Resumo: O presente trabalho tem como foco analisar a possibilidade de intervenção estadual nos municípios, analisando a previsão na Constituição Federal de 1988, bem como a situação do inadimplemento dos precatórios, e se a mesma seria apta a ensejar a referida intervenção. Para tanto, será detalhado o modelo de feredalismo brasileiro, que permite que haja a intervenção, bem como as hipóteses de intervenção federal e estadual e a situação do inadimplemento dos precatórios, analisando onde a mesma se encaixa. Por fim, veremos a possibilidade de intervenção do Estado nos Municípios diante da inobservância do dever de pagar os precatórios, bem como a jurisprudência da Suprema Corte. Para tanto, foi feito um estudo da legislação vigente bem como da doutrina constitucional, o que resultou em conclusões sobre a possibilidade de intervenção estadual nos Municípios que não arquem com o pagamento de precatórios, necessitando que o inadimplemento seja voluntário e intencional.
Palavras-chave: Intervenção. Federalismo. Precatório.
Abstract: The present study aims to analyze the possibility of state intervention in the municipalities, analyzing the prediction in the Federal Constitution of 1988, as well as the situation of default of the Precatories, and whether it would be apt to trigger said intervention. In order to do so, it will be detailed the Brazilian feredalism model, which allows the intervention, as well as the hypotheses of federal and state intervention and the situation of default of the precatories, analyzing where it fits. Finally, we will see the possibility of State intervention in the Municipalities in the face of the nonobservance of the duty to pay the Precatories, as well as the jurisprudence of the Supreme Court. In order to do so, a study was made of the current legislation as well as of the constitutional doctrine, which resulted in conclusions about the possibility of state intervention in the Municipalities that do not settle with the payment of Precatories, necessitating that the default is voluntary and intentional.
Keywords: Intervention. Federalism.. Precatory
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Federalismo brasileiro. 3 A intervenção Federal nos Estados; 4. A intervenção Estadual nos Municípios. 5. A intervenção devido ao inadimplemento de precatórios. 6. Conclusão. 7. Referências
1. Introdução
O presente trabalho tem como foco avaliar a possibilidade de intervenção estadual nos Municípios diante no inadimplemento de precatórios.
O artigo foi dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, será abordado de forma sucinta o surgimento do federalismo e a sua aplicação no direito brasileiro. No segundo capítulo, será abordada a possibilidade de intervenção federal nos Estados, mencionando dispositivos da Constituição Federal bem como temas doutrinários. No terceiro capítulo será esmiuçada a possibilidade de intervenção estadual nos municípios, mencionando, para tanto, dispositivos da Constituição Federal que tratam sobre o tema, bem como a possibilidade de intervenção pelo não pagamento da dívida fundada. Por fim, no quarto capítulo, trataremos acerca da intervenção dos Estados nos Municípios diante da inobservância do dever de arcar com o pagamento dos precatórios.
2. O Federalismo brasileiro
O direito brasileiro vive em um federalismo. O federalismo significa, basicamente, a descentralização do poder político, o que não ocorre no Estado Unitário. Podemos ver tal previsão acerca do federalismo na própria Constituição Federal, onde, em seu artigo primeiro, menciona:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:I - a soberania;II - a cidadaniaIII - a dignidade da pessoa humana;IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo político.Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Diante do artigo supracitado, resta claro que a República Federativa do Brasil adota o princípio federativo em sua concepção. Nesse sentido, Nathália Masson (2016, p.493) menciona que “Encontra se definida em nossa Carta Constitucional (are. 1°, CF/88), inequivocamente, a adoção do princípio federativo como critério ordenador da organização político-administrativa do Estado.”
O Estado Federal se difere do Estado Unitário. Entre as diferenças de tais formas de Estado, a que mais se acentua é justamente a descentralização do Poder Político. Nathália Masson (2016, p. 494) menciona:
É a forma de Escado na qual existe descentralização no exercício do poder político, estando este pulverizado em mais de uma entidade política, todas funcionando como centros emanadores de comandos normativos e decisórios. Segundo Georg Jellink, federalismo é a "unidade na pluralidade", pois embora tenhamos mais de um ente dotado de capacidade política, não se pode perder de visca a unidade necessária para a manutenção do Escado Federal.
Sobre o tema, Pedro Lenza (2016), cita importantes características:
Apesar de cada Estado federativo apresentar características peculiares, inerentes às suas realidades locais, encontramos alguns pontos em comum que podem assim ser sistematizados: ? descentralização política: a própria Constituição prevê núcleos de poder político, concedendo autonomia para os referidos entes; ? repartição de competência: garante a autonomia entre os entes federativos e, assim, o equilíbrio da federação; ? Constituição rígida como base jurídica: fundamental a existência de uma Cons tituição rígida no sentido de garantir a distribuição de competências entre os entes autônomos, surgindo, então, uma verdadeira estabilidade institucional; ? inexistência do direito de secessão: não se permite, uma vez criado o pacto federativo, o direito de separação, de retirada. Tanto é que, só a título de exemplo, no Brasil, a CF/88 estabeleceu em seu art. 34, I, que a tentativa de retirada ensejará a decretação da intervenção federal no Estado “rebelante”. Eis o princípio da indissolubilidade do vínculo federativo, lembrando, inclusive, que a forma federativa de Estado é um dos limites materiais ao poder de emenda, na medida em que, de acordo com o art. 60, § 4.º, I, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; ? soberania do Estado federal: a partir do momento que os Estados ingressam na federação perdem soberania, passando a ser
autônomos. Os entes federativos são, portanto, autônomos entre si, de acordo com as regras constitucionalmente previstas, nos limites de sua competência; a soberania, por seu turno, é característica do todo, do “país”, do Estado federal, no caso do Brasil, tanto é que aparece co mo fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1.º, I, da CF/88). Conforme alertamos no item 4.7, dentro do conceito de supranacionalidade, hoje se fala em flexibilização da ideia clássica de soberania; ? intervenção: diante de situações de crise, o processo interventivo surge como instrumento para assegurar o equilíbrio federativo e, assim, a manutenção da Federação; ? auto-organização dos Estados-Membros: através da elaboração das Constituições Estaduais (vide art. 25 da CF/88); ? órgão representativo dos Estados-Membros: no Brasil, de acordo com o art. 46, a representação dá-se através do Senado Federal; ? guardião da Constituição: no Brasil, o STF; ? repartição de receitas: assegura o equilíbrio entre os entes federativos (arts. 157 a 159).
Diante disso, podemos notar claramente que a intervenção é uma das características do Estado federal, pois visa assegurar o equilíbrio federativo, mantendo, assim, a Federação.
Ademais, o federalismo brasileiro se caracteriza por ser um federalismo de segregação, ou seja, que surgiu de dentro para fora, sendo, na verdade, uma mudança de um Estado unitário para um Estado federal. Sobre o tema, Pedro Lenza explica (2016, p. 535):
Por sua vez, no federalismo por desagregação (segregação), a Federação surge a partir de determinado Estado unitário que resolve descentralizar-se, “em obediên cia a imperativos políticos (salvaguarda das liberdades) e de eficiência”.8 O Brasil é exemplo de federalismo por desagregação, que surgiu a partir da proclamação da República, materializando-se, o novo modelo, na Constituição de 1891.
Nesse mesmo sentido, Nathália Masson (2016, p.500):
Noutro giro, é possível que a federação tenha surgido em decorrência de um movimento de poder centrífugo, em que o deslocamento de poder se dá do centro para a periferia. É o caso da federação brasileira, que se formou a partir da descentralização de um poder que escava compactado no centro, já que o Estado era unitário, e foi partilhado com as entidades periféricas. Segundo Rui Barbosa, "Não somos uma federação de povos até ontem separados e reunidos de ontem para hoje. Pelo contrário, é da União que partimos. Na União nascemos".
Atualmente, vemos a descentralização do poder político no Brasil. O poder político não está concentrado nas mãos da União. Há, na verdade, uma divisão espacial de poder, sendo o mesmo dividido com a União, os Estados e os Municípios.
É interessante a inclusão, pelo direito brasileiro, dos Municípios como entes partícipes da federação, pois, no modelo pelo qual o direito brasileiro se inspirou, qual seja o modelo norte-americano, os Municípios não fazem parte da Federação, a qual abarca apenas União e Estados. Nesse sentido, surge o conceito de federalismo de segundo grau e de terceiro grau. Nathália Masson trabalha bem tal tópico (2016, p. 502, 503), ao mencionar que:
O primeiro, de segundo grau (ou bidimencional), é típico nessa forma de Estado que, para se constituir, somente precisa de uma ordem jurídica central (primeiro grau) e das ordens jurídicas regionais (segundo grau). Criado nos Estados Unidos da América, pátria do conceito de federação, é adotado na maioria das federações mundo afora. No Brasil, a partir da Constituição de 1988, os Municípios foram alçados à categoria de entes federados, o que fez com que fosse somada às duas ordens já existentes {central - representada pela União; e regional - representada pelos Estados-membros) uma terceira: a local, instituída pelos Municípios, recém integrados à estrutura federativa. Nesse contexto, nosso federalismo é de terceiro grau (ou atípico ou tridimensional)".
Não resta dúvidas de que o modelo adotado pelo Brasil é o tridimensional, uma vez que abarca os Municípios como entes participantes da federação, além de preverem diversas competências municipais ao longo da carta constitucional.
Tendo em vista o princípio federativo, é possível a intervenção federal nos Estados e Municípios para mantar o equilíbrio da federação. Tal intervenção deve ser vista como medida excepcional, haja vista que a autonomia dos entes deve sempre ser levada em consideração. Conforme Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2013, p. 785), “A intervenção federal é mecanismo drástico e excepcional, destinado a manter a integridade dos princípios basilares da Constituição, enumerados taxativamente no art. 34 da CF.”.
3. A Intervenção da União nos Estados
A União pode intervir nos Estados, sendo necessário ressaltar que tal medida deve ser vista de maneira excepcional. A Constituição Federal, ao tratar sobre o tema, enumera hipóteses taxativas nas quais é possível a intervenção federal nos Estados. Vejamos:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:I - manter a integridade nacional; II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;b) direitos da pessoa humana;c) autonomia municipal;d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
Conforme visto, é possível à União intervir nos Estados visando sempre a manutenção da unidade da federação. O objetivo maior da intervenção federal é justamente a proteção da unidade da federação. Nesse sentido, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2016, p. 307):
Porém, a Constituição brasileira admite o excepcional afastamento dessa autonomia política, por meio da intervenção de uma entidade política sobre outra, diante do interesse maior de preservação da própria unidade da Federação. Por isso, o processo de intervenção atua como antítese da autonomia, haja vista que, por meio dele, afasta-se temporariamente a atuação autônoma do estado, Distrito Federal ou município que a tenha sofrido.
Conforme a doutrina, a intervenção federal pode se dar de forma espontânea ou provocada. A diferença entre as duas formas de intervenção se dá pelo fato de que, na primeira, o Chefe do Executivo pode agir de ofício, a partir de um juízo discricionário do Presidente. As hipóteses de intervenção espontânea são, conforme Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2016, p. 308), “ a) para a defesa da unidade nacional (CF, art. 34, I e li); b) para a defesa da ordem pública (CF, art. 34, III); c) para a defesa das finanças públicas (CF, art. 34, V).
De outro modo, na intervenção provocada não é possível a ação de ofício pelo Chefe do Executivo, sendo necessária, na verdade, a sua provocação. A provocação do chefe do executivo, que poderá ser mediante solicitação ou requisição. A doutrina costume diferenciar as hipóteses de provocação em solicitação e requisição, haja vista que na solicitação, o Chefe do Executivo não estaria obrigado a realizar a intervenção, diferente da requisição, na qual a sua atuação seria obrigatória. Conforme Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2016, p. 309):
A provocação mediante requisição está prescrita nos seguintes dispositivos constitucionais: art. 34, IV (requisição do STF), art. 34, VI (requisição do STF, STJ ou TSE), e art. 34, VII (requisição do STF). A provocação mediante solicitação está prevista no art. 34, IV, na defesa dos Poderes Executivo ou Legislativo.
Entre as hipóteses de intervenção federal nos Estados está o não pagamento, por mais de dois anos consecutivos, da dívida fundada. Acerca da dívida fundada, conforme Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2013, p. 786):
O inciso V do art. 34 cuida da intervenção federal por desorganização administrativa, que leva o Estado ou o Distrito Federal, sem motivo de força maior, a não pagar a sua dívida fundada por mais de dois anos consecutivos. A Lei n. 4320/64 refere-se a dívidas fundadas como sendo as relativas a compromissos de exigibilidade superior a doze meses, contraídos em função de desequilíbrio orçamentário ou financeiro de obras e serviços públicos. O inciso também cuida do caso da não entrega oportuna das receitas tributárias dos municípios.
Nesse sentido, os precatórios podem ser aqui incluídos. Logo, é plenamente possível que haja intervenção federal pelo não pagamento de precatórios. Contudo, não é todo e qualquer inadimplemento de precatório que ensejará a intervenção federal, conforme será visto posteriormente.
4. A Intervenção dos Estados nos Municípios
A CRFB disciplina também a possibilidade dos Estados intervirem nos Municípios. Tal previsão está consagrada no artigo 35 da CRFB (online), que dispõe:
Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.
É necessário ressaltar que, pela leitura do caput dos artigos que tratam da intervenção federal nos Estados, bem como da intervenção estadual nos Municípios, não há previsão para que a União, diretamente, intervenha em Municípios de Estados. Somente quem pode intervir nos Municípios localizados em Estados-membros é o próprio Estado. Nesse sentido, Nathália Masson (2016, p. 587):
Nos Municípios localizados em Estados-membros a União não pode intervir, haja vista não ser o ente federado imediatamente superior. A intervenção, neste caso, ficará a critério do Estado-membro, que deverá observar escritamente o regramento constitucional a seguir detalhado.
Ademais, conforme Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2016, p. 315):
Ressalvada a hipótese de intervenção federal em município localizado em Território Federal, todas as intervenções em município serão decretadas e executadas pelos estados. Em nenhuma hipótese haverá intervenção da União em município localizado em Estado-membro
Portanto, quatro são as hipóteses previstas na CRFB que permitem ao Estado intervir no Município, bem como da União intervir nos Municípios localizados em Territórios. Entre tais hipóteses, está o não pagamento da dívida fundada por dois anos consecutivos. Aqui podemos notar uma distinção entre a intervenção da União nos Estados, haja vista que, neste, a União só poderá intervir se o não pagamento da dívida fundada for superior a dois anos, e não exatos dois anos como menciona o artigo trinta e cinco da Constituição.
Como vimos anteriormente, o Precatório se enquadra no conceito de dívida fundada. Contudo, não é todo inadimplemento de Precatório que enseja a intervenção, conforme veremos no próximo capítulo.
4. A intervenção devido ao inadimplemento de precatórios
O precatório é uma requisição de pagamento devido pela Fazenda Pública quando há uma sentença transitada em julgado contra ela. Nesse caso, quando a Fazenda Pública é condenada em uma obrigação de pagar quantia, ela não pode simplesmente pagar aquele valor no prazo ordenado pela lei. Nesse caso, para que haja qualquer pagamento pela Fazenda Pública, a Constituição Federal exige que tal pagamento se dê mediante precatório. Conforme Leonardo Cunha (2016, p. 352, 353):
Conforme já se acentuou, a execução contra a Fazenda Pública pode fundar-se em título judicial ou em título extrajudicial. Quando o título forjudicial, há cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública (CPC, arts. 534 e 535). Sendo extrajudicial, propõe-se a execução disciplinada no art. 910 do CPC. Tanto numa como noutra, é necessário observar o regime de precatórios ou de requisição de pequeno valor - RPV -, previsto no art. 100 da Constituição Federal.
Portanto, para que a Fazenda Pública arque com os valores, é necessário que a sentença esteja transitada em julgado para que seja expedido precatório. O artigo 100 da CRFB dispõe:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
Diante disso, e diante do fato de que a dívida fundada abarca o precatório, questiona-se se seria possível a intervenção estadual nos Municípios que não observassem o pagamento de seus requisitórios. Nesse caso, a doutrina majoritária entende que é possível a intervenção, contudo, o não pagamento do precatório deve ser voluntário e intencional. Conforme Gilmar Mendes e Paulo Gonet Branco (2013, p. 787):
Não se configura situação eu atraia a intervenção federal o não pagamento de precatório, quando os recursos do Estado são limitados e há outras obrigações a cumprir de idêntica hierarquia, como a continuidade da prestação de serviços básicos. Na lição do Min. Gilmar Mendes, no precedente em que se fixou tal orientação, “a intervenção, como medida extrema, deve atender à máxima da proporcionalidade. A insuficiência de recursos financeiros tem sido justificativa acolhida em outros precedentes para se indeferir pleito de intervenção federal.
O Supremo Tribunal Federal, ao se manifestar sobre o tema, entende que o descumprimento do pagamento do requisitório, para ensejar intervenção, deve, de fato, ser voluntário e intencional. Vejamos:
INTERVENÇÃO FEDERAL. Pagamento de precatório judicial. Descumprimento voluntário e intencional. Não ocorrência. Inadimplemento devido a insuficiência transitória de recursos financeiros. Necessidade de manutenção de serviços públicos essenciais, garantidos por outras normas constitucionais. Precedentes. Não se justifica decreto de intervenção federal por não pagamento de precatório judicial, quando o fato não se deva a omissão voluntária e intencional do ente federado, mas a insuficiência temporária de recursos financeiros. (STF - IF: 5101 RS, Relator: Min. CEZAR PELUSO (Presidente), Data de Julgamento: 28/03/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 05-09-2012 PUBLIC 06-09-2012)
Logo, é possível a intervenção federal nos Estados, bem como a intervenção dos Estados nos Municípios, desde que inobservado, de forma voluntária a intencional, o não pagamento dos precatórios.
5. Conclusão
Pelo exposto, percebe-se que a intervenção é um mecanismo de preservação da federação, no qual os entes abrem mão de sua soberania, conservando, contudo, a sua autonomia.
Ademais, foi analisado no presente trabalho que a federação brasileira é uma federação de segregação e de terceiro grau, pois abarca os Municípios como entes componentes da federação, conforme se pode extrair da CRFB.
Foi analisado, ademais, a possibilidade de intervenção federal nos Estados, e, entre as hipóteses, se encontra o não pagamento, por mais de dois anos consecutivos da dívida fundada, a qual abarca o precatório. Verificamos, ao decorrer do trabalho, que em nenhuma hipótese a União pode intervir nos Municípios localizados em Estados-membros, haja vista expressa vedação constitucional nesse sentido.
Ao tratarmos sobre a intervenção estadual nos Municípios, analisamos que somente os Estados tem tal papel, não podendo a União exercer tal múnus. Ademais, entre as hipóteses de intervenção estadual nos Municípios, conforme o artigo 35 da CRFB, está no não pagamento da dívida fundada por dois anos consecutivos, a qual abarca o precatório.
Por fim, analisamos a possibilidade de intervenção diante do inadimplemento de precatórios, no qual foi ressaltada a posição da doutrina majoritária e da Suprema Corte brasileira, que entende que somente se o inadimplemento for voluntário e intencional é possível tal intervenção.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário IF: 5101 RS Brasília, 2012. Disponível em: < https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22869961/intervencao-federal-if-5101-rs-stf >. Acesso em: 07 jul. 2017.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 20ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MASSON, Nathália. Manual de direito constitucional. 4ª Ed. rev e atual. Salvador: JusPODIVM, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.
VICENTE Paulo, ALEXANDRINO Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado- 15. ed. rev. e atual. - Rio de Janeiro: Forer.se; São Paulo: MÉTODO: 2016.
Advogado. Graduado pela Universidade de Fortaleza.Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza.<br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEITE, André Diego de Lima. A possibilidade de intervenção estadual nos municípios diante do inadimplemento de precatórios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50472/a-possibilidade-de-intervencao-estadual-nos-municipios-diante-do-inadimplemento-de-precatorios. Acesso em: 13 nov 2024.
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