1. INTRODUÇÃO

                        O trabalho notarial nem sempre se depara com as condições ideais em termos de regularidade de requisitos documentais e de vontade das partes e de suas relações entre si e com o tabelião, de acordo com elementos formais e materiais e limites objetivos e subjetivos[1], para fins de elaboração de uma escritura pública. Assim, pode haver empecilhos no momento de elaboração da mesma.

                        É importante considerar, especialmente, que a delegação de serviços notariais é ato administrativo complexo e se desenvolve dentro dos limites da outorga a ela atinentes, sendo fiscalizada pelo poder judiciário.

2. DESENVOLVIMENTO

                        Conforme os ditames e princípios do notariado latino e de regras hermenêuticas[2], o tabelião pode eventualmente se negar a elaborar uma escritura se houver a falta de documentos, insuficiência ou vícios no conteúdo formal e material dos mesmos, para fins de elaboração da escritura, que maculem sua possibilidade jurídica.

                         Há a possibilidade da ocorrência de fato novo, abuso de poder, hipossuficiência de uma das partes, e assimetria nas relações, verificados no transcurso do ato de elaboração da escritura, o tabelião pode se negar a finalizá-la, informando as partes, em nota explicativa, das razões de tal decisão, solicitando que sanem os pontos específicos necessários, a fim de que se possa efetivar tal ato o mais breve possível, pelo menos com suas cláusulas mínimas e corretas, fruto de condições e relações adequadas entre as partes e o notário[3]. Será importante observar os regramentos locais das normas correcionais do Tribunal de Justiça atinentes à matéria da elaboração de escrituras públicas, relações do tabelião com as partes e das relações e condições entre as partes.

                        O tabelião pode se negar também a elaborar escritura pública se o objeto da mesma for considerado ilegal, que atente, por exemplo, contra a lei e o direito, contra o Estado, a segurança nacional ou contra os bons costumes, por exemplo, ou que tenha ciência, por exemplo, de coação ou ato criminoso, para fins de elaboração da mesma, podendo informar à sua corregedoria sobre tais fatos.

                        O tabelião, dotado de fé pública de configuração juris tantum, tem por dever, dentre suas atribuições e competências, tratar com as partes de forma equilibrada, não podendo atuar como que assessor exclusivo de apenas uma delas, mas atuando como consultor de ambas as partes, garantindo a autenticidade, segurança jurídica e publicidade, segundo a boa técnica, dos atos e negócio jurídicos a serem praticados, atuando como pacificador social, intervindo administrativamente e mesmo judicialmente nos atos desejados pelas partes, e desobstruindo o poder judiciário[4]. Pode, dentro desse contexto, orientar que as partes constituam patrocinador, que pode ser em comum entre ambas, para fins de assessoramento e correção das assimetrias. A intervenção do tabelião é neutra, imparcial[5].

                        No caso agudo, podem as partes suscitar procedimento administrativo de dúvida ao juiz corregedor, por meio do tabelião, ou mesmo o notário pode suscitar a dúvida, e isso pode, em última e definitiva instância, tramitar na via judicial. O objetivo será sempre sanar as assimetrias nas relações e documentos, e o retorno das partes à serventia para fins de realização do ato escritural e consolidação de negócio jurídico.

3. CONCLUSÃO

Não é de todo descartável que na prática diária dos serviços notariais ocorram as situações acima descritas, e é recomendável sempre que para fins de sanar irregularidades o tabelião aja das formas ora descritas, informando as partes dos motivos e das ações necessárias para sanar assimetrias nas relações e requisitos genéricos e específicos envolvidos em atos e negócios jurídicos para fins de elaboração de escrituras públicas, por meio uma atitude independente, utilizando-se de nota explicativa, ou aventando e utilizando as possibilidades de suscitação de dúvida administrativa, em tudo imbuído do espírito jurídico-consultivo, característico do exercício da atividade notarial em caráter privado. A ultima ratio seria a utilização da via judicial para deslinde de controvérsias.

4. REFERÊNCIAS

CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e Registradores Comentada. Ed. Saraiva. 8ª Edição. São Paulo – 2010. Pg. 64-100.

CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. Ed. Saraiva. 20ª Edição. São Paulo – 2010. Pg. 54-65.

Lei 7.433/1985 (Lei de Escrituras Públicas) e Decreto 93.240/1986.

Lei 10.406/2002 (Código Civil), art. 215.

LINS, Caio Mário de Albuquerque. Série Concursos Jurídicos. Coleção Concurso para Notários e Registradores. A Atividade Notarial e de Registro. Vol. 1. Pg. 11-25, 33-36.