RESUMO: A “Desaposentação” no Direito Previdenciário Brasileiro foi criada pela doutrina e jurisprudência com o objetivo basilar de aprimorar a aposentadoria do trabalhador que se aposenta e, após um lapso de tempo, retorna ao trabalho, vertendo contribuições obrigatórias para o sistema previdenciário. Desta forma, o presente estudo tem como objetivo elencar e discutir os principais pontos de embates trazidos pela doutrina do Direito Previdenciário. Utilizou-se como metodologia dados secundários de natureza bibliográfica acerca das jurisprudências da desaposentação. Os resultados demonstraram que a finalidade do instituto é tão somente possibilitar ao aposentado (que voltou a ser contribuinte) a sua renúncia à aposentadoria, aproveitando o respectivo tempo de contribuição para uma nova aposentadoria mais vantajosa. Ante a falta de regulamentação legal expressa, a doutrina assume, majoritariamente, uma posição favorável, argumentando que se não há vedação, o sistema legal permite. Por outro lado, a jurisprudência ainda não era pacífica, embora houvesse uma tendência a sua aceitação, especialmente na Justiça Federal. Conclui-se que uma regulamentação legal pormenorizada sobre o tema seria um caminho mais viável a ser seguido, a fim de que argumentos falhos como os usados pela Administração Pública não suplantem esta prerrogativa concedida ao segurado para melhorar sua qualidade de vida.
Palavras-chaves: Desaposentação. Posições doutrinárias. Posições jurisprudenciais.
SUMÁRIO: A DESAPOSENTAÇÃO: CONTROVÉRSIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS 1INTRODUÇÃO 2.METODOLOGIA E JUSTIFICATIVA 3.ORIGEM E CONCEITO DA DESAPOSENTAÇÃO 3.1HIPÓTESES DE CABIMENTO DA DESAPOSENTAÇÃO 3.2PRESSUPOSTOS LÓGICOS PARA A DESAPOSENTAÇÃO 4.DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS E DOUTRINÁRIAS 4.1LEGALIDADE DA DESAPOSENTAÇÃO 4.2LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO NOVO BENEFÍCIO 4.3MORALIDADE DA DESAPOSENTAÇÃO 4.4SUPOSTA VIOLAÇÃO AO ATO JURÍDICO PERFEITO 4.5DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS 4.5.1Teses doutrinárias contrárias à restituição 4.5.1Teses doutrinárias favoráveis à restituição 4.6 POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA E DO STF 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS
Pode-se dizer que a desaposentação é uma renúncia a uma aposentadoria que foi obtida no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ou em um Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), cujo escopo é possibilitar uma fruição de um benefício pecuniariamente mais vantajoso no mesmo regime previdenciário ou em regime previdenciário distinto. Isso ocorre porque o trabalhador volta ao trabalho após uma primeira aposentação, passando, assim, a verter contribuições para o sistema, surgindo então um novo tempo contributivo.
Vale ressaltar que a situação mais frequente ocorre com os segurados que se aposentam pelo RGPS e depois passam a exercer um cargo público - neste caso, acobertados por um RPPS. A outra situação mais destacada pela doutrina é quando o segurado se aposenta pelo RGPS, mas continua laborando ou volta após um tempo.
O instituto da desaposentação evoluiu desde a década de 90 até os dias atuais. Houve uma ampliação do interesse dos estudiosos previdenciaristas, com uma consequente produção de obras discutindo o instituto e também muitos julgados favoráveis à viabilidade jurídica da desaposentação nos magistrados da Justiça Federal.
Entretanto, a desaposentação ainda é negada na via administrativa, que argumenta pela falta de previsão legal expressa, a violação do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, Ibrahim (2011). No entanto, esquece a administração, no caso, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que tal violação não ocorre, visto que estes citados preceitos constitucionais devem ser utilizados para favorecer a sociedade e os indivíduos, e não contra estes, ainda mais quando o que há, na verdade, é mora dos legisladores.
Partindo desta explanação, este artigo levanta a problemática desta mora legislativa, no tocante ao instituto da desaposentação, detalhando como vem sendo construída a argumentação da doutrina e da jurisprudência no sentido de que seria legal tal instituto.
Este trabalho traz os principais aspectos e embates trazidos pela doutrina (e também pela jurisprudência, quando possível) para se entender as peculiaridades da desaposentação, apresentado um estudo propriamente dito da desaposentação, abordando a sua origem e conceituação, bem como suas hipóteses de cabimento e pressupostos lógicos e por fim todo o embate dos argumentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema.
Assim, serão trazidas verdadeiras situações controvertidas, como, por exemplo, se e quanto deve ser restituído pelo segurado para que seja possível a concretização da desaposentação.
Por fim, serão apresentados os pontos conclusivos do estudo desta pesquisa, destacando os pontos controvertidos e quais as soluções possíveis para tornar o instituto uma realidade prática, favorecendo, assim, as prerrogativas do maior interessado na questão: o segurado da previdência social.
Com relação à metodologia, foi escolhida a pesquisa secundária de natureza bibliográfica, por ser a que se melhor amolda a este tipo de estudo que tem como foco trazer uma boa quantidade de informações e concepções sobre o objeto de estudo, por meio das principais obras relacionadas ao tema e também de decisões judiciais.
Dessa forma, esta pesquisa justifica-se devido à negativa dos órgãos administrativos em conceder um direito visivelmente amparado por nossas regras e princípios de Direito Constitucional e Previdenciário. Como objetivo, o presente artigo visa elencar e discutir os principais pontos de embates trazidos pela doutrina do Direito Previdenciário para um estudo inicial deste instituto previdenciarista, demonstrando a sua viabilidade técnica, apesar de divergências em alguns pontos entre os próprios estudiosos do tema e, principalmente, entre “os aplicadores da lei”- o INSS, na via administrativa, e os magistrados, na via judicial.
Percebe-se então que se trata de um relevante assunto, tanto do ponto de vista acadêmico, já que é um tema em evidência no direito previdenciário, como do ponto de vista prático, pois é uma situação de fácil concretização.
Segundo as lições de Serau Junior (2013), quem estuda o tema da desaposentação deve, desde logo, ter ciência de que a conceituação do referente instituto, em termos generalistas, não é um das tarefas mais fáceis, já que ela se aplica ao RGPS e aos regimes próprios dos servidores, regimes que possuem diferenças, e, muitas vezes, não guardam uma proximidade de estrutura e administração. Destarte, há, segundo tal estudioso, uma grande dificuldade na uniformização da tarefa interpretativa para se chegar a um conceito geral da desaposentação, pois, além disso, o instituto ainda não possui previsão expressa no nosso ordenamento jurídico, sendo uma criação da doutrina e da jurisprudência.
O professor Martinez (2012) entende que o instituto da desaposentação remonta ao ano de 1973, ano no qual estava em vigor a Lei 5.890/1973, que alterou a Lei Orgânica da Previdência Social e dispunha sobre a suspensão da aposentadoria por tempo de serviço daquele trabalhador que voltasse a trabalhar, caso em que o segurado recebia 50% da renda mensal de sua aposentadoria. Porém, se a atividade fosse cessada, o benefício seria restaurado com um acréscimo de 5% ao ano, até um máximo de 10%, sendo vedada, de modo indiscriminado, a volta ao trabalho, a partir deste teto.
Outros exemplos que remetem ao instituto da desaposentação seriam o caso da aposentadoria do juiz classista (este exercia uma função temporária), prevista na Lei 6.903/1981- extinta com a Lei 9.528/1997.
Preleciona Ladenthim (2009, p.11 apud SERAU JUNIOR, 2013, p.52) que outros institutos que podem ter sido a causa pelo aprofundamento do instituto da desaposentação tenham sido a extinção do direito ao pecúlio e ao abono de permanência, fatos ocorridos na década de 90.
O pecúlio foi extinto em 1994 pela Lei 8.870/1994, consistindo, segundo as lições de Martinez (2012), na devolução por parte do INSS das contribuições que foram vertidas ao sistema previdenciário por aquele segurado que voltou ao trabalho e contribuiu, sendo um rendimento que podia ser cumulado com qualquer outro benefício previdenciário, porquanto não era um benefício que substituía o salário. Assim, o pecúlio era o único benefício existente, dentro do RGPS, que era feito de uma única vez em dinheiro, sendo uma prestação que tinha como plano de fundo a volta do aposentado ao trabalho.
No tocante ao abono de permanência, era um benefício previsto no artigo 87 da Lei 8.213/1991- posteriormente revogado pela Lei 8.880/1994, que era devido ao segurado que preenchesse os requisitos para se aposentar por tempo de serviço integral (35 anos, homem;
30 anos, mulher) e optasse por não se aposentar, correspondente a 25% do valor da aposentadoria, não havendo uma incorporação posterior à aposentadoria ou à pensão.
Quanto a conceituação temos alguns doutrinadores adeptos de uma visão mais ampla do instituto, os juízes Castro e Lazzari (2006, p.506) entendem que a desaposentação é:
O direito do segurado ao retorno à atividade remunerada com o desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário.
Comentando esta definição, Martinez (2012) afirma que ela traz à tona um elemento não presente em outras conceituações: o elemento subjetividade. Martinez (2012), porém,
ressalva que, apesar de ser definição ampla, os estudiosos não especificaram outras prestações em que seria possível o instituto da dasaposentação.
Ainda neste sentido, o ilustre professor de Direito Previdenciário Ibrahim (2011, p.35) conceitua o instituto da desaposentação nos seguintes termos:
É a reversão da aposentadoria obtida no Regime Geral de Previdência Social, ou mesmo em Regime Próprio de Previdência de Servidores Públicos, com o objetivo exclusivo de possibilitar a aquisição de benefício mais vantajoso no mesmo ou em outro regime previdenciário.
Como assevera Martinez (2012), esta foi uma das primeiras conceituações a considerar a amplitude do tema, dada a possibilidade de ocorrer até mesmo dentro de um RPPS ou entre dois deles. No entanto, quanto ao objetivo do instituto, não adotou o entendimento de que pode haver a desaposentação com o intuito de o segurado usufruir do simples ócio (sem o objetivo de melhorar a antiga aposentadoria). Além disso, tal conceito não aventou a possibilidade de volta ao trabalho.
Sendo assim, como um dos primeiros estudiosos do tema e mentor de uma visão mais ampla do instituto da desaposentação, apresentamos a seguir as palavras de Martinez (2012, p.46).
Basicamente, então, a desaposentação é uma renúncia às mensalidades da aposentadoria, sem prejuízo do tempo de serviço ou do tempo de contribuição, por serem irrenunciáveis, seguida ou não de volta ao trabalho, restituindo-se o que for atuarialmente necessário para a manutenção do equilíbrio financeiro dos regimes envolvidos com o aproveitamento do período anterior no mesmo ou em outro regime de Previdência Social, sempre que a situação do segurado melhorar e isso não causar prejuízo a terceiros.
Mostrada esta última conceituação, cabe fazer duas observações: esta é uma definição que pode ser considerada “mais do que ampla” visto que se abre possibilidade para aplicação do instituto em diversas situações, porquanto tanto as hipóteses de cabimento (envolvendo o RGPS e RPPS) quanto os objetivos da aplicação do instituto - um “plus” financeiro na aposentadoria do segurado ou mesmo uma renúncia com objetivo apenas de usufruir o ócio, desde que não cause prejuízo a terceiros- são vistos como casos em que a desaposentação pode ser configurada em um caso concreto.
Parece ser mais acertada a definição de professor Ibrahim (2011), pois enfatiza a necessidade de desaposentação apenas mediante a uma melhora no benefício a ser usufruído pelo segurado e não abre a possibilidade de obtenção prática do instituto desvinculada a um objetivo claro e preciso. Neste diapasão, este eminente estudioso (2011, p.38) expõe com as sábias palavras:
[...] não creio ser adequada a definição ampla e abrangente, no sentido de permitir a desaposentação desvinculada de qualquer outro benefício a ser concedido. Acredito que isso poderia, no futuro, gerar algum tipo de desaposentação forçada para os segurados já jubilados por motivos diversos. O abandono mínimo do necessário à vida deve ser sempre algo fundamentado.
Para encerrar este tópico de discussão e, ao mesmo tempo, apresentar algumas lições que serão importantes nos desdobramentos do próximo ponto de estudo, como as hipóteses de cabimento do instituto da desaposentação, o estudioso Serau Junior (2013, pág.53) sintetiza três sentidos, que, juntos, podem configurar, segundo os vários doutrinadores do tema, uma visão ampla da desaposentação. São estas:
a) Renúncia, pura e simples, ao benefício previdenciário já implementado; b)Renúncia a uma aposentadoria quando existir concomitância entre aposentadorias concedidas administrativamente e judicialmente;
c) Renúncia a uma aposentadoria, já implementada, para aproveitamento do respectivo tempo de contribuição/serviço, inclusive tempo de serviço/contribuição posterior na perspectiva de obtenção de nova e melhor aposentadoria.
Serau Junior (2013), apesar de citar esta primeira situação como ensejadora da desaposentação, não concorda que, neste caso, possa haver a desaposentação, fazendo tal citação apenas por respeito doutrinário a outros estudiosos. Analisar-se-á estas três situações e outros desdobramentos no próximo tópico deste trabalho, denominado “hipóteses de cabimento da desaposentação”.
3.1 HIPÓTESES DE CABIMENTO DA DESAPOSENTAÇÃO
O primeiro grupo, no bojo do RGPS, ocorre, segundo Martinez (2012), quando o segurado, em situações excepcionais (desempregado ou com uma vida financeira difícil) se aposenta recebendo uma aposentadoria com uma renda mensal inicial na casa dos 70% do salário de benefício. Tão baixo valor se deve à aplicação do fator previdenciário da Lei 9.876/1999 (enquanto os dispositivos dessa lei foram mantidos em vigor, já que hoje esse fator está previsto no artigo 29 da Lei 8213/1991). No entanto, esse mesmo indivíduo, em um momento posterior, acaba vertendo contribuições para o sistema, pois muitas vezes continua trabalhando para a mesma empresa, arrepende-se da solicitação que fez e pensa em receber a aposentadoria integral, dado o preenchimento das condições para tanto.
O segundo grupo - dentro de um RPPS - ocorre, segundo Ibrahim (2011), quando um servidor se aposenta precocemente por este regime próprio, mas mantêm-se ou volta a ser
filiado a este mesmo regime, via concurso público, abrindo mão de receber os rendimentos da aposentadoria para receber a remuneração do cargo. Desta maneira, haverá uma contribuição para este RPPS e também a formação de um novo tempo de contribuição.
O terceiro grupo - RGPS para um RPPS - é a hipótese mais comum e discutida pela doutrina pátria. Seguindo as lições de Ibrahim (2011), tal hipótese ocorre quando o segurado tiver vinculação ao RGPS e, já usufruindo da aposentadoria, tiver êxito em um concurso público, vinculando-se, desta maneira, a um RPPS. Tomando posse no cargo, Ibrahim (2011) afirma que é natural o aposentado (e agora servidor público) querer averbar o seu tempo de contribuição referente à aposentadoria pelo RGPS ao novo regime, algo não permitido por já gozar da aposentadoria no regime anterior. Diante disso, surge a aplicação do instituto da desaposentação, que teria, no caso, o objetivo de cessar o vínculo do segurado com o RGPS via desfazimento do ato concessório da aposentadoria. Possibilitando, assim, a emissão de uma certidão com o tempo de contribuição, que seria usada para uma averbação no respectivo regime próprio o qual o servidor fosse vinculado.
O quarto grupo, aposentadoria proporcional para uma aposentadoria integral, ocorre, segundo Martinez (2012), quando, no âmbito do RGPS, há uma renúncia de uma aposentadoria proporcional (de uma mulher, por exemplo, com 25 anos a 29 anos de idade e de um homem com 30 a 34 anos) com o objetivo de obter uma aposentadoria integral, já que atingiram, respectivamente, 30 e 35 anos de contribuição. Assim, geralmente, havendo um aumento de 70% para 100% do salário de benefício.
3.2 PRESSUPOSTOS LÓGICOS PARA A DESAPOSENTAÇÃO
O primeiro pressuposto que deve ser observado, nas palavras de Serau Junior (2013), é uma aposentadoria sendo usufruída pelo segurado, ou seja, plenamente em vigor. Destarte, haverá uma desconstituição de uma prestação legítima regularmente concedida.
O segundo pressuposto lógico é, segundo Serau Junior (2013), a necessidade de haver um ato de renúncia à aposentadoria, seguida, posteriormente, de uma nova aposentadoria. Vertente “restrita”, neste caso, pois Martinez entende que é possível haver apenas a renúncia sem uma posterior obtenção de um novo benefício. Tal renúncia deve ser praticada, segundo Martinez (2012), por sujeito de direito capaz e que esteja no exercício pleno de seus direitos.
Martinez (2012), sendo um doutrinador com uma visão ampliativa do tema, ainda traz outra curiosa situação como possível objetivo para desaposentação: se desaposentar, para
receber menos, casa isso traga alguma forma de felicidade para o segurado, mesmo que isso não seja moralmente “admitido”.
Neste ponto, dá-se mais relevo a corrente mais restrita, que entende que o instituto técnico só pode ser concretizado se a renda mensal do benefício posterior for aumentada pecuniariamente. Nesse sentido, os autores Correia E.P.B. e Correia M.O.G. (2007, p.290 apud MARTINEZ, 2012, p.82):
Portanto, não havendo qualquer óbice legal à renúncia e redundando esta em um benefício para o segurado, não há como se inviabilizar a desaposentação
- que trata exatamente da possibilidade jurídica da renúncia à aposentadoria para a obtenção de uma situação jurídico-previdenciário favorável.
Outro pressuposto lógico da desaposentação citado por Martinez (2012) é a ausência de prejuízo aos planos de benefícios do RGPS ou de algum RPPS. Neste ponto, este doutrinador entende que deve haver uma volta ao statu quo ante, ou seja, que o segurado e as suas respectivas contribuições sejam colocados como se este não tivesse sido aposentado, havendo um acerto de contas dentro do próprio regime ou entre regimes distintos.
Como último pressuposto da desaposentação, até que se produzam seus efeitos práticos e jurídicos entre os diversos atos administrativos do pedido, Martinez (2012) dispõe sobre um último ato: o pedido de encerramento do benefício em manutenção a partir de certa data-base.
Desta maneira, Martinez (2012) entende que com este ato o tempo de contribuição que foi utilizado para a primeira aposentação deixará de existir e poderá ser usado para fruição de um novo benefício, no mesmo ou entre regime. Ressaltando, porém, que se após este ato final o segurado desistir por algum motivo da desaposentação, a primeira aposentadoria poderá ser restabelecida a contar da manifestação expressa do segurado.
Existe um embate entre os argumentos usados pelo INSS para negar a viabilidade do instituto na via administrativa, além dos argumentos usados pela doutrina e jurisprudência, mormente, em sentido contrário, de possibilidade técnico-jurídica do novel instituto, apesar das imperfeições da nossa legislação.
Neste ponto, portanto, que serão apresentadas diversas decisões dos magistrados da justiça federal e algumas do STJ e STF.
4.1 LEGALIDADE DA DESAPOSENTAÇÃO
Um dos argumentos utilizados pelo órgão gestor dos benefícios previdenciários, o INSS, para negar a aplicabilidade da desaposentação é falta de previsão legal do instituto, fundamentando a negativa do deferimento da desaposentação nos seguintes dispositivos legais:
Art.181-B.As aposentadorias por idade, por tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social,na forma deste regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis.
Art. 18,§ 2º. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência- RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a este prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.
Rebatendo o argumento, Ibrahim (2011) afirma que esta é uma visão distorcida do princípio da legalidade por parte da Administração Pública. Isso porque o correto entendimento deste princípio é que ao cidadão é possível fazer tudo que não se proíbe. Já a Administração só pode fazer aquilo permitido pela lei. Assim, se não há uma proibição propriamente dita, esta não pode restringir um direito do segurado, sendo a autorização permitida.
Constitucionalmente, também não temos nenhuma vedação à desaposentação. Pelo contrário, há dispositivo assegurando a contagem recíproca de tempo de contribuição na administração pública e na atividade rural urbana, in verbis:
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
Portando, é de se reconhecer que a legislação pátria precisa melhorar, pois é necessária uma regulamentação clara e precisa sobre a possibilidade do pedido de desaposentação. Os dispositivos trazidos pelo INSS não podem servir de impedimento para um pleito do trabalhador, já que tais preceitos legais, conforme ensina Ibrahim (2011), em nenhum momento dispõem que as contribuições dos trabalhadores em nada poderiam favorecer o trabalhador.
4.2 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO NOVO BENEFÍCIO
Segundo Ibrahim (2011) há um correto entendimento dos Tribunais de aplicar, no Direito Previdenciário, a lógica do tempus regitactum. Ou seja, o trabalhador deve ser
aposentado de acordo com a legislação vigente no momento do requerimento do benefício, não podendo, portanto, querer “levar vantagem” com o surgimento de uma nova lei mais favorável tentando desfazer o jubilamento. Nesse sentido, ele também afirma que não há direito adquirido a regime jurídico, isto é, quando o segurado for tentar agregar seu novo tempo contributivo com um intuito de obter uma nova aposentadoria, deve reger tal ato a legislação vigente.
Partindo dessa noção, Ibrahim (2011) levanta a hipótese de um segurado aposentado saber da notícia de uma nova lei mais favorável aos segurados, no tocante à aposentadoria, tentar a “desaposentação” da seguinte forma: contribuindo apenas um mês como contribuinte individual (segurado que não tem um vínculo empregatício) apenas com o intuito de seu benefício ser deferido de acordo com a nova legislação, ou seja, enquadrar-se na nova regra de aposentadoria.
Ibrahim (2011) entende que uma situação como esta geraria um desequilíbrio atuarial e financeiro, além da dificuldade de “ficar revendo o passado” toda vez que uma nova lei previdenciária fosse editada.
Destarte, com o escopo de evitar que a desaposentação seja usada como meio indireto de obter um proveito da nova legislação mais benéfica Ibrahim (2011) sugere que uma lei ordinária seja editada e preveja um tempo mínimo de contribuição. Isso evitaria, por exemplo, que os segurados requeressem a desaposentação de mês em mês, por exemplo.
4.3 MORALIDADE DA DESAPOSENTAÇÃO
Algumas vozes na doutrina levantam o argumento de que o instituto da desaposentação é imoral, principalmente nos casos em que esta é concretizada em algum RPPS, com uma consequente obtenção de altos valores, muitas vezes, superiores aos concedidos pelo RGPS.
Rebatendo tal argumento, Ibrahim (2011) lembra que a contagem recíproca de tempo de contribuição é garantida pela nossa Constituição Federal. Aliás, a própria moralidade pode justificar a desaposentação, já que não há sentido em Administração Pública manter o segurado na condição de aposentado “forçadamente”. Apesar de termos um regime de repartição simples no RGPS, a falta de contrapartida é de causar estranheza a qualquer um, pois o mais natural seria o segurado que voltou a contribuir ter um novo benefício mais vantajoso.
4.4 SUPOSTA VIOLAÇÃO AO ATO JURÍDICO PERFEITO
Outro argumento utilizado pelo INSS para negar a possibilidade de concretização da desaposentação é que tal instituto viola o ato jurídico perfeito, já que quando há a concessão da primeira aposentadoria, entende-se que o ato administrativo que deferiu o benefício seria dotado de tal característica.
A doutrina e jurisprudência, no entanto, afirmam que essa é uma visão errada da Administração Pública do que seja o ato jurídico perfeito. O artigo 5º, inciso XXXVI da nossa Constituição, preconiza que “a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”, sendo tais preceitos constitucionais considerados verdadeiras garantias para o cidadão, no sentido de assegurarem uma segurança jurídica em atos que foram regularmente perfectibilizados.
Segundo Martinez (2012, p. 162), este argumento do INSS não se sustenta, já que:
No caso em tela, o ato jurídico perfeito é uma proteção do cidadão e não do órgão gestor. Nessas exatas condições os responsáveis pela seguradora não poderão ser penalizados por atender à pretensão do indivíduo de se desaposentar. (...) Compondo o patrimônio jurídico do indivíduo, uma segurança sua, o ato jurídico perfeito não pode ser arguido, contra ele, petrificando condição gessadorade um direito maior, que é o de legitimamente melhorar de vida. Por ser produto dessa proteção constitucional, a Administração Pública não poderá exofficiodesfazer aposentação. Porém, o indivíduo que teve e tem o poder de requerer deve ter o direito de desfazer o pedido.
Para encerrar as discussões deste tópico, vale trazer à tona mais um argumento do autor Martinez (2012), que só corrobora a tese doutrinária de que a desaposentação não viola o ato jurídico perfeito.
Tal doutrinador lembra que o papel da Administração Pública na formação do ato jurídico perfeito surgido com a concessão da aposentadoria não é dos mais relevantes (considerando-se o papel do segurado), já que não há uma concessão absoluta e unilateral por parte do Poder Público, a qual não atribui validade, propriedade e substância jurídica ao ato jurídico que nasce com o deferimento do benefício. Decerto, por parte da Administração Pública, há apenas uma formalização do pedido de aposentadoria, a qual é declarada existente e possível de exercício por parte do beneficiário.
4.5 DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS
O principal foco de embate do tema da desaposentação é, sem sombra de dúvidas, a discussão acerca da necessidade, após a renúncia à aposentadoria, da devolução dos valores recebidos por usufruir desta primeira prestação. De todo modo, este é um ponto ainda polêmico, intrincado e que divide a doutrina e os magistrados da justiça federal, sobretudo, pois está ligado umbilicalmente à quebra ou não do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema financeiro.
Desde já, ressalta-se que duas correntes principais podem ser visualizadas entre aqueles que aceitam a renúncia à aposentadoria para fins de desaposentação: os que são contrários à restituição dos valores recebidos (corrente majoritária tanto na doutrina como na jurisprudência) e os que são favoráveis à restituição (corrente minoritária).
Entre os defensores da primeira corrente, Ibrahim (2011) entende que é dispensável qualquer compensação financeira entre os regimes básicos de previdência social a fim de que se concretize a desaposentação, porquanto em nenhuma das duas hipóteses de desaposentação por ele aventadas há um prejuízo para o sistema contributivo previdenciário.
Por tal razão, o autor dispõe sobre a desaposentação feita no mesmo regime previdenciário (situação bem mais frequente do RGPS) e a que é feita em outro regime previdenciário (hipótese frequente no caso de aposentação pelo RGPS e volta ao trabalho por posse em um cargo público efetivo).
Quanto ao primeiro caso, Ibrahim (2011, p.64) refuta a noção de prejuízo para o equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS da seguinte maneira:
No primeiro caso, ou seja, da desaposentação no mesmo regime, não há de se falar em restituição de valores percebidos, pois o benefício de aposentadoria, quando originariamente concedido, tinha o intuito de permanecer no restante da vida do segurado. Se esta deixa de receber as prestações vindouras, estaria, em verdade, favorecendo o regime previdenciário.
(...) A desaposentação não se confunde com a anulação do ato concessivo do benefício, por isso não há que se falar em efeito retroativo do mesmo, cabendo tão somente sua eficácia ex nunc. (...) A desaposentação em regime previdenciário é, em verdade, um mero recálculo do valor da prestação em razão das novas cotizações do segurado. Não faz o menor sentido determinar a restituição de valores fruídos no passado.
No tocante à segunda hipótese frequente de desaposentação, o referido autor faz um contraponto entre as espécies de regimes financeiros: o regime de cotização (capitalização individual) e o de repartição simples (“poupança coletiva”, adotado por nossos regimes
públicos de previdência). Concluindo que só no primeiro regime é necessário haver uma restituição.
As didáticas palavras de Ibrahim (2011, p.64-65), neste caso, são estas:
(...) Se este regime se mantém mediante sistema de capitalização individual, o desconto é adequado, pois, em tal sistemática previdenciária, o benefício é concedido a partir da acumulação de capitais em conta individual, variando o benefício de acordo com o nível contributivo e o tempo de acumulação.
Somente neste contexto pode-se considerar acertada a afirmativa de NOVAES, ao expor que: A desaposentação implica necessariamente na devolução dos valores recebidos da Previdência Social, que retornam aos seus cofres. Ao contrário, tipifica enriquecimento ilícito e prejuízo para o universo previdenciário (...).
A evidência de vantagem indevida pela ausência de restituição de valores recebidos somente é passível de identificação em sistemas de capitalização, na medida em que há verdadeira correspondência entre cotização e benefício percebidos.
Todavia, sendo o regime financeiro adotado o de repartição simples, como nos regimes previdenciários públicos em nosso país, não se justifica tal desconto, pois o benefício não tem sequer relação direta com a cotização individual, já que o custeio é realizado dentro do sistema de pacto intergeracional, com a população atualmente ativa sustentando benefícios dos hoje ativos.
Como defensores desta primeira corrente, podemos colacionar, segundo Serau Júnior (2013), os seguintes doutrinadores: os juízes federais Castro, Lazzari e Tavares; o estudioso Serau Junior o advogado previdenciarista Vieira Marcelo; a douta Ladenthim; os professores M.O.G.Correia e E.P.B.Correia.
O mentor doutrinário da segunda corrente é Martinez (2012), que, comentado a tese de Ibrahim (2011), afirma que o pensamento deste doutrinador é válido dentro do RGPS ou de um RPPS, ou seja, caso estes regimes sejam de repartição simples a desaposentação é possível sem desequilíbrio financeiro e atuarial apenas dentro deles, já que não há a presença da solidariedade entre os diferentes regimes, ou seja, se ocorrer a desaposentação sem a restituição, o regime de origem seria prejudicado.
Neste diapasão, mesmo sendo a favor da restituição dos valores recebidos a título de primeira aposentadoria - a fim de não prejudicar o equilíbrio financeiro e atuarial do regime de origem -, o próprio Martinez (2012, p.145-147) reconhece que a aferição do quantum a ser restituído é uma tarefa árdua pelos seguintes motivos: (...) A variedade de regimes e modalidades de contribuição, conforme o tipo de segurado, impossibilitam a aferição do quantum necessário, especialmente na falta de regulamentação legal, a ponto de impor a definição legal.
A análise combinatória da dualidade de regimes (repartição simples e de capitalização), de tipos de planos (benefício definido, misto e contribuição definida), tábuas de mortalidades (...) e renda inicial (...), acrescidas das particularidades de cada regime, suscitam complicadores invencíveis.
(...) Lembrando que existem 5.565 municípios, com cerca de 3.000 RPPS no país, raciocínio que não pode ignorar a tábua de mortalidade que cada um dele adotou.
Em relação às escolas existentes dentro desta corrente, Martinez (2012) afirma que podem ser visualizadas algumas. Há os que defendem a “devolução integral”. Esta, contudo, é inviável por ser de alto custo caso o segurado queira desaposentar-se depois, por exemplo, de
25 anos de usufruto da aposentadoria. Outros defendem “um desconto tabelado” de no máximo 30%, uma analogia ao artigo 154 da Lei 8213/1991, que trata de descontos legais permitidos no benefício do segurado. O autor afirma que essa corrente surgiu do fato de que alguns magistrados sentenciam no sentido da restituição, mas, muitas vezes, são omissos quanto aos valores e aos critérios de quantificação.
Por fim, há também os defensores da “devolução parcial”, expressão usada por doutrinadores ao mesmo tempo em que não explicam o quantum, entendendo Martinez (2012) que se trata da “restituição necessária”.
Essa restituição necessária seria, segundo ensinamentos de Martinez (2012,p.150) o: “[...] restabelecimento do status quo ante, observados os imprescindíveis parâmetro atuarias”. Na mesma linha de raciocínio, Duarte (2003, p.73 apud MARTINEZ, 2012, p.151) pensa na restituição como: “aquilo que foi recebido da Previdência Social como meio de não lhe causar prejuízo”.
Como parâmetro de cálculo a ser usado para que este “valor necessário” seja devolvido a fim de evitar o prejuízo ao regime de origem, Martinez (2012, p.148) conclui:
O certo é que o cálculo do quantum a ser restituído é matéria de atuária financeira e, além de exigir da lei o seu mecanismo específico, nesse particular somente depois de Nota Técnica do matemático é que a desaposentação deveria ser encaminhada.
Esse matemático terá de se cingir não ao que for necessário para que o regime instituidor possa pagar a prestação mensal que virá, mas também não causar desequilíbrio no regime de origem com a renúncia do segurado; ele tem de pensar nos dois planos de benefícios.
Em síntese, as duas principais correntes decorrentes desta celeuma fazem a seguinte argumentação: os primeiros defendem a não restituição de valores, já que se a desaposentação ocorrer no mesmo regime previdenciário é, na verdade, apenas um recálculo da aposentadoria
já recebida, devido às novas contribuições. Se ocorrer em regimes diferentes, não há necessidade de restituição se o regime financeiro de origem for o de repartição simples, pois não há uma relação direta entre contribuição e benefício, além de os recursos acumulados serem utilizados em um lapso temporal menor que o previsto.
Os segundos, por sua vez, defendem a restituição apenas quando a desaposentação envolver dois regimes diferentes, pois não existe mais a solidariedade entre os regimes desde o surgimento da Lei n. 9.796/1999, que trata do acerto de contas entre os regimes. Assim, nesta visão, capitaneada por Martinez (2012, p. 146): “(...) se alguém portar uma CTC, em razão da inexistência, de solidariedade entre os regimes, necessariamente terá de carrear também os capitais acumulados que viabilizem o cômputo do tempo passado”.
4.6 POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA E DO STF
Neste ponto, será exposta a posição jurisprudencial no tocante à restituição ou não dos valores recebidos a título de primeira aposentadoria, trazendo os posicionamentos dos nossos Tribunais Regionais Federais (TRFs), da Tuma Nacional de Uniformização (TNU), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF).
O STJ já possui jurisprudência mansa e pacífica na aceitação da desaposentação, uma vez que esta corte entende que a aposentação é um mero direito patrimonial disponível, podendo ser renunciada. Quanto à devolução dos valores recebidos, no caso de uma desaposentação do RGPS para um RPPS, entende que não há o que se falar em devolução dos valores usufruídos pelo segurado a título de aposentadoria. Nesse caso, há necessidade, porém, de haver uma compensação financeira, de acordo com a lei, entre os regimes. Sendo assim, essa converge com a tese supracitada de Ibrahim e outros autores. O STJ fundamenta a desnecessidade de devolução do recebido na natureza alimentar dos benefícios recebidos e na boa-fé dos beneficiários.
Neste contexto, assumem relevo dois julgados do STJ. O primeiro é uma decisão da primeira Seção da corte, proferida em 08 de maio de 2013, disponibilizada no informativo nº 520 no site do STJ. É uma decisão paradigmática, no sentido de que foi tomada no rito dos recursos repetitivos, tendo como consequência orientar a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais. Assim, encerraram-se eventuais divergências, dentro do próprio STJ, quanto à restituição. Além disso, o entendimento deve ser utilizado nos recursos que ficaram sobrestados à espera da decisão do STJ. Tal informativo tem o seguinte teor
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO E DESNECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS EM RAZÃO DA APOSENTADORIA ANTERIOR. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). |
É possível a renúncia à aposentadoria por tempo de serviço (desaposentação) objetivando a concessão de novo benefício mais vantajoso da mesma natureza (reaposentação), com o cômputo dos salários de contribuição posteriores à aposentadoria anterior, não sendo exigível, nesse caso, a devolução dos valores recebidos em razão da aposentadoria anterior. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.270.606-RS, Sexta Turma, DJe 12/4/2013; AgRg no REsp 1.321.325- RS, Segunda Turma, DJe 20/8/2012, e AgRg no REsp 1.255.835-PR, Quinta Turma, DJe 12/9/2012. REsp 1.334.488-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 8/5/2013. |
O segundo é também neste sentido, mas enfatiza o caráter de disponibilidade da aposentadoria. A decisão é da quinta turma do STJ, tendo sido esta proferida em 17 de setembro de 2013 (disponibilizada no DJE em 23 de setembro de 2014). Segue o seu teor:
(...) 2. Nos termos da jurisprudência pacificada nesta Corte de Justiça,"os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento." (REsp 1.334.488/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Primeira Seção, DJe de 14/05/2013)
Quanto ao posicionamento dos Tribunais Regionais Federais, antes da decisão orientadora do STJ em sede de recurso repetitivo de 14 de maio de 2013, se tinha o seguinte quadro: o TRF da 3ª região e o TRF da 4ª entendiam que deveria haver a devolução, mas, posteriormente, consolidaram-se no sentido da não restituição de valores. No TRF da 5ª região, o posicionamento predominante era no sentido da restituição, apesar de pequenas vezes adotarem o entendimento de que a desaposentação não era viável juridicamente. Seja porque a desaposentação viola o ato jurídico perfeito, seja porque a desaposentação possui vedação legal (este último entendimento já foi visto em julgado presente no tópico anterior). O TRF da 1ª região e o da 2ª região sempre se alinharam ao posicionamento majoritário do STJ: possibilidade da desaposentação, sem restituição de valores.
Quanto ao posicionamento da Turma Nacional de Uniformização, o órgão de cúpula dos Juizados Especiais Federais, vale apontar apenas uma decisão desta turma, mas que representa muito bem o seu entendimento no tocante à desaposentação, ou seja, que é possível a desaposentação, desde que haja a devolução dos valores recebidos. Além disso, para este órgão, se não houver a devolução, haverá um desequilíbrio do sistema atuarial e financeiro previdenciário. Além de, em tese, poder se configurar o locupletamento, de modo ilícito, dos beneficiados pela desaposentação.
Quanto ao posicionamento do STF, O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão no dia 26-10-2016, considerou inviável o recálculo do valor da aposentadoria por meio da desaposentação. Por maioria de votos, os ministros entenderam que apenas por meio de lei é possível fixar critérios para que os benefícios sejam recalculados com base em novas contribuições decorrentes da permanência ou volta do trabalhador ao mercado de trabalho após concessão da aposentadoria.
Foram julgados sobre o tema os Recursos Extraordinários (RE) 381367, de relatoria do ministro Marco Aurélio, 661256, com repercussão geral, e 827833, ambos de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.
Prevaleceu o entendimento do ministro Dias Toffoli, apresentado na sessão de 29 de outubro de 2014. Ele afirmou que, embora não exista vedação constitucional expressa à desaposentação, também não há previsão desse direito. O ministro Toffoli salientou que a Constituição Federal dispõe de forma clara e específica que compete à legislação ordinária estabelecer as hipóteses em que as contribuições previdenciárias repercutem diretamente no valor dos benefícios, como é o caso da desaposentação, que possibilitaria a obtenção de benefício de maior valor a partir de contribuições recolhidas após a concessão da aposentadoria.
Entendida como a renúncia das mensalidades de um benefício previdenciário regular e legítimo, usufruído pelo segurado, seguida, como regra, de uma nova aposentação mais benéfica, pode-se afirmar que a desaposentação é um direito subjetivo dos segurados da previdência social.
Com a pesquisa jurisprudencial e doutrinária, foi constado que este novo instituto técnico (surgido, basicamente, devido ao fim do pecúlio e do abono de permanência) tem um amplo apoio dos magistrados e dos estudiosos, os quais rebatem, por meio de uma hermenêutica “pró-segurado”, com amparo na Constituição Federal e em princípios previdenciários, os entendimentos contrários ao instituto, principalmente do INSS.
Além disso, a desaposentação não se confunde com outros institutos técnicos previstos na nossa legislação, como, por exemplo, a revisão das mensalidades e a reversão, por exemplo. Tais situações levantadas pela doutrina demonstram que a desaposentação é um instituto inédito, não “nascido das mãos do legislador”. Contudo, preserva um manifesto matiz legal.
Registre-se que apesar de imperfeições da legislação em razão da inexistência de dispositivos legais que impeçam a concretização do instituto, não há a violação do ato jurídico perfeito com a sua aceitação. Assim é, pois este atributo constitucional visa proteger o cidadão contra medidas temerárias do Estado, e não restringir uma busca de uma melhor qualidade de vida do trabalhador que contribui - após voltar ao trabalho, mas se vê basicamente sem contrapartidas, já que a legislação apenas assegura dois benefícios a quem está nestas condições: o salário-família e a reabilitação profissional. Sendo esta uma regra injusta, dada a carga contributiva obrigatória a que se submete o segurado.
Outros argumentos levantados pela via administrativa para negar o instituto, como, por exemplo, a moralidade da pretensão, ou a quebra do equilíbrio financeiro e atuarial, não se mostram suficientes, conforme abordado no último capítulo.
A negação da aplicação do instituto pela via administrativa acarreta uma solução da problemática pela via judicial. Conforme demonstrado, a ampla maioria dos magistrados vinham aceitando o instituto da desaposentação, sendo poucas as vezes em sentido contrário.
O único ponto que ainda causava grandes tensões era apenas um: a devolução ou não dos valores recebidos a título de primeira aposentadoria. Mesmo assim, foi visto que os Tribunais Federais atualmente, como regra, decidiam no sentido da não necessidade da restituição dos valores. Sendo esse o entendimento do STJ, que, recentemente, por meio do Recurso Especial 1.334.488, adotou a tese pela não necessidade da devolução. Posição que deveria, em tese, ser seguida pelos magistrados dos Tribunais Federais. De outra banda, a TNU é favorável à aplicação da desaposentação, desde que ocorra a devolução dos valores recebidos pelo segurado a título de primeiro benefício. O STF, como visto, decidiu de forma contrária a aplicação de tal instituto.
Como solução para este confronto de posicionamentos entre a Administração, representada pelo INSS; e a via judicial, representada pelos magistrados (ou mesmo pelos embates de argumentos entre os próprios magistrados e estudiosos) o caminho mais natural para que a desaposentação, direito legítimo dos segurados, seja preservado(a) é a regulamentação da matéria pelo Poder Legislativo, já que o STF não acolheu a tese da desaposentação. A explicação para isso é que este poder constitucional possui a mais ampla e legítima competência para regular temas sociais de importância, devendo ser o Poder Judiciário apenas uma via subsidiária a ser usada pelos segurados, principalmente, em temas como estes, que envolvem um direito fundamental.
Apesar de tentativas neste sentido (projetos de leis tratando do tema foram vetados), espera-se que após este enfrentamento do mérito do tema pelo STF faça com que os
legisladores reflitam e resolvam esta “mora legislativa”. Tornando, assim, este instituto, que é legal (apesar de não previsto), mais fácil de ser buscado e concretizado pela via administrativa. Assim, espera-se que pontos como, por exemplo, a restituição ou não dos valores, periodicidade em que o pedido pode ser feito, sejam expressamente tratados na legislação.
Enquanto isso se aplaude o posicionamento ativista da maioria do Poder judiciário que vinha acatando até então a tese da desaposetação, já que cabe a este resguardar direitos fundamentais dos segurados e pensionistas, especialmente, em situações de “inércia legislativa”.
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Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - PB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GILBERTO ALVES DE AZERêDO JúNIOR, . A desaposentação: controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jul 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50430/a-desaposentacao-controversias-doutrinarias-e-jurisprudenciais. Acesso em: 13 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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