1 – Teoria do Risco Administrativo e Teoria do Risco Integral
A responsabilidade objetiva por condutas comissivas dos agentes de Estado, que admite excludentes (culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior), decorre da teoria que nós chamamos de teoria do risco administrativo. A teoria do risco administrativo é a ideia de que a atividade do Estado é arriscada. Ninguém consegue agradar 100% das pessoas. Sempre vai prejudicar alguém. Por isso, quando o Estado assume o risco de exercer a atividade administrativa, ele acaba por se responsabilizar objetivamente por todos os danos decorrentes desse risco.
Então, a teoria do risco administrativo acaba por gerar uma responsabilidade objetiva, porque o Estado responde por todos os danos decorrentes do risco criado por ele. Pouco importa como foi a situação de risco, a responsabilidade do Estado é sempre objetiva.
A medida que pagamos os tributos, estamos colaborando para manutenção/sustentação do Estado. Se um de nós (que sustentamos o estado) sofre um prejuízo em razão de uma conduta administrativa, não deve ter de passar pelo encargo de ter que demonstrar a culpa (nem culpa do preposto, nem culpa da Administração). A vítima só precisa provar que sofreu dano e que esse dano decorre de uma conduta administrativa.
Ocorre que a teoria do risco administrativo tem um contraponto na doutrina que é a chamada teoria do risco integral. Alguns doutrinadores adotam a teoria do risco integral. Qual é a diferença? Quem adota a teoria do risco integral, mantém a ideia da responsabilidade objetiva, com uma diferença: não admite as excludentes de responsabilidade. Quem adota o risco integral enxerga o estado como garantidor universal, por isso não admite as excludentes do nexo causal.
O Estado responde mesmo diante de situações em que haja, teoricamente, exclusão da responsabilidade. Quem adota a teoria do risco integral entende que o Estado responde objetivamente, mesmo diante de situações em que haveria exclusão da responsabilidade do Estado. O Brasil adotou, como regra, a teoria do risco administrativo, mas nós temos algumas exceções. Nós temos 4 exceções em que a doutrina aponta pela adoção do risco integral (nenhuma delas é unânime):
1ª Danos nucleares – Os danos decorrentes de atividades nucleares geram responsabilidade objetiva integral do Estado. A responsabilidade do Estado é objetiva e decorre do risco integral todas as vezes que o dano decorrer de uma atividade nuclear. Quando eu falo de atividade nuclear, eu estou falando de qualquer atividade autorizada pelo Estado.
Exemplo - No Brasil nós tivemos um único caso. Aconteceu em Goiânia. Há 25 anos, dois meninos resolveram brincar numa área de lixo hospitalar. Encontraram uma caixa em que havia escrito “perigo”. Mesmo assim eles abriram. Encontraram um tubo de césio 137, verde e fosforescente. Pegaram, andaram com ele no ônibus, eles faleceram. Todo mundo que teve contato com a substância ou com essas crianças também morreu. Quem não morreu sofreu sequelas que até hoje se alastram em Goiânia. O evento é muito danoso. Por isso, na época, o Estado alegou culpa exclusiva da vítima. As crianças que pegaram uma caixa que tinha escrito perigo. Mas o judiciário decidiu que nesses casos de danos decorrentes de atividade nuclear não se aplicam as causas excludentes de responsabilidade. Nesses casos o risco é integral.
2ª Danos ambientais – O Estado responde integralmente por qualquer dano ambiental, seja por ato comissivo, seja por ato omissivo. Só tem uma diferença: no caso de responsabilidade objetiva por dano ambiental por ato omissivo, a responsabilidade é integral, mas é uma responsabilidade que a gente chama de responsabilidade de execução subsidiária. É uma responsabilidade integral, mas só se pode executar o Estado depois de executar o poluidor direto.
3ª Crimes ocorridos a bordo de aeronaves que estejam sobrevoando o território brasileiro
4ª Danos decorrentes de terrorismo
2 - Responsabilidade Civil do Estado por Omissão
2.1 – Teoria da Culpa Anônima ou Culpa do Serviço
Nós já vimos a responsabilidade objetiva por atos comissivos. Já vimos que o Estado responde objetivamente quando o dano decorrer da conduta de um agente. Quando o agente atua, a responsabilidade é objetiva. E como fica a responsabilidade por omissão do Estado? Como funciona a responsabilidade do Estado naquelas situações em que o dano decorre exatamente da não atuação do agente?
O entendimento majoritário é o de que a responsabilidade por omissão do Estado é subjetiva. Mas não é uma responsabilidade subjetiva que se baseia em dolo e culpa do agente. Não é a responsabilidade civilista. É uma responsabilidade subjetiva que se baseia no que se chama de culpa do serviço/culpa anônima.
Ou seja, para que o Estado responda, eu preciso demonstrar que o dano decorreu da má prestação do serviço no caso concreto. Se o dano decorreu da má prestação do serviço, da prestação ineficiente do serviço, aí o Estado responde.
Se o cidadão é assaltado no meio da rua, o Estado responde? Não. E se o cidadão é assaltado na frente de uma delegacia? Aí o Estado responde, claro. O Estado tem que prestar o serviço de segurança, mas dentro dos limites do possível. Se o cidadão foi assaltado no meio da rua, não há como se exigir que haja um agente de Estado em cada local da cidade. Agora, se o cidadão foi assaltado na frente da delegacia, fica mais claro que o serviço de segurança está sendo mal prestado pelo Estado. Digamos que o assalto foi na frente da delegacia e o policial não fez nada porque pensou que era briga de marido e mulher. Ainda que o policial tivesse toda razão, não tivesse culpa nenhuma, o Estado ainda responde? Claro. Não é necessário demonstrar culpa do agente. Basta demonstrar que o serviço foi ineficiente. Com isso, a responsabilidade do Estado é subjetiva. Eu preciso demonstrar a culpa do serviço, a má prestação do serviço no caso concreto. Se eu demonstro essa má prestação do serviço no caso concreto, eu consigo responsabilizar o Estado.
Exemplo 1 – Em São Paulo estava chovendo bastante e os bueiros estavam entupidos. As ruas estavam alagadas. Um menino saiu para brincar e morreu de leptospirose. O Estado responde? Sim. É a má prestação do serviço de escoamento, é a má prestação do serviço de esgoto... Se apenas tivesse chovido, o menino saísse para brincar e morresse, o Estado não responderia. Mas nesse caso concreto eu consigo demonstrar a má prestação do serviço. Nesses casos de omissão eu tenho que ter esse elemento da não prestação eficiente.
Exemplo 2 – Se cai um galho no meu carro, o Estado responde? Depende do caso concreto. Se foi um vento forte que derrubou várias árvores, o Estado não responde. Agora, se eu conseguir demonstrar que o município deveria ter feito a poda daquela árvore, que a árvore estava visivelmente podre, o Estado responde sim. Tem que demonstrar a má prestação do serviço. Não basta a ausência de atuação. Eu tenho que demonstrar essa má prestação do serviço.
2.2 – Teoria do Risco Criado e Teoria da Conditio Sine Qua Non (situação de custódia)
No entanto, o Brasil adotou também outra teoria para casos de omissão, que a gente chama de teoria do risco criado/suscitado. A TEORIA DO RISCO CRIADO DIZ O SEGUINTE: TODAS AS VEZES QUE O ESTADO CRIA UMA SITUAÇÃO DE RISCO E DA SITUAÇÃO DE RISCO CRIADA PELO ESTADO DECORRE UM DANO, A RESPONSABILIDADE DO ESTADO É OBJETIVA, MESMO QUE NÃO HAJA CONDUTA DIRETA DO AGENTE.
Exemplo 1 - Um preso mata o outro na prisão. Se um preso mata o outro na prisão, o Estado responde objetivamente. Perceba que não teve conduta do agente. Quem matou foi o preso e quem morreu foi outro preso. Mas o presídio é uma situação de risco criado pelo Estado. Quando o Estado cria essa situação de risco, ele responde objetivamente por todos os danos decorrentes desse risco.
Exemplo 2 – Imagine que um preso fugiu do presídio e, durante a fuga, assaltou a casa ao lado. O Estado responde? Sim. Responde objetivamente. É responsabilidade objetiva porque o presídio cria uma situação de risco à vizinhança.
E quando for logo após a fuga? Considera-se extensão da custódia? Sim, por isso a responsabilidade do Estado ainda é objetiva. A DOUTRINA BRASILEIRA VEM DIZENDO QUE ESSE RISCO CRIADO/SUSCITADO ESTÁ PRESENTE TODAS AS VEZES QUE O ESTADO TEM ALGUÉM OU ALGUMA COISA SOB CUSTÓDIA. Todas as vezes que o estado tiver alguém ou alguma coisa sob custódia, sua responsabilidade será objetiva. O Estado não é garantidor universal, mas ele é garantidor de quem ele custodia. Temos um julgado do final de 2012 dizendo que a responsabilidade do Estado por um preso que se suicida na prisão é objetiva, porque ele é garantidor de quem ele custodia. O STF vem chamando isso de omissão específica. Nessas situações de custódia o Estado tem uma omissão específica, porque naquele caso ele tem um dever específico de cuidado. É uma responsabilidade objetiva por omissão.
Imagine o recreio de uma escola pública. Um aluno fere o outro. O Estado responde?
Objetivamente, porque, no recreio da escola pública, o Estado deveria estar tomando conta daquelas crianças. Isso é uma responsabilidade objetiva por omissão do Estado, decorrente da situação de custódia.
Exemplo - Um preso pediu para passar o dia dos pais com o pai, numa situação de saída temporária. O judiciário permitiu. Esse sujeito, sob a custódia do Estado, vai visitar o pai no fim de semana e volta. O preso foi no shopping, estuprou uma moça, matou e deixou a sua filha, que estava com ela, presa no carro. O Estado responde? Objetivamente, porque, no momento em que ele colocou aquele sujeito, sob custodia, na sociedade, criou uma situação de risco e se responsabiliza por essa situação.
Nesse caso de custódia, a gente não aplica nem o risco administrativo nem o risco integral. Aqui a teoria aplicada é a teoria da conditio sine qua. Para que haja responsabilidade do estado em situações de custódia, basta você demonstrar que a custódia é uma condição sem a qual o dano não ocorreria. Você precisa comprovar que a custodia é uma condição sem a qual não haveria o dano. Não preciso demonstrar causalidade adequada.
Logo, entende-se que, nas situações de custódia, só há exclusão da responsabilidade do Estado em virtude de fortuitos externos: situações que não decorram nem da custódia nem do custodiado. Ainda que decorra de um caso fortuito, se for um fortuito interno (que decorra da própria custódia), não excluirá a responsabilidade objetiva do Estado.
REFERÊNCIAS
-Alexandrino, M. Paulo, V. Direito Administrativo Descomplicado. 22ª ed. São Paulo: Método, 2014.
-Carvalho Filho, J. S. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.
-Di Pietro, M. S. Z. Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009.
-Matheus Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo. Editora Jus Podivm, 2015.
Advogado. Pós-graduado em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOBO, Roberto Monteiro. Responsabilidade civil do Estado em casos de custódia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/47844/responsabilidade-civil-do-estado-em-casos-de-custodia. Acesso em: 13 nov 2024.
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