RESUMO: Este estudo se propõe a investigar a existência e os limites do poder de polícia do INSS na análise da realização de trabalho nocivo para saúde (tempo especial) para fins de aposentadoria por tempo de contribuição ou aposentadoria especial. A investigação procurará delimitar aquilo que é atribuição do INSS e o que atribuição das Delegacias do Trabalho e, por fim, quem é parte legítima para discutir eventual informação falsa prestada nos documentos emitidos pelas empresas. Por derradeiro, qual a Justiça competente para dirimir os conflitos daí decorrentes.
PALAVRAS-CHAVE: Poder de Polícia do INSS. Análise de tempo especial. Competência administrativa do INSS; Competência jurisdicional.
INTRODUÇÃO
No âmbito do processo administrativo previdenciário bem como em sua repercussão judicial é comum se discutir o enquadramento de tempo de trabalho como especial, isto é, a análise da eventual nocividade do trabalho desenvolvido pelo segurado para fins de contagem de tempo ficto em sua aposentadoria futura. Seja ela uma aposentadoria por tempo de contribuição seja uma aposentadoria especial.
Em largas linhas, para fins de comprovação administrativa desta especialidade o segurado faz uso de documentos emitidos pela empresa na qual trabalha. O INSS, ao seu turno pauta sua análise pelo conteúdo e pela forma apresentada por estes documentos que, ao longo da história, receberam diferentes denominações como DSS8030, DIRBEN8030 e finalmente a partir de primeiro de janeiro de 2004, PPP (perfil profissiográfico previdenciário). Este último documento deve ser preenchido pela empresa com base em Laudo técnico das condições ambientais de trabalho (LTCAT), que é feito por médico do trabalho ou por engenheiro de segurança do trabalho.
Caso o documento, que tem como escopo retratar o ambiente de trabalho, comprove que o labor era prestado em condições especiais, o segurado tem o direito de ver o lapso respectivo contado como especial para fins de aposentadoria, o que na prática faz com que ele precise trabalhar por um período mais curto para atingir este fim. Em sentido contrário, quando o documento fornece dados que não apontam para a especialidade, o tempo é considerado comum para fins de contagem.
Em não raras oportunidades, entretanto, o segurado ingressa com o pedido administrativo de aposentadoria impugnando os documentos confeccionados/emitidos pela(s) empresa(s) na(s) qual(is) trabalhou, que deveriam servir de prova para suas alegações. É comum a alegação, por exemplo, de que os dados presentes nos documentos no que tange à descrição do ambiente de trabalho não condizem com a realidade da prestação. Em outras palavras, que as informações são falsas. Em razão disso, o segurado requer que o INSS fiscalize administrativamente o ambiente de trabalho de forma a desconstituir a documentação e forjar outra nova, que lhe seja mais benéfica.
Tal pretensão, em regra, não é atendida administrativamente. Na melhor das hipóteses o INSS tem emitido “carta de exigências” para que o próprio segurado forneça nova documentação adquirida junto à empresa. No entanto, a Autarquia mesma não exige diretamente da empresa a confecção de tais documentos. Isto é, o pedido do segurado no sentido de que a Administração atue positivamente na instrução do processo administrativo de forma a obter prova que lhe seja mais favorável é negado. Quando isto acontece, quase que invariavelmente, a pretensão é judicializada. Em regiões industrializadas do país o número de ações judiciais que se ocupam de tal tema é grande e cada vez maior.
Na esfera judicial o segurado postula que o juízo determine a realização de perícia técnica na própria empresa ou em outra similar com o intuito de obter a nova documentação. É dizer, o segurado ingressa em juízo contra o INSS impugnando as provas que ele mesmo apresenta. Documentação esta fornecida pela empresa. Normalmente a Justiça defere a realização da perícia. Quando ela é favorável ao segurado, o INSS é condenado ao enquadramento do tempo discutido como especial. A empresa, sem embargo, que supostamente emitiu documento com informação falsa, não é de qualquer forma implicada no processo. Ademais, o laudo confeccionado em juízo não serve de prova para os demais segurados em condição análoga que alegadamente são vítimas da empresa.
O quadro descrito está longe de ser simples, pois envolve diversos temas conexos no que diz respeito ao problema da prova da nocividade do labor para fins de enquadramento de tempo especial. Para citar apenas os sujeitos envolvidos, é possível perceber já numa análise perfunctória repercussões na relação existente entre INSS e segurado, entre segurado e empresa, entre empresa e INSS e, entre este último e o Poder Judiciário.
A grande gama de problemas que circundam esta temática não pode ser em sua totalidade aqui estudada, mais dois deles são de extrema importância e serão aqui objeto de reflexão: a) o primeiro diz respeito à existência ou não de competência do INSS para fazer este tipo de fiscalização. Isto é, sobre se e de que forma a Autarquia pode e deve analisar ambientes de trabalho e, a partir daí, desconstituir quanto ao conteúdo documentos emitidos pelas empresas no interesse dos segurados; b) o segundo está diretamente ligado ao primeiro e guarda relação com competência jurisdicional para análise deste tipo de contenda. Isto é, a depender da (in)existência de competência administrativa do INSS, existem implicações inexoráveis quanto à quem compete se ocupar da temática na esfera jurisdicional.
A resposta a tais questões passa inicialmente pela análise da existência de poder de polícia por parte do INSS e dos limites de seu exercício. Isto porque se trata de um pedido de fiscalização no âmbito administrativo. Outrossim porque se está diante da alegação, ainda que implícita, de descumprimento desta suposta obrigação. Para além disso traz à tona o papel das Delegacias do Trabalho no que diz respeito ao dever de fiscalizar os ambientes de trabalho quanto às normas de segurança e higiene previstas na CLT.
O que se vai demonstrar no presente trabalho é que o INSS não possui esta competência administrativa nos moldes postulados e que, assim, é parte ilegítima para figurar no polo passivo de ações judiciais que tenham como objeto discutir o conteúdo de documentos emitidos pelos empregadores. De outra sorte, como decorrência lógica desta ilegitimidade, que a Justiça Federal não possui competência jurisdicional para processar e julgar o pedido. Tal competência, em razão de disposição constitucional, é da Justiça do Trabalho.
A proposta central é oferecer parâmetros para delimitar o poder de polícia do INSS no que tange à análise do tempo especial, a fim de permitir que cada interessado no fenômeno de uma forma global, seja na perspectiva do poder público (Administração Pública e Poder Judiciário) seja na ótica da esfera privada (segurados e empresas), possa cumprir seus deveres e exercer seus direitos de forma adequada a partir dos comandos emanados do ordenamento jurídico.
1. DO PODER DE POLÍCIA GENÉRICO NO ÂMBITO DO INSS
Qualquer investigação acerca da existência de um poder fiscalizatório e/ou punitivo atribuível ao Instituto Nacional do Seguro Social necessita principiar com uma delimitação conceitual. Nesta linha, há que se fazer menção a um clássico conceito de Direito administrativo, qual seja o de “poder de polícia”. Para além das construções doutrinárias e acadêmicas, tem-se já na legislação pátria uma referência fundamental do que se pode compreender como tal, qual seja, a previsão do art. 78 do Código Tributário Nacional que assim dispõe:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ACP/acp-31-66.htm")
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
Além de conceituar o poder de polícia, o parágrafo único do artigo citado traz parâmetros para o que seria considerado um exercício válido de tal poder. Celso Antônio Bandeira de Mello critica a expressão “poder de polícia”, entre outros motivos porque engloba atividades muito distintas como, por exemplo, a atividade legislativa, típica do Parlamento, e a atividade de execução, própria da Administração. Ademais, por ser terminologia ligada ao vetusto conceito de “Estado de polícia” que precedeu ao “Estado de Direito”.[1] Na mesma linha, contemporaneamente a doutrina administrativista vem utilizando o termo “Direito administrativo sancionador” para designar a atividade punitiva interna ou externa do Estado no âmbito do processo administrativo.[2]
Fábio Medina Osório, por exemplo, concebe o Direito administrativo sancionador como um recorte do poder de polícia. Isto porque, entre outras razões, nem sempre o exercício deste último implica a imposição de sanção. Trata-se o primeiro, em última análise, da possibilidade de se impor restrições à liberdade e à propriedade e da eventual cominação de sanções para o caso de descumprimento das respectivas obrigações legais.
Seria de se perguntar, destarte, qual a relação que tal previsão legal acerca do poder de polícia possui com o INSS, na medida em que inserida no Código Tributário, bem como aparentemente dissociada da atividade fim da Autarquia que possui como dever precípuo a concessão de benefícios previdenciários. Em outras palavras, seria lícito indagar: em que medida é viável falar em poder de polícia por parte do INSS? Possui tal entidade esta competência?
A resposta é afirmativa. O art. 125-A da Lei nº 8.213/91 é claro neste sentido ao assim dizer:
Art. 125-A. Compete ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS realizar, por meio dos seus próprios agentes, quando designados, todos os atos e procedimentos necessários à verificação do atendimento das obrigações não tributárias impostas pela legislação previdenciária e à imposição da multa por seu eventual descumprimento. (Incluído pela Lei nº 11.94HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11941.htm"1HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11941.htm", de 2009)
Veja-se que o artigo citado estabelece a competência do INSS para realizar através dos seus agentes, quando assim designados, as medidas necessárias para a “verificação do atendimento das obrigações não tributárias impostas pela legislação previdenciária”. Ou seja, das obrigações previdenciárias. A Lei nº 8.213/1, a chamada Lei de Benefícios, é o referencial normativo central para se saber quais são estas obrigações.
Em razão disto, tem-se que os contornos do poder de polícia (ou do poder sancionador) do INSS no que diz respeito à documentação que deve ser mantida e/ou emitida pelas empresas para que os segurados que nela laboram, ou tenham laborado, possam comprovar eventual prestação em condições nocivas à saúde, está diretamente ligado às obrigações previdenciárias impostas às empresas. Em outras palavras, as obrigações previstas na legislação previdenciária para as empresas são o critério de delimitação da competência sancionadora do INSS.
1.1 DAS CONDIÇÕES DE VALIDADE DO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA EM GERAL
Pensar a atividade punitiva administrativa do Estado a partir de uma analogia ao poder punitivo penal, sob a luz do Direito constitucional, como pretende o citado jurista Fábio Medina Osório, exige que se perquira acerca da principiologia que norteia o Direito administrativo sancionador. Na lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Flávio Amaral Garcia, nesta linha, é possível citar quatro grandes princípios: o do devido processo legal, da segurança jurídica, da legalidade e da tipicidade.[3]
O princípio da legalidade vem insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal, sendo aplicável a toda Administração e, assim, por óbvio e, sobretudo, quando o Estado exerce seu poder punitivo. Tal princípio, que também está expresso no art. 5º, II da Constituição Federal[4], é composto por outros dois subprincípios: o da primazia da lei e o da reserva legal. O primeiro traz a noção de que todos os atos estatais emanados na forma de lei possuem superioridade hierárquica sobre os atos infralegais, como o regulamento ou o ato administrativo, por exemplo. Já o segundo, exige que em determinadas situações seja criada uma lei em sentido formal, ou seja, um ato emanado do Poder Legislativo para regular a esfera jurídica pretendida, sendo inviável a regulamentação direta por atos normativos infralegais ou por regulamento autônomo.[5]
Já tipicidade é um corolário da legalidade, trazendo a necessidade de que a conduta (obrigação, por exemplo) que será objeto de fiscalização administrativa e gerará eventual punição em caso de descumprimento, seja expressa e claramente prevista na legislação. Na lição de Diogo Figueiredo Neto,
Toda a norma sancionatória, mesmo que sistematizada em norma de densidade inferior, pressupõe um grau de detalhamento que seja suficiente para garantir ao administrado conhecer em que medida o descumprimento de um dever jurídico acarretará a incidência de uma determinada infração administrativa.[6] (grifos do autor)
Em resumo, a conduta deve estar previamente delineada na lei e suficientemente determinada para oferecer um parâmetro de comportamento e, consequentemente, as balizas para que o Estado exerça sua função fiscalizadora e, se necessário, punitiva. Trata-se de exigência que decorre da cláusula constitucional da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança, seu corolário.
Por fim, a atuação administrativa deve se pautar pelo devido processo legal, em suas facetas formal e material, ou adjetiva e substantiva como prefere Diogo Figueiredo Neto[7], previsto no art. 5º, LIV e LV da CF: “LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes[...]”.
1.2 DO PODER DE POLÍCIA ESPECÍFICO DO INSS NO ÂMBITO DA ATIVIDADE ESPECIAL
Demonstrada a existência de um poder de polícia genérico e da competência sancionadora em caso de descumprimento da legislação previdenciária, resta saber se tal possibilidade se faz presente nas situações a) em que as empresas não possuem documentação relativa à prestação de atividade laboral nociva para a saúde de seus funcionários; b) em que possuem tal documentação em desconformidade com a legislação; c) quando emitem os documentos necessários à prova da especialidade de forma irregular ou ainda, por fim, d) quando o segurado alega no âmbito administrativo que a documentação emitida pela empresa é falsa.
O art. 58 da Lei de Benefícios é esclarecedor quanto às obrigações da empresa em matéria de atividade especial ao assim dispor:
Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista. (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)
§ 2º Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)
§ 3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento.(Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997) (grifou-se)
Da leitura do parágrafo primeiro do art. 58 é possível apreender de imediato um dever da empresa de emitir um formulário (cuja configuração é delineada pelo INSS, via normatização infralegal) com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, que será utilizado pelo segurado como prova do tipo de atividade que exercia para fins previdenciários. Isto é, tanto a emissão do documento quanto a existência pretérita de um laudo técnico que deverá embasá-lo, são obrigações legais de caráter administrativo atribuídas às empresas.
O parágrafo segundo do mesmo artigo estabelece expressamente o dever de que se faça constar no laudo a informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual ou coletiva que diminua a intensidade dos agentes nocivos, os chamados EPI e EPC respectivamente.
O parágrafo terceiro prevê o dever de a empresa manter o laudo técnico atualizado e emitir o documento de comprovação da efetiva exposição de acordo com o laudo. Prevê ainda sanção expressa para o caso de descumprimento deste preceito, fazendo referência ao art. 133 da Lei de Benefícios, que será adiante abordado.
E o parágrafo quarto determina que a empresa elabore e mantenha atualizado perfil profissiográfico previdenciário, que abranja as atividades desenvolvidas pelo trabalhador.
Ou seja, resta configurada (tipificada) uma série de obrigações da empresa, no que diz respeito à documentação que deve possuir e/ou emitir a fim de comprovar que tipo de atividade ela empresa realiza, bem como de especificar quais as atividades que seus empregados exercem, sobretudo em caso de nocividade do labor, para que eles utilizem como prova de suas pretensões junto à Administração pública.
O art. 133 da Lei de Benefícios prevê a sanção para o caso de cometimento de infração à mesma lei, variável de acordo com a gravidade:
Art. 133. A infração a qualquer dispositivo desta Lei, para a qual não haja penalidade expressamente cominada, sujeita o responsável, conforme a gravidade da infração, à multa variável de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros) a Cr$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros).
As formalidades a serem atendidas no preenchimento do PPP serão estabelecidas pelo próprio INSS, nos termos do art. 58, §1º da Lei nº 8.213/91. Logo, a ausência de laudo técnico ou o preenchimento do PPP em desacordo com o laudo ou com qualquer outra exigência da legislação previdenciária lato sensu, por exemplo, configuram infrações administrativas passíveis de punição, exercida pelo INSS através da imposição de multa, tendo por base os parâmetros monetários acima citados.
Veja-se que a Lei estabelece as obrigações administrativas, a competência para fiscalização e para punição pelo descumprimento, bem como a sanção aplicável neste último caso. Restam atendidos, portanto, os preceitos da legalidade, da tipicidade e da segurança jurídica.
1.3 DA COMPETÊNCIA DO INSS E DAS DELEGACIAS REGIONAIS DO TRABALHO
Por outro lado, não há que se confundir tal competência do INSS, ligada às obrigações de caráter administrativo-previdenciário previstas na Lei de Benefícios para as empresas, com as obrigações trabalhistas previstas para as empresas na Consolidação das Leis do Trabalho e a respectiva competência para fiscalização de seu cumprimento atribuída às Delegacias Regionais do Trabalho também pela CLT. Estas últimas quanto às normas de segurança e saúde do trabalhador.
A delimitação de cada atividade é importante para que se evite punição dúplice para a mesma circunstância, em homenagem ao brocardo “non bis in idem”. Ademais, para que se estabeleça a competência jurisdicional para analisar os conflitos de interesses decorrentes de cada caso.
Veja-se que a CLT estabelece às seguintes obrigações à empresa, aplicáveis também aos casos de prestação laboral em condições nocivas para saúde do trabalhador:
Art. 157 - Cabe às empresas: (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
Outrossim, atribui às Delegacias Regionais do Trabalho a fiscalização do seu cumprimento:
Art. 156 - Compete especialmente às Delegacias Regionais do Trabalho, nos limites de sua jurisdição: (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
I - promover a fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
II - adotar as medidas que se tornem exigíveis, em virtude das disposições deste Capítulo, determinando as obras e reparos que, em qualquer local de trabalho, se façam necessárias; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977) (grifou-se)
III - impor as penalidades cabíveis por descumprimento das normas constantes deste Capítulo, nos termos do art. 201. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977) [...]
Art. 161 - O Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortúnios de trabalho. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 1º - As autoridades federais, estaduais e municipais darão imediato apoio às medidas determinadas pelo Delegado Regional do Trabalho. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 2º - A interdição ou embargo poderão ser requeridos pelo serviço competente da Delegacia Regional do Trabalho e, ainda, por agente da inspeção do trabalho ou por entidade sindical. (Incluído HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6514.htm"pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 3º - Da decisão do Delegado Regional do Trabalho poderão os interessados recorrer, no prazo de 10 (dez) dias, para o órgão de âmbito nacional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho, ao qual será facultado dar efeito suspensivo ao recurso. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 4º - Responderá por desobediência, além das medidas penais cabíveis, quem, após determinada a interdição ou embargo, ordenar ou permitir o funcionamento do estabelecimento ou de um dos seus setores, a utilização de máquina ou equipamento, ou o prosseguimento de obra, se, em conseqüência, resultarem danos a terceiros. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 5º - O Delegado Regional do Trabalho, independente de recurso, e após laudo técnico do serviço competente, poderá levantar a interdição. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 6º - Durante a paralisação dos serviços, em decorrência da interdição ou embargo, os empregados receberão os salários como se estivessem em efetivo exercício. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
De se frisar que tanto as obrigações legais determinadas às empresas, quanto a competência atribuída às Delegacias do Trabalho, previstas na CLT, muito embora possam se aproximar daquelas previstas na Lei de Benefícios, com elas não se identificam. As primeiras têm natureza trabalhista e as segundas têm natureza administrativa-previdenciária. Possuem objetos distintos, embora relacionáveis em alguns casos.
O INSS, por expressa previsão legal, deve se limitar a verificar a regularidade da documentação. Isto é, deve investigar se a empresa possui Laudo Técnico das condições ambientais do trabalho ou similar, produzido de acordo com os parâmetros legislativos, bem como se as informações emitidas nos formulários ou PPP estão em consonância com o laudo e, ademais, os documentos estão adequados à legislação.
Quer isso significar que o INSS não tem competência para fiscalizar o cumprimento das normas de segurança do trabalho. Menos ainda para verificar se o conteúdo expresso no laudo confeccionado por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho a pedido da empresa condiz com a realidade. Ou seja, não pode o perito médico da Autarquia impugnar ou desconsiderar as informações técnicas colocadas no documento. O mesmo vale para formulários confeccionados sem base em laudo.
A existência de agentes nocivos e os níveis de exposição a que os trabalhadores se submetem dizem respeito ao ambiente de trabalho que, por sua vez, está regrado pela legislação trabalhista. A documentação deste quadro fático é formalizada pela empresa e, por isso, é objeto de uma relação de trabalho, na medida em que é um ato cujos sujeitos são o empregado e o empregador. O INSS não participa desta relação.
Por isso, quando o segurado discorda do conteúdo do laudo técnico de condições ambientais ou do preenchimento do PPP ou de outro formulário, alegando que a empresa omite informações ou que elas são inverídicas, não tem o INSS competência para averiguar a impugnação. Trata-se de um problema que deve ser resolvido entre a empresa e seu empregado. Repise-se, é uma questão que gira em torno da relação de trabalho.
A Autarquia entra somente em um segundo momento, qual seja, aquele em que as condições de trabalho já estão retratadas em documentos. Caso o INSS verifique em uma visita técnica do SST ou mesmo no decorrer de um processo administrativo que existem discrepâncias entre os documentos, ausência deles ou equívocos no seu preenchimento, pode expedir recomendações para atendimento da legislação. Ademais, em caso de manutenção do descumprimento, a competência fiscalizatória e, por derradeiro, punitiva, pode ser exercitada.
No entanto, cabe à DRT a fiscalização sobre a existência de EPC e EPI ou da presença de agentes nocivos e os níveis identificáveis, por exemplo, e não ao INSS. Esta entidade pública somente poderia cobrar a informação sobre a existência de tais equipamentos de proteção em laudo ou em PPP, mas não a sua utilização em si. E assim inúmeros outros exemplos poderiam ser citados. Em suma, a competência do INSS se circunscreve à análise documental. A veracidade das informações lançadas deve ser verificada pelos órgãos de proteção trabalhistas, porque se trata de matéria circunscrita à legislação trabalhista e não à previdenciária.
Veja-se que a própria legislação previdenciária no âmbito infralegal aponta para esta direção. Caso o INSS se depare com problemas de competência alheia, como a possível ausência de veracidade das informações lançadas nos documentos, a Instrução Normativa nº 45/2010 estabelece algumas providências no sentido de notificar as demais autoridades para que analisem a questão no espectro de suas competências:
Art. 251. Em análise médico-pericial, além das outras providências cabíveis, o PMP emitirá:
I - Representação Administrativa- RA, ao Ministério Público do Trabalho - MPT competente e ao Serviço de Segurança e Saúde do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho do MTE, sempre que, em tese, ocorrer desrespeito às normas de segurança e saúde do trabalho que reduzem os riscos inerentes ao trabalho ou às normas previdenciárias relativas aos documentos LTCAT, CAT, PPP e GFIP, quando relacionadas ao gerenciamento dos riscos ocupacionais;
II - RA, aos conselhos regionais das categorias profissionais, com cópia para o MPT competente, sempre que a confrontação da documentação apresentada com os ambientes de trabalho revelar indícios de irregularidades, fraudes ou imperícia dos responsáveis técnicos pelas demonstrações ambientais de que trata o § 1º do art. 254;
III - Representação para Fins Penais - RFP, ao Ministério Público Federal ou Estadual competente, sempre que as irregularidades previstas nesta Subseção ensejarem a ocorrência, em tese, de crime ou contravenção penal;
IV - Informação Médico Pericial - IMP, à PFE junto ao INSS na Gerência-Executiva ou Superintendência Regional a que está vinculado o PMP, para fins de ajuizamento de ação regressiva contra os empregadores ou subempregadores, quando identificar indícios de dolo ou culpa destes, em relação aos acidentes ou às doenças ocupacionais, incluindo o gerenciamento ineficaz dos riscos ambientais, ergonômicos e mecânicos ou outras irregularidades afins.
§ 1º As representações deste artigo deverão ser remetidas por intermédio do Serviço/Seção de Saúde do Trabalhador da Gerência Executiva.
§ 2º O Serviço/Seção de Saúde do Trabalhador da Gerência Executiva deverá enviar cópia da representação de que trata este artigo à unidade local da SRFB e à PFE junto ao INSS, bem como remeter um comunicado, conforme modelo constante no Anexo XIX, sobre sua emissão para o sindicato da categoria do trabalhador.
§ 3º A PFE junto ao INSS deverá emitir um comunicado, Anexo XIX, para o sindicato da categoria do trabalhador para as ações regressivas decorrentes da IMP, de que trata o § 4º deste artigo.
§ 4º A PFE junto ao INSS deverá auxiliar e orientar a elaboração das representações de que trata este artigo, sempre que solicitada. (grifou-se)
De se notar que em caso de suposto descumprimento de normas de segurança do trabalho não é o perito médico previdenciário (PMP) quem detém competência fiscalizatória e punitiva. Em tal caso tem o dever, no entanto, de informar o Ministério Público do Trabalho - MPT competente e o Serviço de Segurança e Saúde do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho do MTE. A própria redação da Instrução Normativa permite chegar a esta ilação quando fala em ocorrência “em tese” de desrespeito à legislação no inciso I do art. 251, “indícios de irregularidade” no inciso I do art. 251, ocorrência “em tese” de crime no inciso III e “indícios de dolo ou culpa” no inciso IV. Ou seja, os demais órgãos a serem comunicados farão a análise concreta da ocorrência ou não das supostas irregularidades apontadas. A decisão não cabe ao INSS.
Uma vez mais cabe referir que, como o INSS está vinculado à análise do documento emitido pela empresa e não tem competência para averiguar a correção as informações no que diz respeito à sua veracidade, não pode a ele ser imputada a obrigação de verificar tal congruência (entre realidade e documento) ou a ausência dela, sob pena de se sustentar a existência de um poder de polícia que não está expresso na legislação.
1.4 COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DO INSS PREVISTAS NA IN Nº 45/2010
A IN nº 45/2010 prevê outras possibilidades de atuação da Autarquia no sentido de exercer o poder de polícia, dando concreção aos comandos da Lei nº 8.213/91, mais especificamente a aqueles previstos nos art. 57 e 58 acima mencionados:
Art. 250. O PMP poderá, sempre que julgar necessário, solicitar as demonstrações ambientais de que trata o § 1º do art. 254 e outros documentos pertinentes à empresa responsável pelas informações, bem como inspecionar o ambiente de trabalho. [...]
Art. 254. As condições de trabalho, que dão ou não direito à aposentadoria especial, deverão ser comprovadas pelas demonstrações ambientais e documentos a estas relacionados, que fazem parte das obrigações acessórias dispostas na legislação previdenciária e trabalhista.
§ 1º As demonstrações ambientais e os documentos a estas relacionados de que trata o caput, constituem-se, entre outros, nos seguintes documentos:
I - Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA;
II - Programa de Gerenciamento de Riscos - PGR;
III - Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção - PCMAT;
IV - Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO;
V - Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho - LTCAT; e
VI - Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP.
§ 2º Os documentos referidos nos incisos I, II, III e IV do § 1º deste artigo poderão ser aceitos pelo INSS desde que contenham os elementos informativos básicos constitutivos do LTCAT.
§ 3º Os documentos referidos no § 1º deste artigo serão atualizados pelo menos uma vez ao ano, quando da avaliação global, ou sempre que ocorrer qualquer alteração no ambiente de trabalho ou em sua organização, por força dos itens 9.2.1.1 da NR-09, 18.3.1.1 da NR-18 e da alínea “g” do item 22.3.7.1 e do item 22.3.7.1.3, todas do MTE.
§ 4º Os documentos de que trata o § 1º deste artigo emitidos em data anterior ou posterior ao exercício da atividade do segurado, poderão ser aceitos para garantir direito relativo ao enquadramento de tempo especial, após avaliação por parte do INSS.
Art. 255. As informações constantes no CNIS serão observadas para fins do reconhecimento do direito à aposentadoria especial, nos termos do art. 19 e § 2º do art. 68 do RPS.
§ 1º Fica assegurado ao INSS a contraprova das informações referidas no caput no caso de dúvida justificada, promovendo de ofício a alteração no CNIS, desde que comprovada mediante o devido processo legal.
§ 2º As demonstrações ambientais de que trata o § 1º do art. 254, em especial o LTCAT, deverão embasar o preenchimento da GFIP e dos formulários legalmente previstos para reconhecimento de períodos alegados como especiais para fins de aposentadoria, nos termos dos §§ 2º e 7º do art. 68 do RPS.
§ 3º A empresa deverá apresentar, sempre que solicitadas pelo INSS, as demonstrações ambientais de que trata o § 1º do art. 254, para fins de verificação das informações.
Apenas a título de exemplo, o perito médico previdenciário (PMP) tem competência para fiscalizar os documentos que denotem as “demonstrações ambientais” previstos no § 1º do art. 254. Estes mesmos documentos é que devem servir de parâmetro para embasar o preenchimento da GFIP. Logo, o perito está autorizado a emitir exigências às empresas para que esclareçam eventual divergência. O parágrafo 3º do art. 255 impõe a obrigação de que a empresa forneça sempre que solicitada as demonstrações ambientais. Ademais, se a documentação não estiver atualizada nos termos do § 3º do art. 254, a empresa está a cometer uma infração à legislação previdenciária, passível de punição através de multa.
Os art. 262, 265 e 273 da In nº 45/2010 trazem mais hipóteses de competência fiscalizatória da Autarquia que merecem destaque. Trata-se de casos em que a possibilidade de exercício não está circunscrita ao perito médico, podendo ser exercida por qualquer servidor com atribuição para tal.
Art. 262. Qualquer que seja a data do requerimento dos benefícios previstos no RGPS, as atividades exercidas deverão ser analisadas, conforme quadro constante no Anexo XXVII. [...]
§ 3º Quando for constatada divergência entre os registros constantes na CTPS ou CP e no formulário legalmente previsto para reconhecimento de períodos alegados como especiais, esta deverá ser esclarecida, por diligência prévia na empresa, a fim de verificar a evolução profissional do segurado, bem como os setores de trabalho, por meio de documentos contemporâneos aos períodos laborados.
§ 4º Em caso de divergência entre o formulário legalmente previsto para reconhecimento de períodos alegados como especiais e o CNIS ou entre estes e outros documentos ou evidências, o INSS deverá analisar a questão no processo administrativo, com adoção das medidas necessárias.
§ 5º Serão consideradas evidências, de que trata o § 4º deste artigo, entre outros, os indicadores epidemiológicos dos benefícios previdenciários cuja etiologia esteja relacionada com os agentes nocivos.
Art. 265. Existindo dúvidas com relação à atividade exercida ou com relação à efetiva exposição a agentes nocivos, de modo habitual e permanente, não ocasional nem intermitente, a partir das informações contidas no PPP e no LTCAT, quando estes forem exigidos, e se for o caso, nos antigos formulários mencionados no art. 258, quando esses forem apresentados pelo segurado, poderá ser solicitado pelo servidor do INSS esclarecimentos à empresa, relativos à atividade exercida pelo segurado, bem como solicitar a apresentação de outros registros existentes na empresa que venham a convalidar as informações prestadas.
Art. 273. Caberá às APS a análise dos requerimentos de benefícios e dos pedidos de recurso e revisão, com inclusão de períodos de atividades exercidas em condições especiais, para fins de conversão de tempo de contribuição ou concessão de aposentadoria especial, com observação dos procedimentos a seguir:
I - verificar o cumprimento das exigências das normas previdenciárias vigentes, no formulário legalmente previsto para reconhecimento de períodos alegados como especiais e no LTCAT, quando exigido, e somente após regularização encaminhar para análise técnica;
II - verificar se a atividade informada permite enquadramento por categoria profissional até 28 de abril de 1995, véspera da publicação da Lei nº 9.032, de HYPERLINK "http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1995/9032.htm"1995, no quadro II, anexo ao RBPS, aprovado pelo Decreto nº 83.080, de 1979 e a partir do código 2.0.0 (Ocupações) do quadro III, a que se refere o art. 2º do Decreto nº 53.831, de 1964, promovendo o enquadramento, ainda que para o período analisado, conste também exposição à agente nocivo;
III - preencher o formulário denominado Despacho e Análise Administrativa da Atividade Especial, Anexo X, com obrigatoriedade da indicação das informações do CNIS sobre a exposição do segurado a agentes nocivos, por período especial requerido; e
IV - encaminhar o formulário legalmente previsto para reconhecimento de períodos alegados como especiais e o LTCAT, quando exigido, ao Serviço ou à Seção de Saúde do Trabalhador da Gerência Executiva, para análise técnica, somente para requerimento, revisão ou recurso relativo a enquadramento por exposição à agente nocivo.
§ 1º Quando do não enquadramento por categoria profissional, o servidor administrativo deverá registrar no processo o motivo e a fundamentação legal, de forma clara e objetiva e, somente encaminhar para análise técnica do Serviço ou da Seção de Saúde do Trabalhador da Gerência Executiva, quando houver agentes nocivos citados nos formulários para reconhecimento de períodos alegados como especiais.
§ 2º Caso haja irregularidade no preenchimento do formulário, deverá o servidor explicitá-la e emitir carta de exigência.
§ 3º Ressalta-se que, períodos já reconhecidos como de atividade especial, deverão ser respeitadas as orientações vigentes à época, sendo que, neste caso, a análise pela perícia médica dar-se-á exclusivamente nas situações em que houver períodos com agentes nocivos ainda não analisados.
Por todo o exposto, tem-se que, uma vez demonstrada a ausência de competência administrativa do INSS para falsear a veracidade da documentação emitida pela empresa parametrizando-a com o ambiente de trabalhado retratado, a Autarquia é parte ilegítima para figurar no polo passivo de processo judicial em que se discuta justamente esta questão. É dizer, se o segurado não concorda com o conteúdo do documento no que tange à realidade, seu conflito de interesses não é com o INSS, mas com o empregador que emitiu a documentação.
2 DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA DIRIMIR CONFLITO ENTRE EMPREGADO E EMPREGADOR
De outro turno, caso não haja composição entre empregado e empregador acerca das condições ambientais de trabalho e da sua posterior formalização através de documentos (formulários e laudos), a competência para dirimir o conflito é da Justiça do Trabalho. Trata-se de corolário da norma de competência definida no art. 114 da Constituição Federal.
Reza o texto magno, cuja atual redação foi conferida pela EC nº 45/04:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (...)
IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
Está-se diante de competência exclusiva estabelecida pela Constituição Federal, que não pode ser usurpada pela Justiça Federal, nem mesmo sob o argumento de que a questão discutida é incidental. Isto porque o dispositivo constitucional citado não traz exceções.
Sobre o tema existe inclusive súmula do Supremo Tribunal Federal: Súmula 736: “Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.”
Pois foi demonstrado acima que a impugnação dos documentos que retratam o ambiente de trabalho para fins de recebimento de benefício previdenciário é resultado de um conflito entre empregado e empregador, que apenas tem reflexos posteriores de natureza previdenciária quando documentalmente materializado. O INSS está preso às informações prestadas pela empresa, desde que a legislação previdenciária seja obedecida do ponto de vista formal.
Soma-se a isso o fato de que eventual usurpação de competência pela Justiça Federal sob o pretexto de proteger o segurado, além de contrariar a Constituição, a legislação e jurisprudência do STF e do TST, o que por si só é suficiente para que se evite tal proceder, possui consequências colaterais e faz com que a principal implicada no problema, qual seja a empresa, não seja responsabilizada no que tange a seus deveres previdenciários, seja com relação ao segurado que é sujeito ativo da relação processual seja com os demais segurados nas mesmas condições que não estejam litigando em juízo.
Quando um perito é designado pela Justiça Federal, por exemplo, para analisar a empresa que emitiu os documentos impugnados, ela, a empresa não faz parte da relação processual. Está tão somente submetida à determinação judicial e deve se limitar a permitir que a perícia seja realizada. No entanto, caso o perito judicial encontre especialidade não descrita na documentação ou descrita em níveis diversos, o que implica consequências previdenciárias e eventualmente tributárias, a empresa não sofre qualquer efeito da decisão. Para os demais trabalhadores, a documentação supostamente incorreta é mantida. Em virtude da ausência de efeitos práticos, a empresa não tem qualquer interesse em defender sua documentação e eventualmente confrontar os achados da perícia judicial. Não é responsabilizada do ponto de vista trabalhista.
Veja-se que a Constituição fala em “controvérsias decorrentes da relação de trabalho” como pressuposto para fixação da competência. O foro correto de discussão acerca de ambiente de trabalho é a Justiça do Trabalho. A própria legislação previdenciária pressupõe esta constatação quando fala no art. 256, §1º, I, que os laudos técnicos de ambiente de trabalho confeccionados no interior de uma reclamatória trabalhista servem de prova em caso de ausência de laudo emitido pela empresa:
Art. 256. Para instrução do requerimento da aposentadoria especial, deverão ser apresentados os seguintes documentos:
I - para períodos laborados até 28 de abril de 1995, véspera da publicação da Lei nº 9.032, de 1995, será exigido do segurado o formulário de reconhecimento de períodos laborados em condições especiais e a CP ou a CTPS, bem como, para o agente físico ruído, LTCAT;
II - para períodos laborados entre 29 de abril de 1995, data da publicação da Lei nº 9.032, de 1995, a 13 de outubro de 1996, véspera da publicação da MP nº 1.523, de 1996, será exigido do segurado formulário de reconhecimento de períodos laborados em condições especiais, bem como, para o agente físico ruído, LTCAT ou demais demonstrações ambientais;
III - para períodos laborados entre 14 de outubro de 1996, data da publicação da MP nº 1.523, de 1996, a 31 de dezembro de 2003, data estabelecida pelo INSS em conformidade com o determinado pelo § 2º do art. 68 do RPS, será exigido do segurado formulário de reconhecimento de períodos laborados em condições especiais, bem como LTCAT, qualquer que seja o agente nocivo; e
IV - para períodos laborados a partir de 1º de janeiro de 2004, conforme estabelecido por meio da Instrução Normativa INSS/DC nº 99, de 5 de dezembro de 2003, em cumprimento ao § 2º do art. 68 do RPS, o único documento será o PPP.
§ 1º Observados os incisos I a IV do caput, e desde que contenham os elementos informativos básicos constitutivos do LTCAT poderão ser aceitos os seguintes documentos:
I - laudos técnico-periciais emitidos por determinação da Justiça do Trabalho, em ações trabalhistas, acordos ou dissídios coletivos;
É clarividente o sentido do dispositivo ao pressupor a competência da Justiça do Trabalho para legitimar a ausência de documento que espelha uma relação de trabalho. Inexiste a mesma hipótese para laudos realizados perante a Justiça Federal. É lógico, porque a figura central da relação, que é a empresa, que emitiu a documentação, não participa como ator processual no último caso.
Por derradeiro, caso o segurado não concorde com o conteúdo dos documentos emitidos pela empresa a qual esta ou esteve vinculado, e caso não consiga resolver sua irresignação diretamente com ela, o caminho correto a ser seguido a partir da Constituição Federal, da legislação trabalhista, previdenciária e da processual é demandar a empresa junto à Justiça do Trabalho. Neste sentido já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho:
RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. art. 114, i, da cf/88. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PREECHIMENTO DA GUIA PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO-ppp. trabalho sob condições de risco acentuado à saúde. produção de prova. A guia do Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP - deve ser emitida pelo empregador e entregue ao empregado quando do rompimento do pacto laboral, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, nos exatos termos da legislação previdenciária, contendo a relação de todos os agentes nocivos químicos, físicos e biológicos e resultados de monitoração biológica durante todo o período trabalhado, em formulário próprio do INSS, com preenchimento de todos os campos (art. 58, parágrafos 1º a 4º, da Lei 8.213/1991, 68, §§ 2º e 6º, do Decreto 3.048/1999, 146 da IN 95/INSS-DC, alterada pela IN 99/INSS-DC e art. 195, § 2º, da CLT). A produção de prova, para apuração ou não de labor em reais condições de risco acentuado à saúde e integridade física do trabalhador, mesmo para fazer prova junto ao INSS visando à obtenção da aposentadoria especial, por envolver relação de trabalho, é da competência desta Justiça Especializada, art. 114, I, da CF, e não da Justiça Federal. Há precedentes. A mera entrega da PPP não impede que a Justiça do Trabalho proveja sobre a veracidade de seu conteúdo. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, RR - 18400-18.2009.5.17.0012 , Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 21/09/2011, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/09/2011)
De posse do resultado da contenda, caso seja vitorioso, pode apresentar a documentação que entende correta ao INSS, que fará a análise do pedido administrativo a partir dela, podendo inclusive ser utilizado o laudo obtido no processo trabalhista como prova plena e não apenas “emprestada”.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, foi possível demonstrar que o INSS de fato possui poder de polícia para atuar fiscalizando e eventualmente punindo as empresas em caso de descumprimento da legislação previdenciária. Especificamente no que diz respeito ao problema da prova do tempo especial esta competência possui lastro na Lei de Benefícios e na legislação infralegal.
Entretanto, como a extensão do poder de polícia deve ficar circunscrita ao previsto na legislação, em homenagem ao princípio da legalidade e seu corolário, a tipicidade, procurou-se delimitar as possibilidades de atuação da Autarquia. O parâmetro normativo adotado, além da Lei de Benefícios, por óbvio, foi a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, que trata das normas de segurança e saúde do trabalhador e da competência para fiscalizar seu cumprimento.
Da leitura de ambos os diplomas legais foi possível chegar à ilação de que INSS tem competência para exercer poder de polícia apenas para analisar a existência da documentação exigida para fins de prova do tempo especial, a regularidade formal de sua emissão e o preenchimento dos formulários de acordo com os laudos elaborados por engenheiros de segurança ou por médicos do trabalho. Ou seja, sua competência se limita a análise da documentação emitida pelas empresas.
Já às Delegacias do Trabalho cabe o dever de fiscalizar os ambientes de trabalhos no que diz respeito às normas de segurança e saúde do trabalhador. Como os laudos e os formulários emitidos pelas empresas pretendem ser um espelho da prestação laboral, eventual disparidade em termos de conteúdo entre o documento e a realidade é um problema que se circunscreve à relação entre empregador e empregado. É uma questão trabalhista que tem repercussões previdenciárias e não previdenciária propriamente dita.
Em outros termos, o INSS tem competência sancionadora apenas para analisar a existência e a regularidade formal dos documentos que devem servir de prova para especialidade. O conteúdo dos documentos, que diz respeito ao ambiente de trabalho, deve ser objeto de fiscalização por parte das Delegacias do Trabalho.
Se o INSS não tem competência administrativa para desconstituir documentos apresentados por segurados sob alegação de falsidade das informações prestadas pela empresa, por conseguinte, é parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação judicial que pretende discutir justamente a faticidade retratada no documento.
É possível afirmar com segurança que, uma vez sendo o INSS parte ilegítima para figurar como réu em ações judiciais que pretendem desconstituir documentos emitidos por empresas, a consequência inexorável é a incompetência absoluta da Justiça Federal para julgar o caso produzindo tal prova em favor do segurado. A competência jurisdicional para discutir o conflito de interesses materializado no documento emitido pela empresa é da Justiça do Trabalho, conforme assentado inclusive pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior do Trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira e GARCIA, Flávio Amaral. A principiologia do Direito administrativo sancionador. (In) Revista eletrônica de Direito Administrativo. Número 28 –novembro/dezembro/janeiro – 2012.
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 4. ed. São Paulo: RT, 2011.
RODRIGUES, Itiberê de Oliveira. Fundamentos dogmático-jurídicos do princípio da legalidade administrativa no Brasil. (In) Fundamentos de Direito do Estado. Estudos em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. Humberto Ávila (organizador). São Paulo: Malheiros, 2005.
[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. P. 717. Digno de menção é o fato de que o Código Tributário Nacional foi publicado justamente durante o período da ditadura militar, mais precisamente em 1966, momento em que o “Estado policial” teve no país uma de suas maiores expressões. A despeito disso, o dispositivo legal citado faz expressa menção à legalidade e à vedação ao abuso ou ao desvio de poder.
[2] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 4. ed. São Paulo: RT, 2011. Passim. Propõe o autor uma aproximação do sistema punitivo administrativo com o sistema penal, a partir de uma leitura do Direito administrativo a luz dos direitos e garantias constitucionais e legais.
[3] NETO, Diogo de Figueiredo Moreira e GARCIA, Flávio Amaral. A principiologia do Direito administrativo sancionador. (In) Revista eletrônica de Direito Administrativo. Número 28 –novembro/dezembro/janeiro – 2012. p. 2.
[4] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”
[5] RODRIGUES, Itiberê de Oliveira. Fundamentos dogmático-jurídicos do princípio da legalidade administrativa no Brasil. (In) Fundamentos de Direito do Estado. Estudos em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. Humberto Ávila (organizador). São Paulo: Malheiros, 2005. P. 55 e 56.
[6] NETO, Diogo de Figueiredo Moreira e GARCIA, Flávio Amaral. A principiologia do Direito administrativo sancionador. p. 18.
[7] Ibidem, p. 5. Segundo o autor, O devido processo legal adjetivo é a garantia formal de observância de um procedimento legal, que assegura às partes, em processos administrativos ou judiciais, o direito à ampla defesa e ao contraditório, dentre outras garantias. O devido processo legal substantivo, por sua vez, está relacionado a um processo justo e razoável logo no momento da criação normativo-legislativa.” Idem.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria Seccional Federal de Canoas/RS; Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Especialista em Direitos Humanos pela mesma Universidade. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande/RS (FURG).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MIOZZO, Pablo Castro. Considerações sobre a existência e os limites do poder de polícia do INSS na análise de tempo especial: implicações administrativas e jurisdicionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/41968/consideracoes-sobre-a-existencia-e-os-limites-do-poder-de-policia-do-inss-na-analise-de-tempo-especial-implicacoes-administrativas-e-jurisdicionais. Acesso em: 05 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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