades previstas na Constituição como órgãos reguladores. No entanto, não se pode entender que esses órgãos exerçam função legislativa propriamente dita, com possibilidade de inovar na ordem jurídica, pois isto contrariaria o princípio da separação de poderes e a norma inserida entre os direitos fundamentais, no artigo 5º, II, da Constituição. Este posicionamento, no entanto, não está isento de críticas.
Justen Filho,
Ensina que esta solução não pode ser admitida porque a previsão constitucional de exercício de poderes normativos pelas agências reguladoras, pelo simples fato de estarem contidas no texto constitucional, o que, supostamente, lhes daria uma roupagem especial, retira a competência do Poder Legislativo[23].
Ou seja, a Constituição teria transferido do Legislativo para o Poder Executivo determinadas competências legiferantes. Neste aspecto, o que se observa é que o poder normativo dos entes reguladores envereda a busca de várias formas de interpretação do ordenamento jurídico vigente que compatibilizem esta função normativa com os princípios constitucionais e os postulados de outros ramos do Direito, de maneira a possibilitar que exerçam plenamente a função reguladora que lhes foi atribuída.
Alerta Justen Filho, que, ao invés de simplesmente negar a atribuição de poder normativo às agências reguladoras, o que acabaria por lhes retirar a própria essência, deve-se buscar os instrumentos legitimadores que expliquem a natureza jurídica desta função. E, assim aponta na doutrina a existência de, pelo menos, três teorias mais destacadas.
A primeira delas, diz respeito a Cuéllar[24], a qual explica que o poder normativo conferido às agências reguladoras brasileiras resultaria de uma legitimação pela função. Ou seja, para a doutrinadora, é a razão da própria função reguladora dá cumprimento, as referidas autarquias estarem autorizadas a expedir atos administrativos de cunho normativo, os quais estariam equiparados aos regulamentos autônomos.
Numa segunda perspectiva, o poder normativo das agências reguladoras adviria do fenômeno da delegação legislativa. Por último, o terceiro entendimento acerca do poder normativo aos entes reguladores independentes brasileiros, a doutrinadora volta-se mais uma vez a proposta apontada por Justen Filho[25], para quem, segundo esta, a concessão de poderes normativos às agências reguladoras decorreria da manifestação do poder discricionário conferido aos agentes públicos
resultantes de uma delegação normativa imprópria ou de cunho secundário. Há, porém, pacificação na doutrina quanto ao poder normativo conferido à agências reguladoras. Para quem, o poder normativo das agências reguladoras advém de uma capacidade regulamentar diferente da já apregoada acima.
Doutrinador como Meirelles[26], acredita que tal poder normativo é diferente daquele conferido pela Constituição, em princípio, porque admitiria a expedição de regulamentos autônomos, os quais seriam vedados pela sistemática instituída pela Constituição Federal de 1988, especificamente no que tange ao princípio da separação dos poderes, contido em seu artigo 2º.
O poder regulamentar autônomo surgiria de um primeiro fato que é o reconhecimento da não exclusividade da titularidade do Poder Regulamentar ao Chefe do Poder Executivo e aos Ministros de Estado, tal como estatuído nos artigos 84, IV e 87, parágrafo único, II, ambos da Constituição Federal de 1988. Para eles, outras entidades da Administração Pública também expedem decretos, regulamentos e instruções para fiel execução das leis, tal qual o caso das agências reguladoras, figuras da Administração Pública indireta, sem que isso denotasse qualquer inconstitucionalidade[27].
Noutro momento, esta nova competência regulamentar não estaria cingida, somente, ao fiel cumprimento da lei, como estatuído na parte final do artigo 84, IV da Constituição Federal de 1988. Em virtude da realidade político-econômica, passaria o Estado a ser regulador da atividade econômica, justificando, assim, a realização das finalidades estatais a que se propõem os novos entes. Em outros termos: os fins estatais justificariam a legitimidade dos instrumentos utilizados para a sua consecução.
A revisão dos paradigmas constitucionais, em verdade, seria uma condição imprescindível para o embasamento do poder normativo das agências reguladoras e, conseqüentemente, das suas próprias razões de ser, vez que, sem a autonomia para expedir normas jurídicas, não seria possível se cogitar em regulação da atividade econômica. Assim, observa-se que a capacidade para a expedição de normas conferida aos entes reguladores brasileiros não lesionaria o texto constitucional porque limitado pela própria lei instituidora da autarquia especial[28].
Da mesma sorte, Grau[29], citado por Mello se vale da teoria do poder normativo conferido às agencias, para quem tal poder decorre de uma outorga constitucional implícita ao Poder Executivo para o desempenho de função normativa que objetivasse a execução de normas jurídicas.
Portanto, ao atribuir o poder normativo aos entes administrativos, leia-se agências reguladoras, explica-se a denominada capacidade normativa de conjuntura, entendida como aquela disponibilizada ao Poder Executivo para normatizar situações momentâneas que emergem das alterações da realidade econômica.
Todavia, adverte Grau, citado por Mello[30], que mesmo dentro do modelo de limites propostos, é necessário observar regras limitadoras dos poderes normativos das agências reguladoras: a de que os regulamentos não podem desrespeitar as normas e os princípios de direito que lhe são superiores, tendo em vista que ainda que autônomos, os regulamentos são atos administrativos, hierarquicamente subordinados à lei e à constituição, cujo conteúdo deve atender, formal e substancialmente.
Também, ressalta Mello, citando Grau, o preceito disciplinador, este que diz respeito à impossibilidade de o regulamento autônomo inovar de forma absoluta na ordem jurídica, seja criando direitos, deveres ou obrigações às pessoas privadas, sem respaldo de lei; bem como ampliando ou restringindo direitos ou obrigações. Para que os regulamentos possam gerar deveres, direitos e obrigações, a lei há de dar azo a esta possibilidade[31].
Outro limite é o de não ser autorizada à autoridade administrativa a criação de normas cuja edição pressupõe processo legislativo certo e específico, de modo a se viabilizar a observância do princípio da tipicidade no âmbito do Direito Administrativo. Neste ínterim, não cabe ao regulamento, por si só, criar crimes, instituir penas, sanções, prescrever tributos ou encargos de qualquer natureza. Outrossim, veda-se ao regulamento a restrição da igualdade, da liberdade e da propriedade ou de determinar alterações no estado das pessoas.
Imprescindível que a expedição do regulamento seja fundamentada, haja vista que é um ato administrativo e, por esta razão, deve apresentar sua motivação pública de fato e de direito.
Por fim, o regulamento há de ser objeto de análise do Poder Judiciário, no que se refere à sua emanação e quanto ao seu conteúdo. Há de se preservar a essência do sistema de checks and balances, de modo a possibilitar o controle do título competencial detido pela entidade que emana o provimento regulamentar, assim como quanto ao seu conteúdo.
Esse controle, na medida em que se impõe a atos administrativos com a natureza jurídica normativa de provimentos gerais e abstratos, pode ser exercitado da forma concentrada – controle objetivo e - difusa – controle subjetivo. Assim, um regulamento emanado por uma agência reguladora federal, cujas normas espalham- se pelo território nacional, pode tanto ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade quanto a ser atacado em mandado de segurança, pela pessoa que se vir prejudicada concretamente pelo provimento.
Desse modo, como já salientado, o poder normativo das agências reguladoras prima pelo atendimento à exigência de normatização essencialmente técnica, com reduzida interferência político-administrativa estatal em determinados campos de prestação de serviços e bens, públicos ou não.
CONCLUSÃO
Como se disse, todas essas agências foram criadas como autarquias sob regime especial, considerando-se o regime especial corno o conjunto de privilégios específicos que a lei outorga à entidade para a consecução de seus fins. Neste sentido, mister que se concedesse indispensável a outorga de amplos poderes a essas autarquias, tendo em vista a enorme relevância dos serviços por elas regulados e fiscalizados, como também o envolvimento de poderosos grupos econômicos (nacionais e estrangeiros) nessas atividades.
Assim, a nova visão da atuação do Estado no meio econômico, a partir da agências reguladoras é visto como diminuto, a participação direta do Estado na prestação de serviços, com elas, torna-se limitada, carecendo que se imponha, por outro lado, o fortalecimento de sua função reguladora e fiscalizadora, em um processo de reestruturação administrativa, que vise ao controle eficiente das empresas prestadoras de serviços de natureza eminentemente pública.
Neste diapasão, o fortalecimento desse poder é conferido mediante a função reguladora de cada agência, em um primeiro exame; mas, que conforme viu- se não é um ponto pacífico nas doutrinas, para muitos, tal função deveria ser limitada à expedição de atos estabelecendo regras gerais e abstratas de conduta, sempre de alcance limitado ao âmbito de atuação do órgão expedidor.
Ora, mas, como se sabe a autarquia, sendo um prolongamento do Poder Público, executa serviços próprios do Estado, em condições idênticas às do Estado, com os mesmos privilégios e passíveis dos mesmos controles dos atos constitucionais. Neste sentido, não se pode contestar o poder normativo conferido às agências, haja vista, que tal poder normativo fora cingido aos termos de suas lei instituidoras e aos preceitos dos decretos regulamentadores expedidos pelo Executivo. O poder outorgado às agências, neste campo, visa a atender à necessidade de uma normatividade essencialmente técnica, com um mínimo de influência política, daí porque limitados.
Enfim, concluiu-se, portanto, que os atos normativos das agências reguladoras não são ilimitados, pois, como manifestação de competência normativa do Poder Executivo que são, não poderia inovar na ordem, impondo responsabilidades e gravames por meio de suas estatuições, bem como que esta competência não pode ser mais ampla do que aquela atribuída ao próprio chefe do Poder Executivo. Portanto, os atos de conotação normativa das agências reguladoras, sob o ponto de visto do Direito Administrativo brasileiro, podem sim, porém, com limitações impor deveres e obrigações aos cidadãos, pela prerrogativa que é peculiar as agências enquanto autarquias.
REFERÊNCIAS
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[1] Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República Federativa do Brasil, protagonista do processo de privatização no país, cognominado por seus opositores, a exemplo da ex-senadora Heloisa Helena de neo liberal, devido a sua política de privatização das estatais nacional.
[2] BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 203.
[3] Seguro apagão: trata-se de um encargo de capacidade emergencial, normatizado e instituído pela
ANNEL, para evitar apagões em cidades como São Paulo.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 339.
[5] Check and balances, é uma expressão inglesa que significa sistema de freios e contra pesos.
[6] AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 127
[7] AGRA, Walber de Moura. op. cit. 2005. p. 127.
[8] BARROSO, Luís Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n.º. 14, junho/agosto de 2002. Disponível na Internet: <>. Acesso em 09 de agosto de 2008.
[9] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.339.
[10] AGRA, Walber de Moura. op. cit. 2005. p. 128.
[11] MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit. 2002, p. 342.
[12] BARROSO, Luís Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n.º. 14, junho/agosto de 2002. Disponível na Internet: <>. Acesso em 09 de agosto de 2008.
[13] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. 500 Anos de Direito Administrativo brasileiro. Revista Brasileira de Direito Administrativo - RBDA, Ano 1, n. 1, abr/jun. 2003. Belo Horizonte: Forum, 2005.
[14] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. op. cit. 2005.
[15] Artigo 174 da CF/88, caput: . Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
[16] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. 500 Anos de Direito Administrativo brasileiro. Revista Brasileira de Direito Administrativo - RBDA, Ano 1, n. 1, abr/jun. 2003. Belo Horizonte: Forum, 2005.
[17] CUÉLLAR, L. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001.
[18] SAMPAIO, M. de A. e S. O poder normativo das agências reguladoras. Revista de direito administrativo, nº 227. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar., 2002,
[19] BRUNA, S. V. Agências reguladoras: poder normativo, consulta pública, revisão judicial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
[20] Artigo 21, IX da CF/88: Compete a União (...) elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social (...); Artigo 177, §2º, III, Constituem monopólio da União (...); III, a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União (...).
[21] SAMPAIO, M. de A. e S. op. cit. 2002,
[22] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. 500 Anos de Direito Administrativo brasileiro. Revista Brasileira de Direito Administrativo - RBDA, Ano 1, n. 1, abr/jun. 2003. Belo Horizonte: Forum, 2005.
[23] JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.
[24] CUÉLLAR, L. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001.
[25] JUSTEN FILHO, M. op. cit. 2002.
[26] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 339.
[27] BRUNA, S. V. Agências reguladoras: poder normativo, consulta pública, revisão judicial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
[28] Idem ibidem, p. 82.
[29] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
[30] MELLO, Celso Antônio op. cit. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
[31] Idem ibidem p. 84.
Advogado, Administrador de Empresas e Teólogo. Graduado em Direito pela Faculdade Estácio do Recife, em Administração pela Universidade de Pernambuco e em Teologia Eclesiástica pela Faculdade Internacional de Teologia Gospel/Faculdade Gospel. Pós-graduado em Direito Administrativo e em Direito Civil, ambas as especializações pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá. Mestrando em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável pela Universidade de Pernambuco. Mestrando em Teologia com ênfase em Bibliologia pela Faculdade Internacional de Teologia Gospel/Faculdade Gospel. Servidor da Prefeitura do Recife e Conciliador do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI). Sócio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Associado à Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Articulista de sites jurídicos. Curriculum lattes: http://lattes.cnpq.br/0065877568376352
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, José Mário Delaiti de. Direito Administrativo Brasileiro: um estudo acerca do poder normativo das Agências Reguladoras Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2012, 09:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/31905/direito-administrativo-brasileiro-um-estudo-acerca-do-poder-normativo-das-agencias-reguladoras. Acesso em: 08 nov 2024.
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