Resumo: Trata-se de artigo que visa discutir as relações contratuais consumeristas com foco nas cláusulas protetivas, visando a possibilidade de revisão contratual. Destaca-se a efetivação do sistema protetivo consumerista visando a manutenção dos contratos desde que de forma a preservar a boa-fé e a proteção da confiança.
Palavras-chaves: consumidor; revisão; proteção; boa-fé; confiança; cláusulas consumeristas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Cláusulas abusivas no direito do consumidor. 2.1. A cláusula de não-indenizar; 2.2. A cláusula de renúncia ou disposição de direitos; 2.3. A cláusula limitativa de indenização; 2.4. A cláusula de subtração da opção de reembolso da quantia paga; 2.5. A cláusula de transferência de responsabilidade a terceiros; 2.6. A cláusula de inversão prejudicial do ônus da prova; 2.7. A cláusula em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; 2.8. A cláusula de opção exclusiva à conclusão do contrato; 2.9. A cláusula de modificação unilateral do contrato; 3. Princípio da Paridade do CDC frente ao Código Civil de 2002; 4. Conclusão.
1 Introdução
A relação contratual pode ser conceituada como o acordo de vontades que produz a relação jurídica obrigacional, produzindo efeitos jurídicos. No campo do direito do consumidor, há uma “relação jurídica especial existente entre consumidor e fornecedor, tendo por objeto aquisição ou a utilização de produto ou serviço pelo consumidor”[1]. No art. 2º do CDC, é tido como consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Há duas correntes que definem destinatário final. Segundo a corrente finalista, consumidor será aquele que retira do comércio determinado produto ou serviço. Já na corrente maximalista é necessário para a caracterização de consumidor que este não o adquire para a revenda ou para o uso profissional, pois assim ele seria novamente um instrumento de produção, cujo preço seria repassado ao mercado de consumo.
A seção II do Código de Defesa do Consumidor equipara a consumidor no art. 17, todos aqueles que foram vítimas de eventos danosos referentes ao produto ou ao serviço prestado, independente da aquisição do produto ou sua utilização, bastando a simples exposição à prática do produto, como cita Cláudio Bonatto “é o caso do vizinho atingido na sua incolumidade física ou psíquica pela explosão de um botijão de gás.”[2]
A outra parte da relação de consumo é o fornecedor, sua definição está contida no art. 3º, caput, do CDC como toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Para a caracterização do consumo, é necessária a existência de ação, de transferir os bens da vida de uma pessoa para outra pessoa, com profissionalidade, habitualidade, que pressupõem continuidade e duração, dirigidos a um objetivo.
Atos isolados não constituem atividade de profissional de fornecedor não podendo, portanto, ser caracterizados como relação de consumo. É como o particular que vendo o carro a outro particular; esta relação jurídica será tutelada pelo código civil, não pode ser caracterizada como relação de consumo.
A relação de consumo pode ter como objeto um produto ou um serviço. A definição clássica de produto está contida no art. 3º, § 1º do CDC, sendo qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial.
Como bens imateriais se entendem aqueles insuscetíveis de serem apreendidos, pesados ou medidos, por não serem palpáveis, embora possam ser avaliados economicamente, exemplo disso seria uma peça teatral.
Como serviço se entende conforme o disposto no art. 3º, § 2º do CDC, qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração. Enquanto no parágrafo primeiro nada consta sobre a remuneração, no segundo tal exigência é expressa. Esta remuneração poderá ser direta ou indireta, esta ocorrerá quando de forma indireta o comerciante ganha fruto através de atos promocionais ou aparentemente gratuitos, com o objetivo de atrair a clientela.
2 Cláusulas abusivas no direito do consumidor
Diante da grande industrialização, da economia e contratos de massa, surge a necessidade de maior proteção à parte hipossuficiente da relação. Hipossuficiência que antes não existia, como sustenta Ada Pellegrini e Herman Benjamim:
Antes fornecedor e consumidor encontravam-se em uma situação de relativo equilíbrio de poder de barganha (até porque se conheciam), agora é o fornecedor (fabricante, produtor, construtor ou comerciante) que, inegavelmente, assume a posição de força na sociedade de consumo e que, por isso mesmo, ‘dita as regras’. E o direito não pode ficar alheio a tal fenômeno. [3]
Porém, hodiernamente, há um desequilíbrio entre o fornecedor e o consumidor, verificando-se o desequilíbrio entre as partes, em face da submissão, na expressão neoliberal do take it ou leave it, é pegar ou largar, tendo um aumento significativo dos contratos de mera aderência, principalmente pela utilização de cláusulas contratuais abusivas.
O Código de Defesa do Consumidor não defini o que se classifica como cláusulas abusivas apesar de elencá-las no art. 51, do CDC, não de forma taxativa, porém exemplificativa.
De acordo os doutrinadores, o conceito de cláusula abusiva é mais amplo que o de cláusula ilícita, pois uma cláusula lícita poderá ser abusiva, na medida que provoque desequilíbrio contratual, com vantagem exclusiva do agente econômico, como exemplo pode-se citar a cláusula que autoriza o fornecedor cancelar o contrato unilateralmente, tal cláusula é lícita, podendo, no entanto, a luz do inciso XI do artigo 51 do CDC ser abusiva a medida que torne o consumidor cativo da contratação.
Por critério ilustrativo, dispõem-se algumas cláusulas abusivas em espécie.
2.1 A cláusula de não-indenizar
A cláusula de não-indenizar é instituída com o objetivo de permitir a um dos sujeitos contratantes subtrair-se às consequências patrimoniais advindas de um fato cuja responsabilidade deve arcar.
No âmbito do Direito Comum, a cláusula de não-indenizar depende do consentimento expresso dos sujeitos do contrato e correspondendo, a uma vantagem para todas as partes da relação contratual.
O Código do Consumidor, como norma de interesse público e de interesse social, não poderia permitir, como não permite, a estipulação de cláusula contratual neste aspecto.
Desta forma, o artigo 51, inciso I, do CDC dispõe serem nulas de pleno direito as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços, ou que impliquem renúncia ou disposição de direitos.
A órbita de proteção do consumidor quanto aos acidentes de consumo visa à tutela da integridade físico-psíquica dos consumidores; já na órbita de proteção quanto a incidentes de consumo tem como objetivo proteger a esfera meramente econômica do consumidor.
Desta forma, cláusulas que contiverem tal disposição são tidas como nulas de pleno direito, sendo ilegítima sua inclusão nas relações contratuais de consumo.
2.2. A cláusula de renúncia ou disposição de direitos
A cláusula de renúncia ou disposição de direitos foi inserida no inciso I do artigo 51 do CDC, também comina pena de nulidade de pleno direito às cláusulas contratuais ou de condições gerais de contratação que impliquem renúncia ou disposição de direitos por parte do consumidor.
Tal disposição de direitos é nula de pleno direito porque resultaria em um desequilíbrio entre as partes da relação de consumo.
2.3.A cláusula limitativa de indenização
Em uma análise contrário sensu são nulas de pleno direito as cláusulas limitativas da indenização ao consumidor-pessoa física, bem como ao consumidor-profissional liberal, portanto a norma retromencionada somente excepcionou a limitação contratual da indenização nas relações de consumo firmadas entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica e, mesmo assim, em situações justificáveis, o que deverá ser visto a cada caso concreto pelo julgador.
2.4. A cláusula de subtração da opção de reembolso da quantia paga
Essa cláusula vem expressa no artigo 51, em seu inciso II, do CDC, no sentido de nulidade de pleno direito das cláusulas contratuais que “subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia paga, nos casos previstos neste Código”.
O Código do Consumidor é expresso ao garantir o reembolso da quantia já paga. Como profere o artigo 53 “são nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado”.
Há também a disposição do artigo 18, §1º, inciso II, que disciplina a responsabilidade civil do fornecedor pelos vícios de qualidade por inadequação, ou pelos incidentes de consumo. Determina-se que, não sendo sanado o vício no prazo previsto, pode o consumidor exigir a imediata restituição da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
2.5 A cláusula de transferência de responsabilidade a terceiros.
A responsabilidade de eventuais danos gerados pelo produto ou serviço é do fornecedor, porque a relação contratual existe entre consumidor e fornecedor e não diz a respeito de terceiros, porque estes não atuam na relação de consumo. Tais situações são extremamente comuns em contratos turísticos, nos quais a fornecedora busca transferir a responsabilidade a terceiros, com os quais o consumidor não teve relação, como por exemplo, ao transportador aéreo por qualquer atraso de vôo.
A única exceção a tal disposição é ao que se refere ao contrato entre fornecedor e seguradora no qual é cabível a aplicação do artigo 80 do CPC, mas a denunciação a lide é expressamente proibida pelo Código de Defesa do Consumidor.
2.6 A cláusula de inversão prejudicial do ônus da prova.
Em questão probatória incumbe ao consumidor, como fato constitutivo do seu direito, a prova de seu dano e a prova do nexo de causalidade entre o dano e o produto ou serviço que adquiriu ou utilizou.
Incumbe ao fornecedor, como fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do consumidor, a prova de que não colocou o produto no mercado, ou da inexistência do vício de qualidade do produto ou do serviço ou a culpa exclusiva, previstas nos artigos 12, § 3º, e 14, § 3º do CDC, ou seja há uma inversão do ônus probatório em favor do consumidor, tal inversão é denominada pela doutrina de ônus probatório ope judici.
Desta forma, o consumidor há de provar apenas o nexo causal entre o dano e o produto adquirido.
No entanto, tal inversão se dará em conformidade com o art. 93, inciso, IX, da CF/88, casos em que o magistrado definirá o consumidor como hipossuficiente em relação ao fornecedor.
No entanto, cabe salientar que caso fortuito ou força maior não foram alencados como extensão da responsabilidade do fornecedor, sendo considerados no Direito Pátrio uma forma de isenção da responsabilidade.
Desta forma qualquer cláusula que viesse a ferir o preceito de inversão probatório do consumidor, será nula de pleno direito.
2.7 A cláusula em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor
O artigo 51, inciso XV, do CDC configura uma cláusula geral ao determinar que seja nula qualquer cláusula que estiver em desacordo como sistema de proteção ao consumidor, isso oferece uma margem de abertura ao magistrado para a atuação no caso concreto.
2.8 A cláusula de opção exclusiva à conclusão do contrato
Qualquer cláusula exclusivista, que estabelece unilateralmente direitos ou prerrogativas a apenas uma das partes, em detrimento da outra, ocorrendo o desequilíbrio da relação contratual, deve ser revista.
Assim é o caso de cláusulas que colocam a exclusividade de uma só das partes na rescisão da relação de consumo, pois será considerada como potestativa.
2.9 A cláusula de modificação unilateral do contrato
O artigo 51, inciso XIII, do CDC comina de nulidade cláusulas contratuais que “autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração”.
Qualquer cláusula com essa conotação deve ser revista, pois na relação contratual devem existir os preceitos de confiança mútua e boa-fé, ao faltar uma dessas poderá cominar na resolução por falta dos deveres jurídicos secundários.
Desta forma, a vedação à modificação unilateral de qualquer dispositivo inserto no instrumento garante a segurança negocial e a estabilidade jurídica.
3. Princípio da Paridade do CDC frente ao Código Civil de 2002.
Com o advento do Código Civil de 2002, foi questionada sua compatibilidade com o Código de Defesa do Consumidor. Porém, logo se verificou que apesar da especialidade do CDC, este era muito compatível com o CC/02, principalmente a consonância dos valores consagrados, existindo o que foi definido como o Diálogo entre as Fontes.
A doutrina classifica a compatibilidade entre os dois institutos sob três prismas: compatibilidade principiológica, conceitual e complementativa.
A primeira se deve aos princípios coexistentes entre o CDC e o CC/02, como o Princípio da Dignidade Humana, Eticidade, Socialidade, Operabilidade, mesmo que de forma implícita.
A segunda compatibilidade se deve as fontes normativas de caráter conceitual, desta forma se aplicam todos os preceitos basilares da parte geral do Código Civil que com o CDC for compatível.
E a última esfera e talvez mais importante é a complementativa, que visualiza a possibilidade da utilização do Código Civil na busca da proteção ao consumidor, como ocorre a aplicação do art. 413 do CC/02 nos contratos do consumidor, para a redução da cláusula penal quando esta for manifestadamente excessiva.
Outro caso interessantíssimo seria a atuação do art. 2035 do Código Civil de 2002, nos contratos do consumidor. O artigo se refere sobre a validade dos negócios e atos jurídicos, antes da entrada em vigor do código, que serão regidos pelas normas anteriores, em consonância com o tempus regit actum, mas ressalva sua atuação para os efeitos de tais negócios e atos.
O parágrafo único, do mesmo dispositivo legal, faz outra importantíssima ressalva, proferindo que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos pelo Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
Esta norma é muito relevante porque dispõe sobre a possibilidade de resolução de contratos, mesmo anteriores ao Código Civil se contrariarem os preceitos de ordem pública.
A indagação mais relevante ainda se dá em termos de Diálogo das Fontes. Poderia ser invocado o parágrafo único do art. 2035 para contratos de direito do consumidor mesmo antes da vigência do Código Civil de 2002? Pela interpretação principiológica acredita-se nesta possibilidade, por se tratar de preceito de ordem pública.
4. Conclusão
Hodiernamente, vê-se a grande atuação dos contratos de massa, sendo uma das partes hipossuficiente devido a sua mera aderência e a não possibilidade de discutir as cláusulas contratuais, resultando, assim, desequilíbrio entre os envolvidos.
Neste contexto, o Código de Defesa do Consumidor visa criar um sistema protetivo, relativizando o brocardo latino pacta sunt servanda, o contrato faz lei entre as partes, possibilitando sempre a aplicação do justo, através de revisões contratuais, e retirando efetivamente os efeitos de cláusulas nulas de pleno direito.
A antiga fórmula rebus sic stantibus visa à possibilidade de revisão contratual se este resultar em onerosidade excessiva para uma das partes, desequilíbrio contratual devido a fatos imprevisíveis, se houver ofensas a direitos da personalidade, a boa-fé objetiva e principalmente a função social do contrato. Trata-se de uma relação equilibrada definida pela Teoria da Base Objetiva.
Cabe ainda salientar que na prática jurídica pouco se utiliza a possibilidade de revisão contratual, vigorando o ânimo existente no Código de Defesa do Consumidor, para a criação de uma relação consumerista justa.
Referências
AZEVEDO, Antônio Junqueira. O princípio da boa-fé nos contratos. google. Disponível em: < http: //www.cjf.gov.br/revista/numero9/artigo7htm> Acessado em: 9 maio 2006.
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A revisão contratual no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002.
BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Trad. Fernando Miranda. Coimbra: Coimbra, 1969.
BONATTO, Cláudio. Código de defesa do consumidor: Cláusulas abusivas nas relações contratuais de consumo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
DINIZ, Maria Helena. Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2004.
GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIM, Antônio Herman. Código brasileiro de defesa ao consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
NERY JÚNIOR, Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
[1] NERY JÚNIOR, Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 429
[2] BONATTO, Cláudio. Código de defesa do consumidor: Cláusulas abusivas nas relações contratuais de consumo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 23.
[3] GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIM, Antônio Herman. Código brasileiro de defesa ao consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 6.
Bacharel pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-graduada pela Universidade Católica Dom Bosco. Procuradora Municipal de São Carlos/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Silvia Maria de Paula. Revisão contratual no CODECON Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jul 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50516/revisao-contratual-no-codecon. Acesso em: 13 nov 2024.
Por: ANNA BEATRIZ MENDES FURIA PAGANOTTI
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