RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo estudar a democracia participativa, ressaltando sua importância no regime democrático; seus principais instrumentos no Brasil e no exterior e a necessidade de inclusão, no sistema jurídico brasileiro, de um instrumento estrangeiro, qual seja: o referendo revogatório de mandato, seja na vertente recall político, seja na vertente abberufungsrecht. A democracia semidireta ou mista se mescla elementos das democracias direta e indireta. Nela, o poder político, apesar de pertencer ao Povo, é exercido, em regra, pelos representantes desse povo, que são os ocupantes de mandato políticos representativos – Chefes do Poder Executivo e Parlamentares – democraticamente eleitos. Todavia, em determinadas hipóteses, o povo exerce diretamente o poder, como, por exemplo, mediante plebiscito, referendo ou iniciativa popular de lei. Quando o poder é exercido por representantes se dá a democracia indireta ou representativa; quando esse poder é exercido diretamente pelo povo, manifesta-se a democracia direta ou participativa. Seus elementos centrais são: (1) o mandato político eletivo (democracia representativa) e (2) a participação direta e pessoal do povo nas decisões políticas (democracia participativa). O Brasil adota esse tipo de democracia (Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB –, arts. 1º, p. único, e 14). A democracia participativa consiste na participação – pessoal e direta – do povo nas principais decisões estatais. Seu exercício ocorre por intermédio da utilização de instrumentos de democracia direita dentro da democracia semidireta. No mencionado exercício direto do poder (CRFB, art. 1º, p. único), o próprio povo, sem qualquer representação, atua de forma política nos negócios estatais. O Estado Democrático de Direito tem a democracia participativa com elemento fundamental para o ideal democrático. Ela representa o governo do povo por excelência e, se colocada em prática de forma adequada, tem o poder de conduzir a uma verdadeira transformação social, com melhoria da vida das pessoas nas mais diversas vertentes: direitos fundamentais, justiça social, igualdade material em todas as instâncias da vida em comunidade, bem-estar de todos os governados (e não apenas de determinados grupos ou segmentos sociais) e combate a quaisquer formas de opressão.
Palavras-chaves: democracia participativa; estado democrático de direito; referendo revogatório de mandato.
SUMÁRIO: 1 - INTRODUÇÃO 2 – DEMOCRACIA: CONCEITO E PERSPECTIVAS FORMAL E SUBSTANCIAL 3 – O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NA CONSTITUIÇÃO DE 1.988 4 – TIPOS DE DEMOCRACIA 4.1 – Contextualização 4.2 – Democracia Direta 4.3 – Democracia Indireta 4.4 – Democracia Semidireta ou Mista 4.5 – Mandato Político Representativo 5 – DEMOCRACIA PARTICIPATIVA 5.1 – Conceito e Contextualização 5.2 – Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular de Lei 5.3 – Demais Instrumentos de Democracia Participativa na Constituição de 1988 5.4 – Instrumentos de Democracia Participativa no Direito Estrangeiro 5.5 – A Não Utilização dos Instrumentos de Democracia Participativa no Brasil e a Necessidade de Mudanças 5 – CONCLUSÕES BIBLIOGRAFIA
A democracia semidireta ou mista mescla elementos das democracias direta e indireta. Nela, o poder político, apesar de pertencer ao Povo, é exercido, em regra, pelos representantes desse povo, que são os ocupantes de mandato políticos representativos – chefes do Poder Executivo e Parlamentares – democraticamente eleitos. Todavia, em determinadas hipóteses, o povo exerce diretamente o poder, como, por exemplo, mediante plebiscito, referendo ou iniciativa popular de lei.
Quando o poder é exercido por representantes se dá a democracia indireta ou representativa; quando esse poder é exercido diretamente pelo povo, manifesta-se a democracia direta ou participativa. Seus elementos centrais são: (1) o mandato político eletivo (democracia representativa) e (2) a participação direta e pessoal do povo nas decisões políticas (democracia participativa). O Brasil adota essa sistemática (Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB –, arts. 1º, p. único, e 14).
A democracia participativa consiste na participação – pessoal e direta – do povo nas principais decisões estatais. Seu exercício ocorre por intermédio da utilização de instrumentos de democracia direita dentro da democracia semidireta. No mencionado exercício desse direto (CRFB, art. 1º, p. único), o próprio povo, sem qualquer representação, atua de forma política nos negócios estatais.
O presente artigo objetiva estudar a democracia participativa, ressaltando sua importância no regime democrático; seus principais instrumentos no Brasil e no exterior e a necessidade de inclusão, no sistema jurídico brasileiro, de um instrumento estrangeiro, qual seja: o referendo revogatório de mandato, seja na vertente recall político, seja na vertente abberufungsrecht.
2 – DEMOCRACIA: CONCEITO E PERSPECTIVAS FORMAL e SUBSTANCIAL[1]
O termo democracia não é unívoco e comporta diversas conceituações de acordo com a teoria – clássica, medieval, moderna – ou sistema político-econômico – liberal, socialista – levados em consideração.
Na verdade, cada corrente ideológica costuma emprestar ao termo a concepção que melhor atende às suas finalidades / interesses. Mesmo os governos ditatoriais – que são indiscutivelmente antidemocráticos – se autodenominam democráticos. Aliás, dificilmente um governo autoritário se classificaria como ditadura, uma tirania ou uma oligarquia.[2]
Portanto, essa diversidade de conceitos é ocasionada, em parte, por divergência ideológicas – nos campos político e econômico –; em parte por má-fé daqueles que querem definir os Governos autoritários dos quais fazem parte como democráticos.
Em que pese a multiplicidade de conceitos sobre o que venha a ser democracia, qualquer sistema político deve observar algumas características elementares, que são pontos de convergência ideológica entre os que fazem uma análise imparcial do instituto.
Dito isso, sem ter a menor pretensão de exaurir o significado do instituto, externa-se o seguinte conceito: Democracia é um modo de ser de um povo, caracterizado pela busca da paz, da tolerância, do respeito, da liberdade e da igualdade (formal e material) nos âmbitos público e privado – isto é, nos campos político, jurídico, acadêmico, profissional, econômico, dentre outros. Para tanto, ela tem como requisitos: (1) que os Poderes social, estatal, político e econômico emanam do povo – e não de um monarca ou de uma parcela desse povo –; (2) que o povo sempre deve exercer esse Poder, de forma direita, por meio de instrumentos de democracia participativa, ou indireta, por meio de cargos políticos eletivos; (3) que a ascensão aos referidos cargos deve se dar de acordo com regras e procedimentos objetivos e pré-estabelecidos na Constituição e nas leis e (4) que as Constituições e os governos constituídos – quando do exercício do Poder – devem reconhecer e ter como objetivo agir em prol da concretização dos direitos fundamentais, da justiça social; do bem-estar de todos os governados – e não apenas de determinados grupos ou segmentos sociais – e do combate a quaisquer formas de opressão.[3]
Para ser democrático, o Estado deve proporcionar a realização tanto do aspecto formal, quanto do substancial de democracia. O primeiro deles se concretiza pela a paz, tolerância e respeito em todos os aspectos da vida em comunidade,[4] bem como pela positivação jurídica e pela efetiva aplicação de regras e procedimentos virtuosos – de caráter objetivo – para obtenção e para exercício do poder estatal por intermédio de mandatos políticos eletivos ou por meio de instrumentos de democracia participativa.
Quanto aos traços substancias, a democracia exige que as Constituições e os governos constituídos devem reconhecer e ter como objetivo agir em prol da concretização dos direitos fundamentais, da justiça social, da igualdade material em todas as instâncias da vida em comunidade, isto é, nos âmbitos político, jurídico, acadêmico, profissional, econômico, dentre outros. Devem proporcionar bem-estar de todos os governados (e não apenas de determinados grupos ou segmentos sociais) e combater a quaisquer formas de opressão.[5]
3 – O estado democrático de direito na CONSTITUIÇÃO DE 1.988
No Brasil, a Constituição de 1988 consagrou, de forma clara um sistema político tanto formal, quanto substancialmente democrático. O caput do art. 1º[6], deixa claro que o Brasil desta nova ordem constitucional é um “Estado Democrático de Direito”. Trata-se de “...um regime democrático fundado no princípio da soberania popular, segundo o qual todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes, ou diretamente (CRFB, art. 1º, p. único)” (SILVA: 2016, p. 127). Não se refere aqui a uma mera reunião formal dos elementos do Estado Democrático e do Estado de Direito, “...na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo”. (SILVA: 2016, p. 114 e 121) (destacou-se).
...a concepção mais recente do Estado Democrático de Direito, como Estado de legitimidade justa (ou Estado de Justiça material), fundante de uma sociedade democrática, qual seja a que instaure um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle das decisões, e de sua real participação nos rendimentos da produção.
(...)
A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitores (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer seu pleno exercício.
(SILVA: 2016, p. 120/121) (destacou-se)
Assim – quanto à faceta formal desse Estado Democrático de Direito – pode-se destacar: (1) a consagração do pluralismo político como fundamento da República (art. 1º, inc. V); (2) o reconhecimento de que “...o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (art. 1º, p. único); (3) o estabelecimento do sufrágio universal e o “voto direto e secreto, com valor igual para todos” e periódico (arts. 14, caput, e 60. § 4º, inc. II); (4) os instrumentos de democracia participativa (tratados em outro tópico); (5) o pluralismo partidário e a autonomia dos partidos (art. 17); (6) a disciplina da duração dos mandatos políticos – em regra, de 4 (quatro) anos, com exceção no mandato de Senador, que é de 8 (oito) anos –; (7) a fixação de regras a respeito da quantidade de cargos de Senadores, Deputados Federais, Estaduais, Distritais, bem como de Vereadores; (8) o estabelecimento de normas básicas para eleições; (9) a previsão expressa dos poderes e das obrigações atribuídos aos entes federados e aos Poderes da República; (10) a preocupação em estabelecer hipóteses em que cabe a intervenção federal e a intervenção estadual (arts. 18/36, 44/91).
Quanto à faceta substancial: (1) o reconhecimento da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da república (art. 1º, inc. III); (2) a previsão, entre os objetivos da República, da construção de uma sociedade livre, justa e solidária; da erradicação da pobreza e da marginalização; da redução das desigualdades sociais e regionais; da promoção do bem estar de todos, repudiando-se preconceitos de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, incs. I, III e IV); (3) a previsão de uma quantidade generosa de direitos e garantias fundamentais em diversos artigos da Constituição, destacando-se aqui os direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança (arts. 5º/14, 150, dentre outros)[7].[8]
Dessa forma, não é possível, de forma legítima, tentar estabelecer qualquer governo que reconheça apenas os aspectos formais ou apenas os aspectos materiais da democracia fundada pela Constituição de 1988.
Levando-se em conta “...a forma pela qual o povo participa do poder” (SILVA: 2016, p. 138), os tipos de democracia são: direita, indireta e semidireta – também conhecida como mista (CÓVIS: 2009, p. 263/264).
A democracia participativa se manifesta em um tipo de democracia chamada de semidireta. Portanto, cumpre abordar brevemente os tipos de democracia, para melhor contextualizar o assunto.
A democracia direta é aquela em que o povo, sempre titular poder político, de forma pessoal e direta – isto é, sem representação – toma as decisões políticas, ou seja, exerce o governo do Estado.
Em tese, existe democracia direita em alguns Cantões suíços menos populosos.[9] Fala-se em tese, porque, na prática, parece não existir uma democracia puramente direta: a Landsgemeinde – Assembleia na qual o povo toma as decisões políticas de forma direta[10] – “...limita-se, praticamente, a aprovar ou desaprovar o que foi estabelecido pelo” Conselho cantonal eletivo, sendo que é este o órgão que prepara “minuciosamente” o trabalho das assembleias populares[11]. Reforça-se que esse poder do Conselho eletivo em direcionar os negócios públicos o fato de que, “na maioria dos casos”, convocação extraordinária da Landsgemeinde só foi admitida quando feita por parte do Conselho cantonal, apesar de haver Cantões “...que admitiram a convocação por um certo número de cidadãos”[12]. Além disso, a assembleia do povo vota proposições “de cidadãos ou do Conselho Cantonal” (DALLARI: 2016, p. 151).
DALMO ABREU DALLARI, após expor os argumentos de HAURIOU, bem afirma que “ainda que possa haver algum rigor nessa crítica [de HAURIOU], é facilmente compreensível que tal prática só poderá mesmo ocorrer onde o colégio eleitoral seja muito restrito, o que por si só, é suficiente para torna-la inviável no mundo atual” (DALLARI: 2016, p. 152).
Entretanto, seu espírito pode ser aproveitado por intermédio do reconhecimento constitucional e do efetivo exercício dos instrumentos de democracia participativa dentro da democracia mista.
4.3 – Democracia Indireta
A democracia indireta ou representativa, por sua vez, é aquela em que o poder pertencente ao povo é exercido por representantes eleitos de forma democrática, em processo eleitoral regido critérios objetivos previamente estabelecidos na Constituição e em leis infraconstitucionais.
A democracia representativa pressupõe um conjunto de instituições que disciplinam a participação popular no processo político, que vem a formar os direitos políticos que qualificam a cidadania, tais como as eleições, o sistema eleitoral, os partidos políticos etc., como consta dos arts. 14 a 17 da Constituição (...).
(SILVA: 2016, p. 139)
Bem ensina JOSÉ AFONSO DA SILVA que “...eleger significa expressar preferência entre alternativas, realizar um ato formal de decisão política”. As eleições constituem-se no “...o modo pelo qual o povo, nas democracias representativas, participa na formação da vontade do governo e no processo político” (SILVA: 2016, p. 140).
Esse modelo fornece a maioria dos fundamentos para a democracia dos tempos modernos, qual seja: a democracia semidireta.
4.4 – Democracia Semidireta ou Mista
A democracia participativa se manifesta em um tipo de democracia chamada de semidireta.[13] Ela mescla elementos das democracias direta e indireta. Na verdade, é uma forma mais evoluída de democracia indireta, pois busca possibilitar ao povo a participação direta na tomada de decisões políticas fundamentais.
Nela, o poder político, apesar de pertencer ao Povo, é exercido, em regra, pelos representantes desse povo, que são os ocupantes de mandato políticos representativos democraticamente eleitos. Todavia, em determinadas hipóteses, o povo exerce diretamente o poder, como, por exemplo, mediante plebiscito, referendo ou iniciativa popular de lei. Quando o poder é exercido por representantes se dá a democracia indireta ou representativa; quando esse poder é exercido diretamente pelo povo, manifesta-se a democracia direta ou participativa. Por isso o nome “democracia mista”. O Brasil adota esse tipo de democracia (CRFB, arts. 1º, p. único, e 14).[14]
Enquanto a democracia indireta tem como ponto central o mandato político representativo, alcançado mediante eleições; a democracia semidireta, por sua vez, tem seu centro ocupado por dois elementos: (1) o mandato político eletivo (democracia representativa) e (2) a participação direta e pessoal do povo nas decisões políticas (democracia participativa).
4.5 – Mandato Político Representativo
O mandato político representativo é um elemento capital tanto da democracia direita, como da democracia semidireta, “...porque constitui uma situação jurídico-política com base na qual alguém, designado por via eleitoral, desempenha uma função política na democracia representativa” (SILVA: 2016, p. 140).
DALMO DE ABREU DALLARI esclarece que “...o mandato político é uma das mais importantes expressões da conjunção do político e do jurídico, o que também influi em suas características mais importantes”, quais sejam:
a) O mandatário, apesar de eleito por uma parte do povo, expressa a vontade de todo o povo, ou, pelo menos, de toda a circunscrição eleitoral onde foi candidato, podendo tomar decisões em nome de todos os cidadãos da circunscrição, ou mesmo de todo o povo do Estado se tiver sido eleitora para um órgão de governo do Estado.
b) Embora o mandato seja obtido mediante um certo número de votos, ele não está vinculado a determinados eleitores, não se podendo dizer qual o mandato conferido por certos cidadãos.
c) O mandatário, não obstante decidir em nome do povo, tem absoluta autonomia e independência, não havendo necessidade de ratificação das decisões, além do que as decisões obrigam mesmo os eleitores que se oponham a elas.[15]
d) O mandato é de caráter geral, conferindo poderes para a prática de todos os atos compreendidos na esfera de competência do cargo para o qual alguém foi eleito.
e) O mandatário é irresponsável, não sendo obrigado a explicar os motivos pelos quais optou por uma ou por outra orientação.
f) Em regra, o mandato é irrevogável, sendo conferido por prazo determinado. A exceção a esse princípio é o recall, que dá possibilidade à revogação do mandato por motivos exclusivamente políticos.[16]
(DALLARI, 2016, p. 159).
JOSÉ AFONSO DA SILVA explica que no mandato político representativo se consubstanciam dois princípios:
(1º) Princípio da representação: este “...significa que o poder, que reside no povo, é exercido, em seu nome, por seus representantes periodicamente eleitos, pois uma das características do mandato é ser temporário”;
(2º) Princípio da autoridade legítima: este expressa “...que o mandato realiza a técnica constitucional por meio da qual o Estado, que carece de vontade real própria, adquire condições de manifestar-se e decidir”. Assim ocorre, “...porque é pelo mandato que se constituem os órgãos governamentais, dotando-os de titulares e, pois, de vontade humana, mediante os quais a vontade do Estado é formulada, expressa e realizada, ou por outras palavras, o poder se impõe” (SILVA: 2016, p. 140).
Por tudo o que foi explicado, fica claro que o mandato representativo não deve ser confundido com o mandato imperativo, o qual
...sujeita os atos do mandatário à vontade do mandante; que transforma o eleito em simples depositário da confiança do eleitor e que ‘juridicamente’ equivale a um acordo de vontades ou a um contrato entre o eleito e o eleitor e ‘politicamente’ ao reconhecimento da supremacia permanente do corpo eleitoral, é mais técnica das formas absolutas de poder, quer monárquico, quer democrático, do que em verdade instrumento autêntico do regime representativo.
(BONAVIDES: 2016, p. 282)
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O mandato imperativo vigorou antes da Revolução Francesa, de acordo com o qual seu titular ficava vinculado a seus eleitores, cujas instruções teriam que seguir nas assembleias parlamentares; se aí surgisse fato novo, para o qual não dispusesse de instrução, ficaria obrigado a obtê-la dos eleitores, antes de agir; estes poderiam cassar-lhe a representação. Aí o princípio da revogabilidade do mandato imperativo.
(SILVA: 2016, p. 141).[17]
De fato, o mandato imperativo é uma técnica que não atribui ao governante eleito democraticamente a autonomia e a independência para exercer seu dever, o que impede que o mandato seja expressão um Estado soberano e democrático. Um mandato sem autonomia funcional termina por viciar o exercício do poder político e, por consequência, a própria democracia.
Assim, a ideia de mandato imperativo é incompatível com a de mandato representativo. Neste, o representante político eleito possui independência funcional, isto é, exerce as atribuições do mandato com independência para tomar as escolhas políticas que entender serem mais adequadas a situação concreta, não estando sujeito a qualquer obediência hierárquica quando do exercício das competências constitucionalmente atribuídas ao seu cargo eletivo. Razão pela qual, é dever implícito do governante eleito zelar pela autonomia e pelas prerrogativas constitucionais do cargo que ocupa.
O sistema representativo ainda é o mais eficiente para Estados com grande população e extensão territorial, nos quais a grande quantidade de questões estatais a serem resolvidas torna inviável que todo o povo participe direta e constantemente de todas as soluções políticas.
Além da inviabilidade prática de efetivação – que talvez seja superada com a evolução dos processos de tecnologia da informação –, existe a impossibilidade quanto a disponibilidade de tempo das pessoas: a maioria das pessoas têm que estudar, trabalhar ou exercerem outras atividades – além das atividades políticas. Elas não podem ficar todo o período produtivo ocupadas com a solução de questões estatais.
Adicionalmente, “não se há de pretender eliminar a representação política para substituí-la por representação orgânica ou profissional antidemocrática, mas se deverá possibilitar a atuação das organizações populares de base na ação política” (SILVA: 2016, p. 138). Em outras palavras: a atuação política da população de forma indireta, por intermédio de seus representantes políticos, não pode ser substituída por uma elite intelectual ou burocrática. Isso seria a morte da democracia.
Assim, se por um lado, a ideia de mandato imperativo não é defensável; por outro, a representação política é uma realidade necessária, que não contraria a democracia e a ideia de que a maior participação popular, por intermédio de instrumentos da democracia direita, é uma circunstância necessária ao aprimoramento da democracia, pois proporciona concretude ao pensamento corrente de que os Poderes social, estatal, político e econômico pertencem, de fato, ao povo.
A democracia não teme, antes requer, a participação ampla do povo e de suas organizações de base no processo político e na ação governamental. Nela, as restrições a essa participação hão de limitar-se tão só às situações de possível influência antidemocrática, como as irreelegibilidades e inelegibilidades por exercício de funções, empregos ou cargos, ou de atividades econômicas, que possam impedir a liberdade do voto, a normalidade e a legitimidade das eleições (art. 14, §§ 5º a 9º). (...) Embora os tempos atuais não permitam, dada a complexidade da organização social, que se retorne ao mandato imperativo, é certo que há mecanismos capazes de dar à representação política certa concreção. Tais mecanismos são a atuação partidária livre, a possibilidade de participação permanente do povo no processo político e na ação governamental por meio dos institutos de democracia direta (...).
(SILVA: 2016, p. 138) (destacou-se)
Logo, a democracia moderna implica na harmonização do sistema de mandato representativo com a prática dos instrumentos de democracia participativa.
5 – Democracia Participativa
5.1 – Conceito e Contextualização
A democracia participativa consiste na participação – pessoal e direta – do povo nas principais decisões estatais por intermédio de instrumentos específicos que cada ordenamento jurídico reconhece.
...qualquer forma de participação que dependa de eleição não realiza a democracia participativa no sentido atual da expressão. A eleição consubstancia o princípio representativo, segundo o qual o eleito pratica atos em nome do povo.
O princípio participativo caracteriza-se pela participação direta e pessoal da cidadania na formação dos atos de governo.
(SILVA: 2016, p. 143)
No mencionado exercício direto do poder (CRFB, art. 1º, p. único), o próprio povo, sem qualquer representação, atua de forma política nos negócios estatais, aceitando ou rejeitando uma norma ou uma política pública; escolhendo qual medida deve ser adotada; levando ao legislativo um projeto de lei de iniciativa popular e assim por diante.
5.2 – Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular de Lei
Dentre os instrumentos de democracia participativa positivados no Brasil, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de lei (art. 14, incs. I a III) são os mais relevantes – ou ao menos deveriam ser –, pois possibilitam que a inciativa do povo ou o aval deste seja determinante na tomada de decisões ou diretrizes de grande relevância para a vida política do Estado. A execução desses institutos foi regulamentada na Lei n.º 9.709/1988.
De acordo com essa norma, “o Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.” (Lei n.º 9.709/1988, art. 2º, caput) (destacou-se).
Entretanto, enquanto “o plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido”; “o referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição”. (Lei n.º 9.709/1988, art. 2º, §§ 1º e 2º) (destacou-se).
Quando se convoca o plebiscito “o projeto legislativo ou medida administrativa não efetivada, cujas matérias constituam objeto da consulta popular, terá sustada sua tramitação, até que o resultado das urnas seja proclamado” (Lei n.º 9.709/1988, art. 9º) (destacou-se).
O referendo, por sua vez, “...pode ser convocado no prazo de trinta dias, a contar da promulgação de lei ou adoção de medida administrativa, que se relacione de maneira direta com a consulta popular” (Lei n.º 9.709/1988, art. 11) (destacou-se).
Nesse ponto, é criticável o fato de que nem a Constituição da República, nem a referida lei estabeleceram, expressamente, o caráter vinculante da decisão popular, seja quanto ao plebiscito, seja quanto ao referendo. Essa disciplina seria importante ao menos em relação ao plebiscito, no qual, doutrinariamente, esse tema não é pacífico.
Quanto ao referendo, existe um certo consenso quanto ao seu caráter vinculante no Brasil, mesmo porque não teria sentido consultar a população a respeito, por exemplo, de uma lei aprovada já aprovada pelo Congresso Nacional (CN) e, em seguida, não dar qualquer efeito prático à resposta popular. Nesse sentido,
[no referendo] Tudo se passa, segundo a ponderação da Barthélemy e Duez, como no sistema de governo representativo ordinário, em que o Parlamento normalmente elabora a lei, mas esta “só se faz juridicamente perfeita e obrigatória” depois da aprovação popular, isto é, depois que o projeto oriundo do Parlamento é submetido aos sufrágio dos cidadãos, “que votarão pelo sim ou pelo não, por sua aceitação ou por sua rejeição”.
(BONAVIDES: 2016, p. 303) (destacou-se
Todavia, no direito estrangeiro existe o referendum consultivo, no qual se faz uma consulta à população de forma anterior à prática de “qualquer ato público”. Esse tipo de referendo poder ser: (1) vinculante; (2) de opção: como o ocorrido na França, em 21/10/1945, no qual o povo escolheu uma dentre 03 (três) soluções políticas apresentadas; e (3) meramente consultivo: que não tem caráter vinculante, de forma que “...a vontade expressa pelo povo tem teor tão-somente opinativo de observância portanto facultativa” (BONAVIDES: 2016, p. 305).
Cabe observar que esse tipo referendo se dá de forma anterior a uma proposição legislativa ou a qualquer outro ato público. Portanto, muito se assemelha ao plebiscito brasileiro.[18] Motivo pelo qual, mais uma vez, fica a dúvida se é ou não vinculante o resultado da consulta popular em um plebiscito.
De qualquer forma – tanto no plebiscito, quanto no referendo – parece não ter sentido mobilizar todos os cidadãos, no caso de uma consulta nacional, em um país de dimensões continentais, como é o Brasil, para depois tratar a decisão tomada como mera consulta.
No Brasil, felizmente, vem sendo tratada como vinculante a vontade popular expressada em ambos os casos. Tanto que:
(1) No Plebiscito ocorrido em 21/04/1993, para definir a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que deveria vigora no Brasil, a decisão popular, que escolheu a forma republicana e o sistema presidencialista, foi respeitada. Não poderia ser diferente, porque neste caso, o art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da CRFB[19] utiliza a seguinte terminologia: “o eleitorado definirá”. A Emenda à Constituição n.º 2/1992 deixa claro que essa decisão popular teria – como de fato teve – caráter vinculante, ao dispor no § 1º de seu art. único que “a forma e o sistema de governo definidos pelo plebiscito terão vigência em 1º de janeiro de 1995”;
(2) A decisão popular tomada no referendo de 2005, em que a população não aprovou a proibição do comércio de armas de fogo e munições, foi tratada como vinculante. Tanto que o entendimento corrente é que não entrou em vigor a referida proibição – estabelecida no art. 35 da Lei n.º 10.826/2003.
Aliás, o art. 2º do ADCT parece comunicar a intenção do legislador constituinte, no que diz respeito à vontade popular, para ambos os institutos: o eleitorado define / vincula – e não apenas opina.
Cabe ao CN, mediante decreto legislativo, “autorizar referendo e convocar plebiscito “nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, e no caso do § 3o do art. 18 da Constituição Federal”, isto é, quando o tema é a incorporação entre si de Estados, subdividisão ou desmembramento para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais. Devem propor a utilização de tais instrumentos “...um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional” (Lei n.º 9.709/1998, art. 3º).
Trata-se, em regra, de uma faculdade do Congresso Nacional (CN) “autorizar referendo e convocar plebiscito” (CRFB, art. 49, inc XV). Todavia, existem situações que, por determinação constitucional, deve necessariamente haver plebiscito. São elas:
(1) Plebiscito junto à população diretamente interessada[20], no qual deve se obter a aprovação dessa população para que se possa realizar a incorporação de Estados si, subdividi-los ou desmembrá-los para anexá-los a outros, ou formar novos Estados ou Territórios Federais;
(2) Plebiscito para consultar previamente às populações dos municípios envolvidos quando se trate da criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios (CRFB, art. 18, § 4º). Esse plebiscito “...será convocado pela Assembléia Legislativa, de conformidade com a legislação federal e estadual” (Lei 9.709/1998, art. 5º);
(3) Plebiscito para definir a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que deveria vigora no Brasil (CRFB, ADCT, art. 2º). O qual, como visto, já ocorreu.
Todavia, nem sempre será o CN o órgão competente para convocar plebiscito, de forma que, “nas demais questões, de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o plebiscito e o referendo serão convocados de conformidade, respectivamente, com a Constituição Estadual e com a Lei Orgânica.” (Lei 9.709/1998, art. 6º)
As pessoas aptas a votar em plebiscito ou referendo, “...por se tratar de exercício de soberania”, são somente aquelas que possuem “...capacidade eleitoral ativa” (MORAIS: 2011, comentário ao art. 14 da CRFB). O quórum necessário para aprovação ou rejeição do plebiscito é de maioria simples – isto é, a maioria dos eleitores que votaram na circunscrição eleitoral envolvida no processo. Além disso, é atribuição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) homologar o resultado (Lei 9.709/1998, art. 10).
Quanto à iniciativa popular de lei, como próprio nome indica, consiste na possibilidade de a comunidade dar início ao procedimento legislativo destinado a criar uma norma jurídica.
No âmbito da União, ela “...pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles” (CRFB, art. 61, § 2º).
Buscando impedir que se coloquem entraves burocráticos que impeçam a efetividade deste importantíssimo instrumento da democracia direta, a Lei n.º 9.709/1998. dispõe que “o projeto de lei de iniciativa popular não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação” (art. 13, § 2º). Ademais, estabelece que “a Câmara dos Deputados, verificando o cumprimento das exigências estabelecidas no art. 13 e respectivos parágrafos, dará seguimento à iniciativa popular, consoante as normas do Regimento Interno” (art. 14).
A Constituição também prevê a existência do instituto em âmbito estadual (art. 25, § 4º), bem como dispõe que os Municípios devem disciplinar, em suas respectivas Leis Orgânicas, “a iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico dos Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado” (art. 29, inc. XIII). Assim, de forma implícita, o Distrito Federal também foi autorizado a criar o instituto.[21]
5.3 – Demais Instrumentos de Democracia Participativa na Constituição de 1988
Além dos institutos analisados no tópico anterior, na Constituição de 1988 pode-se destacar os seguintes instrumentos de democracia participativa:
(1) a ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão para buscar “...anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência” (art. 5º, inc. LXXIII)
(2) a determinação de que as contas dos Municípios fiquem, “...durante sessenta dias, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei” (art. 31, § 3º);
(3) a “...participação do usuário na administração pública direta e indireta”, especialmente no que diz respeito às “...reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços”, ao “...acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo” e à “...disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública” (art. 37, § 3º);
(5) a possibilidade de qualquer cidadão – além de partidos políticos, associações e sindicatos – de ser “...parte legítima, para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União” (art. 74, § 2º);
(6) o princípio da “gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (art. 206, inc. VI);
(7) comunidade colaborar com o Poder Público na promoção e na proteção do “...patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outros formas de acautelamento e preservação” (art. 216, § 1º).
O rol acima reproduz, parcialmente, as hipóteses elencadas por JOSÉ AFONSO DA SILVA (SILVA: 2016, p. 143/145 e 148). Entretanto, o autor faz referências a 03 (três) situações que não foram acima citadas por se entender que elas não dizem respeito à democracia participativa, quais sejam:
(I) a "participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação" (art. 10);
(II) caráter democrático e descentralizado da administração a Seguridade Social, “...mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados” (art. 194, p. único, inc. VII);
(III) a eleição de um representante dos empregados, “nas empresas de mais de duzentos empregados, (...) com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores” (art. 11).
A respeito da primeira desses 03 (três) instrumentos, o próprio autor ressalva que "a participação de trabalhadores e empregadores na administração, (...), na verdade, vai caracterizar-se como uma forma de participação por representação, já que certamente vai ser eleito algum trabalhador ou empregador para representar as respectivas categorias, e, se assim é, não se dá a participação direta, mas por via representativa". (SILVA: 2016, p. 148).
Na verdade, às três situações mencionadas são formas de representação do cidadão. As duas primeiras tratam de representação perante o Poder Público e a última, perante instituições da iniciativa privada. Cuidam-se, portanto, de situações que privilegiam a democracia em instituições públicas e privadas, mas a democracia indireta, isto é, representativa. Para haver democracia direita ou participativa deveria haver a participação pessoal e direta do povo – nos casos, empregados, empregadores, participantes da Seguridade Social, dentre outros – na tomada de decisões. O que não ocorre.
5.4 – Instrumentos de Democracia Participativa no Direito Estrangeiro
Existem outros institutos de democracia participativa no direito estrangeiro que não foram adotados por nossa Constituição, dentre os quais se destacará aqui o veto popular, o referendo revogatório de mandato – que se subdivide em dois outros institutos: recall político e abberufungsrecht –[22]-[23] e, por fim, o recall judicial.
O veto popular “...é a faculdade que permite ao povo manifestar-se contrário a uma medida ou lei, já devidamente elaborada pelos órgãos competentes, e em vias de ser posta em execução” (BONAVIDES: 2016, p. 316). Quando se trata de lei, o direito de os cidadãos exercer o veto sobre a lei já publicada, desde que o façam dentro de determinado prazo. Entretanto, expirado o prazo para requerimento ou provocação da consulta popular “...admite-se que a lei está perfeita, ‘aplicando-se por si mesma’”.[24]
Pelo veto popular, dá-se aos eleitores, após a aprovação de um projeto pelo Legislativo, um prazo, geralmente de sessenta a noventa dias, para que requeiram a aprovação popular. A lei não entra em vigor antes de decorrido esse prazo e, desde que haja a solicitação por um certo número de eleitores, ela continuará suspensa até as próximas eleições, quando então o eleitorado decidirá se ela deve ser posta em vigor ou não.
(DALLARI: 2016, p. 154)
O instituto possui semelhanças com o referendo consagrado na legislação brasileira, pois ambos (1ª) submetem ao crivo popular ato legislativo ou administrativo já aprovado pelo órgão competente e, em razão disso, (2ª) a ratificação ou rejeição do ato ser decisão do respectivo colégio eleitoral. Todavia, no veto popular são os eleitores que requererem a utilização instrumento; no referendo, o Congresso Nacional ou a Casa legislativa estadual, distrital ou municipal.
Quanto ao referendo revogatório de mandato, trata-se de instituto pelo qual o eleitorado pode revogar o mandato de representante político ou de todos os membros de uma Casa Legislativa, simultaneamente, dissolvendo-se o Parlamento. Sob a perspectiva popular, trata-se de conceder ao povo um direito de revogação dos mandatos eletivos por meio de uma decisão política e não jurídica. O instituto pode ser instrumentalizado de duas formas: (1º) recall político e (2º) abberufungsrecht.
A principal diferença entre essas vertentes refere-se à abrangência: (1) no recall político, a revogação abrange um mandato individual e específico, isto é, do mandato do governante submetido ao procedimento: determinado Deputado, por exemplo; (2) no abberufungsrecht, revogação estende-se a todos os membros da Casa Legislativa avaliada, de forma simultânea.
Quanto ao o recall judicial[25], trata-se de instrumento de democracia participativa se assemelha ao referendo revogatório de mandato. Ambos tratam de uma decisão tomada mediante voto popular a respeito de uma questão estatal.
Todavia, o objeto da decisão popular é completamente diverso: enquanto no referendo revogatório se decide se um mandato deve ser revogado; no recall judicial, o voto da maioria dos eleitores pode anular decisões de juízes e tribunais – exceto as decisões da Suprema Corte – que negam a aplicação de uma lei, sob o fundamento de que a norma é inconstitucional. Anulada a decisão judicial, “...a lei seria considerada constitucional, devendo ser aplicada” (DALLARI, 2016, p. 154).
Todavia, PAULO BONAVIDES também chama de recall judicial o procedimento de recall político voltado para a destituição de magistrados. Afirma o autor que os Estados do Oregon e da Califórnia disciplinam este tipo de recall (BONAVIDES: 2016, p. 314/315). Claro que nesta última acepção, recall político e judicial são, na verdade, sinônimos.
Não obstante a existência de um rico sistema de participação popular direta, observa-se que os instrumentos ali tipificados, em regra, pouco são utilizados.[26]
Nos últimos anos, o Brasil viveu crises institucionais, bem como a Câmara dos Deputados e o Senado Federal abordaram – e abordam – assuntos de interesse máximo da população, como reformas no sistema político, na legislação trabalhista, na previdência social, dentre outros. Assuntos que são de notório interesse nacional, despertaram profundo interesse da população e são discutidos no cotidiano das pessoas. Entretanto, o Congresso Nacional não convocou nem plebiscito, nem referendo para que o povo pudesse decidir diretamente sobre quaisquer aspectos desses temas.
Isso ocorre por causa da inação dos ocupantes de cargos eletivos em viabilizar o fortalecimento desses mecanismos de participação direta. Por exemplo: em questões de relevância nacional, cabe ao CN “autorizar referendo e convocar plebiscito” (CRFB, art. 49, inc XV). Atuação esta que, em regra, é facultativa – exceto nos casos em que a Constituição de 1988 obriga a realização de plebiscito.
Portanto, notório o descompasso de grande parte de nossa classe política com os objetivos traçados pela Constituição da República, com a democracia e com o povo brasileiro.
É lamentável dizer que, aparentemente, os motivos para essa postura acanhada não são nada republicanos. Ao contrário, trata-se do interesse das oligarquias que pretendem se perpetuar no poder – os coronéis de sempre –, bem como da aversão que os políticos corruptos têm à ideia de se submeterem a um controle popular mais efetivo. Na prática, uma elite minoritária acaba monopolizando o poder político em prejuízo da maioria.
No caso especifico da iniciativa popular de lei, o Presidente da Câmara dos Deputados, Excelentíssimo Senhor RODRIGO MAIA, em 20/02/2017, fez uma afirmação curiosa e trágica: a Secretaria-Geral do referido Órgão teria estrutura apenas fazer “uma contagem formal” das mais de 2 (duas) milhões de assinaturas dos cidadãos que apoiram um Projeto de Lei com medidas para combate a corrupção. Assim, não haveria condições de verificar a veracidade dessas assinaturas [27].
Ora, a Constituição vigora a cerca de 30 (trinta) anos e o Órgão competente ainda não tem condições de efetivar, adequadamente, esse instrumento de tamanha magnitude. O Congresso até poderia buscar alternativas para se desincumbir de tal mister, como, por exemplo, fazer parceria com a Justiça Eleitoral, que administra o Cadastro Nacional de Eleitores e tem vasta experiência em conferência de assinaturas para aferir se partido político um em formação possui o apoiamento mínimo exigido por lei. [28]
DALMO ABREU DALLARI, logo após sustentar a inviabilidade da democracia direta no mundo atual, faz uma interessante ponderação:
No momento em que os mais avançados recursos técnicos para captação e transmissão de opiniões, como terminais de computadores, forem utilizados para fins políticos será possível a participação direta do povo, mesmo nos grandes Estados. Mas para isso será necessário superar as resistências dos políticos profissionais, que preferem manter o povo dependente de representantes.
(DALLARI, 2016, p. 152) (destacou-se)
Esse raciocínio pode ser utilizado para a defesa de uma maior utilização de institutos de democracia participativa dentro da democracia representativa. Isso porque, com a evolução dos meios de comunicação e das tecnologias da informação, os discursos que se apegam a impossibilidades práticas da participação popular nas decisões políticas tendem a ficar enfraquecidos.
Portanto, cumpre ao povo buscar erradicar a essa inaceitável situação de exclusão da democracia participativa no cotidiano político brasileiro. Para tanto, deve exigir a utilização dos instrumentos de participação direita previstos na Constituição de 1988, especialmente quando se deva tomar decisões estatais – administrativas ou legislativas – de grande importância e impacto para o Brasil.
Argumentos como a falta de dinheiro para viabilizar tais instrumentos devem ser vistos com muita desconfiança, devendo-se questionar: quais seriam as prioridades desse governo? Essas prioridades são tão fundamentais a ponto de não permitir o direcionamento de recursos para aperfeiçoar o processo democrático?
No que diz respeito a isso, as últimas consultas populares – 02 (dois) plebiscitos de âmbito municipal – foram realizadas concomitantemente com as eleições regulares, no caso, as eleições municipais. Esse método parece ser um bom caminho para viabilizar a realização de novos plebiscitos e referendos com mais frequência, especialmente em razão da redução dos custos da consulta popular.
A democracia participativa é, provavelmente, o instrumento de maior impacto social no que diz respeito ao fortalecimento da democracia plena. Isso porque a participação direta do povo nas decisões estatais significa o próprio povo exercendo o governo. Como democracia é o governo do povo, nada mais democrático do que isso.
Além disso, ninguém melhor que o próprio povo para tutelar seus direitos e interesses – direitos fundamentais, justiça social, igualdade material em todas as instâncias da vida em comunidade, bem-estar de todos os governados (e não apenas de determinados grupos ou segmentos sociais) e combate a quaisquer formas de opressão.
A democracia participativa consiste na participação – pessoal e direta – do povo nas principais decisões estatais. Seu exercício ocorre por intermédio da utilização de instrumentos de democracia direita dentro da democracia semidireta ou mista.
O Estado Democrático de Direito tem a democracia participativa com elemento fundamental para o ideal democrático. Ela representa o governo do povo por excelência e, se colocada em prática de forma adequada, tem o poder de conduzir a uma verdadeira transformação social, com melhoria da vida das pessoas nas mais diversas vertentes: direitos fundamentais, justiça social, igualdade material em todas as instâncias da vida em comunidade, bem-estar de todos os governados (e não apenas de determinados grupos ou segmentos sociais) e combate a quaisquer formas de opressão.
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[1] O autor deste trabalho possui um artigo intitulado “DEMOCRACIA FORMAL E SUBSTANCIAL”, no qual aborda com mais detalhes os temas desse tópico.
[2] DALMO DE ABREU DALLARI, afirma que “consolidou-se a ideia de Estado Democrático como o ideal supremo, chegando-se a um ponto em que nenhum sistema e nenhum governante, mesmo quando patentemente totalitários, admitem que não sejam democráticos” (DALLARI: 2016, p. 149).
[4] Inspirado especialmente em NORBERTO BOBBIO (BOBBIO: 2010, p. 326); JOSÉ AFONSO DA SILVA (SILVA: 2016, p. 128) e SAHID MALUF (MALUF: 2013, p. 313/315).
[5]Inspirado especialmente em conceitos e/ou explicações de NORBERTO BOBBIO (BOBBIO: 2010, p. 326/329); JOSÉ AFONSO DA SILVA (SILVA: 2016, p. 128 e 135); SAHID MALUF (MALUF: 2013, p. 313/315) e Luiz Vergilio Dalla-Rosa (DALLA-ROSA: 1999, p. 107/119) e CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (MELLO: 1998, p. 57/62).
Democracia direta é aquela em que o povo exerce, por si, os poderes governamentais, fazendo leis, administrando e julgando; constitui reminiscência histórica.
Democracia indireta, chamada de democracia representativa, é aquela na qual o povo, fonte primária do poder, não podendo dirigir os negócios do Estado diretamente, em face da extensão territorial, da densidade demográfica e da complexidade dos problemas sociais, outorga as funções de governo aos seus representantes, que elege periodicamente.
Democracia semidireta é, na verdade, democracia representativa com alguns institutos de participação direta do povo nas funções de governo, institutos que, entre outros, integram a democracia participativa.”
(SILVA: 2016, p. 138)
“Democracia direta é aquela em que o povo exerce, por si, os poderes governamentais, fazendo leis, administrando e julgando; constitui reminiscência histórica.
“Democracia indireta, chamada de democracia representativa, é aquela na qual o povo, fonte primária do poder, não podendo dirigir os negócios do Estado diretamente, em face da extensão territorial, da densidade demográfica e da complexidade dos problemas sociais, outorga as funções de governo aos seus representantes, que elege periodicamente.
“Democracia semidireta é, na verdade, democracia representativa com alguns institutos de participação direta do povo nas funções de governo, institutos que, entre outros, integram a democracia participativa.”
(SILVA: 2016, p. 138)
(Lei n.º 9.709/1998, art. 7º)
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que essa definição legal reflete justamente o que buscou dizer o texto constitucional, de forma que “...deve ser consultada, mediante plebiscito, toda a população do estado-membro ou do município, e não apenas a população da área a ser desmembrada” (excerto de decisão unânime do STF na ADI 2650 / DF. Relator: Min. DIAS TOFFOLI. Julgamento: 24/08/2022. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-218 DIVULG 16-11-2011 PUBLIC 17-11-2011.[21] O Distrito Federal possui todas as prerrogativas, competências e atribuições dos Estados e dos Municípios, exceto aquelas que lhe foram expressamente retiradas pela Constituição (CRFB, arts. 21, inc. XIII e XIV, e 22, inc. XVII, 23, 24, 32, § 1º, 147, dentre outros).
[24] BONAVIDES: 2016, p. 316.
A iniciativa popular de lei não vem tendo melhor sorte. Foram raras as vezes em que um Projeto de Lei teve início dessa forma. Na prática, “...os projetos encaminhados pela iniciativa popular, em geral, são adotados por um parlamentar ou pelas comissões, que garantem sua tramitação no Congresso Nacional, assumindo, assim, a autoria do projeto” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Iniciativapopular#Brasil. Acesso em: 24/06/2017).
“Art. 7º O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral.
“§ 1o Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles.”
Apesar de a competência para decisão ser do TSE, existem atribuições que são da responsabilidade dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Juízos Eleitorais de 1º grau neste processo, conforme pode ser observado na Resolução TSE n.º 23.465/2015. Aliás, quem recebe as fichas de apoiamento e confere as assinaturas são os Cartórios Eleitorais (art. 14 da referida resolução). Dessa forma, esse serviço é inicialmente administrativo. Porém, Se houver impugnações às listas ou formulários de apoiamento apresentados, cabe ao Juízo Eleitoral de 1º grau decidir a questão (art. 15).
Defensor Público do Distrito Federal. Anteormente, Analista Judiciário na Justiça Eleitoral. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (2004). Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes/Praetorium (2008).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Leonardo Corrêa dos. Democracia participativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jul 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50444/democracia-participativa. Acesso em: 13 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
Por: Arlan Marcos Lima Sousa
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