ADRIANA ANGELIM: orientadora, docente do curso de Direito da Faculdade Estácio de Macapá - AP especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil.
RESUMO: O presente artigo científico visa discorrer acerca do instituto da Lei de Improbidade Administrativa aplicada aos agentes políticos. Tal lei objetiva a tutela do patrimônio público e da moralidade, impondo aos agentes públicos e aos particulares, padrão de comportamento probo. Tendo como objetivo principal, realizar um estudo sobre um recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (Reclamação n. 2.138/DF) que retira do polo passivo da Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) os agentes políticos quando estes praticam atos de improbidade, o que acarretou, de certa forma, considerável retrocesso no que diz respeito à atuação do Estado no combate a tais ilícitos, analisando-se assim, os aspectos históricos da Lei de Improbidade, sua evolução no ordenamento jurídico e sua importância nos dias atuais, com embasamento na Constituição Federal e doutrina correlata, com ênfase nos princípios da administração pública, principalmente no Princípio da Moralidade, um dos pilares da Lei n. 8.429/92.
PALAVRAS-CHAVE: Lei de Improbidade Administrativa, Lei de Responsabilidade, Agentes Políticos.
ABSTRACT: This research paper aims to argue about the Administrative Misconduct Law Institute applied to politicians. Such an objective law the protection of public property and morality by requiring public officials and private individuals, honest behavior pattern. Its main objective, conduct a study on a recent understanding of the Supreme Court (complaint no. 2138 / DF) that removes the defendant of Law n. 8429/92 (Administrative Misconduct Law) political actors when they practice acts of misconduct, leading to, in a way, considerable setback with regard to state action to combat such unlawful, analyzing thus aspects the historical Misconduct Act, its evolution in the legal system and its importance today, with basis in the Constitution and related doctrine, emphasizing the principles of public administration, especially in the Principle of Morality, one of the pillars of Law n. 8.429 / 92.
KEYWORDS : Administrative Misconduct Law, Responsibility Law, Political Agents.
Sumário: Introdução. 1. Conceito de probidade, improbidade e histórico da legislação brasileira sobre improbidade administrativa. 2. Lei 8.429/92 – aspectos gerais. 2.1. Base constitucional. 2.2Sujeitos da lei de improbidade administrativa. 2.3. Sanções da lei n. 8.429/92. 2.4. Natureza jurídica das sanções. 3. Reclamação constitucional n. 2.138-6/DF. 4. Da aplicabilidade da lei de improbidade administrativa aos agentes políticos. 4.1. Distinção entre a lei n. 8.429/92 e a lei n. 1.079/50. 4.2. Violação ao princípio da isonomia. 4.3. Inaplicabilidade da lei 8.429/92 – retrocesso social. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A improbidade é um dos infortúnios da máquina administrativa e um dos aspectos negativos da má administração, fatos que acompanham o homem em sua trajetória no tempo. Segundo Bezerra Filho (2014) o ato de improbidade retrata a noção de desonestidade, de má-fé e ilegalidade que importa em auferimento de vantagem ilícita ou que resulta em prejuízo ao erário ou que atenta contra os princípios norteadores da administração pública.
Todo agente público tem a obrigação legal de servir a administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira oferecer.
O objetivo do legislador ao criar a Lei n. 8.429/92, foi combater justamente esses atos que lesionavam, de alguma forma, o bom funcionamento da administração pública. Essa importante lei regula o disposto no art. 37, §4º da CRFB/88 e vem sendo utilizada em todo o país para a responsabilização de inúmeros agentes públicos e autoridades de todas as esferas federativas.
Ocorre que, uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal retira do polo passivo da Lei 8.429/92 os agentes políticos, quando estes praticam atos de improbidade, embora inexista previsão constitucional a respeito.
O STF, na Reclamação n. 2.138/DF, que teve por relator o Ministro Nelson Jobim, em decisão de 12/06/2007, admitiu, por maioria mínima de votos (6 x 5), que os agentes políticos passíveis de responsabilização por crime de responsabilidade (Lei n. 1.079/50) estariam excluídos de serem processados por improbidade administrativa.
Em contramão a esse entendimento do STF, boa parte da doutrina defende a utilização da Lei de Improbidade Administrativa como ferramenta contra os atos ímprobos praticados por agentes públicos, inserido nesse rol os agentes políticos.
Uma das teses que defendem utilização da Lei n. 8.429/92 para responsabilizar tais agentes, é a argumentada por Fazzio Junior (2014), em que aduz que a Constituição não impede, mas até admite expressamente a duplicidade de regimes, sendo que nem todos os atos de improbidade previstos na Lei n. 8.429/92 estão tipificados como crimes de responsabilidade pela Lei n. 1.079/50.
Neste caminho, busca-se avaliar que não há norma constitucional que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º. E que seria igualmente incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza.
O presente artigo tem por escopo, outrossim, discutir sobre a aplicabilidade da Lei de Improbidade administrativa aos agentes políticos, em virtude da análise das leis em comento, bem como das doutrinas relacionadas ao tema, e por fim, baseado no atual posicionamento dos Tribunais Estaduais, Tribunas Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça, sem todavia, esgotar o estudo do tema.
1. CONCEITO DE PROBIDADE, IMPROBIDADE E HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Para assinalar o tema “Improbidade Administrativa” no Direito brasileiro e na sociedade, é indispensável haver uma retrospectiva histórica, no que diz respeito à origem e uso dessa expressão.
A probidade, na lição de Neves e Oliveira (2014), deriva do latim probitate, que significa aquilo que é bom, honrado, de boa-fé, íntegro.
Segundo os ensinamentos de Marcelo Figueiredo:
“A probidade, denominada moralidade administrativa qualificada, refere-se a determinado aspecto da moralidade administrativa. A probidade se encontra vinculada ao aspecto da conduta do administrador; assim, pode-se dizer que viola a probidade o agente público, no qual, em suas tarefas e deveres cotidianos, atrita os denominados tipos legais” (FIGUEIREDO, 2000, p. 22).
A improbidade, ao contrário, deriva do latim improbitae, que significa imoralidade, desonestidade. Dessa maneira, administração ímproba representa administração de má qualidade.
Acerca da imoralidade administrativa, Di Pietro argumenta que:
“Sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras da boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa” (DI PIETRO, 2013, p. 684).
Osório (2013) assevera que em diversos modelos comparados de direito, o termo improbidade é tido como uma espécie de má gestão pública que comporta atuações dolosas e culposas.
De acordo com os ensinamentos de Fazzio Junior (2014), no Brasil, desde a Proclamação da República em 1889, apenas em 1946 o direito constitucional brasileiro voltou-se para a necessidade de inserir entre seus postulados a prevenção e a correção do desvirtuamento da Administração Pública, pelos seus próprios agentes.
A primeira Constituição Republicana inicia a possibilidade de o Presidente da República ser responsabilizado por atos que atentassem contra a probidade administrativa, conforme estabelecido no art. 54, VI e VII, da Constituição Republicana de 1891. Destaca-se, portanto, que essa previsão constitucional de responsabilização do Presidente da República necessitava de lei posterior que definiriam os efeitos, tratando-se então, de norma de eficácia limitada.
Ante a falta de força normativa da Constituição de 1891, suficiente para ordenar a administração da coisa pública, resultou a promulgação da Constituição de 1934, que simplesmente reapresentou os já referidos preceitos constitucionais anteriores, como por exemplo, em seu art. 57, alíneas f e g, reescreveu com as mesmas palavras o art. 54, VI e VII, da Constituição de 1891.
A Carta Magna de 1946 foi além, evoluindo no que concerne à probidade administrativa. Inovou ao determinar, no parágrafo 31 de seu art. 141, que a lei dispusesse sobre “o sequestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica”, prevendo a possibilidade de o Estado reaver legalmente, o dinheiro oriundo de malversação de verbas públicas, como bem colocado por Garcia e Alves:
“A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 inaugurou na história constitucional brasileira, a possibilidade de qualquer agente público ter seus bens perdidos ou sequestrados em razão de abuso de cargo público” (GARCIA E ALVES, 2014, p. 371).
Esse avanço, no entanto, não era munido de eficácia plena, necessitando, novamente, de lei posterior que lhe desse efeito. Foi nesse contexto que o Deputado Ari Pitombo, em 1951, propôs um projeto de lei para regulamentar o supracitado dispositivo, que veio a ser aprovado em 1º de junho de 1957, recebendo o n. 3.164, batizado como a Lei Pitombo – Godói Ilha.
Atribui-se a essa Lei alguns dos institutos mais relevantes sobre o tema, entre os quais o que possibilitava o sequestro e a perda de bens em favor da Fazenda Pública, dos bens adquiridos por servidor público, por influência ou abuso de cargo ou função pública ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilização criminal.
Em 21 de dezembro de 1958, em complementação à Lei n. 3.164/57, foi promulgada a Lei n. 3.502, denominada Lei Bilac Pinto, que, por seu turno, regulou o sequestro e o perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função e ainda enunciou no art. 1º, § 1º o conceito de servidor público, procurando esclarecer o termo para fins de identificação do sujeito ativo dos atos que importavam em enriquecimento à custa do patrimônio público.
A evolução, no que diz respeito à busca pela probidade na administração pública, veio com a promulgação da atual Constituição em 5 de outubro de 1988, uma vez que, ao reforçar os poderes do Ministério Público, dando-lhe atribuições para combater a má gestão e a corrupção, a Carta Magna de 1988 conferiu legitimidade aos seus membros para propor ações civis públicas contra atos de improbidade administrativa.
Nessa conjuntura, o §4º do art. 37 da Constituição Federal de 1988 estabeleceu as sanções para prática de atos de improbidade administrativa, sem prejuízo da ação penal cabível, representando um grande avanço em termos de punição aos agentes ímprobos. Ressalta-se, que tal dispositivo era uma norma de eficácia limitada, necessitando de regulamentação legal para atingir sua total aplicabilidade.
Visto que não havia projeto de lei visando a regulamentação do referido parágrafo, as leis Pitombo-Godói Ilha e Bilac Pinto foram recepcionadas quando da promulgação da Constituição de 1988, porém, não se mostraram suficientes para coibir os atos de ímprobos na administração dentro desse novo cenário de moralidade administrativa e, assim, foi proposto um anteprojeto com 13 artigos que versavam unicamente sobre a coibição do enriquecimento ilícito por parte dos agentes públicos que, posteriormente, foi alterado através de substitutivos e resultou na aprovação da Lei n. 8.429/92 – a Lei de Improbidade Administrativa.
Discorrendo sobre a importância da Lei de Improbidade Administrativa, Alexandre de Moraes pontua que:
“A finalidade do combate constitucional à improbidade administrativa é evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois como já salientava Platão, a punição e afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretende fixar uma regra proibitiva, de que os servidores públicos não se deixem induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado” (MORAES, 2007, p. 311).
Não obstante, é de interesse geral da coletividade que a Administração Pública funcione de forma regular, garantindo à sociedade, segurança no trato com a coisa pública, bem como de estabelecer um padrão ético a ser seguido por todos os agentes públicos, exigindo a estrita observância aos princípios que regem a administração pública e o ordenamento jurídico pátrio, sendo então, a Lei de Improbidade Administrativa um dos mais importantes instrumentos de defesa desses interesses.
2. LEI 8.429/92 – ASPECTOS GERAIS
A Lei de Improbidade Administrativa visa a tutela do patrimônio público e da moralidade, impondo aos agentes públicos e aos particulares, padrão de comportamento probo, ou seja, honesto, íntegro, reto.
O objetivo do legislador ao criar a Lei n. 8.429/92, foi combater justamente esses atos que lesionavam, de alguma forma, o bom funcionamento da administração pública.
A base constitucional da Lei de Improbidade Administrativa, seus sujeitos ativo e passivo, bem como as sanções e sua natureza jurídica serão estudados a seguir.
2.1 BASE CONSTITUCIONAL
A Carta Magna de 1988 trata em vários dispositivos da proteção voltada
à probidade administrativa, prevendo vários instrumentos que possibilitam o controle popular e de legitimados específicos.
A previsão constitucional mais significativa quanto à proteção da probidade administrativa encontra-se no capítulo referente à Administração Pública, no art. 37, §4º da CRFB/88, que inovou no ordenamento jurídico brasileiro, ao impor ao legislador infraconstitucional a previsão de sanções àqueles que cometem atos de improbidade administrativa. Senão, veja-se o referido dispositivo constitucional:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
[...]
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
A referida norma alcança a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes, em todos os entes da Federação, e trata-se de uma norma de eficácia limitada. Em 1992 ocorreu sua regulamentação com a edição da Lei nº 8.429/92, sendo de observância obrigatória para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Nesse sentido Fazzio Junior pontua, que:
“Dito alargamento horizontal dos casos de improbidade administrativa também implica sua verticalização, permitindo a seleção quantitativa das sanções proporcionais à dos respectivos atos, bem como introduzidos, no quadro de sanções aos atos de improbidade, penalidade política (perda da função pública), penalidade civil (multa civil) e penalidades administrativas (perda da função pública, interdição contratual e vedação de benefícios fiscais e creditícios)” (FAZZIO JUNIOR, 2014, p. 12).
Observa-se que a existência da lei não importou na extinção da corrupção na administração pública e a desonestidade dos agentes públicos, mas a norma veio garantir que o exercício da função pública pelo agente público, seja realizado em prol do povo, detentor do poder.
2.2 SUJEITOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Os sujeitos da improbidade administrativa são as pessoas, físicas ou jurídicas, envolvidas com atuação ímproba e mencionadas na Lei 8.429/92.
O sujeito passivo é a pessoa que sofre o ato de improbidade administrativa, tais vítimas estão elencadas no art. 1º, caput e parágrafo único, da Lei 8.429/92, que estabelece:
“Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”. (grifo nosso).
Esses são os sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa, ou seja, as pessoas que podem ser diretamente atingidas por tais atos.
O sujeito ativo, segundo a Lei 8.429/92, diz respeito às pessoas que podem praticar atos de improbidade administrativa e, assim sendo, sofrer as penalidades nela estabelecidas.
Tais atos, a priori, somente podem ser praticados por agentes públicos, com ou sem auxílio de terceiros, assim dispondo o preceito que disciplina a matéria:
“Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.
As normas da Lei de Improbidade Administrativa que descrevem os atos de improbidade administrativa e cominam as sanções correspondentes são endereçadas precipuamente aos agentes públicos. Entretanto, elas são aplicáveis, no que couber àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta, conforme o art. 3º da Lei nº 8.429/92.
Assim, uma pessoa que não seja agente público pode ter sua conduta enquadrada na Lei 8.429/92 e sofrer as sanções nela estabelecidas. Observa-se que, isoladamente, essa pessoa não tem como praticar um ato de improbidade administrativa, visto que o texto legal apenas prevê três hipóteses em que isso pode ocorrer: quando a pessoa induz um agente público a praticar o ato ímprobo, ou; ela pratica um ato de improbidade junto com o agente público, ou; ela se beneficia de um ato de improbidade que não praticou.
O conceito de agente público para efeito de enquadramento na Lei 8.429/92 é muito bem esboçado por Neves e Oliveira (2014), quando lecionam, in verbis:
“A expressão “agentes públicos” possui conotação genérica e engloba todas as pessoas físicas que exercem funções estatais.
Os agentes públicos são responsáveis pela manifestação de vontade do Estado e a função pública, no caso, pode ser exercida de forma remunerada ou gratuita; definitiva ou temporária; com ou sem vínculo formal com o Estado.
Os agentes públicos podem ser divididos em, pelo menos, dois grupos: agentes públicos de direito agentes públicos de fato.
Os agentes públicos de direito são as pessoas físicas que possuem vínculos jurídicos formais e legítimos com o Estado. São os agentes regularmente investidos nos cargos, empregos e funções públicas.
As espécies de agentes públicos de direito são: agentes políticos, servidores públicos (estatutários, celetistas e temporários) e particulares em colaboração (são aqueles que exercem, transitoriamente, a função pública e não ocupam cargos ou empregos públicos, como, por exemplo: jurados, mesários em eleições, etc.).
Por outro lado, os agentes públicos de fato são os particulares que, sem vínculos formais e legítimos com o Estado, exercem, de boa-fé, a função pública com o objetivo de atender o interesse público. São os agentes que não foram investidos previamente nos cargos, empregos e funções públicas”.(NEVES E OLIVEIRA, 2014, p. 6)
Como se constata pela análise da citação acima transcrita, a concepção de agente público não foi constituída sob uma perspectiva meramente funcional, sendo definido o sujeito ativo a partir da identificação do sujeito passivo dos atos de improbidade, havendo um nítido entrelaçamento entre as duas noções.
Assim, coexistem lado a lado, estando sujeitos às sanções previstas na Lei 8.429/92, os agentes que exerçam atividade junto à administração direta e indireta e aqueles que não possuam qualquer vínculo com o Poder Público, exercendo atividade eminentemente privada junto à entidade que, de qualquer modo, recebam verba de origem pública.
2.3 SANÇÕES DA LEI N. 8.429/92
No que diz respeito às sanções, o artigo 37, § 4º, da CRFB/88 prevê que os atos de improbidade administrativa importarão na suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A Lei n. 8.429/92 contempla três espécies de atos de improbidade: i) os que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); ii) os que causam prejuízo ao erário (art. 10), e; iii) os que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11).
Tais espécies podem ser utilizadas isoladamente ou mesmo combinando-as. Apenas no que tange à violação aos princípios, que esta pode ser considerada isoladamente, pois uma correta interpretação do sistema de sanções da Lei 8.429/92 a considera absorvida pelas anteriores.
Na Lei 8.429/92, as sanções estão previstas especificamente no art. 12, em seus três incisos e de acordo com o ato de improbidade praticado. Vejamos:
“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:(Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos”(grifo nosso).
A suspensão dos direitos políticos, a multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios e incentivos fiscais ou creditícios são sanções graduáveis, de modo que poderão variar em uma graduação maior ou menor, dependendo da espécie de improbidade praticada e suas circunstâncias.
Assim, os atos que importam em enriquecimento ilícito tem uma maior intensidade; os lesivos ao erário público, intensidade mediana, e menor intensidade quando se tratar de atos ímprobos aos princípios administrativos.
2.4 NATUREZA JURÍDICA DAS SANÇÕES
A natureza jurídica das sanções aplicáveis aos atos de improbidade administrativa não é pacífica, sendo que parte da doutrina (maioria) acredita que a natureza é cível. Enquanto, contrariamente, outros autores aderem à teoria da natureza penal das sanções previstas na Lei n. 8.429/92.
Sobre esse questionamento, Fernando Capez faz importante ressalva:
“Uma coisa é a natureza da ação cabível – não resta dúvidas que se trata de ação cível porque o artigo 37, §4º fala sem prejuízo da ação penal cabível;
Outra coisa é a natureza dos atos de improbidade – isto porque o próprio artigo 12 da Lei n. 8.429/92 fala sem prejuízo das sanções penas, civis e administrativas”. (CAPEZ, 2009, p. 24).
O texto contido na última parte do art. 37, §4º da CRFB/88, reflete que as sanções ali previstas não possuem caráter penal. Isto porque, se o ato de improbidade, configurar-se também como ilícito penal, as consequências penas serão apuradas em processo próprio, distinto e independente da apuração da improbidade, segundo a Lei n. 8.429/92.
No mesmo sentido, as sanções da Lei de Improbidade Administrativa não se confundem com as sanções previstas nos regulamentos funcionais dos agentes públicos. Essas sanções, na esfera federal, estão previstas na Lei. 8.112/90, e possuem natureza administrativa.
Di Pietro (2010) conclui que as sanções aplicáveis aos atos de ímprobos, possuem natureza civil, visto que podem levar a perda do cargo, indisponibilidade dos bens e ressarcimento dos danos. Afirma que, a perda da função, neste caso é inerente à própria suspensão dos direitos políticos, ou seja, se eles forem perdidos, deve haver também a perda da função pública.
No ordenamento jurídico brasileiro veda-se a punição excessiva, ou o bis in idem. No entanto, também vige em nosso ordenamento jurídico, a ideia de independência das instâncias. Assim, uma mesma conduta pode enquadrar-se como falta funcional, como figura tipificada no Código Penal e também como ato de improbidade administrativa, ou seja, só uma falta pode acarretar sanções distintas, cada uma correspondente a uma ilicitude.
3. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL N. 2.138-6/DF
A Reclamação n. 2.138-6/DF teve sua origem em uma Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público Federal contra Ronaldo Mota Sandemberg, na época, Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. A ação consistia na solicitação e utilização indevida de aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) para transporte particular, e também pela utilização do Hotel de Trânsito da Aeronáutica.
O Juiz Federal incumbido condenou o ex-ministro pela prática de improbidade administrativa, por entender que este, mesmo ciente de que haveria indubitável desvio de finalidade em sua conduta, se utilizou do transporte de aviões a jato da Força Aérea Brasileira (FAB), bem como desfrutou do Hotel de Trânsito da Aeronáutica, para atividades que não diziam respeito à sua atuação funcional.
Frente a esse cenário, o ex-ministro interpôs recurso de apelação, e ao mesmo tempo, a União Federal ajuizou a Reclamação n. 2.138-6/DF, alegando que Ronaldo Mota Sandemberg, por ser Ministro de Estado, não se condicionaria à Lei de Improbidade Administrativa, respondendo apenas por crime de responsabilidade – Lei n. 1.079/50, perante o STF.
Vejamos a ementa da decisão, in verbis:
“RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS.
I. PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM.
I.1. Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que justificou, no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da reclamação, diante do fato novo da cessação do exercício da função pública pelo interessado. Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente do Brasil perante a Organização das Nações Unidas. Manutenção da prerrogativa de foro perante o STF, conforme o art. 102, I, c, da Constituição. Questão de ordem rejeitada.
I. 2. Questão de ordem quanto ao sobrestamento do julgamento até que seja possível realizá-lo em conjunto com outros processos sobre o mesmo tema, com participação de todos os Ministros que integram o Tribunal, tendo em vista a possibilidade de que o pronunciamento da Corte não reflita o entendimento de seus atuais membros, dentre os quais quatro não têm direito a voto, pois seus antecessores já se pronunciaram. Julgamento que já se estende por cinco anos. Celeridade processual. Existência de outro processo com matéria idêntica na seqüência da pauta de julgamentos do dia. Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada.
II. MÉRITO.
II.1.Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei nº 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo.
II.2.Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei nº 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, c, (disciplinado pela Lei nº 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, c, da Constituição.
II. 3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, c; Lei nº 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992).
II. 4.Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, c, da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos.
II. 5.Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal - Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, c, da Constituição. III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE”.
(BRASIL, STF, Relator: Ministro Nelson Jobim, Relator para Acórdão: Ministro Gilmar Mendes, 2007).
Após fazer a distinção entre os regimes de responsabilidade político-administrativa previstos na CF/88, quais sejam, o do art. 37, § 4º, regulado pela Lei 8.429/92, e o regime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, c, da CF e disciplinado pela Lei 1.079/50, o Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria, que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser proposta perante o STF nos termos do art. 102, I, c, da CF.
Ressalta-se, que a presente decisão não representa uma posição pacífica do STF acerca da matéria, sendo que a decisão do julgamento foi dada por maioria mínima de votos (6 x 5).
4. APLICABILIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AOS AGENTES POLÍTICOS
É cediço que existe no ordenamento jurídico brasileiro, diversas disciplinas sobre a matéria de improbidade. Que estas, apesar de tratarem da moralidade no trato com a coisa pública, dizem respeito a objetivos constitucionais diferentes, como é o caso da Lei n. 8.429/92, que regula o art. 37, §4º da CRFB/88, e da Lei n. 1.079/50, que dispõe sobre os crimes de responsabilidade e seu procedimento judicial, e regula o art. 85, V da Carta Magna.
O que não é determinado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e que não foi objeto de discussão na Reclamação 2.138-6/DF, é o fato de ser claramente possível a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos de maior escalão. Porém, como já mencionado, o entendimento do STF é o de que, os sujeitos passíveis de sofrer sanções pela Lei n. 1.079/50 não se submetem às sanções previstas na Lei n. 8.429/92.
Para melhor entendimento acerca do tema, é necessária a conceituação do termo “agente político” que é claramente traçado por Celso Antônio Bandeira De Mello, in verbis:
“[...] agentes políticos são titulares de cargos estruturais à organização política do país, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os governadores, prefeitos e respectivos vices, ou auxiliares imediatos dos chefes do executivo (ministros e secretários), bem como senadores, deputados federais e estaduais e vereadores, estes exercem o múnus público [...]” (MELLO, 2009, p. 238).
Hely Lopes Meirelles também conceitua o termo agente político, da seguinte forma:
“Agentes políticos: são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais” (MEIRELLES, 2007, p.169).
Nessa linha de pensamento, o autor inclui os Chefes do Executivo e seus auxiliares imediatos, os membros das casas Legislativas, os membros do poder judiciário, os membros do Ministério Público, dos Tribunais de Contas, os representantes diplomáticos e demais autoridades que atuem com independência funcional no desempenho de atribuições governamentais.
Diante disso, procura-se corroborar nos tópicos seguintes, que a Lei de Improbidade Administrativa é plenamente aplicável a todos os servidores públicos, sejam agentes políticos ou não, contrariamente ao que dispôs o Pretório Excelso na Reclamação 2.138-6/DF.
4.1 DISTINÇÕES ENTRE A LEI N. 8.429/92 E A LEI N. 1.079/50
O art. 37, §4º, da CRFB/88, constitui fundamento constitucional da Lei n. 8.429/92, de modo a preservar a moralidade na administração pública. Por conseguinte, a Lei n. 1.079/50, encontra seu fundamento de validade na disposição contida no art. 85 da CRFB/88, que visa, também, a preservação da probidade na administração pública.
O ex-ministro Joaquim Barbosa, no bojo da Reclamação n. 2.138-6/DF, distingue as duas leis em comento da seguinte forma:
“Há no Brasil uma dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distintos: em primeiro lugar, existe àquela específica da lei 8.429/92, de tipificação cerrada, mas de incidência sobre um vasto rol de possíveis acusados [...] e uma outra normatividade relacionada à exigência de probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao Chefe do Poder Executivo e aos ministros de Estado, ao estabelecer no art. 85, inciso V, [...]. No plano /infraconstitucional, essa segunda normatividade de complementa com o art. 9º da lei 1.079/50. Trata-se de disciplinas normativas diversas, as quais, embora visando, ambas, a preservação do mesmo valor ou princípio constitucional, - isto é, a moralidade na Administração Pública – têm, porém, objetivos constitucionais diversos” (BRASIL, STF, Relator: Ministro Nelson Jobim, Relator para Acórdão: Ministro Gilmar Mendes, 2007, p. 334).
Segundo o ex-ministro, o rol de sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa contidos na Lei n. 8.429/92, é bem mais extenso em relação aos sujeitos ativos submetidos à Lei n. 1.079/50. Na lei de responsabilidade, os sujeitos ativos são apenas os agentes políticos definidos constitucionalmente e complementados pela disposição do art. 9º da referida lei, por outro lado, a Lei de Improbidade Administrativa visou abarcar um vasto rol de acusados, inclusive àqueles que mesmo não possuindo vínculo com a administração pública, se beneficiem ou concorram com a prática de atos de improbidade.
Outro fator que distingue os dois comandos legais, resulta da previsão constitucional do art. 37, §4º da CRFB/88 que visou a concretização do princípio da moralidade na administração pública, de modo a coibir atos desonestos e antiéticos no trato com a coisa pública, impondo sanções específicas para cada tipo de conduta ilícita. Vale ressaltar, que tais ilícitos possuem natureza civil (extrapenal), muito embora tenha consequências na esfera administrativa e penal.
Por outro lado, os crimes de responsabilidade destinam-se a apurar a responsabilização de natureza política, em virtude do art. 85, inc. V, da CRFB/88, e da Lei n. 1.079/50. As sanções previstas para tais crimes são muito brandas, sendo apenas a perda do cargo e a inabilitação para o exercício da função, diferente do que ocorre em relação à Lei de Improbidade Administrativa. Sobre tais sanções, destaca-se que estas possuem natureza puramente penal.
Nesse sentido, Seligman (2004) dispõe que:
“Nada mais coerente com o Direito brasileiro, que respeita a independência entre a responsabilidade penal e civil, prevendo o art. 935 do Código Civil que a sentença penal somente fará coisa julgada no cível nas hipóteses de decisão sobre a existência de fato ou sobre quem seja o seu autor. Também é do Direito brasileiro a separação entre a esfera judicial e administrativa, sendo defeso a lei afastar da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da Constituição)” (SELIGMAN, 2004, p. 246).
Ainda no que tange a diferenciação entre os dois regimes, o art. 52, parágrafo único da Constituição Federal de 1988, prevê que:
“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99)
II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
[...]
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (grifo nosso).
Em face do dispositivo constitucional acima mencionado, é claro que em nenhum momento a Carta Magna afastou os agentes políticos da possibilidade de responsabilização por atos de ímprobos, por estarem sujeitos à Lei dos Crimes de Responsabilidade.
4.2 VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA
O princípio da isonomia, no ordenamento jurídico brasileiro, se encontra albergado na vigente Constituição Federal (CF), no caput do artigo 5º, ao dizer que:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
O princípio da isonomia pode ser definido literalmente como um pressuposto de tratamento igualitário a todos frente à aplicação da Lei. Porém, a tese de não aplicação da Lei n. 8.429/92 aos agentes políticos acaba por desvirtuar tal princípio, na medida em que possibilita a punição por atos de improbidade administrativa para determinada categoria de agentes públicos, excluindo aqueles que se encontram nos mais altos escalões da Administração Pública.
Dessa maneira, evidencia-se uma explícita violação ao princípio da isonomia, pois o agente político estará eximido de ser responsabilizado pela Lei de Improbidade Administrativa, e só podendo estar sujeito ao processo da Lei de Crimes de Responsabilidade enquanto estiver no cargo, ao passo que os demais agentes públicos e terceiros beneficiados serão sujeitos no processo de improbidade administrativa, podendo sofrer as sanções previstas na forma da Lei n. 8.429/92, independente se estiverem ou não no exercício do cargo, emprego ou função pública.
É evidente, que com o entendimento resultante do julgamento da Reclamação 2.138-6/DF, coloca-se em uma zona de conforto àqueles mais devem zelar pela probidade na administração, que mais dos que os outros, devem ser exemplos de comportamento justo e honesto, visto que são os titulares do poder.
4.3 INAPLICABILIDADE DA LEI 8.429/92 – RETROCESSO SOCIAL
Caso não ocorra uma reformulação da decisão ou um novo julgamento, o entendimento atual do STF quanto à Reclamação Constitucional n. 2.138-6/DF poderá prejudicar a efetividade das ações no combate à improbidade, representando, principalmente nos dias atuais, um sério risco para eficiência do Estado Democrático de Direito, visto que é crescente o anseio da coletividade em ver, de forma efetiva, o combate à corrupção na administração pública, bem como as outras formas de atos ímprobos cometidos por agentes políticos.
Sob a perspectiva constitucional, seria impossível demonstrar a tese de que todos os agentes políticos sujeitos ao crime de responsabilidade estariam imunes, mesmo que parcialmente, às sanções do art. 37, § 4º da Constituição Federal. Não há norma constitucional que imunize os agentes políticos sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade, sendo inconstitucinal eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza e que venha a diminuir a efetividade ds regras já existentes para a tutela do patrimõnio público.
A Constituição Federal de 1988, dentre todas as Constituições brasileiras, foi a que mais se preocupou em protejer o patrimônio e a moralidade pública. O legislador constituinte, ao definir uma série de medidas protetivas para a probidade administrativa, objetiva o cumprimetos destas e sua efetiva aplicabilidade, assim, não cabe ao intérprete da lei restringir esse alcance, incorrendo na má preservação do bem jurídico protegido, fundamental para a proteção do Estado Democrático de Direito.
O que de fato ocorreu, pois a não incidêcia da Lei de Improbidade Administrativa a todos os agentes públicos, sejam agentes políticos ou não, acaba por inutilizar o dever de proteção do Estado, no propósito de atuar de modo eficiente na proteção constitucional dos bens públicos e princípios constitucionais, bem como no combate à corrupção e atos ímprobos cometidos na esfera da Administração Pública.
Portanto, o posicionamento do STF não deve prosperar, visto que isso poderá levar ao esvaziamento e perda da força normativa da Lei n. 8.429/92, bem como a sua total inaplicabilidade.
CONCLUSÃO
O tema principal abordado neste artigo científico trata da aplicação da Lei n. 8429/92 aos agentes políticos, espécie de agentes públicos, essenciais à estrutura organizacional e política do país e, em razão das funções exercidas pelos mesmos.
Como demonstrado no tópico 1., a discussão quem envolve a improbidade administrativa não é recente, mas sim algo que vem sendo estudado e aplicado, nem sempre da melhor maneira, há muito tempo. Contudo, ao observar o cenário político e administrativo ora vigente, conclui-se que o tema improbidade administrativa é mais atual do que nunca.
A Lei de Improbidade Administrativa (n. 8429/92) foi criada a partir do que prescreve o art. 37, §4º da CRFB/88, com a intenção de abraçar um grande número de sujeitos, entre agente públicos ou não, de forma a assegurar que seus atos estejam sempre pautados no princípio da moralidade e da probidade administrativa.
Apesar disso, a sua atuação restou frustrada com a decisão da Reclamação 2.138/DF pela não aplicação da Lei n. 8429/92 aos agentes políticos sujeitos aos crimes de responsabilidade previstos na Lei n. 1079/50, por força da natureza das funções por esses exercidas.
Os agentes políticos, titulares de cargos estruturais à organização política do país, não podem ser afastados da incidência das sanções estabelecidas na Lei n. 8.429/92. Entende-se que quanto maiores as responsabilidades pelas consequências que terão seus atos, maior deve ser o cuidado desses com relação às suas ações.
A sanção de um administrador ímprobo não pode ser limitada apenas a uma espécie de agente público, sendo que todos têm o dever constitucional de obedecer aos princípios administrativos, zelar pelo patrimônio público e atuar da forma mais eficiente e clara em prol da sociedade.
Consequentemente, o acatamento dessas premissas acabaria quase que por esvaziar o objetivo da Lei de Improbidade Administrativa, pois submeter os agentes públicos de menor expressão às sanções da Lei de Improbidade Administrativa, mas deixar ilesos os de mais alta hierarquia, com toda certeza atentaria aos princípios Constitucionais da isonomia, igualdade, moralidade e probidade, que têm o objetivo de punir com mais rigor os agentes capazes de produzir lesão mais grave aos interesses da administração pública.
Espera-se que um novo posicionamento sobre a matéria possa ser definido pela nova composição do Supremo Tribunal Federal, à medida que vários ministros já se manifestaram contrariamente à decisão da Reclamação Constitucional n. 2.138-DF, acompanhados pelos Tribunais Regionais Federais de diversas regiões, bem como os Tribunais de Justiça dos Estados e, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça.
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Acadêmica do curso de direito da faculdade Estácio de Macapá, campus Seama.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BENTES, Crislayne Silva. Aplicabilidade da lei de improbidade administrativa aos agentes políticos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/45675/aplicabilidade-da-lei-de-improbidade-administrativa-aos-agentes-politicos. Acesso em: 07 nov 2024.
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