RESUMO: O Direito no Brasil – assim como na maior parte dos países da América do Sul – é visto e exercido de modo essencialmente positivista, dando-se uma maior ênfase à norma em si e muitas vezes ignorando as suas entrelinhas. Desse modo, embora a hermenêutica seja um dos pilares do Direito enquanto campo do saber produtor de conhecimento é pouco utilizada exatamente por ser multifacetada; aspecto que incomoda bastante os profissionais que encaram as Ciências Jurídicas como uma técnica já pronta sem que haja espaço para discussões epistemológicas. Esse ponto de vista – lamentavelmente majoritário – está sendo derrubado aos poucos devido à nova perspectiva de construção social experimentada pelas Ciências Humanas nesse século XXI; e o Direito certamente não ficará fora desse cerco.
Palavras-chave: Hermenêutica –Direito – Interpretação Jurídica.
SUMÁRIO: Introdução; 1. Hermenêutica Jurídica: considerações gerais; 2. Distinção entre Hermenêutica e Interpretação; 3. Problema hermenêutico no cenário atual; Conclusão; Referências.
Introdução
Todos aqueles que se dedicam ao estudo das Ciências Jurídicas irão se deparar – em um momento ou outro – com a hermenêutica e a interpretação das normas, especialmente nas obras que tratam dos princípios norteadores de tal campo do saber. No entanto, grande parte dos estudiosos não trata com a devida atenção este tipo de recurso e acaba por dedicar seus maiores esforços para memorizar as normas em si, esquecendo-se que o legislador – assim como todos nós – é um ser humano capaz de errar e, obviamente, incapaz de prever todos os acontecimentos que se desenrolarão na sociedade ao longo do tempo. É por isso que a hermenêutica e a interpretação são tidos como pilares do Direito, e é necessário que aquele que se dispuser a operar tal ciência esteja aberto às discussões de cunho epistemológico sobre dignidade da pessoa humana, função social, boa-fé e ética, por exemplo, buscando sempre pensar no viés social das normas, afinal, devemos sempre partir do pressuposto que o Direito é uma forma de tornar a nossa convivência em grupo viável, e para tanto precisa de regras e princípios que sirvam para nortear o comportamento dos indivíduos em suas mais diversas interações sociais.
1. Hermenêutica Jurídica: considerações gerais
A hermenêutica é a teoria ou a arte da interpretação[1], é a tentativa de compreender uma questão em sua raiz mais profunda: seu ser, sua existência. Mais do que uma simples filosofia, a hermenêutica – a partir do século XX e a consequente modificação na abordagem do conhecimento –é uma ciência em ascensão e vem emprestar ao Direito o seu viés subjetivo na análise da linguagem; análise esta que vai muito mais além do que o significado gramatical dos vocábulos, estendendo-se até a sua unidade e genuinidade, com o intuito maior de provocar rupturas no conhecimento científico já estabelecido e pouco questionado.
Assim como tudo que se relaciona com a linguagem, a hermenêutica não escapa da temporalidade e da historicidade, o que a torna relativa e – principalmente -transitória. Essa última característica é o que contribui para que as visões positivistas ainda sejam largamente defendidas, pois tudo que é relativo acaba por gerar insegurança jurídica, porém deve ser ressaltado que é impossível viver em uma sociedade que está em constante modificação tanto na estrutura quanto nos valores e desejar que seu ordenamento e os princípios que o sustentam permaneçam intactos. Quando – e se – tal fenômeno ocorre, experimentamos uma anomia; ou seja: uma sociedade que possui controle social esmagador já que o mesmo não corresponde ao seu próprio ideal de padrão de comportamento.
É imprescindível ainda chamarmos a atenção para o motivo pelo qual não utilizamos definições clássicas da hermenêutica aplicada ao Direito, como as apresentadas pelos sábios Miguel Reale, Maria Helena Diniz e Paulo Nader. Nossa maior intenção é mostrar um novo viés para a hermenêutica, separando-a – quando necessário – da interpretação e para tanto nos utilizamos de novas fontes e estudos que estão sendo desenvolvidos na atualidade, pois os mesmos estão mais próximos das mudanças sociais e da aplicação epistemológica da hermenêutica a tais.
2. Distinção entre Hermenêutica e Interpretação
Embora a finalidade tanto da hermenêutica quanto da interpretação seja a mesma, é necessário que se mostre – mesmo que de modo tênue – a distinção entre ambas, já que em várias obras estes termos são utilizados como se sinônimos fossem[2].
A interpretação ocorre quando o aplicador do Direito entra em contato direto com a norma e, utilizando-se de técnicas bastante específicas, tem como objetivo atribuir qual o conteúdo e o seu verdadeiro significado. Já a hermenêutica é uma ciência muito mais abrangente de métodos e técnicas interpretativos. Em suma, a interpretação está contida na hermenêutica, sendo desta o viés técnico, enquanto que a hermenêutica – em seu misto de ciência e filosofia – possui uma abordagem muito mais profunda da linguagem e seus signos[3].
3. Problema hermenêutico no cenário atual
O maior problema da hermenêutica jurídica na atualidade é a forma com que a mesma é abordada ou, mais especificamente, o deixa de ser. Nossa sociedade ainda preza por fundamentações positivistas no tocante à justiça e suas motivações. Desse modo, exige-se que haja uma previsão legal para todos os fenômenos sociais que nos deparamos. Obviamente tal coisa seria impossível e transformaria o Direito em uma técnica, e não um campo que permite e convida à produção social do saber, de modo a incluir os indivíduos na escolha de seu destino. A hermenêutica existe para resolver tais conflitos que fogem à normalidade da lei. Todavia, faz-se mister lembrar que a utilização da hermenêutica como mecanismo de resolução de conflito não implica dizer que a decisão judicial será livre sem que precise haver motivação concreta.
Embora este seja um método de cunho subjetivo, não poderia deixa-lo ser tão livre a ponto de fugir da própria função social da norma. A grande questão é que poucos aplicadores do Direito conseguem ver, ou melhor, são capazes de encontrar e seguir essa linha tão delicada entre a utilização da hermenêutica e a decisão judicial impregnada de autotutela, e desse modo utilizam-se da vertente positivista: mais segura e mecânica, impregnada em nossa tradição.[4]
Conclusão
Estamos em uma sociedade em constante modificação de valores e paradigmas e, logicamente, a lei propriamente dita não pode acompanhar de perto tais mudanças, pois acabaria por gerar insegurança nos indivíduos quanto ao correto modo de agir. No entanto, o simples fato de não estar positivado não significa que um princípio não possa ser utilizado quando estamos diante de um caso concreto que não encontra apoio na norma escrita. Cabe ao aplicador do Direito o olho clínico e analítico para observar as entrelinhas das normas já existentes a fim de buscar o seu sentido primeiro, a sua contribuição para o bem-estar social. Desse modo, necessitamos de uma maior utilização da hermenêutica – especialmente quanto nos detemos ao estudo da nossa tão nova Constituição Federal – como dispositivo capaz de resolver conflitos. Tal mecanismo, observe, não se confunde com a vontade ou a consciência do aplicador do Direito, já que todas as decisões necessitam ser motivadas solidamente.
É por isso que precisamos de uma nova perspectiva sob a hermenêutica, mostrando todo o seu viés filosófico e as possibilidades que guarda em sua abrangência mista de filosofia e ciência. Para alcançarmos tanto precisamos nos desvincular mais do positivismo e da concepção clássica de hermenêutica como simples interpretação da norma (seja ela gramatical, teleológica, etc) e partir para uma visão mais independente e voltada para a efetiva aplicação social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução a Ciência do Direito. 21ª edição. Editora Saraiva, 2010.
GERA, Renata Coelho Padilha. HERMENÊUTICA JURÍDICA: Alguns aspectos relevantes da hermenêutica constitucional. Disponível em: http://www.panoptica.org/dezembro2006pdf/2HermenuticaConstitucional.pdf Acesso em: 03/09/2010.
KUMPEL, Vitor Frederico. Hermenêutica Jurídica. Coleção SOS – Sínteses Organizadas Saraiva. Editora Saraiva. 32ª edição
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 19ª edição. Editora Forense, 2007.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 32ª edição. Editora Forense, 2010
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª edição. Editora Saraiva, 2009
TEIXEIRA, Thiago Pinheiro. Hermenêutica. Portal Universo Jurídico. Disponível em:http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=1009Acesso em: 05/09/2010.
ZANIN, Fabrício Carlos. O que é hermenêutica?Instituto da Hermenêutica Jurídica Disponível em: http://www.ihj.org.brAcesso em: 31/08/2010.
[1] ZANIN, Fabrício Carlos. O que é hermenêutica?Disponível em:
[2] Um exemplo desse equívoco é a magnífica obra Lições preliminares de Direito, de autoria de Miguel Reale. Maria Helena Diníz, por sua vez, também não apresenta uma distinção em seu capítulo dedicado à hermenêutica jurídica.
[3] Signo aqui representa algo que está ali representando um outro elemento. As palavras, imagens e sons são exemplos de signos.
[4] Miguel Reale dedica importantes considerações sobre tal aspecto em sua obra supracitada, embora o mesmo pudesse ter se estendido mais em suas deliberações. No entanto, Paulo Nader em seu livro Introdução ao Estudo do Direito, faz uma interessante ponte entre Miguel Reale e Maria Helena Diníz, e portanto apresenta anotações mais concisas sobre tal tema.
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - PB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GILBERTO ALVES DE AZERêDO JúNIOR, . A hermenêutica como resolução de conflito aparente quando a norma não explicita seu objetivo real e primeiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jul 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50518/a-hermeneutica-como-resolucao-de-conflito-aparente-quando-a-norma-nao-explicita-seu-objetivo-real-e-primeiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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