No momento constitucional, infraconstitucional e político brasileiro, o atual respeito e manutenção dos direitos fundamentais da pessoa humana são uma conquista histórica importantíssima, que desde 1988 vem sendo trabalhada, associados a liberdades civis de cunho fundamental para a concretização da democracia, e que entende-se tem beneficiado as gerações presentes e deverá beneficiar as futuras gerações.
O Brasil viveu um período ditatorial de pouco mais de 20 anos recentemente, que vitimou muitas pessoas que simplesmente tiveram seus direitos fundamentais mais básicos e sua dignidade desrespeitados. Assim, nesse contexto tornaram-se muito valiosos os direitos fundamentais conquistados politicamente pelos brasileiros. Retrocessos sociais nessas circunstâncias seria o caos. O princípio da proibição do retrocesso confere segurança jurídica e estabilidade à efetivação dos direitos fundamentais. A estabilidade seria um princípio fundamental e a segurança jurídica o corolário. Assim como isso não significa imutabilidade, também não poderá significar um reducionismo ou movimento supressivo de sua eficácia.
Podem prevalecer, portanto, os princípios democráticos protegidos num núcleo de identidade do próprio Estado chamado de cláusulas pétreas, que não são um suprimento de direitos pelo estado, mas de fundamentos inerentes ao ser humano, que são garantidos pelo Estado via segurança jurídica. É um paradoxo progressivo rumando a racional, positiva e controlável mudança através de procedimentos justos, atendendo às necessárias mudanças sociais, uma vez que a proteção não pode assumir um caráter absoluto.
Há sustentabilidade para tal no plano internacional por exemplo, através da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), do Pacto de São José da Costa Rica e do Protocolo de San Salvador, dos quais o Brasil é signatário e que regulam parâmetros mínimos para progressividade dos direitos sociais, e evitando-se retrocessos e sem possibilidades de restrição não conferida pelo constituinte originário, somente sendo lícito ao legislador a regulamentação da Constituição Federal para estabelecer condições para o gozo dos direitos sociais, e jamais no sentido de esvaziá-los, exceto se degenerarmos para inconstitucionalidades e atentarmos contra o princípio da proporcionalidade. Tais direitos são vinculados à nossa constituição programática sendo efetivados assim através de programas e de legislação integradora, balizando-se pela reserva do possível. Doutrinadores como Ingo Wolfgang Sarlet consideram perigoso esse entendimento de direito fundamental como norma programática, pois isso conferiria vasta margem de liberdade ao poder público em suas decisões. Devemos lembrar que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, conforme preceito constitucional. As doutrinas portuguesas, alemãs e brasileiras os qualificam como direitos adquiridos ou expectativas de direito, através do princípio norteador da segurança jurídica.
Um exemplo clássico de ação constitucional para proteção de preceitos fundamental é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental-ADPF, carentes de definição precisa, pouco explícitos.
A estabilização desse sistema confere uma limitação do legislador sobre o próprio legislador, impondo-lhe uma proibição de revolução reacionária, ou de contra-revolução social, o que pode eventualmente ser contestado por outra subsequente geração.
O que não pode ser violado é o mínimo existencial e a própria essência da dignidade da pessoa humana, o que deve ser respaldado por uma máxima aplicabilidade do princípio da proibição do retrocesso, princípio este internalizado em nosso ordenamento jurídico atual. Nesse sentido já possuímos um nível considerável de concretização do conteúdo dessas normas intangíveis. O doutrinador português Joaquim José Gomes Canotilho entende que a constituição dirigente não mais consegue regular a complexidade da sociedade atual, embora o que ele diga tenha como foco a constituição portuguesa, mesmo que esse sistema visa a redução das desigualdades sociais e a realização da justiça social. Os argumentos atuais são plenamente justificáveis, mas não de fácil solução ou implementação jurídico-política, dependendo mais especificamente da realidade econômica do ambiente onde se pretendem efetivados,e de seus altos e baixos. Desconsiderar o individual para se maximizar os benefícios para uma maioria pode se configurar inadequado.
Os direitos fundamentais possuem um viés ético importante como projeto emancipatório, mas sua crise pode impulsionar, precipitar e agravar a crise de outros direitos, uma vez que o ser humano é o fundamento da república.
Referências:
ALMEIDA, Dayse Coelho de. A fundamentalidade dos Direitos Sociais no Estado Democrático de Direito. Revista Jus Vigilantibus. 21 de jul 2010.
BRASIL, Francisca Narjana de Almeida. O princípio da proibição do retrocesso social como efetividade da segurança jurídica. Revista Jus Vigilantibus. 2010.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 11. Ed. São Paulo. 2009.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10ª. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
SOUZA, Ítalo Roberto Fuhrmann e. PROIBIÇÃO DO RETROCESSO E DIREITOS SOCIAIS – entre o dever De Legislar e o Imperativo da Omissão em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2009.
STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado.
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