RESUMO: O presente artigo tem por objetivo fazer uma análise das alterações feitas na Lei 11.770/2008 com o advento da Lei 13.257 de 8 de março de 2016, marco legal da primeira infância, e sua repercussão para o funcionalismo público. Sabe-se que as empresas que aderirem ao programa do governo deverão prorrogar a Licença Paternidade para 15 (quinze dias), elevando para 20 dias o prazo de gozo da licença. Em contrapartida a empresa será beneficiada com abatimentos fiscais. O artigo 2º da Lei 11.770/2008 não teve alteração, contudo a administração pública já vem adotando a prorrogação da Licença Maternidade de suas servidoras. Diante disso, é preciso verificar o alcance da novel norma quanto seus efeitos em relação ao servidor público, quais os reflexos na administração pública para que o servidor tenha também direito à prorrogação desse prazo.
Palavra-chave: Licença Paternidade; Primeira infância; Servidor público.
1. Como tem sido o direito à licença paternidade.
Tradicionalmente, a lei trabalhista instituiu previsão de licença-paternidade de apenas um dia, que deveria ser gozada na primeira semana de vida do filho, pois em 1967, o Decreto-Lei 229 incluiu dispositivo no texto do Decreto Lei 5.452/43 (que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho) para criar o direito a licença-paternidade, que concedia ao trabalhador o abono de um dia, uma falta justificada, por motivo de nascimento de um filho, desde que a falta ocorresse dentro do prazo da primeira semana do parto.
De outro modo, o artigo 7º, inciso XIX da Constituição Federal de 1988 dispôs: são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
O direito surgiu, contudo, carecia de ser regulamentado a fim de especificar a regra para aquisição e gozo dessa licença. Mas como a efetividade dependia da atuação do Legislativo a Constituição não se privou de antecipar uma medida a ser adotada até o surgimento da lei. Para tanto o artigo 10 dos Atos da Disposições Constitucionais Transitórias, no parágrafo 1º dispôs: até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.
Após certo período o legislador ainda assim se manteve inerte e vários mandados de injunção foram impetrados para que surgisse a lei regulamentadora, dentre eles o Mandado de Injunção nº 4.408 – DF:
Mandado de injunção. Regulamentação do art. 7º, XIX, da Constituição. Licença-paternidade. Aplicação provisória do art. 10, § 1º, do ADCT. Ausência de suprimento da lacuna legislativa. Reconhecimento da omissão legislativa. Transcurso de tempo razoável para a tramitação e aprovação de projetos de leis que regulamentam o art. 7º, XIX, da Constituição. Possibilidade de estabelecimento de prazo razoável para a edição da norma regulamentadora. Possibilidade de fixação normativa da matéria pelo STF, caso o prazo fixado não seja observado.
A exemplo do supracitado, há 28 anos existem diversos projetos de lei para regulamentar a licença-paternidade em trâmite no Congresso Nacional, no entanto, as duas Casas Legislativas não deliberam a matéria, como exemplo pode-se citar os Projetos de Lei 2.579/03, 5.896/09 e 6.753/10. Nesses casos de existência de Projeto de Lei mas parado nas casas legislativas por mora dos parlamentares o STF já advertiu:
Apesar de não ser possível mensurar objetivamente o tempo adequado para duração do processo legislativo, dada a natureza política dessa atividade e suas diversas nuanças e variáveis, é necessário juízo de razoabilidade acerca do período de elaboração das normas legais, considerando-se a natureza da matéria e a urgência da sua disciplina perante os anseios da sociedade – e, sobretudo, diante do comando constitucional que exige a atuação do legislador. Portanto, além do processo legislativo para regulamentação do tema, é necessário agregar critério para aferir a caracterização de inércia do legislador: o da razoabilidade no tempo de tramitação. No caso, os projetos de lei sobre o direito à licença-paternidade já ultrapassaram tempo razoável de tramitação, de modo que se caracteriza a mora legislativa inviabilizadora do seu exercício. Relembre-se que a Constituição impôs o dever de regulamentar a matéria há nada menos que um quarto de século.[i]
Mais recente tem-se o PL 1.099/2015 em que dispõe não somente sobre o prazo da licença paternidade como também regulamenta o direito nas relações homoafetivas e custeio do pagamento do auxílio paternidade. Nele destaca-se o artigo 1º:
Art. 1º O Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho, passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 473-A a 473-B: “Art. 473-A. A licença-paternidade é fixada em 15 (quinze) dias consecutivos, sem prejuízo do emprego e do salário, para os pais que estejam, na data do nascimento, da adoção ou da obtenção de guarda judicial, oficialmente casados ou em união estável comprovada com a mãe da criança, em caso de parto ou adoção de um único filho, observando-se, nas demais hipóteses, os seguintes prazos: (...).
O projeto modifica o artigo 473 e aumenta o tempo da licença paternidade para 15 (dias), preenchendo a lacuna até então existente. Contudo, aguarda até o presente momento ser posto em votação.
Cumprindo um ideal social, o texto é justificado da seguinte maneira: “trata-se de um avanço significativo no campo dos direitos sociais, com o reconhecimento do importante papel da paternidade na formação dos filhos, já a partir do nascimento”.
2. A novidade Jurídica
Para acompanhar os novos meandros da sociedade trabalhista, outras normas foram criadas a fim de regular os direitos trabalhistas, vale destacar a Lei 11.770 de 2008 que prorrogou o prazo da licença maternidade para 60 dias, isso se deu com o Programa Empresa Cidadã, em que todas empresas que aderissem ao programa teriam abatimento no Imposto de Renda pago. Assim, a pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir do imposto devido, em cada período de apuração.
Mais adiante, com o advento da lei 13.257 de 2016, conhecida como marco legal da primeira infância, implementou-se políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano. A lei estabeleceu um conjunto de medidas prioritárias no tratamento de crianças de 0 a 6 anos, em matérias como saúde, educação, redução de desigualdades e promoção do convívio familiar. Para tanto, acrescentou algumas modificações na lei 11.770/2008 bem como incluiu a prorrogação da licença-paternidade de 15 dias:
Art. 1º É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar:
I - por 60 (sessenta) dias a duração da licença-maternidade prevista no inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal;
II - por 15 (quinze) dias a duração da licença-paternidade, nos termos desta Lei, além dos 5 (cinco) dias estabelecidos no § 1o do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (grifo nosso)
A princípio a lei não se estende ao servidor público de nenhuma esfera, já que diz respeito a programa de governo a ser aderido por empresas da iniciativa privada. No entanto o art. 2º deixa claro que: É a administração pública, direta, indireta e fundacional, autorizada a instituir programa que garanta prorrogação da licença-maternidade para suas servidoras, nos termos do que prevê o art. 1o desta Lei. Veja que a lei estende tal direito às servidoras públicas. Ao tempo do advento dessa norma muitos servidores pleitearam o direito à prorrogação ao judiciário:
AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA. LICENÇA MATERNIDADE. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. DEFERIMENTO DA LIMINAR ASSEGURANDO A PRORROGAÇÃO DA LICENÇA MATERNIDADE, PELO PRAZO DE MAIS 60 (SESSENTA) DIAS. DECISÃO MANTIDA. POSSIBILIDADE. 1. A Lei Federal nº 11. 770/2008, que prorrogou a licença maternidade de 120 (cento e vinte) dias para 180 (cento e oitenta) dias é auto-aplicável, possuindo eficácia plena. 2. Ademais, impende destacar que a publicação da Lei Estadual n.º 12.214/2011, que entrou em vigor no dia 26-05-2011 e regulamentou a concessão da licença maternidade pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias às servidoras estaduais, reforça o entendimento adotado na decisão liminar ora impugnada, ratificando a necessidade de sua mantença até julgamento definitivo deste mandamus. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
(TJ-BA - AGR: 00134042620118050000 BA 0013404-26.2011.8.05.0000, Relator: Daisy Lago Ribeiro Coelho, Data de Julgamento: 22/03/2012, Seção Cível de Direito Público, Data de Publicação: 17/11/2012)
Em que pese o princípio do pacto federativo e da separação dos poderes impedir qualquer tipo de invasão na competência em âmbito administrativo das esferas federais, estaduais, municipais e distritais, quanto às regulamentações dos direitos de seus servidores públicos, ocorre que o legislador não deixou de lado a servidora pública no que diz respeito ao direito de Licença Maternidade. Nesse entendimento bem observa o ministro relator Ari Pargendler no AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 328.366 – BA:
A este respeito, imperioso reconhecer que se trata de disposição normativa ampliativa de direitos fundamentais – de segunda geração ou sociais, expressamente dispostos na Constituição Federal. O tratamento constitucional conferido ao benefício consignava a licença maternidade pelo prazo de cento e vinte dias, ao passo que a novel legislação passou a assegurar a prorrogação do benefício por mais sessenta dias;
Compreendendo a contemplação aberta dos direitos fundamentais em nosso ordenamento jurídico constitucional, bem como a consideração de extensão dessa compreensão também aos direitos sociais, há de se reconhecer a possibilidade de extensão da delimitação de tais direitos, assegurada, inclusive, na Declaração Universal dos Direitos do Homem;
A não efetivação da prorrogação de licença maternidade em favor da impetrante pela inexistência de deferimento expresso da Administração Pública quanto ao requerimento administrativo formulado, quer-nos indicar a violação a direito líquido e certo assegurado constitucionalmente, com repercussões perante o princípio da isonomia, haja vista o estabelecimento de tratamentos normativos desiguais conquanto se verifique a mesma situação fático-jurídica;
Porém quando houve a alteração da licença paternidade por ocasião da Lei 13.257 de 2016, o artigo 2º não previu autorização para a administração pública estender tal direito a seus servidores (pais). Porventura, o legislador tenha sido relapso e não observou a repercussão do direito em relação ao funcionalismo público.
3. Conclusão
A fim de que os trabalhadores de um modo geral sejam salvaguardados pelo princípio da isonomia, pois o ordenamento jurídico não admite tratamento desigual a título de direitos trabalhistas, conclama-se que o benefício (prorrogação de licenças) estendido à mulher, servidora pública, seja também estendido ao servidor público.
Se o objetivo precípuo da lei é garantir que a criança cresça num ambiente saudável e estabeleça vínculos fortes com seus pais, nada mais justo que o direito seja estendido para ambos os gêneros em todas as esferas do funcionalismo público. Ademais, a ausência de norma regulamentadora pode ser preenchida por norma já existente para suprir a inércia do legislativo até que sobrevenha norma adequada.
REFERÊNCIAS
Brasil. Licença Paternidade de 20 dias será facultatia e exclui servidores públicos. Gazeta do Povo. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/licenca-paternidade-de-20-dias-sera-facultativa-e-exclui-servidores-publicos-80k2af4ho4kjpx5agjn782tbk. Acesso em 20 de março de 2016.
Brasil. STF. Plenário. Mandado de Injunção 4.408-DF. Relator o Ministro Dias Toffoli. DJ de 5/9/2007.
Brasil. Jusbrasil. Disponível em:http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25259521/agravo-regimental-no-agravo-em-recurso-especial-agrg-no-aresp-328366-ba-2013-0110572-9-stj/inteiro-teor-25259522.
Brasil. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1319390&filename=PL+1099/2015. Acesso em 20 de março de 2016.
PEREIRA, Leone. SCALERCIO, Marcos. ORSI, Renata. CLT: Licença Paternidade. 2ª Ed. Amp. e rev.. Editora: Revista dos Tribunais. 2015.
Pós graduado em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TONY DE SOUSA MARçAL, . Licença paternidade e os efeitos da Lei 13.257 na Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/46749/licenca-paternidade-e-os-efeitos-da-lei-13-257-na-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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