Dando continuidade a uma palestra em que apresentei um tema polêmico (cobertura para suicídio em qualquer período de vigência da apólice e cobertura para agravamento de risco no seguro de vida), me deparei, ao final, pensando sobre alguns pontos levantados pela plateia acerca da cobertura securitária para os casos de suicídio que ocorrem durante os dois primeiros anos da vigência contratual.
Assim, colocando uma pá de cal nesta discussão, nada melhor do que interpretar o código civil na sua maneira ampla, ou seja, buscando analisar o contexto da lei.
Sob o manto de um sistema jurídico pautado na boa-fé contratual, tem-se que o legislador não pretendeu escrever um código com mais de mil artigos, todos baseados na presunção de boa-fé e apenas um em que se presumiria a má-fé. Isto é fato, acredito que ninguém discordaria desta afirmação, pois é uma questão de lógica!
O que diríamos para um paciente que desenvolveu uma depressão após os 06 meses de vigência da apólice, e que, por conta desta depressão, suicidou-se? Ora, essa doença que o levou ao suicídio foi premeditada? Alguém premedita uma doença psicológica?
Nesse caso, a seguradora tem o direito de negar o pagamento do capital segurado aos beneficiários? Foi essa a intenção do legislador quando criou o Código Civil e tantos artigos que defendem a boa-fé contratual? A seguradora que nega essa cobertura está agindo de boa-fé?
São essas perguntas que se deve responder ao defender que qualquer sinistro ocorrido nos dois primeiros anos está descoberto, sem analisar qual o real motivo que o levou às vias de fato.
Sendo assim, a minha análise sobre o período de cobertura é semelhante a do STJ, que entende que para se negar uma indenização, seja ela em qualquer modalidade de seguro, é necessária a prova da má-fé do segurado, pois se não comprovar que ele tinha a intenção de fraudar, a indenização será devida a quem de direito.
Ainda, outra crítica se faz necessária. Analisando a questão da cobertura para o suicídio pelo aspecto de precificação ou taxação do risco segurável, podemos dizer que as seguradoras são empresas especializadas e que conseguiram ao longo dos anos adquirir experiência tamanha capaz de dividir uma cidade por bairros e taxar, atuarialmente, os prêmios de forma individualizada para cada localidade.
Tal afirmação é facilmente comprovada no seguro de automóvel, que por conta de uma análise de perfil, pode-se fixar valores para cada segurado, diferenciando-o da média.
Agora, trazendo esse aperfeiçoamento para o seguro de pessoas, não se percebe a mesma evolução, pois de uma forma bem simples e rápida um cidadão pode ir até seu banco e aderir a uma apólice de seguro de vida sem qualquer análise individual.
Nota-se, então, que não há perfil no seguro de pessoas, não há estudo que traga ao segurador uma base sólida de informações para se fixar valores de prêmio. Não há uma análise de risco eficaz para a taxação!
Mas por que não há?
Em uma breve e simples pesquisa, pude observar que a maior incidência de suicídio está em regiões periféricas do Brasil e que em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro o índice é tão baixo que poucos investimentos são feitos para se obter um bom resultado nos estudos de incidência de suicídio. Logo, tais informações não são revertidas às entidades que deveriam ter interesse nessa informação.
Mas, como precificar uma apólice de seguro de vida sem um bom estudo e análise de risco?
O estilo de vida do segurado e a sociedade em que vive influenciam drasticamente em suas opções e escolhas. Vamos utilizar o seguinte exemplo: um segurado de 20 anos que estuda, é saudável, mora com os pais em um apartamento próprio num bom bairro em São Paulo, tem o mesmo perfil e valor de prêmio que um rapaz de 20 anos, pobre, que não terminou o ensino médio, que trabalha numa indústria, que é órfão e que mora numa favela?
Sem qualquer tipo de preconceito, qual dos dois tem mais propensão ao suicídio? Na certa não é a mesma propensão para os dois casos. E por que não há uma análise individual destes personagens?
Se não há um estudo como esse é porque não há interesse por parte das seguradoras. Portanto, podemos concluir que se não precificou, não se estruturou, não estudou seu risco, não pode eximir-se de sua responsabilidade quando ocorre um sinistro de suicídio.
Se a seguradora não teve o interesse em analisar a carteira que pretende garantir, não pode negar o capital segurado alegando que a cobertura para os suicidas causarão um aumento desenfreado de prêmio e, por consequência, um desiquilíbrio na mutualidade.
As seguradoras, como já informado acima, possuem o interesse e o poder econômico de pesquisar e taxar o risco que está cobrindo. Se assim não faz, não é uma boa administradora de um fundo mutual.
Destarte, as seguradoras não podem alegar que a cobertura para o suicídio no período inicial de dois anos aumentará sua despesa, causando assim o aumento do prêmio e desequilíbrio em suas reservas técnicas. Deveriam ter se preparado melhor quando decidiram comercializar e operar na carteira de seguro de pessoas.
Felipe Galesco
Galesco Advogados Associados
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