RESUMO: O presente artigo visa avaliar a legislação regulamentadora da espécie de bens de uso comum do povo denominada de terreno de praia, bem como os aspectos doutrinários e jurídicos condizentes ao tema, incutindo na sociedade o verdadeiro propósito da atuação do Poder Público em desfavor de ocupações irregulares. O conceito de terrenos de praia e sua diferenciação quanto aos terrenos de marinha foram analisados, além dos responsáveis por sua fiscalização e conservação; a impossibilidade de usucapião; o uso do poder de polícia; os aspectos patrimoniais e ambientais; e o estudo de jurisprudência. A tipologia de pesquisa utilizada restringiu-se ao método descritivo, envolvendo basicamente revisão bibliográfica, levantamento de legislação e jurisprudência, tendo sido usado o método dedutivo. Restou assente, no âmbito legal, doutrinário e jurisprudencial que a atuação do Poder Público encontra-se conforme toda a normatização vigente. Evidenciou-se serem implicações legais decorrentes das ocupações clandestinas multas, indenizações, demolições e ações judiciais, tendo em vista a precariedade das relações estabelecidas por particulares, em que não há o consentimento do Poder Público.
Palavras-chave: Terrenos de Praia. Ocupações Irregulares. Poder Público.
SUMÁRIO: Seção inicial – 2. Conceito e características do terreno de praia – 3. Terreno de praia x terreno de marinha – 4. Fiscalização e conservação de bens da União caracterizados como terrenos de praia – 5. Impossibilidade de usucapião de bens públicos – 6. Aplicação do poder de polícia – 7. Aspectos ambientais – 8. Aspectos patrimoniais – 9. Projeto Orla – 10. Conclusão – Referências.
1. SEÇÃO INICIAL (INTRODUÇÃO)
O tema escolhido para ser objeto de pesquisa como trabalho de conclusão de curso da Instituição de Educação Superior da Paraíba são os terrenos de praia, tendo o respectivo título: Ocupação Irregular em Terrenos de Praia: Uma Visão Jurídica.
Terrenos de praia são bens de uso comum do povo, classificados como a área coberta e recoberta pelas marés, identificada por areia e materiais detríticos até onde se inicie a vegetação natural ou outro ecossistema, devendo-se, segundo às normas pátrias e sua destinação natural, garantir-se o livre acesso e fruição a eles.
Hodiernamente percebe-se a atuação do Poder Público, através do uso do poder de polícia, ações judiciais e processos administrativos, calcada no fundamento de que várias ocupações comerciais e residenciais na orla de várias cidades litorâneas do país, inclusive na da grande João Pessoa/PB, estão irregularmente instaladas em bens de uso comum do povo.
Dessa forma, faz-se necessário esclarecer se a ação do Poder Público está respaldada no ordenamento jurídico nacional, bem como registrar se as possíveis ocupações irregulares são passíveis de provocarem reflexos ambientais e patrimoniais.
Para tanto, o presente trabalho restringiu-se a avaliar a legislação regulamentadora da espécie de bens de uso comum do povo denominada de terreno de praia, bem como os aspectos doutrinários e jurídicos condizentes ao tema; analisando se a atuação do Poder Público está em realidade com a normatização vigente e estabelecendo as implicações patrimoniais e ambientais que poderão advir das ocupações irregulares, além de apresentar a distinção entre terrenos de praia e terrenos de marinha.
2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO TERRENO DE PRAIA
Terreno de praia, inserido nas espécies de domínio público, bem de uso comum do povo, baseado na igualdade (art. 5º, caput, CF), caracteriza-se pela peremptória fruição comum ou coletiva, sendo exceção à regra da apropriação privada (constante do art. 5º, XXII c/c art. 170, II, da CF), delimitado como a área constantemente coberta e recoberta pelas marés, até o limite do início da vegetação rasteira ou começo de outro ecossistema.
Bens de uso comum do povo, segundo Meirelles (2008, p. 528): “[...] como exemplifica a própria lei, são os mares, praias, rios, estradas, ruas e praças. Enfim, todos os locais abertos à utilização pública adquirem esse caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo”.
É importante ressaltar que apesar de sua destinação pública, os terrenos de praia são bens pertencentes à União (art. 20, IV, da CF), que, apesar disso, não é a única responsável pela sua conservação, manutenção e resguardo ao povo.
Assim sendo, a Lei nº 7.661/88, conceitua as praias, destacando, inclusive, a garantização do livre e franco acesso a elas, não sendo possível qualquer forma de urbanização que implique na restrição ao uso coletivo do bem, haja vista se tratar de bens inalienáveis e inapropriáveis:
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.
§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema. (BRASIL, 1988b).
Acerca do limite onde se inicia a vegetação natural, linha que identifica o fim do terreno de praia, pontua Bandeira de Mello (2007, p. 895):
A linha da vegetação natural referida no dispositivo é habitualmente conhecida como “linha de jundu”. É esta linha que, como anota Diógenes Gasparine, à falta da demarcação do preamar médio de 1831, é utilizada na prática para iniciar a contagem dos terrenos de marinha, inobstante assim se desatenda à dicção legal.
Com efeito, como de logo se observa e será discutido no capítulo adiante, os terrenos de praia não se confundem com os de marinha, embora um possa conter o outro.
No mais, nos terrenos de praia, regra geral, não se admitem ocupações individualizadas, aptas a restringir o acesso e gozo coletivo, pois são bens de uso comum do povo, contudo, em alguns casos, de modo excepcional, faz-se possível a sua utilização especial, mas, em contrapartida, o Poder Público deverá autorizar ou ser cientificado da atividade a ser desenvolvida.
Assim os Tribunais Regionais Federais vem decidindo, veja-se:
DIREITO CIVIL. E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE TERRENO DE MARINHA OCUPAÇÃO IRREGULAR AUSÊNCIA AUTORIZAÇÃO. 1. Sem autorização de uso, os bens públicos da União, não podem ser utilizados ou explorados por particulares, em benefício próprio, em razão do interesse coletivo que prepondera pela da função social dos bens de domínio público. 2. Cabe ao poder público a fiscalização de qualquer utilização precária de seus bens e a repressão às infrações constatadas. 3. Na área ocupada – praia de Carapebus, bem público de uso comum do povo, as construções foram edificadas em terreno de marinha e em zona de preservação ambiental, caracterizando o esbulho, em razão da posse precária. 4. Apelação não provida. (BRASIL. Tribunal Regional Federal 2. Região, 2009, p. 114, grifo nosso).
ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO NA POSSE. TERRENO DE MARINHA. BEM DE USO COMUM DO POVO. INVIABILIDADE DA REGULARIZAÇÃO. BOA FÉ DO OCUPANTE. INDENIZAÇÃO. 1. Embora, de fato, a solução recomendável, nas hipóteses de ocupação irregular de terreno de marinha, seja a da regularização, no caso concreto, esta é inviável, por se cuidar de área de praia, bem de uso comum do povo que não pode ser atribuído, individualmente, a particular. 2. A tolerância da UNIÃO, admitindo a permanência no local desde 1986, e a boa fé das rés, pleiteando a dita regularização, não justifica a manutenção, indefinidamente, da situação fática, impondo-se a reintegração ao patrimônio da UNIÃO. 3. Diante da aludida boa fé e da inércia da UNIÃO em buscar a desocupação, deixo de condenar as rés ao pagamento da indenização a que se refere a Lei nº 9.636/98. 4. Apelação e remessa oficial parcialmente providas. (BRASIL. Tribunal Regional Federal 5. Região, 2005, p. 1367, grifo nosso).
Ressalve-se, porém, que nos casos excepcionais, em que se admite a utilização de um bem de uso comum por um particular, em conformidade com a autorização, permissão ou cientificação do/ao Poder Público, por ato do Executivo, nos termos da lei, ou, através de ato do Legislativo, por intermédio de lei, estar-se-á desafetando um bem de uso comum e transformando-o em bem de uso especial. Veja-se a eminente lição:
A afetação ao uso comum tanto pode provir do destino natural do bem, como ocorre com os mares, rios, ruas, estradas, praças, quanto por lei ou por ato administrativo que determine a aplicação de um bem dominical ou de uso especial ao uso público.
Já a desafetação dos bens de uso comum, isto é, seu trespasse para o uso especial ou sua conversão em bens meramente dominicais, depende de lei ou o de ato do Executivo praticado na conformidade dela. É que, possuindo originariamente destinação natural para o uso comum ou tendo-a adquirido em consequência de ato administrativo que os tenha preposto neste destino, haverão, de toda sorte, neste caso, terminado por assumir uma destinação natural para tal fim. Só um ato de hierarquia jurídica superior, como é a lei, poderia ulteriormente contrariar o destino natural que adquiriram ou habilitar o executivo a fazê-lo. (BANDEIRA DE MELLO, 2007, p. 888, grifos do autor).
No caso dos terrenos de praia, apesar de serem bens em que sua afetação decorre de sua destinação natural, tal também ocorre ao uso público e comum por sua contemplação em lei, razão pela qual, somente por meio de lei ou em conformidade com ela poderá ser modificada sua destinação.
Desse modo, de acordo com a exegese do art. 22 da Lei nº 9636/98, a permissão de uso, a título precário, para a realização de eventos de curta duração, de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional, é realizada pela Secretaria do Patrimônio da União:
Art. 22. A utilização, a título precário, de áreas de domínio da União para a realização de eventos de curta duração, de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional, poderá ser autorizada, na forma do regulamento, sob o regime de permissão de uso, em ato do Secretário do Patrimônio da União, publicado no Diário Oficial da União.
Esclareça-se, entrementes, embora o supracitado artigo dê competência à União para permitir essas atividades de curta duração, deverá se levar em conta também a competência constitucional dos Municípios, resolvendo-se o conflito na forma elencada no capítulo 4, pesando-se o caráter local ou nacional da atividade, como se verá adiante.
Conclui-se, portanto, que o terreno de praia, como bem de uso comum do povo, tem características, natureza e destinação próprias, prevalecendo o gozo coletivo, desta feita, não há de se confundi-lo com outros bens passíveis de ocupações particulares ou urbanizáveis, no sentido de se dificultar o amplo acesso popular a ele, restando inconfundível com bens de uso especial e dominial.
3. TERRENO DE PRAIA X TERRENO DE MARINHA
Os terrenos de marinha, bem como os de praia, são bens de propriedade da União (art. 20, IV e VII, da CF). Destacam-se pelo seu caráter territorial protetivo da segurança nacional. No mais, os primeiros caracterizam-se como terrenos banhados pela água do mar ou dos rios navegáveis, que vão até a distância de 33 (trinta e três) metros horizontais para a parte da terra, contados da linha de preamar médio de 1831.
O art. 2º, “a” e “b”, do Decreto-Lei 9.760/1946, in verbis, conceitua os terrenos de marinha da seguinte maneira:
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés. (BRASIL, 1946).
Segundo dado contido no Projeto Orla, a SPU já havia demarcado, até o ano de 2002, em torno de 50% dos bens da União na costa brasileira, numa atividade que continua em andamento. De outro modo, a determinação da dominialidade de um bem constante de áreas que ainda não tiveram a homologação da linha de preamar médio de 1831 é feita através da definição de uma Linha Presumida de Marinha, identificando, dessa forma, os terrenos de marinha e seus acrescidos. (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO ORÇAMENTO E GESTÃO, 2002).
Gize-se o fato de que, por aquiescência da União, algumas áreas de terrenos de marinha passaram a ser urbanas ou urbanizáveis, tornando-se permissível o seu uso individual. Entretanto, no que se refere às construções e edificações particulares, incidem regularmente as normas estatuídas pelos governos estaduais e municipais referentes à organização urbana, de acordo com o preceito expresso no art. 30, VIII, da CF (CARVALHO FILHO, 2008).
Logo, a partir das explanações supracitadas, percebe-se nítida diferenciação entre os contornos espaciais e usuais existentes entre os terrenos de marinha e os terrenos de praia, seja por sua extensão, seja pelo fato de os primeiros serem passíveis de ocupação privada pelo instituto civil da enfiteuse ou mediante ocupação autorizada pelo Poder Público Federal.
Em contrapartida, como se viu no capítulo anterior, o terreno de praia se destina exclusivamente ao uso comum do povo e, caso venha a ter sua destinação modificada, por ato do Poder Executivo, impedindo ou dificultando a fruição coletiva, em conformidade com a lei, ou, por ato do Legislativo, tona-se bem de uso especial.
Terreno de praia se distingue de terreno de marinha da seguinte maneira, como bem acentuado por Niebuhr (2004, p. 3):
Os terrenos de marinha não se confundem com as praias. Segundo o § 3º do artigo 10 da Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988, que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, “entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.”
Veja-se que a praia é de dimensão variável: há faixas de praias, por exemplo, de 1 (um) metro, 10 (dez) metros ou de 60 (sessenta) metros, dependendo da largura da faixa de material detrítico. Nesse sentido, os 33 (trinta e três) metros a partir da linha da preamar média de 1831, que constituem o terreno de marinha, podem ultrapassar a faixa da praia, bem como a faixa da praia pode ultrapassá-los, ou mesmo pode haver terreno de marinha em locais em que não haja praia.
Ademais, a praia é bem de uso comum, ao contrário dos terrenos de marinha, que, como visto, são bens dominicais. Quer-se dizer que todos do povo têm acesso irrestrito às praias, podem utilizá-las livre e indistintamente, o que não ocorre com os terrenos de marinha.
Desta feita, de acordo com o supracitado, os bens terrenos de praia podem estar inseridos na extensão dos terrenos de marinha, bem como o inverso, visto que somente no caso concreto poder-se-á aferir as dimensões dos primeiros, enquanto a extensão dos segundos, levando-se em conta a demarcação da linha de preamar médio, será definida em conformidade com processo administrativo da Secretária do Patrimônio da União – SPU, conforme o art. 9º e seguintes do Decreto-Lei 9.760/1946.
Por outro lado, observe-se que os terrenos de marinha podem ocorrer em locais onde não existem praias, pois podem situar-se na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés, ou seja, podem se localizar em terrenos banhados pela água do mar ou dos rios navegáveis, diferentemente dos terrenos de praia, que somente se encontram nas áreas cobertas e descobertas periodicamente pelas águas marinhas.
Por derradeiro, diversamente dos terrenos de praia, os terrenos de marinha podem ter seu domínio útil transferido a particulares, pelos institutos da enfiteuse, mediante o pagamento do foro ou pensão, e ocupação, mediante o pagamento da respectiva taxa, conforme o aduzido por Carvalho Filho (2008, p. 1138):
Como essas áreas pertencem à União, o uso por particulares é admitido pelo regime da enfiteuse, pelo qual, como vimos, a União, na qualidade de senhorio direto, transfere o domínio útil ao particular, enfiteuta, tendo este a obrigação de pagar anualmente importância a título de foro ou pensão. Conforme já comentamos precedentemente, embora excluído o instituto da enfiteuse do Código Civil, foi feita a ressalva do instituto em relação aos terrenos de marinha, em ordem a que essa matéria seja suscetível de regulação por lei especial (art. 2038, § 2º).
O Dec.-lei nº 9.760/46, além da enfiteuse, prevê ainda a figura da ocupação para legitimar o uso de terras públicas federais, inclusive a dos terrenos de marinha, em favor daqueles que já as venham ocupando há determinado tempo. Para tanto, a lei prevê o cadastramento de tais ocupações pelo SPU (Serviço de Patrimônio da União) e o pagamento da taxa de ocupação. O ato administrativo de ocupação, porém, é discricionário e precário, de modo que a União, se precisar do imóvel, pode promover a sua desocupação sumária, sem que o ocupante tenha direito à permanência.
Assim, faz-se oportuno colacionar a seguinte jurisprudência do TRF da 5º Região, em que se encontra breve diferenciação entre os terrenos de praia e os de marinha:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL. DEMARCAÇÃO DA LINHA DE PREAMAR MÉDIA-1831. DESNECESSIDADE. TERRENO DE MARINHA LOCALIZADO EM FAIXA DE PRAIA. BEM DA UNIÃO DE USO COMUM DO POVO.APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 7 DO TRF5ª. IMPOSSIBILIDADE. 1. Apelação Cível, em sede de ação de usucapião, contra sentença que julgou improcedente o pedido do autor que consistia na usucapião do domínio útil de terreno de marinha e acrescidos de marinha, por haver concluído que o bem em questão em si não é passível de enfiteuse e muito menos de prescrição aquisitiva (art. 183, parágrafo 3º, CF/88), razão pela qual não há como se falar em usucapião de domínio útil na hipótese. Quanto à análise do conjunto probatório exposto nos autos, os documentos juntados são oriundos do Poder Público, pelo que gozam de presunção de legitimidade e veracidade, sendo, portanto, perfeitamente hábeis a comprovar que o terreno em contento é faixa de mar, não sendo possível sua aquisição por usucapião. 3. A fixação da linha de preamar média somente influencia a delimitação dos terrenos e acrescidos de marinha, sendo prescindível, todavia, para a definição das áreas de praia, como a envolvida na presente ação, cujo conceito legal, como salientou o Magistrado sentenciante, independe de tal levantamento, já que é "...sua natureza determinada por suas próprias condições físicas naturais". Isso, inclusive, é o que se infere de sua definição, contida na mesma art. 10, parágrafo 3º da Lei nº 7.661/88.10. Considerando que o terreno está enquadrado como "praia", constituí-se bem de uso comum do povo, sujeito ao regime jurídico integral de direito público, do qual resulta a impossibilidade de uso privativo por particulares a partir da enfiteuse. Por consequência disso, torna-se inaplicável o teor da Súmula nº 7 desta Eg.Corte ao caso. 5. Apelação não provida. (BRASIL. Tribunal Regional Federal 5. Região, 2009, p. 564, grifo nosso).
Desse modo, mostra-se evidente a distinção entre terrenos de praia e de marinha, não havendo motivos para confusões conceituais e práticas acerca de suas características, seus usos e dimensões.
4. FISCALIZAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE BENS DA UNIÃO CARACTERIZADOS COMO TERRENOS DE PRAIA
Como já se afirmou, as praias marítimas são bens da União, conforme o art. 20, IV, da Carta Magna de 1988.
O Código Civil de 2002, em seu art. 98, destaca que são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, DF e Municípios); todos os outros são particulares; seja qual for a pessoa a que pertencerem.
Logo em seguida, o art. 99 do Código Civil, em rol meramente exemplificativo, enuncia serem bens públicos os de uso comum do povo, como os rios, mares, estradas, ruas e praças, motivo pelo qual, insere-se nesse rol, o terreno de praia.
Inicialmente, através de um raciocínio lógico, converge-se para o entendimento de que o proprietário ou possuidor de determinado bem, responsabiliza-se pela sua fiscalização e conservação, haja vista o perigo de perecimento ou de fruição relativizada se não proceder com as cautelas necessárias a sua regular utilização.
Entretanto, os direitos e deveres exercidos pelos titulares de bens públicos não decorrem do direito de propriedade no sentido tradicional, mas sim de um vínculo específico, de natureza administrativa, concernente à imposição e permissão de garantia e segurança à continuidade e regularidade de sua destinação, sem quaisquer ingerências (MEDAUAR, 1998).
Nos bens de uso comum do povo, no caso os terrenos de praia, pertencentes à União, o vínculo administrativo especial que torna impositiva a fiscalização e conservação decorre da destinação pública e ambiental inerente à espécie, sendo necessária e premente a utilização e fruição por parte da coletividade, sem que haja restrições privadas ao uso comum.
Acerca da responsabilidade pela administração, manutenção e vigilância dos bens públicos postos à disposição do povo, colaciona-se a seguinte afirmação de Celso Neto (1998, p.1):
Cumpre observar que os bens do domínio público, posto que à disposição do povo, da coletividade, estão e permanecem sob a responsabilidade (nos aspectos de administração, manutenção, conservação e vigilância) do Poder Público, que tem a obrigação de cuidar para que estejam sempre em condições normais de utilização pelo público em geral.
Desse modo, segundo o art. 11 da Lei nº 9.636/98, a competência para fiscalizar e zelar pela integridade dos imóveis pertencentes à União, inclusive a dos bens de uso comum do povo, entre eles os terrenos de praia, é da Secretária do Patrimônio da União - SPU, in verbis:
Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao Patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual. (BRASIL, 1998, grifo nosso).
Observa-se o fato de mesmo que o caput do art. 11 afirme que caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União, o parágrafo 4º, do mesmo artigo, reverbera que constitui obrigação do Poder Público federal, estadual e municipal velar pela manutenção das áreas de preservação ambiental e de uso comum do povo, veja-se:
Art. 11. (omissis)
§ 4o Constitui obrigação do Poder Público federal, estadual e municipal, observada a legislação específica vigente, zelar pela manutenção das áreas de preservação ambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo, independentemente da celebração de convênio para esse fim. (BRASIL, 1998, grifo nosso).
Nesta senda, o art. 30, I e VIII, da Constituição Federal de 1988, atribuiu aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, além de estabelecer sua competência para promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
Quanto aos Estados, o § 1º do art. 25 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, reserva as competências que não lhe sejam vedadas pelo texto constitucional.
Enxergando-se o terreno de praia em relação ao campo da preservação ambiental, importa também ressaltar que o art. 23, VI, da Carta da República, confere à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios competência comum para proteger o meio ambiente.
Do mesmo modo, seguindo a diretriz do artigo 225 da CF, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, uma vez que se qualifica como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de protegê-lo e conservá-lo para as atuais e futuras gerações.
Assim, por todo arcabouço constitucional e legal, infere-se que o Poder Público, em suas esferas federal, estadual e municipal deve agir em conjunto para a preservação e conservação dos terrenos de praia.
É preciso destacar, contudo, que nem sempre a utilização coletiva, indistinta e irrestrita das praias pela coletividade ocorre de modo razoável, podendo haver situações em que alguém necessite fazer usos especiais, por tais implicarem sobrecarga do bem, transtorno ou impedimento para a concorrente e igualitária utilização de terceiros ou ainda por demandarem até mesmo o desfrute de uma exclusividade no uso sobre parte do bem (BANDEIRA DE MELLO, 2007).
Nesses casos, de acordo com Bandeira de Mello (2007, p. 900):
[...] ora será indispensável (a) a prévia manifestação administrativa concordante (autorização de uso ou permissão de uso), ora será necessário (b) dar prévia ciência à Administração de que se pretende fazer determinada utilização de um certo bem público de uso comum, para que o Poder Público possa vetá-la, se for o caso. Com efeito, nestes casos não mais se estará ante o uso comum, mas ante usos especiais.
Assim, na medida em que é conferida à União, proprietária dos terrenos de praia, a competência para prover a fiscalização, manutenção e preservação dessa espécie de bem de uso comum do povo, em contrapartida da atribuição confiada aos Municípios do tratamento das matérias de interesse local, insurge conflito de atribuições no âmbito da competência administrativa comum quanto à autorização e permissão das atividades supramencionadas.
Frise-se também o fato de o art. 22 da Lei nº 9636/98, estabelecer que a permissão de uso, a título precário, para a realização de eventos de curta duração, de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional, é proporcionada pela Secretaria do Patrimônio da União:
Art. 22. A utilização, a título precário, de áreas de domínio da União para a realização de eventos de curta duração, de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional, poderá ser autorizada, na forma do regulamento, sob o regime de permissão de uso, em ato do Secretário do Patrimônio da União, publicado no Diário Oficial da União.
No entanto, para a solução do supracitado conflito, deve-se levar em conta o caráter nacional, regional ou local da questão, resolvendo-se a lide. É assim que observa Freitas (2004, p. 103):
Na competência comum, da mesma forma que na concorrente, o que deve preponderar é o interesse em questão. Assim, ao analisar o tema conflito de competência material entre os entes políticos, Passos de Freitas observa que “quando a competência for comum (por exemplo, preservação de florestas), deve ser verificada a existência ou não de interesse nacional, regional ou local e, a partir daí, definir a competência material”.
Com efeito, assim se impõe a resolução dos conflitos de competência concernentes a autorizações e permissões para a realização de atividades em áreas de uso comum do povo, tendo-se em vista que a competência administrativa é distribuída em relação à matéria e não quanto à propriedade dos bens.
Dessa forma, quando em consequência de atividade de grande vulto a ser desempenhada nos terrenos de praia, de que possa resultar danos ou prejuízos à população ou ao meio ambiente, existir interesse nacional e coletivo, deve-se sempre ser cientificada à União, sendo necessária a sua autorização ou permissão, através da SPU.
De outro modo, caso haja simples interesse local, basta apenas a concessão de licença municipal para a realização de quaisquer atividades.
Por outro lado, em caso de empreendimentos duradouros, embora de caráter e influência predominantemente locais, que possa por longo período afetar a utilização coletiva do bem, assim como o meio ambiente natural ali existente, por existir característica duradoura da atividade e potencial de influência negativa sobre o meio ambiente, faz-se necessária, além da autorização ou permissão por parte do ente municipal, a cientificação da União, podendo ela estabelecer condições para o uso ordenado do bem.
É nesse sentido que se posiciona Freitas (2004, p. 109):
Ressalve-se que nos casos de empreendimentos mais duradouros e que sejam de interesse coletivo, como a construção de quiosques no calçadão da praia, o instituto que deve ser aplicado é o da permissão de uso. Isso quer dizer que, preliminarmente à autorização do Município e expedição de alvará, a Secretária do Patrimônio da União deve expedir o seu ciente e até mesmo estabelecer condições para que seja garantido o uso ordenado do bem público.
Com efeito, no sentido da imprescindível autorização ou permissão da União no caso da instalação de quiosques em áreas de praia é a seguinte decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. BARRACA CONSTRUÍDA EM ÁREA DE PRAIA E DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL (DESOVA DE TARTARUGAS). TERRENO DE MARINHA. OCUPAÇÃO IRREGULAR. BEM DA UNIÃO DE USO COMUM DO POVO. IMPOSSIBILIDADE DE OCUPAÇÃO POR PARTICULAR. 1. A pretensão formulada pela parte impetrante é a de suspensão do ato oriundo da Secretaria do Patrimônio da União, que determinou a demolição da Barraca 'Brisa do Mar', situada na Praia de Pipa, em Tibau do Sul/RN, que comercializa alimentos e bebidas, em virtude de haver sido construída sem a autorização da União Federal, e sobre área de uso comum do povo. 2. Ausência de impugnação da parte impetrante sobre as alegações da Impetrada, tendo, ao contrário, confirmado que a barraca de praia foi construída em terreno de marinha, sem a autorização da União para a sua regular ocupação, nos termos do Decreto-Lei nº 9.760/46, além do que está localizada em praia, área de uso comum do povo, o que é vedado pelo art. 10, caput, parágrafos 1º e 3º, da Lei nº 7.661/88. Ademais, há informação nos autos de que o local se trata de área de desova de tartarugas (fls. 59) ou seja, é área de preservação ambiental. 3. Sendo as praias bens públicos da União, de uso comum do povo, não são legalizáveis as construções e as limitações nelas empreendidas, por não serem passíveis de ocupação individual por particular. Precedentes deste Tribunal. 4. Por outro lado, não houve afronta ao devido processo legal, uma vez que a oportunidade de defesa foi assegurada à parte impetrante no Auto de Infração 172/2007, tendo-se fixado o prazo de 10 (dez) dias para a interposição de recurso administrativo, com efeito suspensivo, o que não ocorreu. Apelação improvida. (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5. Região, 2011, p. 962).
Desse modo, de acordo com as situações peculiares do caso concreto é que se verificará a competência para autorizar e permitir certas atividades em terrenos de praia.
Portanto, embora a União seja titular das praias marítimas, cabendo à SPU fiscalizar e zelar para a consecução do interesse público e aproveitamento coletivo das respectivas áreas, podendo aplicar multas, embargar serviços e obras, cabe também ao Município, através de sua competência local e de promover o adequado aproveitamento territorial do solo urbano, ministrar a adequada utilização desses terrenos, bem como, é dever dos entes políticos da federação proteger o meio ambiente inerente a esses ecossistemas.
5. IMPOSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO DE BENS PÚBLICOS
A usucapião, também chamada de prescrição aquisitiva, instituto diverso da prescrição extintiva (disciplinada nos arts. 205 e 206 do CC), embora em ambas apareça o elemento tempo influindo de maneira absoluta, regula-se pelo direito das coisas, consubstanciando-se em modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado pela posse prolongada no tempo, desde que atingido determinados requisitos de lei (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2009).
Apesar de os entes políticos, poderem adquirir originariamente propriedade por meio da usucapião, o contrário não é verdadeiro, por expressa vedação contida na Carta Magna de 1988, tendo-se em vista a imprescritibilidade dos bens públicos, decorrente de sua inalienabilidade originária.
Meirelles (2008, p. 556) discorrendo sobre as terras públicas e a insuscetibilidade de usucapião, assim doutrina:
As terras públicas não são suscetíveis de usucapião (CF, arts. 183, § 3º, e 191, parágrafo único) e só podem ser alienadas ou concedido seu uso em área superior a dois mil e quinhentos hectares com prévia aprovação do Congresso Federal (CF, art. 188 e §§).
Além de inalienáveis, enquanto preservarem sua destinação de uso comum, ou seja, até que sejam desafetados, passando à categoria de bens dominiais, obedecidos os requisitos da Constituição Federal e da lei, os terrenos de praia são imprescritíveis, haja vista não estarem sujeitos a prazos ou ocupações extintivos do seu domínio. Veja-se a lição de Bandeira de Melo (2007, p. 889-890, grifos do autor):
Imprescritibilidade – quer-se com essa expressão significar que os bens públicos – sejam de que categoria forem – não são suscetíveis de usucapião. É o que estabelecem os arts. 102 do Código Civil e 200 do Decreto-lei 9.760, de 5.9.46, que regula o domínio público federal. Antes dele, já a tradição normativa, desde o Brasil-Colônia, repelia a usucapião de terras públicas, embora alguns insistissem em questionar este tópico. A primeira lei de terras do Brasil independente, Lei 601, de 18.9.1850, e seu regulamento, n. 1.318, de 1854, impunham tal intelecção e os Decretos federais 19.924, de 27.4.31, 22.785, de 31.5.33, e 710, de 17.9.38, também espancavam qualquer dúvida sobre isto. Hoje, a matéria está plenamente pacificada (Súmula 340 do STF).
Ademais, a Constituição vigente é expressa, em seus arts. 183, § 3º, e 191, parágrafo único, ao dispor “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.
Silva, J. (2008, p. 823), com espeque no art. 191, parágrafo único, da Constituição Federal, também salienta: “Anota-se, contudo, que não se verifica usucapião de imóveis públicos”.
Dessa forma, não pode um privado, pessoa jurídica ou física, ser beneficiado pelo instituto da usucapião, pedindo para que o judiciário declare direito vedado pela Constituição da República Federativa do Brasil no que se refere a qualquer bem público.
Assim, quanto à jurisprudência acerca da impossibilidade de usucapião dos terrenos de praia, vale a pena colacionar valiosa decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL. DEMARCAÇÃO DA LINHA DE PREAMAR MÉDIA-1831. DESNECESSIDADE. TERRENO DE MARINHA LOCALIZADO EM FAIXA DE PRAIA. BEM DA UNIÃO DE USO COMUM DO POVO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 7 DO TRF5ª. IMPOSSIBILIDADE. 1. Apelação Cível, em sede de ação de usucapião, contra sentença que julgou improcedente o pedido do autor que consistia na usucapião do domínio útil de terreno de marinha e acrescidos de marinha, por haver concluído que o bem em questão em si não é passível de enfiteuse e muito menos de prescrição aquisitiva (art. 183, parágrafo 3º, CF/88), razão pela qual não há como se falar em usucapião de domínio útil na hipótese. Quanto à análise do conjunto probatório exposto nos autos, os documentos juntados são oriundos do Poder Público, pelo que gozam de presunção de legitimidade e veracidade, sendo, portanto, perfeitamente hábeis a comprovar que o terreno em contento é faixa de mar, não sendo possível sua aquisição por usucapião. 3. A fixação da linha de preamar média somente influencia a delimitação dos terrenos e acrescidos de marinha, sendo prescindível, todavia, para a definição das áreas de praia, como a envolvida na presente ação, cujo conceito legal, como salientou o Magistrado sentenciante, independe de tal levantamento, já que é "...sua natureza determinada por suas próprias condições físicas naturais". Isso, inclusive, é o que se infere de sua definição, contida na mesma art. 10, parágrafo 3º da Lei nº 7.661/88.10. Considerando que o terreno está enquadrado como "praia", constituí-se bem de uso comum do povo, sujeito ao regime jurídico integral de direito público, do qual resulta a impossibilidade de uso privativo por particulares a partir da enfiteuse. Por consequência disso, torna-se inaplicável o teor da Súmula nº 7 desta Eg.Corte ao caso. 5. Apelação não provida. (BRASIL. Tribunal Regional Federal 5. 2009, p. 564, grifo nosso).
Com efeito, incabível e inconstitucional (arts. 183, § 3º, e 191, parágrafo único, da CF) a perpetuação de ocupações irregulares em terrenos de praia, quando do argumento exposto, por pessoa jurídica ou física, de que o prazo e condições de quaisquer tipos de usucapião lhes deu a propriedade de bens de uso comum do povo, o que não pode ocorrer em hipótese alguma.
Por isso mesmo, embora não haja dúvidas quanto à vedação da usucapião quando se tratar de bens públicos, o STF, na Sessão Plenária de 13/12/1963, produziu a Súmula 340, in verbis:
SÚMULA STF Nº 340
Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1963).
Sendo assim, resta vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro a utilização do instituto da usucapião quando se tratar de bens públicos, tendo em vista sua imprescritibilidade aquisitiva.
6. APLICAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA
O poder de polícia representa a faculdade de que dispõe o Poder Público tendente a impor limites aos direitos e liberdades individuais quando em confronto com o interesse público e social.
Cabe destacar o conceito abrangente e bem delineado de poder de polícia constante do art. 78 do Código Tributário Nacional:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (BRASIL,1966).
Por sua vez, Di Pietro (2004, p. 109) analisa o conceito de poder de polícia através de um viés clássico e outro moderno, convergindo de que em ambos exige-se limitação ao exercício dos direitos individuais:
Pelo conceito clássico, ligado à concepção liberal do século XVIII, o poder de polícia compreendia a atividade estatal que limitava o exercício dos direitos individuais em benefício da segurança.
Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.
Com efeito, três são as características do poder de polícia, uma vez que é dotado de auto-executoriedade (a administração pública pode executar suas medidas de preservação dos interesses coletivos e da ordem pública e social sem precisar recorrer previamente ao judiciário), discricionariedade (regra geral, tendo em vista que comumente as leis possibilitam que administração, segundo seu juízo de conveniência e oportunidade, decida sobre a sanção aplicável, o momento de aplicá-la e o respectivo meio) e coercibilidade (prerrogativa de fazer cumprir suas decisões caso haja resistência do particular).
Conhecido o conceito e as características do poder de polícia, é importante frisar que, como visto nos capítulos anteriores, o bem de uso comum do povo é de fruição livre e indistinta da coletividade, não sendo possível a limitação do uso e gozo do mesmo por particulares, salvo as exceções em que o bem é desafetado, como também visto anteriormente, em que, conforme o caso, será cogente a autorização ou permissão da União ou do Município para a realização de certas atividades, de acordo com os limites estabelecidos em lei.
Desse modo, em face das ocupações clandestinas perpetradas por particulares em terrenos de praia, será plenamente cabível o uso do poder de polícia, primeiramente, pelo fato de se exigir autorização ou permissão quando a atividade particular puder trazer transtornos, sobrecarga do bem ou impedimento pela livre e igualitária fruição de terceiros ou mesmo pela exclusividade de utilização de parte da área de uso comum do povo.
Em segundo lugar, pela necessidade de em certos casos serem obrigatórias a concessão de licenças por parte de alguns dos entes políticos, seus órgãos e entidades, autorizando-se o desempenho de atividades, como as ambientais e as que se destinam ao comércio de alimentos e bebidas.
Em terceiro lugar, para coibir as construções/ocupações que restrinjam a utilização do bem de uso comum em igualdade por todos da coletividade, bem como, quando necessárias forem suas concessões, não existam autorização, permissão e as respectivas licenças.
Em quarto lugar, evitando os diversos danos que possam surgir à fauna e à flora, pois vários são os prejuízos que poderão advir da perpetuação de ocupações e construções clandestinas, muitas vezes tendentes a suprimir o espaço de praia, além da influência negativa na percepção da paisagem.
Com relação ao uso do poder de polícia pelo Poder Público, nos casos de ocupação irregular em bens de uso comum do povo, assevera Silva, M. (2008, p. 1):
É de se ressalvar que os órgãos de proteção ambiental, assim como o Serviço do Patrimônio da União, possuem poderes típicos de Poder de Polícia para a proteção das praias, podendo, de forma auto-executória, adotar todas as medidas necessárias ao cumprimento desse mister, como aplicar multa e embargar obras, podendo chegar até a demolição do imóvel construído irregularmente, desde que previamente tenha submetido o ocupante a processo administrativo em que se lhe tenha assegurado o contraditório e a ampla-defesa.
Dessa forma, várias disposições legais embasam a atuação da União, com fundamento em seu poder de polícia, como o art. 10 e parágrafo único da Lei 9.636/98, que autoriza, quando constatada a existência de posses ou ocupações ilegais, a imissão sumária da União na posse, assim como a aplicação de indenização no montante de 10% do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, até a efetiva desocupação, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
Outros exemplos oportunos encontram-se presentes no artigo 6º, I e II, do Decreto-Lei nº 2.398/1987, veja-se:
Art. 6o A realização de aterro, construção ou obra e, bem assim, a instalação de equipamentos no mar, lagos, rios e quaisquer correntes de água, inclusive em áreas de praias, mangues e vazantes, ou em outros bens de uso comum, de domínio da União, sem a prévia autorização do Ministério da Fazenda, importará:
I - na remoção do aterro, da construção, obra e dos equipamentos instalados, inclusive na demolição das benfeitorias, à conta de quem as houver efetuado; e
II - a automática aplicação de multa mensal em valor equivalente a R$ 30,00 (trinta reais), atualizados anualmente em 1o de janeiro de cada ano, mediante portaria do Ministério da Fazenda, para cada metro quadrado das áreas aterradas ou construídas, ou em que forem realizadas obras ou instalados equipamentos, que será cobrada em dobro após trinta dias da notificação, pessoal, pelo correio ou por edital, se o infrator não tiver removido o aterro e demolido as benfeitorias efetuadas. (BRASIL, 1987).
Com efeito, o art. 11 da Lei 9.636/98, legitima à SPU para fiscalizar e zelar pela destinação e interesse público dos terrenos de praias, podendo embargar serviços, obras, aplicar multas de demais sanções previstas em lei, assim como requisitar força policial. Veja-se:
Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao Patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédios de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual. (BRASIL, 1998).
O art. 71 do Decreto-Lei 9.760/1946, dita que: “o ocupante de imóvel da União, sem o assentimento desta, poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito à indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo, ficando ainda sujeito ao disposto nos artigos 513, 515 e 517 do Código Civil”. (BRASIL, 1946).
Por oportuno, gizando a inserção do combate à ocupação irregular no Poder de Polícia, colaciona-se a seguinte decisão:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. BEM DE USO COMUM DO POVO. ALCANCE DA SENTENÇA.
- A sentença que julga procedente ação reivindicatória, determinando a restituição de área específica ao uso comum do povo, não se presta para justificar a demolição de obra erigida pelo vencido em terreno próximo, mas distinto.
- O combate à ocupação irregular de bem de uso comum do povo é providência que se insere no poder de polícia, exercível independente de qualquer provimento jurisdicional prévio. (BRASIL. Tribunal Regional Federal 5. Região, 2007, p. 761, grifo nosso).
Sendo assim, não há óbice ao uso do poder de polícia pela administração pública nos casos de ocupações irregulares em áreas de praia, podendo o Poder Público conceder ou não autorizações, permissões, licenças, fiscalizar as atividades realizadas, se imitir sumariamente na posse, aplicar multas, embargar obras, demolir construções, entre outras medidas, desde que fundamentado na Constituição Federal e na lei.
7. ASPECTOS AMBIENTAIS
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 225, afirma:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988a).
Não obstante, das ocupações clandestinas em áreas de terreno de praia podem advir vários infortúnios ao meio ambiente, prejudicando a sadia qualidade de vida da população habitante das áreas litorâneas, bem como a fauna e flora ali existentes ou conexas.
A partir do momento em que se perpetuam construções, obras e ocupações naqueles bens de uso comum do povo, de logo se altera a classificação do meio ambiente ali existente de natural para artificial.
Entende-se como meio ambiente natural, onde se incluem as áreas de praia, aquele que:
[...] é constituído pelos recursos naturais, que são invariavelmente encontrados em todo o planeta, ainda que em composição e em concentração diferente, e que podem ser considerados individualmente ou pela correlação recíproca de cada um desses elementos com os demais. Os recursos naturais são normalmente divididos em elementos abióticos, que são aqueles sem vida, como o solo, o subsolo, os recursos hídricos e o ar, e em elementos bióticos, que são aqueles que tem vida, a exemplo da fauna e da flora. (FARIAS, 2009, p. 6).
Já o meio ambiente artificial é aquele em que o homem agiu diretamente, construindo ou alterando as características originárias do local, constituído pelas edificações urbanas e aparelhos comunitários.
Com a transformação do ambiente natural nas áreas de praia, perpetradas por ocupações clandestinas, suprimir-se-á parte de um espaço de praia, alterar-se-á a paisagem ali existente, e o pior, ilegalmente, sem que haja nenhum estudo prévio de impacto ambiental e demais licenciamentos necessários.
Ressalte-se que, conforme o art. 1º da Resolução 001/1985 do CONAMA, qualquer alteração provocada pela atividade humana, apta a modificar as propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente são consideradas causadoras de impacto ambiental, afetando, desse modo, o bem estar da população, as atividades sociais, as condições sanitárias e estéticas do meio ambiente, a biota e a qualidade dos recursos ambientais.
Com efeito, de acordo com o artigo 2º da Resolução supracitada, o licenciamento de atividades causadoras de impactos ao meio ambiente deverá ser precedido da elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente e, em caráter supletivo, ao IBAMA.
É importante perceber que:
Nas últimas décadas o crescimento da população foi acompanhado de um rápido desenvolvimento industrial e do surgimento de novos materiais e produtos. As zonas costeiras foram extensivamente ocupadas, de forma desordenada, e como conseqüência tem sido observado o aumento da contaminação dos ambientes marinho e costeiro. A contaminação destes ambientes pode resultar em efeitos deletérios para os recursos vivos e não vivos, caracterizando a poluição marinha (Kennish, 1997).
[...]
Atualmente, qualquer visitante pode imediatamente constatar a contaminação por resíduos sólidos em uma praia, o que estimula em todo mundo, o desenvolvimento de programas internacionais, como o “Dia mundial de limpeza de praias” e o surgimento de organizações não governamentais (ONG’s), como o “Praia Local - Lixo Global”. (SUL, 2005, p. 10).
Destaque-se que, inclusive quanto aos quiosques instalados na beira mar, o fato de além de se realizar a supressão de um espaço natural, a poluição acontecer em larga escala, haja vista que o esgoto dali proveniente muitas vezes é jogado em mar aberto e o lixo das bebidas e petiscos consumidos é despejado na própria areia da praia, favorecendo o falecimento da fauna e flora ali existentes.
Exemplo de uma das consequências desses atos contrários ao bem estar natural é a constante morte de tartarugas (que correm risco de extinção) e outros animais marinhos, fato notório e público nas praias nacionais e paraibanas, como a de Manaíra e Intermares, acontecimentos ultimamente veiculados nos sítios do G1 – Paraíba e da Secretaria da Pesca e Aquicultura de Cabedelo/PB, uma vez que aqueles acabam se alimentando de materiais que adentram o mar, como plásticos, papéis e demais detritos deixados em decorrência do consumo humano.
Deve-se atentar e frisar, como exemplos de efeitos do processo irregular de ocupação: o aumento do risco de degradação do meio ambiente; a pressão de ocupação desordenada e falta de estrutura; a deficiência no saneamento: quadro crítico, lançamento de esgoto nas águas costeiras: 47,1 milhões m³/dia; o fato de dois terços das praias brasileiras diminuírem em tamanho e largura, resultado de construções irregulares na orla e no mar; a descaracterização dos modos de vida tradicionais; e a redução dos recursos exploráveis (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO ORÇAMENTO E GESTÃO, 2002).
Desse modo, para efetiva proteção do meio ambiente natural, destaca-se o princípio da precaução, que:
[...] estabelece a vedação de intervenções no meio ambiente, salvo se houver a certeza de que as alterações não causarão reações adversas, já que nem sempre a ciência pode oferecer à sociedade respostas conclusivas sobre a inocuidade de determinados procedimentos. (FARIAS, 2009, p. 47-48).
Assim, seguindo essa importante diretriz, torna-se inconcebível a ocupação das áreas de praia, sem que haja os correspondentes licenciamentos ambientais, pois se exige a certeza de que da construção e operação das atividades desenvolvidas não restará agredido o meio ambiente.
Por esse motivo, o art. 9º, II, da Lei 9.636/98, enuncia que é vedada a inscrição de ocupações que estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a preservação ambiental e os ecossistemas naturais:
Art. 9o É vedada a inscrição de ocupações que:
I - omissis
II - estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo, de segurança nacional, de preservação ambiental ou necessárias à preservação dos ecossistemas naturais e de implantação de programas ou ações de regularização fundiária de interesse social ou habitacionais das reservas indígenas, das áreas ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, das vias federais de comunicação e das áreas reservadas para construção de hidrelétricas ou congêneres, ressalvados os casos especiais autorizados na forma da lei. (BRASIL, 1998, grifo nosso).
É de se salientar que o licenciamento ambiental é necessário a qualquer empreendimento que possa efetivamente e potencialmente causar poluição e impactos ambientais, assim como o que eventualmente se utilize de recursos naturais. É o que diz o art. 10, caput, da Lei nº 6.938/81 e o art. 2º da Resolução nº 237/97 do CONAMA, in verbis:
Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. (BRASIL, 1981).
Art. 2º - A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimento e atividades utilizadoras de recursos ambientais considerada efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. (BRASIL, 1997).
Assim, nas eventuais atividades autorizadas ou permitidas a serem exercidas em terrenos de praia, que sejam efetiva ou potencialmente poluidoras, ou que sejam capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, faz-se premente a instauração de procedimento administrativo de licenciamento ambiental pelos órgãos competentes.
O art. 1º, I, da Resolução 237/1997 do CONAMA define licenciamento ambiental como o:
[...] procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais , consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso. (BRASIL, 1997).
O procedimento de licenciamento ambiental é complexo, ultrapassando, em regra, três etapas, quais sejam a licença prévia, a licença de instalação e a licença de operação.
Ao final de todas essas etapas, será concedida a licença ambiental, visto que o licenciamento ambiental, apesar de ser complexo é uno, tendo cada fase o objetivo de aferir e analisar se determinada atividade está seguindo os preceitos estabelecidos pela legislação e pelo órgão que poderá conceder a licença (FARIAS, 2009).
Com efeito, regra geral, antes de ser concedida a licença final deverá ser concedida, uma a uma, a licença prévia, a de instalação e a de operação, segundo o art. 19 do Decreto nº 99.247/90 e o art. 8º da Resolução 237/97.
A licença prévia é a concedida na fase preliminar do planejamento da atividade, aprovando sua localização e concepção, visando atestar a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação, conforme o art. 8º da Resolução nº 237/97.
De acordo com o supracitado artigo da Resolução nº 237/97, a licença de instalação autoriza a instalação da atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante.
Por fim, também segundo o art. 8º da Resolução nº 237/97, a licença de operação autoriza a operação da atividade após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinadas para a operação.
Dessa forma, além da autorização e permissão, na conformidade da lei, que porventura sejam obrigatórias para o desenvolvimento de atividades nos terrenos de praia, deverão ser tomadas as devidas precauções para manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, resguardando a sua destinação de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, de acordo com os devidos meios legais e princípios norteadores do Direito Ambiental.
Para consolidar tudo o que foi exposto, resta colacionar brilhante decisão do Tribunal Regional da 5ª Região quanto à necessidade da aplicação do princípio da precaução, da realização do Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e do licenciamento ambiental antes da instalação de qualquer empreendimento em áreas de praia, veja-se:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO POPULAR. IMPLANTAÇÃO DE PROJETO DE REURBANIZAÇÃO EM ORLA MARÍTIMA. ÁREA DE REPRODUÇÃO DE TARTARUGA MARINHA. RISCO DE DANO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL/RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL (EIA/RIMA). AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. 1. Hipótese em que o agravante pretende obstar a implantação de projeto de reurbanização de orla marítima (Projeto Orla), sob o argumento de que as mudanças paisagísticas a serem implementadas acarretarão danos ambientais irreversíveis, especialmente por se tratar de área de reprodução de tartaruga marinha. 2. Os documentos acostados aos autos apontam para o potencial risco de danos irreparáveis ao meio ambiente, caso o empreendimento seja implementado sem as devidas cautelas visando a preservação da fauna e flora da região a ser modificada, especialmente porque a área é local de reprodução de tartaruga marinha, espécie ameaçada de extinção, além de concentrar diversas espécies vegetais nos cordões arenosos da praia onde o Projeto Orla será implantado. 3. Em matéria ambiental impera o Princípio da Precaução, que está sedimentado no nosso ordenamento jurídico e no caso em apreço visa mitigar os efeitos danosos ao meio ambiente. A manutenção da decisão recorrida pode acarretar lesão grave e de difícil reparação ao meio ambiente, cuja integridade corresponde a um direito fundamental de terceira geração. Ao Estado e à sociedade incumbe a "especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva". (STF, ADIMC 3540, Rel. Ministro Celso de Mello). 4. Os Relatórios de Inspeção Técnica elaborados pela Secretaria de Meio Ambiente - SEMAM, por meio dos quais o agravado demonstra a avaliação da situação ambiental na área objeto do reordenamento urbano, são insuficientes para o fim colimado, pois abordou de forma perfunctória o problema da desova da tartaruga marinha na região e nessa condição não se prestam a embasar o licenciamento ambiental na área em questão. 5. No caso dos autos impõe-se a necessidade de um minucioso estudo sobre os problemas específicos da área, sob pena da interferência humana causar danos irreversíveis ao meio ambiente. 6. As obras de implementação do Projeto Orla não poderão ser realizadas antes da apresentação do respectivo Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), no qual deve ser analisada com maior profundidade a questão da proteção às espécies de tartaruga marinha que se reproduzem na região. 7. Agravo de instrumento provido. Agravo regimental prejudicado. (BRASIL. Tribunal Regional Federal 5. Região, 2010, p. 413, grifo nosso).
Sendo assim, o Poder Público deve orientar sua atuação quanto aos terrenos de praia utilizando-se dos princípios do Direito Ambiental, assim como, de toda a normatização vigente relativa ao tema, garantindo um saudável meio ambiente à população usufruidora das praias.
8. ASPECTOS PATRIMONIAIS
Como já restou discutido e exposto nos capítulos iniciais, os terrenos de praia são bens de propriedade da União, sendo, além de impenhoráveis, inalienáveis e imprescritíveis.
Posto isso, afirmou-se não ser possível a ocupação arbitrária e que prejudique o uso e gozo tranquilo das praias pela coletividade, bem como a inaplicabilidade do instituto da usucapião aos bens públicos.
Dessa forma, quando uma determinada pessoa ocupa irregularmente um terreno de praia está a violar a propriedade de bem da União, portadora de destinação de uso comum, acesso e gozo do povo, ceifando, em consequência, direito subjetivo das demais pessoas.
Assim sendo, encontra-se autorizado o Poder Público a tomar todas as providências legais cabíveis, como a imissão sumária na posse; a aplicação de multas e a realização demolições, através do uso do poder de polícia (capítulo 6); e o acesso ao judiciário, por meio de ações ordinárias, cautelares e possessórias; entre outras medidas.
Quando o acesso ao judiciário, o art. 20 do Decreto-Lei nº 9.760/1946, enuncia que “aos bens imóveis da União, quando indevidamente ocupados, invadidos, turbados na posse, ameaçados de perigos ou confundidos em suas limitações, cabem os remédios de direito comum”. (BRASIL, 1946).
Gize-se que o cidadão também possui meios para conter agressões ao bem de uso comum do povo, exemplos deles é a ação popular, que tem sua previsão no artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal de 1988, orientando que qualquer cidadão é parte legítima para anular ato lesivo ao patrimônio público e ao meio ambiente. Destaque-se o art. 1º da Lei 4717/1965, regulamentadora da referida ação constitucional:
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos. (BRASIL, 1965).
Sobre algumas das consequências patrimoniais, a Lei nº 9.636/98, em seu art. 10 e parágrafo único, determina que será devida à União indenização no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor do domínio pleno do imóvel, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada de sua posse ou ocupação:
Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas.
Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. (BRASIL, 1998, grifo nosso).
É nessa toada que o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo, inclusive consolidando que inexiste qualquer possibilidade de que a responsabilidade quanto à aplicação da supracitada indenização em face das ocupações em terrenos de praia seja subjetiva, afastando a aferição sobre a qualidade de ocupador de boa-fé.
ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL DA UNIÃO DE USO COMUM DO POVO. TERRENO DE PRAIA. IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO DA OCUPAÇÃO. MULTA PREVISTA NO ART. 10, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 9636/98 DEVIDA. I - A Lei n. 9636/98, que dispõe sobre a regularização e administração dos bens imóveis da União, veda a inscrição de ocupações que, dentre outros, "estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo" (art. 9º, inc.II). Forte nesta norma, o Tribunal a quo determinou a reintegração da posse à União, de terrenos de praia irregularmente ocupados pelas ora recorridas. II - Nada obstante, deixou de condená-las à multa prevista no parágrafo único do art. 10 da mencionada lei, à consideração de que estavam de boa-fé e tentaram regularizar a sua situação e, por outro lado, a inércia da União na busca da reintegração na posse da área, uma vez passados dezesseis anos, desde o seu estabelecimento na Praia do Francês, em Marechal Deodoro-AL. III - Todavia, a existência ou não de boa-fé, consoante bem realçou a União, em suas razões recursais, não é motivo para se deixar de aplicar a multa em comento. E, ainda que fosse, não há falar em boa-fé, in casu, porquanto tinham as recorridas plena consciência de estarem ocupando terreno que não lhes pertencia, tanto que buscaram regularizar a sua situação, segundo ressaltou o próprio acórdão ora hostilizado. IV - Consoante se depreende das normas aplicáveis, deverão as recorridas pagar à União, a título de indenização, pela ocupação ilícita de terreno de uso comum do povo, o correspondente a 10% do valor atualizado do domínio pleno deste terreno, tendo-se como dies a quo 6 de março de 2002, data em que ajuizada a presente ação de reintegração de posse. Anteriormente a tal data, não se pode concluir ter a União sido privada da posse dos imóveis, vez que não buscou se imiscuir na sua posse. V - Recurso especial conhecido e provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2007, p. 264, grifo nosso).
Já o Decreto-Lei 9.760/1946, autoriza a União a reaver sumariamente a posse de seus bens imóveis do ocupante clandestino, a qualquer tempo, consoante se verifica do disposto no artigo 71:
Art. 71 - O ocupante de imóvel da União, sem assentimento desta, poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo, ficando ainda sujeito ao disposto nos artigos 513, 515 e 517 do Código Civil. (BRASIL, 1946, grifo nosso).
De fato, o art. 6º, I e II, do Decreto-Lei Nº 2.398/1987, com redação dada pela Lei nº 9.636 de 1998, também preconiza consequências de natureza patrimonial ao ocupante de bens públicos que não detém autorização ou permissão do Poder Público, como a remoção do aterro, construção ou obra. Concomitantemente, também estabelece a automática aplicação de multa mensal em valor equivalente a R$ 30,00 (trinta reais), atualizados anualmente em 1º de janeiro de cada ano, para cada metro quadrado das áreas aterradas ou construídas, ou em que forem realizadas obras ou instalados equipamentos. In verbis:
Art. 6º. A realização de aterro, construção ou obra e, bem assim, a instalação de equipamentos no mar, lagos, rios e quaisquer correntes de água, inclusive em áreas de praias, mangues e vazantes, ou em outros bens de uso comum, de domínio da União, sem a prévia autorização do Ministério da Fazenda, importará:
I - na remoção do aterro, da construção, obra e dos equipamentos instalados, inclusive na demolição das benfeitorias, à conta de quem as houver efetuado; e
II - a automática aplicação de multa mensal em valor equivalente a R$ 30,00 (trinta reais), atualizados anualmente em 1º de janeiro de cada ano, mediante portaria do Ministério da Fazenda, para cada metro quadrado das áreas aterradas ou construídas, ou em que forem realizadas obras ou instalados equipamentos, que será cobrada em dobro após trinta dias da notificação, pessoal, pelo correio ou por edital, se o infrator não tiver removido o aterro e demolido as benfeitorias efetuadas. (BRASIL, 1987, grifo nosso).
Enfim, aquele que desrespeitar os limites constitucionais e legais da propriedade do bem de uso comum do povo, especificamente, no caso em tela, os terrenos de praia, sofrerá as consequências patrimoniais necessárias a prevenir e coibir os atos ilícitos perpetrados, seja por atos e procedimentos administrativos, seja por meios judiciais.
9. PROJETO ORLA
Vale salientar a existência do plano de reordenamento denominado Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima – Projeto Orla, uma vez que consolida uma forte política pública com o fito de combater os conflitos existentes em bens de domínio da União.
Em 2002, o Ministério do Meio Ambiente, por meio da Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentos Humanos e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, através da Secretaria do Patrimônio da União, elaboraram o supracitado Projeto com o objetivo de “contribuir, em escala nacional, para a aplicação de diretrizes gerais de disciplinamento de uso e ocupação de um espaço que constitui a sustentação natural e econômica da zona costeira, a Orla Marítima”. (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO ORÇAMENTO E GESTÃO, 2002, p. 3).
O Projeto está apoiado em todo o arcabouço legal estudado, mais concentradamente na Lei 7.661/88 (instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro), na Lei 9.636/98 e no Plano de Ação Federal para a Zona Costeira – PAF (instituído mediante Resolução CIRM 005/98).
Segundo o referido Projeto, a faixa litorânea albergada perfaz 8.500 km e atinge aproximadamente 300 municípios, totalizando uma população de 32 milhões de habitantes.
O Projeto Orla nasceu com o fulcro de disciplinar bens de domínio da União, compatibilizando o reordenamento com a política ambiental, em decorrência de conflitos gerados em face da destinação dos terrenos, especialmente os de uso comum do povo, haja vista que não podem sofrer limitações de uso e gozo individuais em detrimento da coletividade.
Com efeito, o Projeto Orla tem como objetivo central a compatibilização das políticas ambientais e patrimoniais do governo federal no trato dos espaços litorâneos sob propriedade, guarda ou conservação da União, visando consolidar uma orientação cooperativa e harmônica entre as ações políticas desenvolvidas na orla marítima, buscando uma nova abordagem de uso e gestão (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO ORÇAMENTO E GESTÃO, 2002).
Constituem objetivos estratégicos do referido Projeto: o fortalecimento da capacidade de atuação e articulação de diferentes atores do setor público e privado na gestão integrada da orla, aperfeiçoando o arcabouço normativo para o ordenamento do uso e ocupação do espaço; o desenvolvimento de mecanismos institucionais de mobilização social para a sua gestão integrada; e o estímulo a atividades socioeconômicas compatíveis com o desenvolvimento sustentável da orla (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO ORÇAMENTO E GESTÃO, 2002).
Assim, o Projeto Orla almeja resultados nos três níveis da federação. Veja-se:
Neste contexto, espera-se que a aplicação dos instrumentos e procedimentos técnicos do Projeto Orla, em especial aqueles resultantes do diagnóstico e implementação dos planos de intervenção, promovam o alcance de benefícios nos três níveis de gestão territorial:
NACIONAIS
atendendo aos propósitos de uma ação convergente do poder público, no sentido de valorizar o conceito do patrimônio coletivo da orla, revertendo a lógica da “privatização dos benefícios e socialização dos prejuízos”, dando um significado estratégico à formação da cidadania, pois envolve, entre outros, um dos espaços de maior significado simbólico para os brasileiros – as praias. A garantia de acesso às praias, como bem público, e, conseqüentemente, a manutenção da função social dessa faixa altamente valorizada do território nacional, necessita ser enriquecida pela responsabilidade municipal na gestão, ampliando as possibilidades de solução de conflitos de uso e a reversão dos processos de degradação.
REGIONAIS
permitindo com que o uso adequado da orla potencialize esse ativo natural, como elemento para o desenvolvimento do turismo, para a manutenção de recursos estratégicos e para a implantação de infra-estrutura de interesse para o crescimento econômico regional.
LOCAIS
valorizando a paisagem, os atrativos turísticos e a proteção física, como elementos fundamentais para o convívio social da orla, propiciando a geração de pequenos negócios compatíveis com a conservação e utilização sustentável da biodiversidade local. (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO ORÇAMENTO E GESTÃO, 2002, p. 7).
Como exemplo local, em João Pessoa/PB, devido à necessária descentralização para a aplicação do Projeto, restou criado Comitê Gestor Municipal do Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima de João Pessoa – Comitê Gestor do Projeto Orla João Pessoa, núcleo de integração do projeto naquele Município, deliberativo e consultivo, de funcionamento permanente.
Saliente-se que o Comitê Gestor coordenará e será responsável por fiscalizar as ações de implementação do Plano de Gestão Integrada da Orla do respectivo Município que tenha aderido ao Projeto Orla, sendo também responsável por orientar o trabalho de avaliação e revisão.
Os Municípios que manifestarem a intenção de aderir ao Projeto Orla deverão formalizar sua vontade através da ficha de adesão constante do endereço - www.mma.gov.br/projetoorla ou solicitá-la diretamente à coordenação de gerenciamento costeiro no respectivo órgão ambiental estadual ou na Superintendência do Patrimônio da União.
Desse modo, uma vez solicitada e preenchida a ficha de adesão, o Município deverá encaminhá-la à Coordenação Estadual do Projeto, havendo, desta feita, uma análise e definição de uma agenda de trabalho, para que se ponha em prática o compromisso efetivado pelo desenvolvimento das fases de implementação.
Na Paraíba, segundo informações contidas no sítio da SPU-PB, já são parceiros do Projeto Orla os Municípios de João Pessoa/PB, Lucena/PB, Conde/PB, Mataraca/PB e Cabedelo/PB.
Por oportuno, destaque-se a existência de uma Comissão Técnica Estadual – CTE, instituída pelo Decreto nº 28.948, de 18 de dezembro 2007, possuidora, por exemplo, de algumas das seguintes atribuições: a promoção da participação de instituições e agentes envolvidos no processo de planejamento e de ocupação costeira; a contribuição para com a Coordenação Estadual na promoção acompanhamento, e articulação de ações voltadas para a implementação do Projeto Orla no Estado; o asseguramento e coordenação da implantação dos Planos Gestores Municipais da Orla Marítima; o fomento de estudos e projetos, visando à conservação do patrimônio natural e cultural; a colaboração para o aprimoramento da legislação e das Políticas Públicas nas áreas da Orla; a manifestação sobre projetos, programas e empreendimentos significativos na área de orla; entre outras de grande importância.
A Comissão Técnica Estadual – CTE é composta estruturalmente por uma Presidência, uma Vice-Presidência, uma Secretaria Executiva e um Plenário, participando, ainda, da seleção das localidades a serem inseridas no processo; das reuniões e disponibilização de dados e informações, necessárias à elaboração de um dossiê sobre as áreas de interesse dos Projetos; da análise final dos Planos de Gestão, emitindo parecer técnico em conjunto com a Coordenação Estadual; e da Implementação dos Planos de Gestão, viabilizando os meios disponíveis e potenciais, em sua esfera de ação, para apoiar a execução das ações propostas.
Sendo assim, o Projeto Orla, quando aplicado de acordo com as determinações legais, indica ser mais um meio de combate aos infortúnios causados por aqueles que invadem áreas de desfrute coletivo e de domínio da União, estando abalizado em legislações esparsas e primordialmente pela Constituição Federal de 1988, mais concentradamente no artigo 20, que elenca os bens da União.
10. CONCLUSÃO
Por meio desse artigo comprovou-se que a atuação do Poder Público, através do uso do poder de polícia, ações judiciais e processos administrativos, está em consonância e realidade com a legislação regulamentadora e aplicável à espécie de uso de bem comum do povo denominada de terreno de praia.
Registrou-se que o Poder Público vem se orientando, em sua atuação, por vasto arcabouço legal acerca dos terrenos de praia, como a Lei nº 7.661/88 (a GRPU/PB utilizou-a essencialmente como fundamento para a sua atuação na Paraíba, inclusive o art. 10, caput, § 1º e 3º), a Lei 9.636/98, o Decreto-Lei 9760/1946, o Decreto-Lei nº 2.398/1987 e demais normas citadas no decorrer desse estudo.
Percebeu-se que a própria essência do terreno de praia, como bem de uso comum, já demonstra que as ocupações perpetradas por particulares em detrimento da utilização geral por outros indivíduos são irregulares, tendo em vista a destinação pública no sentido de sua utilização efetiva pelos demais membros da coletividade.
Dessa forma, estão em plena conformidade com a Constituição Federal e leis vigentes as consequências do uso do poder de polícia e de decisões judiciais provenientes da atuação do Poder Público contrária às várias ocupações e edificações em desconformidade com suas delimitações oficiais, assim como em relação àquelas atividades que exploram de alguma forma bens de domínio público em denominadas áreas de praia.
Evidenciou-se serem implicações legais decorrentes das ocupações clandestinas multas, indenizações, demolições e ações judiciais, tendo em vista relações puramente precárias estabelecidas por particulares, em que não há nenhum consentimento do Poder Público quanto a elas.
Restou demonstrado que os resultados patrimoniais e ambientais decorrentes de ocupações irregulares em terrenos de praia existem, o que, de uma forma ou de outra, se não fossem combatidas, inviabilizariam o deleite coletivo das respectivas áreas, além dos potenciais e efetivos danos tendentes a acontecer sobre a vegetação natural existente.
Sendo assim, o não agir do Poder Público, com o consequente desrespeito por parte de vários indivíduos à Carta Magna de 1988 e às legislações aplicáveis, inviabilizaria, no decorrer do tempo, o acesso às praias, seja por seus reflexos patrimoniais, seja pelos seus reflexos ambientais, assim como comprometeria todo o bioma existente, haja vista a poluição gerada por várias das ocupações irregulares.
Para finalizar, destacam-se as oportunas palavras do advogado Celso Neto (1998, p.1), em seu artigo aqui utilizado “Domínio público: os bens que todos usamos e a questão ecológica”:
Desde as mais remotas sociedades, sempre foi constatada a necessidade de existência de algum tipo de dominação e de regulamentação, a cargo do Estado, sobre determinados bens. Em rigor, a vida em sociedade seria praticamente impossível, não fora a presença de bens destinados ao cumprimento de finalidades de interesse coletivo.
REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAGAS, Erick Joseph Rabelo. Ocupação irregular em terrenos de praia: uma visão jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jul 2016, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/47084/ocupacao-irregular-em-terrenos-de-praia-uma-visao-juridica. Acesso em: 08 nov 2024.
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