RESUMO: O presente trabalho pretende analisar os conflitos entre a técnica e a política no setor da radiodifusão de sons e imagens no Brasil, com vistas a apresentar soluções aos problemas hoje enfrentados. Assim, a partir da breve descrição do modelo pátrio – com poderes de outorga e regulamentação exercidos exclusivamente pelo Ministério das Comunicações –, buscou-se evidenciar as falhas e acertos da opção adotada pelo constituinte de 1988. Uma vez assentados estes fundamentos, foi analisada em que medida é viável o modelo regulatório brasileiro, pautado na excessiva subordinação de escolhas puramentes técnicas aos anseios da política.
Palavras-chave: Radiodifusão de sons e imagens. Regulação. Agência reguladora. Poder Constituinte. Discricionariedade administrativa. Ponderação.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. PRIMEIRAS LINHAS SOBRE A RADIODIFUSÃO 2.1 Corte epistemológico: conceitos e objeto de estudo 2.2 Breve histórico do tratamento constitucional do tema 2.3. Espécies 2.3.1 Comercial 2.3.2 Educativa 2.3.3 Comunicativa 2.4 Análise funcional: finalidades constitucionais 3. O DIÁLOGO DO GÊNERO COM A ESPÉCIE: CONSTRUINDO ARGUMENTATIVAMENTE UMA ANÁLISE CRÍTICA DO MODELO ATUAL 3.1 Opção Política: tratamento diferenciado da espécie 3.2 Aspectos Positivos da Inserção de Escolhas Políticas 3.2.1 Nacionalização do Conteúdo em Horário Nobre 3.2.2 Imunidade Tributária do Material Veiculado 3.3 Aspectos Negativos da Inserção de Escolhas Políticas 3.3.1 Direito Administrativo do Espetáculo e a concentração de Poder 3.3.2 Flagrantes Casos de Malversação da Coisa Pública 3.3.3 Incompatibilidade: Radiodifusão x Telecomunicações 4. CONCLUSÃO 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
O Direito contemporâneo tem demonstrado que a dignidade da pessoa humana não se restringe à garantia do mínimo existencial. Não basta a isonomia material, quando inexiste a prerrogativa de uma existência política. Por tais razões, Hannah Arendt destaca a relevância da action (ação) e do speech (discurso) na concretização do supracitado princípio.
Nessa toada, a radiodifusão – como grande propulsora de informações e formadora de opinião – apresenta relevante papel, não podendo ser ignorada. É que a qualidade, a quantidade e o alcance do conteúdo disponibilizado pelos meios de comunicação determinam a formação de uma sociedade esclarecida e de seres humanos dotados do que Arendt chama de Vita Activa.
Com efeito, o avassalador desenvolvimento das telecomunicações no último século democratizou e simplificou o acesso à informação. Em recente pesquisa do IBGE[1] foi constatado que 97,2% dos lares brasileiros possui televisão, dado que revela a grande capilaridade e abrangência do serviço prestado.
Nesses termos, acena com relevância o tema da gestão dos serviços de radiodifusão no Brasil. Isso porque, constitucionalmente alçada ao status de serviço público (CRFB, Art. 21, XII, a), a atividade ainda suscita muitos debates nos campos prático e teórico.
O presente trabalho pretende apresentar o modelo contemporâneo de administração da atividade no país, levando em conta dois principais aspectos. De um lado, no campo normativo, o status constitucional dado à matéria, acompanhado de extensa regulamentação legal. De outro, no campo social, a importância de tal serviço na realidade brasileira.
Ademais- porque o Direito não é um sistema fechado como pretendia o positivismo de Kelsen-, também é objetivo deste trabalho abordar a comunicação da ciência jurídica com as demandas da sociedade. Por que o constituinte de 1988 fez opção expressa pela existência de um serviço público de televisão? Quais os danos à coletividade quando tal atividade não é prestada e gerida de forma impessoal e eficiente, como preconiza o artigo 37, da Carta Política?
2.1 Corte Epistemológico: conceitos e objeto de estudo
De início, parece necessário tecer algumas considerações gerais sobre o tema, a fim de fornecer ao leitor as premissas básicas que envolvem a atividade da radiodifusão de sons e imagens no Brasil. Assim, importa a realização de uma breve exposição conceitual para, em seguida, identificarmos com maior conforto o objeto do presente estudo.
Nesse aspecto, pode-se dizer que o legislador ordinário foi extremamente detalhista, trazendo a conceituação da maior parte dos institutos jurídicos no texto legal. Em que pese a crítica a essa postura descritiva do legislador – a quem caberia tão somente inovar na ordem jurídica –, fato é que não se pode desprezar os subsídios dela decorrentes.
O gênero das telecomunicações é definido pela Lei Geral de Telecomunicações como conjunto de atividades que possibilita a oferta “de transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza” (Lei 9.472/97, artigo 60, caput, §1º). Logo, pode-se afirmar com tranquilidade que a telefonia, o rádio, a televisão e a transmissão de dados através de computadores são espécies do gênero descrito pela Lei 9.472/97.
Ademais, as telecomunicações podem ser classificadas segundo dois critérios: quanto à abrangência de interesses a que atendem e quanto ao regime jurídico de sua prestação. Conforme o primeiro critério, a atividade se divide em interesse coletivo e interesse restrito. Já quanto ao segundo – de maior relevo para o presente trabalho –, há divisão em público, privado e concomitante.
O exercício da atividade prestada em regime jurídico público ocorrerá mediante “concessão ou permissão, com atribuição a sua prestadora de obrigações de universalização[2] e de continuidade[3]” (Lei 9.472/97, artigo 63, p.ú.). Por outro lado, o serviço de telecomunicação em regime jurídico privado é conceito residual, sendo outorgado por meio de autorização. Por fim, o serviço de telecomunicação em regime jurídico concomitante é aquele que permite a coexistência de ambas modalidades – pública e privada – no curso da atividade.
Segundo a lei, “comportarão prestação no regime público as modalidades de serviço de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar” (Lei 9.472/97, artigo 64, caput).
Há, portanto, a possibilidade de outorga do serviço por três instrumentos específicos: concessão[4], permissão[5] e autorização[6]. Além disso, a legislação brasileira exige também a específica autorização[7] de uso de bem público administrado pela ANATEL, qual seja, o espectro de radiofrequências (CRFB, artigo 20, inciso I c/c Lei 9.472/97, artigo 64, caput).
É que o uso de radiofreqüência, tendo ou não caráter de exclusividade, dependerá de prévia outorga da Agência, mediante autorização, nos termos da regulamentação (Lei nº 9.472/97, artigo 163, caput). Vale dizer: este procedimento somente poderá ser afastado quando o uso se der por meio de equipamentos de radiação restrita ou ainda se o uso for destinado a fins exclusivamente militares (Lei nº 9.472/97, artigo 163, §2º). Afora tais hipóteses, a escassez deste bem público impõe o controle de sua exploração, por meio de certame licitatório presidido pela ANATEL.
Em outras palavras, o exercício da atividade de telecomunicações no Brasil depende de dois atos e/ou contratos administrativos: um de outorga do bem público e outro de outorga do próprio serviço, ambos intrinsecamente vinculados. Em todos estes casos há previsão legal do procedimento licitatório (Lei 9.472/97, artigos 88, 119, 136, §2º e 164, inciso I).
As normas acima expostas aplicam-se, via de regra, a todas as espécies das telecomunicações. Não obstante, tendo em mente o objeto do presente trabalho, interessa concentrar esforços no estudo dos serviços de rádio e de televisão.
Nesse particular, subsistem dois regimes jurídicos distintos: a radiodifusão, vulgarmente conhecida como “televisão aberta”; e o serviço de acesso condicionado (SeAC), frequentemente confundido com a “televisão a cabo”[8]. Enquanto o primeiro é regulamentado pela lei 4.117/1963 e segue o regime jurídico público; o segundo é veiculado pela recente lei 12.485/11 e se orienta segundo o regime jurídico privado.
Assim, diante da concorrência de dois regimes distintos na atividade de televisão e rádio, é possível afirmar que se trata de serviço de telecomunicação concomitante, conforme já abordado anteriormente. Por tal razão, devem ser adotadas medidas que impeçam a inviabilidade econômica de sua prestação no regime jurídico público (Lei nº 9.472/97, artigo 66).
O Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) é definido por lei como o “serviço de telecomunicações de interesse coletivo prestado no regime privado, cuja recepção é condicionada à contratação remunerada por assinantes e destinado à distribuição de conteúdos audiovisuais na forma de pacotes, de canais nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado e de canais de distribuição obrigatória, por meio de tecnologias, processos, meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer” (Lei 12.485/11, artigo 2º, VI).
Há, por assim dizer, quatro subespécies de serviços englobados pelo SeAC, a saber: pacotes[9], canais na modalidade avulsa de programação[10], canais na modalidade avulsa de conteúdo programado[11] e canais de distribuição obrigatória[12]. Todos eles são prestados em regime privado, mediante a contratação remunerada por assinantes.
Ao lado desta atividade, aparece a radiodifusão, que “compreende os serviços destinados a serem recebidos direta e livremente pelo público em geral e é dividida em radiodifusão sonora (rádio) e radiodifusão de sons e imagens (televisão).”[13] Tal atividade poderá ser prestada diretamente pela União, ou outorgada por meio de concessão, de permissão ou de autorização (Lei 4.117/63, artigo 32). Trata-se, assim, de serviço de telecomunicação de interesse coletivo prestado no regime jurídico público, sendo inteiramente livre e gratuito o seu acesso.
O presente trabalho pretende, portanto, se debruçar sobre a atividade de radiodifusão de sons e imagens, especificamente no que toca a estremecida relação entre a política e a técnica em sua regulação. Para tanto, essencial que o leitor atente às fronteiras criteriosamente estabelecidas entre esta, o Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) e o gênero das telecomunicações.
2.2 Breve histórico do tratamento constitucional do tema
Identificado o objeto deste trabalho, será realizada a partir de agora uma breve introdução acerca do desenvolvimento histórico do instituto na legislação brasileira. O objetivo é esclarecer ao leitor como chegamos ao panorama atual, mostrando as evoluções e os retrocessos vividos ao longo de mais de oito décadas de construção do arcabouço jurídico da atividade.
Pois bem. A radiodifusão de sons e imagens foi regulamentada no Brasil, pela primeira vez, em 1931, por meio do Decreto nº 20.047/1931, assinado pelo então Presidente da República Getúlio Vargas. Logo em seu primeiro artigo é fixada a competência exclusiva da União sobre a atividade, quadro que não se alterou até os dias atuais.
Aliás, aqui já se percebe a influência de opções políticas em aspectos puramente técnicos atinentes ao setor. Curiosamente, a atividade é considerada “de interesse nacional e de finalidade educacional” (artigo 12, caput). A concessão é conferida pela União, observadas “todas as exigências educacionais e técnicas que forem estabelecidas pelo Governo Federal” (artigo 12, §2º). Ademais, opta-se pela obrigatoriedade de exibição de conteúdo nacional e regional pelas estações transmissoras (artigo 12, § 4º), além de se consignar expressamente que a “fiscalização técnica [das estações] competirá ao Ministério da Viação e Obras Públicas” (artigo 12, §3º).
Não obstante a concentração das decisões em órgão da própria administração direta, é autorizada a criação de Comissão Técnica de Rádio, a qual compete assessoramento de praticamente todas as atividades no setor (artigo 28). Ainda assim, em afronta à independência da comissão, a escolha de seus três integrantes é feita pelos próprios ministros da Viação e Obras Públicas, do Exército, e da Marinha (artigo 29).
Em 01.03.1932, foi promulgado então o Decreto nº 21.111/1932, o qual trazia normas específicas sobre a “execução do serviço de radiocomunicação” no Brasil. Dentre as inovações, merecem nota: (i) a definição do processo de outorga de concessão e permissão sem previsão de certame licitatório (artigos 16 a 22); (ii) a fixação de duração máxima de dez anos para estas outorgas, com possibilidade de renovação a juízo do governo (artigo 16, §1º, c); (iii) a enunciação de hipóteses de extinção antecipada das outorgas também a juízo do governo (artigo 26); (iv) a reserva de mercado de trabalho a brasileiros (artigo 16, §1º, d); (v) a especificação das atribuições da Comissão Técnica de Rádio (artigo 36), classificada como subordinada ao ministro da Viação e Obras Públicas (artigo 37, caput) e responsabilizada pelo ensino e habilitação dos técnicos e operadores do setor (artigos 74 a 83).
Nesta legislação também é veiculado controle sobre o conteúdo da programação. O Governo federal faculta a exibição de programas regionais (artigo 70), ao passo que impõe a transmissão de programas nacionais “destinado(s) a ser(em) ouvido(s), ao mesmo tempo, em todo o território do país, em horas determinadas, e versará sobre assuntos educacionais, de ordem política, social, religiosa, econômica, financeira, científica e artística” (artigo 69). Outrossim, limita a publicidade ao período máximo de dez por cento (10%) do tempo total de irradiação de cada programa, sendo que cada propaganda, individualmente considerada, não poderia durar mais do que trinta segundos (artigo 73).
A relevância política do serviço fez com que o constituinte de 1934 tornasse constitucional a previsão da competência privativa da União para “explorar ou dar em concessão os serviços de telégrafos, radiocomunicação (...)” (artigo 5º, VIII)[14]. Nesse ponto, concluem os estudiosos sobre o tema[15]:
Assim, firmava-se o entendimento da aplicabilidade do trusteeship model, modelo segundo o qual existe responsabilidade governamental em organizar de forma racional o espectro radioelétrico, podendo o próprio Estado operar os serviços de radiodifusão, ou transferir esta responsabilidade a um agente privado, por meio de uma outorga pública. Também se consolidava um modelo de gestão de espectro muito semelhante ao command-and-control norte americano, que condicionava a utilização de ondas de rádio à emissão de uma licença, na qual estão estabelecidos os termos nos quais se fará esse uso.
Após, as autoritárias constituições de 1937 e de 1967 adotaram mecanismos de restrição aos meios de comunicação. A primeira estabelecia a possibilidade de censura prévia “com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública” (artigo 122, XV, a); já a segunda previa a possibilidade de lei ordinária criar condições de organização e funcionamento das estações de radiodifusão “no interesse do regime democrático e do combate à subversão e à corrupção” (artigo 166, §2º[16]).
Aliás, a carta de 1946 também torna constitucional a matéria referente à reserva do mercado para nacionais, vedando a propriedade de empresas de radiodifusão “a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros”, além de fixar que a brasileiros “caberá, exclusivamente, a responsabilidade principal delas [empresas de radiodifusão] e a sua orientação intelectual e administrativa” (artigo 160).
Paralelamente, no plano infraconstitucional, se deu considerável proliferação de normas a regulamentar o setor, fenômeno afeto a matérias de grande repercussão política, econômica e social. Sucede que isto gerava relevante insegurança jurídica, o que ocasionou movimento de consolidação legislativa em um único marco regulatório. Foi assim que, em 1963, foi promulgado o Código Brasileiro de Telecomunicações (lei nº 4.117/63), regulamentado pelo decreto nº 52.795/1963.
O grande mérito da então inovadora legislação foi tratar de forma uniforme todo o gênero das telecomunicações, revogando as disposições anteriores, inclusive os decretos nº 20.047/1931 e 21.111/1932. Assim, a Comissão Técnica de Rádio foi substituída pelo Conselho Nacional de Telecomunicações (artigo 116), que passou a gerir todas as questões técnicas do setor (artigo 29), muito embora ainda “diretamente subordinado ao Presidente da República” (artigo 14).
Os prazos de outorga do serviço de televisão foram aumentados para 15 anos, não obstante a renovação ainda dependesse de juízo político, conforme se extrai do artigo 33, §3º: “se os concessionários houverem cumprido todas as obrigações legais e contratuais, mantido a mesma idoneidade técnica, financeira e moral, e atendido o interesse público”.
Quanto ao procedimento de outorga, ainda não se faz referência expressa à licitação, em que pese seja prevista a divulgação de edital pelo supracitado Conselho (artigo 34, caput). A competência exclusiva para concessão ou permissão do serviço é do chefe do Poder Executivo (artigo 34, §1º), ressalvada a hipótese de autorização de serviços de radiodifusão de caráter local (artigo 33, §5º), que poderia ser outorgada diretamente pelo Conselho.
No que tange especificamente à radiodifusão, o Código afirma, em parte ainda hoje vigente, que “estão subordinadas às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão, visando aos superiores interesses do País” (artigo 38, d). Obriga ainda que 5% (cinco por cento) do tempo de transmissão seja destinado ao serviço noticioso (artigo 38, h) e que, especificamente no caso dos rádios, o período de 19 às 20 horas seja reservado à retransmissão do programa oficial de informações dos Poderes da República (artigo 38, e). Por fim, assegura que diretores e gerentes das empresas de radiodifusão sejam brasileiros natos (artigo 38, a), excluídos aqueles no gozo de imunidade parlamentar ou foro privilegiado (artigo 38, p.ú.). Houve, ainda, inédita autorização para criação de empresa pública federal apta a exercer diretamente atividades no setor das telecomunicações (artigo 42).
Não obstante a relativa oxigenação do setor – com a participação mais ampla do Conselho Nacional de Telecomunicações –, o recrudescimento do regime militar deu origem ao Decreto-lei nº 236/68, o qual tinha claro intuito de adaptar a lei nº 4.117/63 aos interesses da segurança nacional. Com isso, centralizou-se ainda mais o sistema em torno do chefe do Poder Executivo.
Desse modo, houve alargamento das hipóteses de recurso ao Presidente da República quanto às deliberações tomadas pelo Conselho Nacional de Telecomunicações, antes restritas àquelas decisões não unânimes (nova redação do artigo 24, da lei nº 4.117/63). Ademais, foram positivados novos tipos penais e enrijecidos aqueles já existentes no Código.
Por outro lado, foi criada a modalidade educativa de rádio e televisão (artigo 13, Decreto-Lei nº 236/68), ao lado da pré-existente modalidade comercial. Aliás, esta última passou a ter de vincular cinco horas semanais de sua transmissão a programas educacionais, sempre no horário entre sete e dezessete horas. (artigo 16, Decreto-Lei nº 236/68).
Em que pese todas as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 236/68, seguramente foi o Decreto-Lei 200/1967 que trouxe a mais relevante inovação na atividade – para os dias atuais – durante todo o regime militar: a criação do Ministério das Comunicações (artigo 199, III) como órgão do Poder Executivo competente para regular o setor das telecomunicações (artigo 39). Assim, o Conselho Nacional das Telecomunicações passou a ser parte integrante do recém-criado ministério, como órgão normativo, de consulta, orientação e elaboração da política nacional de telecomunicações (artigo 165).
No mais, em 1983 foi expedido o Decreto nº 88.066, que resgatou parcela da atribuição do Ministério das Comunicações ao Poder Executivo central, freando a desconcentração do setor. Segundo a disciplina normativa (artigo 6º), os pedidos de renovação das concessões e permissões de serviços de radiodifusão de sons e imagens (exclusivamente televisão) deveriam ser apreciadas diretamente pela Presidência da República, após instrução do Ministério das Comunicações. No que tange a atividade de radiodifusão de sons (rádio), esta permanecia na esfera decisória do órgão ministerial.
Portanto, observa-se uma constante em toda história brasileira: a grande concentração da regulação do setor pelo Poder Executivo federal, sem participação efetiva de outros poderes ou mesmo de outras pessoas jurídicas de direito público. Mesmo os órgãos técnicos criados (Comissão Técnica de Rádio e Conselho Nacional de Telecomunicações) eram subordinados diretamente ao Poder Executivo, o que prejudicava os influxos da técnica no setor. Ademais, o procedimento licitatório inexistiu durante todo o período narrado.
Nesse contexto, é que surge a disciplina da Constituição de 1988, comprometida com a redemocratização do país, após longo período de ditadura militar. Como se poderá analisar mais a fundo ao longo do trabalho, o constituinte trouxe salutares modificações no regime legislativo da atividade, não obstante tenha mantido a competência exclusiva do Poder Executivo federal para a outorga do serviço de radiodifusão (artigo 223, caput).
Aliás, como também será oportunamente tratado, a Emenda Constitucional nº 08/95 cindiu definitivamente o modelo regulatório do setor da radiodifusão frente ao gênero das telecomunicações, abrindo caminho para a criação da ANATEL, agência reguladora da atividade (lei nº 9.472/97).
Com efeito, embora esta autarquia sob regime especial não tenha descentralizado a atividade de outorga do serviço de radiodifusão (artigo 211), passou a atuar na elaboração e gestão dos planos de canais e na fiscalização da utilização do espectro radioelétrico do setor. Importa mencionar que a lei geral de telecomunicações (lei nº 9.472/97) não revogou a lei nº 4.117/63 “quanto aos preceitos relativos à radiodifusão” (artigo 215, I). Tudo isto será objeto de detida análise mais a frente.
Com o advento da Constituição Cidadã, surge em 1998 uma terceira modalidade de serviço de radiodifusão, a comunitária (lei nº 9.612/98), a qual pretende difundir a regionalização do serviço de radiodifusão prestado, atendendo aos ditames constitucionais. Por fim, talvez a última norma de relevo no setor da radiodifusão, foi a lei nº 11.652/08, que autorizou a criação da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), pessoa jurídica responsável pelo desenvolvimento da radiodifusão pública no país.
Analisado todo o desenrolar da história legislativa incidente no setor, passemos a estudar de forma pormenorizada a moldura normativa atual e de que forma ela contribui para a proliferação dos conflitos entre a técnica e a política no setor regulado.
2.3 Espécies de atividade de radiodifusão de sons e imagens
2.3.1 Comercial
Esta é a mais antiga espécie de outorga da atividade, e se distingue das outras pela sua onerosidade indireta. Explico: muito embora os usuários não remunerem diretamente a empresa, há contrapartida financeira por meio da exploração comercial de espaços publicitários, respeitados os limites da lei[17].
Segundo o artigo 7º, do Decreto nº 52.795/63 podem ser titulares deste serviço a União, os Estados, os Municípios, as Universidades, as fundações e as sociedades anônimas ou de responsabilidade limitada, na forma do artigo 222, §1º da Constituição Federal de 1988.
Como já analisado no tópico precedente, durante muito tempo não houve qualquer previsão legal de procedimento licitatório no setor, tornando o terreno das outorgas extremamente pantanoso e subordinado aos sabores da política. Esta situação apenas se modificou com os Decretos nº 1.720/95 e nº 2.108/96, quando já vigente há mais de sete anos a cláusula constitucional de obrigatoriedade do procedimento licitatório (CRFB, artigo 37, XXI).
A licitação deve ocorrer na modalidade de concorrência do tipo técnica e preço e se inicia com a provocação do interessado junto ao Ministério das Comunicações. Este órgão, em decisão discricionária, poderá formular edital para o serviço e localidade pretendidos, o qual deve seguir os requisitos do artigo 13, do Decreto nº 52.795/63.
O certame se iniciará com a abertura dos envelopes referentes à habilitação, seguido da verificação das propostas técnicas e finalizado com a análise das propostas financeiras. Por assim dizer, decorre da aplicação das regras gerais da lei 8.666/93.
Não obstante o atendimento à exigência constitucional, a modalidade de concorrência do tipo técnica e preço no setor gerou críticas por parte dos estudiosos do tema. Segundo Cristiano Lopes[18]:
Mas, se por um lado o estabelecimento de obrigatoriedade para a licitação de outorgas de radiodifusão era uma velha demanda dos que militam pela democratização das comunicações, por outro existia o risco iminente de se trocar um critério excludente por outro igualmente excludente. Sairia (ou deveria sair) de cena o critério político até então vigente, e no lugar entraria a lei do mais forte economicamente. Esse possível império de um critério absolutamente tecnicista, sem interferência do interesse público, pode levar, em última instância, a uma ameaça à própria estrutura da democracia representativa.
Desse modo, o autor critica o excessivo formalismo do procedimento licitatório, que torna exígua a interferência de fenômenos políticos na atividade de outorga. Ademais, assevera ser falaciosa a afirmativa de que com isso torna-se a decisão impessoal e técnica.
Em levantamento realizado sobre todas as outorgas feitas pelo Ministério das Comunicações desde 1997 até 2008, assegura que 90,67% dos concorrentes em licitações para a outorga de serviços de radiodifusão atingiram a pontuação máxima em todos os quesitos de avaliação; 3,19% receberam nota quase máxima – entre 99 e 99,999; outros 3,17% foram avaliados com notas entre 95 e 98,999; e apenas 2,20% receberam notas inferiores a 90[19]. Diante desses dados, concluiu o pesquisador que a facilidade de se atingir a nota máxima no quesito técnico, torna o critério menor preço excessivamente relevante, contribuindo para a concentração econômica no setor.
Não obstante as pertinentes críticas, o modelo licitatório é imposto pela Constituição da República e reflete, sim, em uma escolha impessoal e pautada em critérios objetivos. Em outras palavras, embora contenha falhas, o modelo licitatório revela-se melhor do que a sistemática pretérita, excessivamente subjetiva e arbitrária.
Por fim, impende citar alguns dados relevantes sobre a distribuição de outorgas de natureza comercial pelo Brasil. Até setembro de 2014, segundo dados da ANATEL[20], o estado do Rio de Janeiro apenas contava com 13 empresas geradoras e 364 retransmissoras; ao passo que o estado de São Paulo contava com 47 geradoras e 1.545 retransmissoras.
2.3.2 Educativa
A radiodifusão educativa foi criada pelo Decreto-Lei nº 236/1967, sendo voltada à transmissão de programas exclusivamente educativo-culturais, não podendo ter caráter comercial nem fins lucrativos. Aliás, também o Decreto nº 2.108/1996 e a Portaria Interministerial nº 651/1999 formam o arcabouço regulamentar da matéria.
Segundo a legislação vigente, apenas poderão exercer esta atividade pessoas jurídicas de direito público interno, fundações de direito privado e instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada, com sede no Brasil e credenciadas pelo Ministério da Educação.
Há expressa previsão legal de dispensa para esta modalidade de outorga (Decreto nº 2.108/96, artigo 13, XV, §1º), a qual se dá mediante procedimento administrativo seletivo, iniciado a partir da publicação de edital de seleção pública no Diário Oficial da União. A escolha dos agraciados, portanto, ocorrerá por decisão discricionária do ministro das comunicações.
Segundo levantamento realizado pela ANATEL[21], esta é a modalidade menos difundida no país. O estado do Rio de Janeiro possui tão somente 7 empresas de televisão geradoras e 64 retransmissoras; ao passo que o estado de São Paulo detém 41 geradoras e 302 retransmissoras. Em alguns estados da região Norte, a situação é crítica: o Amapá possui apenas 2 empresas geradoras e nenhuma retransmissora, já Roraima detém apenas 1 geradora e 1 restransmissora.
2.3.3 Comunitária
A radiodifusão com fins comunitários, por sua vez, é regulamentada pela Lei 9.612/98, pelo decreto nº. 2.615/1998, pela portaria nº 4.334/2015 do Ministério das Comunicações e pelo Plano Nacional de Outorgas. A extensa disciplina normativa sobre o tema demonstra a preocupação com a transparência e eficiência das outorgas firmadas.
Como já analisado anteriormente, esta é a mais recente modalidade instituída no setor, sendo definida como “a radiodifusão sonora, em freqüência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço.” (Lei 9.612/98, artigo 1º, caput).
Aqui cabe tecer alguns esclarecimentos quanto ao sentido de “baixa potência” e “cobertura restrita”, elementos que singularizam a espécie em análise. Segundo a lei, serviço de baixa potência é todo aquele “prestado a comunidade, com potência limitada a um máximo de 25 watts ERP e altura do sistema irradiante não superior a trinta metros” (Lei 9.612/98, artigo 1º, §1º). Já cobertura restrita é aquela “destinada ao atendimento de determinada comunidade de um bairro e/ou vila” (Lei 9.612/98, artigo 1º, §2º).
A lei busca restringir os legitimados ao exercício da atividade às “fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação de serviço”. O estatuto social das entidades de radiodifusão comunitária deve assegurar a livre manifestação de qualquer cidadão domiciliado na área de execução do serviço (Lei 9.612/98, artigo 3º, §3º), além de criar um Conselho Comunitário, composto por no mínimo cinco integrantes representativos da comunidade atendida, cujo objetivo será acompanhar a programação da emissora (Lei 9.612/98, artigo 8º, caput).
É expressamente vedada a cessão de horários da programação a outras empresas de radiodifusão (Lei 9.612/98, artigo 19, caput). Além disso, se exige que os dirigentes sejam brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos e que detenham domicílio na área da comunidade atendida (Lei 9.612/98, artigo 7º, caput e p.ú.).
A rigor, todos os mecanismos legislativos supramencionados demonstram o inequívoco intuito do legislador em garantir a ampla participação da comunidade atendida, tanto na administração, quanto na programação da emissora.
No que tange ao procedimento administrativo de outorga, aqui também não há previsão quanto à licitação. Assim, em caso de pluralidade de propostas, o legislador exige que o Ministério das Comunicações estimule a associação entre os concorrentes. Caso não seja possível o acordo, o critério preponderante de escolha será o da “representatividade” da pessoa jurídica na área em que pretender gerir a atividade (Lei 9.612/98, artigo 9º, §5º).
Segundo o artigo 32, da Portaria nº 4.334/2015 expedida pelo Ministério das Comunicações, este quesito será aferido a partir da contagem das manifestações em apoio por pessoas jurídicas sem fins lucrativos que tenham domicílio na área pretendida para a prestação do serviço. O manifesto de pessoas físicas apenas surtirá efeito, quando necessário ao desempate entre os concorrentes.
Enfim, no que concerne ao levantamento de dados levado a cabo pela ANATEL[22] é clara a maior difusão desta modalidade. Em dezessete anos de existência, já ultrapassa com folga o número de outorgas com fins educativos. No estado do Rio de Janeiro há 126 contratos em andamento; em São Paulo, são 592 empresas no exercício da atividade.
Especificamente no município do Rio de Janeiro são relacionadas, dentre outras, as seguintes entidades autorizadas: Associação Comunitária Amigos Da Zona Oeste (ACAZO), União Comunitária Assistencial de Realengo e Adjacências, Associação Comunitária Nossa Senhora de Copacabana, Associação Difusora Comunitária do Catete e BICUDA- Associação em Defesa da Qualidade de Vida do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico Cultural e Artistico.
2.4 Análise funcional: finalidades constitucionais
A Constituição de 1988, inovando em relação às anteriores, inaugurou capítulo específico a tratar da “Comunicação Social”. Por certo, diante do processo de redemocratização que se vivia, a tutela da liberdade de expressão e de informação se fazia essencial. Por tal razão, o constituinte reservou nada menos do que quatro detalhados dispositivos para tratar dos meios de comunicação.
No artigo 221, da Carta Política são expressamente enumerados os princípios que regem a matéria: (i) preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; (ii) promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; (iii) regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; (iv) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Este dispositivo merece algumas observações quanto à sua redação e às terminologias adotadas.
Em primeiro lugar, utilizou-se da expressão “princípios”. Como sabido, os princípios revelam comandos de otimização, que são atendidos em maior ou menor grau, a depender da realidade fática (possibilidade real) e do cotejo com as demais normas constitucionais (possibilidade jurídica)[23]. Em outros termos, revelam as finalidades que o poder constituinte originário pretende concretizar no mundo dos fatos.
Demais disso, o caput do artigo 221 se utiliza da expressão “emissoras de rádio e televisão”, não distinguindo a radiodifusão do serviço de acesso condicionado (SeAC). Conforme clássica regra interpretativa: quando a norma não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo. Em outras palavras, estes princípios são aplicáveis tanto às emissoras de rádio e televisão que prestam serviço gratuito, quanto àquelas que o fazem onerosamente.
Não à toa, o legislador infraconstitucional reproduziu muitos destes princípios nas normas referentes à radiodifusão e ao serviço de acesso condicionado. O artigo 3º, da lei 12.485/2011 enumera dentre suas metas: (i) liberdade de expressão e de acesso à informação; (ii) promoção da diversidade cultural e das fontes de informação, produção e programação; (iii) promoção da língua portuguesa e da cultura brasileira; (iv) estímulo à produção independente e regional; (v) estímulo ao desenvolvimento social e econômico do País; (vi) liberdade de iniciativa, mínima intervenção da administração pública e defesa da concorrência por meio da livre, justa e ampla competição e da vedação ao monopólio e oligopólio.
Já o setor da radiodifusão, embora substancialmente regulamentado por legislação anterior à Constituição de 1988 (lei 4.117/63), possui normas recentes que ratificam a vontade do poder constituinte originário. A lei 9.612/98, que cria a modalidade comunitária, praticamente reproduz o dispositivo constitucional em seu artigo 4º: (i) preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas em benefício do desenvolvimento geral da comunidade; (ii) promoção das atividades artísticas e jornalísticas na comunidade e da integração dos membros da comunidade atendida; (iii) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, favorecendo a integração dos membros da comunidade atendida; (iv) não discriminação de raça, religião, sexo, preferências sexuais, convicções político-ideológico-partidárias e condição social nas relações comunitárias.
Nesta mesma linha, o artigo 3º, da lei 11.652/08, que reformula a radiodifusão pública no país, volta a enaltecer os mesmos princípios apontados pelo constituinte de 1988: (i) oferecer mecanismos para debate público acerca de temas de relevância nacional e internacional; (ii) desenvolver a consciência crítica do cidadão, mediante programação educativa, artística, cultural, informativa, científica e promotora de cidadania; (iii) fomentar a construção da cidadania, a consolidação da democracia e a participação na sociedade, garantindo o direito à informação, à livre expressão do pensamento, à criação e à comunicação; (iv) cooperar com os processos educacionais e de formação do cidadão; (v) apoiar processos de inclusão social e socialização da produção de conhecimento garantindo espaços para exibição de produções regionais e independentes; (vi) buscar excelência em conteúdos e linguagens e desenvolver formatos criativos e inovadores, constituindo-se em centro de inovação e formação de talentos; (vii) direcionar sua produção e programação pelas finalidades educativas, artísticas, culturais, informativas, científicas e promotoras da cidadania, sem com isso retirar seu caráter competitivo na busca do interesse do maior número de ouvintes ou telespectadores; (viii) promover parcerias e fomentar produção audiovisual nacional, contribuindo para a expansão de sua produção e difusão; (ix) estimular a produção e garantir a veiculação, inclusive na rede mundial de computadores, de conteúdos interativos, especialmente aqueles voltados para a universalização da prestação de serviços públicos.
Em terceiro e derradeiro lugar, no que tange ao conteúdo específico dos incisos do artigo 221, CRFB verifica-se uma constante: o teor eminentemente político e fluido das proposições. Por evidente que, em se tratando de norma constitucional, não poderia se esperar postura diversa do legislador. O que se questiona – e se pretende averiguar a partir de agora – são as causas e os efeitos decorrentes do ingresso de forças e influências políticas em uma atividade que, a rigor, dependeria também de normas técnicas.
A atividade das telecomunicações foi constitucionalmente alçada ao status de serviço público a ser prestado direta ou indiretamente pela União. Ora, todo serviço público deve ser destinado à consecução dos interesses da coletividade, não sendo outro o objetivo do constituinte de 1988 quando tal categorização reservou à atividade.
Como já dito e repetido, a telecomunicação é gênero, do qual a radiodifusão é mera espécie. Portanto, à primeira vista, seria crível afirmar que esta acompanharia a disciplina constitucional daquela. Não obstante, se observada de forma minudente, a Constituição da República deixa transparecer o tratamento diferenciado reservado à matéria da radiodifusão.
Já em seu texto originário, o artigo 223 reproduzia normas constantes do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/63), em sua disciplina sobre a atividade de radiodifusão. Por assim dizer, o constituinte destinou ao Poder Executivo a outorga e renovação da concessão, permissão e autorização do serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
A Emenda Constitucional nº 08/95, por sua vez, tornou ainda mais clara tal distinção. Com efeito, o poder constituinte originário havia tratado em apenas um inciso, de forma genérica, a competência da União para prestar a atividade de telecomunicações. Não obstante, a supracitada emenda veio a fragmentar em dois incisos (XI e XII) a matéria.
A pretensão única de tal cisão foi viabilizar a criação de uma agência reguladora de Telecomunicações, que não tivesse qualquer ingerência sobre a outorga, renovação e regulamentação dos contratos de radiodifusão, estas já disciplinadas pelo supracitado artigo 223, da carta política.
Por assim dizer, enquanto a atividade de radiodifusão era prevista de forma específica no inciso XII, do artigo 21; o mesmo dispositivo trouxe em seu inciso anterior a previsão genérica do serviço de telecomunicação, o qual seria exercido “nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”.
A lei em referência é a conhecida Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97), responsável pelo surgimento da ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) e pela regulamentação da atividade. Importa frisar que tais alterações legislativas e constitucionais estavam inseridas em um contexto de desestatização dos serviços públicos.
Por meio das agências reguladoras, o Poder Executivo destina um corpo técnico e permanente de servidores à regulamentação da atividade, eliminando aspectos políticos de decisões que, a rigor, são puramente técnicas. O que pretende se buscar, contudo, são as razões pelas quais o legislador afastou a radiodifusão deste processo evolutivo.
O artigo 215, inciso I, Lei nº 9.472/97 expressamente reverencia a opção constitucional, afirmando que o Código Brasileiro de Telecomunicações foi totalmente revogado, exceto “quanto aos preceitos relativos à radiodifusão”. Logo, também a legislação infraconstitucional estabelece tratamento diferenciado entre o gênero e a espécie.
Em suma, os serviços referentes à radiodifusão ainda são regidos pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, que segue em vigor quanto a eles. Ademais, o Ministério das Comunicações continua a controlar o setor, sobrando à ANATEL apenas a administração do espectro de radiofreqüências e a fiscalização técnica das estações (Lei nº 9.472/97, artigos 158, §1º, III e 211, p.ú.).
Esclarecida a autonomia normativa e institucional da radiodifusão frente ao restante do setor de telecomunicações, importa analisar as vantagens e desvantagens do modelo adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Afinal, a opção por um sistema de radiodifusão em que o Ministério das Comunicações – e não a agência reguladora do setor – regulamenta a matéria e outorga concessões, traz inevitável conteúdo político às decisões tomadas.
3.2.1 Imunidade Tributária do Material Veiculado
O constituinte originário de 1988 inaugurou um sistema de não incidência do ICMS sobre o serviço de radiodifusão, já que segundo a melhor doutrina “a expressão ‘prestação de serviços de comunicação’ pressupõe a transmissão onerosa de informações ou dados, por qualquer meio, a partir de uma relação comunicativa entre o emissor e o receptor.”[24]
De todo modo, a fim de dirimir eventuais dúvidas, o constituinte derivado, por meio da Emenda Constitucional nº42/2003, houve por bem consignar expressamente esta opção. Assim, acrescentou a alínea d ao artigo 155, §2º, X, CRFB, o qual elenca rol taxativo de imunidades[25] do ICMS: “não incidirá [o tributo] nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita”.
Destaque-se que a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996) reproduziu a opção constitucional, ponderando em seu artigo 2º, III, que o ICMS apenas incidirá sobre “prestações onerosas de serviços de comunicação (...)”.
Ora, independentemente da técnica legislativa utilizada[26], a opção constitucional por desonerar tal atividade é clara e carrega consigo alguma pretensão do poder constituinte. Segundo já destacado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939/1993: “a imunidade tributária não constitui um fim em si mesma. Antes, representa um poderoso fato de contensão do arbítrio do Estado na medida em que esse postulado da Constituição, inibindo o exercício da competência impositiva pelo Poder Público, prestigia, favorece e tutela o espaço em que florescem aquelas liberdades públicas”.
A partir desta premissa, é fácil perquirir o intuito do legislador. A imunidade tem por escopo assegurar a universalidade da prestação e a competitividade do setor, o que obtém em certa medida com sucesso. Como já abordado anteriormente, em pesquisa recente do IBGE foi constatado que 97,2% dos lares brasileiros possui televisão. A capilaridade do serviço público decorre, sem dúvida, do enorme incentivo fiscal fornecido às empresas que prestam a radiodifusão gratuita.
Há, portanto, evidente viès político na postura adotada pelo constituinte, que no exercício de seu poder originário e ilimitado, houve por bem afastar o “dever fundamental de pagar tributos”[27] na hipótese de prestações de serviços de comunicação não remuneradas pelo utente.
3.2.2 Nacionalização e Regionalização: compromissos com a técnica ou com a política?
A atual Constituição, como já visto, enunciou vetores à produção e programação dos serviços de rádio e televisão, onerosos ou gratuitos. Em seu artigo 221 aponta dentre as prioridades: (i) preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; (ii) promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; (iii) regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; (iv) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Aqui, uma vez mais, o texto constitucional atua - decisiva e politicamente - na atividade sobre a qual se debruça o presente trabalho.
A radiodifusão, mesmo antes do texto constitucional, já apresentava algumas balizas decorrentes do Código Brasileiro de Telecomunicações, ainda em vigor. Em breves linhas, o tempo destinado à publicidade não pode ultrapassar 25% do total diário. Além disso, as emissoras são obrigadas a destinar no mínimo 5% da programação à transmissão de serviço noticioso. Em seu artigo 38, alínea d, o legislador chega a afirmar que os serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade das empresas deste ramo “estão subordinadas às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão, visando aos superiores interesses do País”.
Segundo levantamento realizado pela Ancine, do arcabouço jurídico não é feito tábula rasa. No ano de 2007[28], em estudo pioneiro, foi detectado que 91,1% do material exibido pela televisão aberta era nacional. Recentemente, no ano de 2014[29], o percentual permanece expressivo, alcançando o patamar de 82,7%. Dentre as maiores emissoras do país, destacam-se SBT (53,8% de produção brasileira), Rede Globo (76,5%), Rede Record (89,8%), Rede TV (97,6%) e TV Gazeta (100%).
À primeira vista, parece crível afirmar que a opção política pela valorização do conteúdo nacional só se faria possível no campo da radiodifusão, em um modelo desgarrado do órgão técnico competente, e que se submete diretamente ao Ministério das Comunicações. Não obstante, os influxos da política afetam também a prestação onerosa de televisão e rádio.
O avanço da política sobre o setor das telecomunicações lato sensu é materializado pela lei 12.485/2011 (Lei da TV Paga), em consonância com o mandamento constitucional inserto no artigo 221, CRFB. Resumidamente, pretendeu o legislador ordinário “remover barreiras à competição, valorizar a cultura brasileira e incentivar uma nova dinâmica para produção e circulação de conteúdos audiovisuais produzidos no Brasil”.
Esta lei possui capítulo próprio (artigo 16 e ss.) [30] destinado à fixação de cotas mínimas de conteúdo brasileiro a serem observadas pelas empresas que prestam o serviço de acesso condicionado de rádio e televisão. Em outras palavras, no mínimo três horas e trinta minutos semanais dos conteúdos veiculados no horário nobre deverão ser brasileiros e integrar espaço qualificado[31], e metade deverá ser confeccionada por produtora brasileira independente[32]. Vale observar que este “sistema de cotas de tela” já existe para cinemas brasileiros desde 1932, e na atualidade a cota é definida anualmente por decreto presidencial.
Segundo dados da ANCINE, a lei 12.485/2011 permitiu que a produção nacional quadriplicasse sua presença na TV por assinatura. Estima-se que nada menos do que cem canais exibam regularmente filmes e séries feitas no Brasil. Por tal razão, sem dúvida, houve também uma maior valorização da cultura nacional no âmbito da TV por assinatura. Em 2007, apenas 1,6%[33] do conteúdo exibido era brasileiro; no último ano, este percentual chegou a 15,2%[34], apresentando franca expansão.
Nesse mesmo diapasão, a lei 8.977/1995 – na parte não revogada pela lei 12.485/2011 - , dispõe sobre a necessária regionalização do serviço oneroso de televisão. A norma determina que as operadoras de TV a cabo disponibilizem canais básicos de utilização gratuita que sejam destinados à distribuição obrigatória, integral e simultânea, da programação das emissoras geradoras locais de radiodifusão de sons e imagens (lei 8.977/95, artigo 23, I, a).
Impende ressaltar que a opção legislativa é chancelada pelos tribunais superiores. É que a promoção dos valores insertos na Constituição da República deve ser concretizada também pelo Serviço de Acesso Condicionado, conforme análise pretérita. Nesse sentido, recente acórdão exarado pelo Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO CIVIL. DEVER DE RETRANSMISSÃO POR TELEVISÃO A CABO DA PROGRAMAÇÃO E SINAL GERADOS POR EMISSORA LOCAL.
A empresa de TV a cabo, ao distribuir os canais básicos de utilização gratuita, deve veicular os sinais de radiodifusão e imagens gerados pelas emissoras locais afiliadas regionais de emissora nacional que tenham programação própria. Isso porque o art. 23, I, "a", da Lei 8.977/1995 dispõe que a operadora de TV a cabo, na sua área de prestação do serviço, deverá tornar disponíveis canais destinados à distribuição obrigatória, integral e simultânea, sem inserção de qualquer informação, da programação das emissoras locais de radiodifusão de sons e imagens, em VHF ou UHF, abertos e não codificados, cujo sinal alcance a área do serviço de TV a Cabo e apresente nível técnico adequado, conforme padrões estabelecidos pelo Poder Executivo. De acordo com a doutrina, a "Lei do Cabo é a única que obriga as operadoras locais a oferecerem aos seus assinantes canais abertos de emissora Geradora local, com programação que tiver condições técnicas de ser veiculada na localidade onde é oferecido o cabo." Ressalta ainda que "somente são oferecidos os canais abertos de emissora Geradora local que são captados na comunidade onde é oferecida a assinatura do cabo. Assim, se na localidade não houver Geradoras tal obrigação não existe. Tal obrigação é específica da operação de cabo e não pode ser estendida as demais". É certo que existem estações meramente retransmissoras, mas muitas TVs locais atuam também como geradoras de programas, já que as emissoras nacionais abrem espaço na grade de programação para produção local de telejornais, programas regionais e publicidade nos intervalos comerciais. Mesmo que esses espaços sejam diminutos, ainda assim, se existentes, está caracterizada a geração de sinais. Assim, a operadora de TV a cabo deve disponibilizar para seus assinantes o sinal gerado pela emissora local, com a inserção de programas e publicidades locais, visto que a finalidade da lei é preservar a cultura e interesses locais.
(REsp 1.234.153-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 7/4/2015, DJe 13/4/2015)
Em seu voto, o ministro relator João Otávio Noronha é categórico: “assim, deve a recorrente, operadora de TV a cabo, disponibilizar para seus assinantes o sinal gerado pela recorrida, com a inserção de programas e publicidades locais, visto que a finalidade da lei é preservar a cultura e interesses locais”.
Há, por evidente, muitas críticas a esse sistema, afirmando tratar-se de ranço protecionista e paternalista do Estado brasileiro. A par das discussões, certo é que o debate enaltece ainda mais o viès político da legislação. É que a opção política, diferente daquela puramente técnica, admite discricionariedade[35], a escolha dentre diversos caminhos igualmente válidos. Com efeito, o constituinte – e o legislador ordinário, a reboque – manifestou o compromisso com a “promoção da cultura nacional e regional”, muito embora pudesse ter optado por um sem-número de outros caminhos também admitidos pelo Direito.
3.3.1 Direito Administrativo do Espetáculo e a concentração de Poder
Com o advento do neoconstitucionalismo, a Administração Pública tornou-se propulsora dos direitos fundamentais, desvinculando-se do estigma repressor e autoritário do Estado policial. Essa nova noção, embora comungada diuturnamente pela maior parte dos ramos jurídicos, não prosperou em um “Direito Administrativo do Espetáculo", nas palavras de Marçal[36].
Para fundamentar sua teoria, o autor contemporâneo se utiliza da "sociedade do espetáculo" de Guy Debord, ou seja, da ideia de que as funções e os papéis desempenhados pelos diversos agentes se vinculam a um mundo imaginário com intensidade tamanha que o torna "real" (internet, filmes, televisão). A rigor, o “Direito Administrativo do Espetáculo" tem por meta criar falsa ideia de controle social, sem que isso se traduza em efetiva possibilidade de interferir sobre a evolução dos fatos. Assim, este ramo jurídico institui uma gama de conceitos técnicos que catalisam o espetáculo, mas mantém a platéia como elemento passivo, distante e sem possibilidades de participação.
O Estado do Espetáculo tem por objetivo não alterar a realidade sensível, mas sim desenvolver atividades que gerem imagens e sonhos capazes de manter a audiência entretida. Nesse sentido, o discurso topo-persuasivo e um acurado controle sobre os meios de comunicação despontam como importantes ferramentas dos atores deste sistema.
Esse Direito Administrativo possui pressupostos epistemológicos bem delimitados: (i) percepção dos particulares (platéia) como verdadeiro objeto, e não como sujeitos de direito; (ii) preferência por princípios, pois de conteúdo indeterminado, que dificultam o controle; (iii) rígida organização administrativa com grande concentração de poderes.
Em total harmonia com o modelo delineado pelo autor é a realidade da radiodifusão de sons e imagens. A regulação exercida pelo Ministério das Comunicações sobre o principal meio de comunicação dos lares brasileiros contribui, em alguma medida, para a formação de sociedade acrítica, que se submete passivamente ao espetáculo aludido por Marçal Justen Filho. Nesse ponto, sempre atual a crítica de Habermas[37]:
Neste contexto, é fundamental o cultivo de esferas públicas autônomas, a participação maior das pessoas, a domesticação do poder da mídia e a função mediadora dos partidos políticos não-estatizados. Contra a absorção da esfera pública política por parte do poder, existem as conhecidas sugestões que recomendam ancorar elementos plebiscitários na constituição (referendo popular, desejos do povo, etc.) e as propostas que sugerem introduzir processos democráticos básicos (na apresentação dos candidatos, na formação da vontade interpartidária, etc.). As tentativas visando um controle constitucional maior do poder da mídia caminham na mesma direção. Pois os meios de comunicação de massa carecem de um espaço de ação que viabilize a sua independência em relação às intervenções das elites políticas e funcionais, e os coloque em condição de assegurar o nível discursivo da formação pública da opinião, sem prejudicar a liberdade comunicativa do público que toma posição.
Diante do pantanoso quadro atravessado pelo Direito Administrativo, Marçal passa a discutir métodos de solução para sua crise, a saber: (i) diminuição da concentração do poder político; (ii) afirmação da primazia do ser humano e da natureza instrumental do Estado; (iii) superação da supremacia do interesse público (conceito jurídico indeterminado) como vetor axiológico, sendo substituída pela supremacia prima facie dos direitos fundamentais; (iv) proteção das minorias, independentemente da vontade das maiorias; (v) controle efetivo das medidas estatais, que não podem se apoiar em uma pretensa regularidade imaginária, pautada na linguagem tópico-retórica; (vi) processualização do Direito Administrativo; (vii) adoção de mecanismos de efetiva participação popular, preservando a competência decisória estatal; (viii) constitucionalização real do Direito Administrativo.
Diante do panorama evidenciado pelo autor, o antídoto também parece estar compreendido nas entrelinhas da radiodifusão. A realidade concentrada hoje vivida no setor é péssima para a democratização e conscientização da população brasileira. A pluralidade e a oxigenação desejadas, no entanto, parecem depender da urgente alteração do sistema de outorga pelo Ministério das Comunicações, órgão pertencente ao Poder Executivo federal.
3.3.2 Flagrantes Casos de Malversação da Coisa Pública
A capilaridade e a rapidez com que as informações circulam por meio da radiodifusão a torna mecanismo sedutor a interesses escusos, já que sua má gestão pode gerar uma opinião pública frágil e facilmente manipulada, como visto no tópico acima. Vale, nesse ponto, ilustrar empiricamente do que ora se trata.
Um primeiro e atual exemplo da malversação da atividade encontra-se estampada em recente periódico[38], o qual faz menção ao longo domínio político do Grupo Sarney no Maranhão. Com esteio em pesquisa realizada pela Universidade Federal Fluminense no primeiro semestre de 2014, a reportagem constatou que “o controle midiático é uma vertente forte do poder do Grupo Sarney”, vez que foram identificadas pelo menos 37 (trinta e sete) tevês e rádios AM e FM locais em nome de parentes diretos do ex-Presidente da República.
Aliás, segundo estudiosos do tema “durante o governo do presidente José Sarney as concessões foram ostensivamente utilizadas como moeda política, dando origem a um dos episódios mais antidemocráticos do processo constituinte. Em troca de votos favoráveis ao mandato de cinco anos para presidente foram negociadas 418 novas concessões de rádio e televisão. (...) No total, o presidente José Sarney autorizou, entre 1985 e 1990, 1.028 concessões de rádio e TV – o que representa 30% de todas as concessões feitas no país desde 1922.”[39]
Do mesmo modo, aqueles que sucederam a chefia do Executivo não passaram isentos da prática do que se convencionou chamar “coronelismo eletrônico”. Segundo levantamento realizado por especialistas, Fernando Henrique Cardoso outorgou nada menos do que 1.848 autorizações para operações de serviços de retransmissão de televisão, sendo “268 para entidades ou empresas controladas por 87 políticos – 19 deputados federais e 6 senadores, todos favoráveis à reeleição [projeto de Emenda Constitucional emplacado, com êxito, pelo ex-presidente da República]; além de 2 governadores, 11 deputados estaduais, 7 prefeitos, 8 ex-deputados federais, 3 ex-governadores, 8 ex-prefeitos e outros 23 políticos.”[40]
Também o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva foi acusado, em diversos episódios, pelo uso indevido das outorgas como mecanismo de troca de favores políticos. À título de exemplo, destaca-se o favorecimento de municípios que aderiram ao programa social Fome Zero, quanto à outorga de emissoras comunitárias, em flagrante burla à ordem cronológica de pedidos. Pesquisadores apontam que mais de 600 municípios ligados ao programa teriam se aproveitado do esquema.[41]
O sítio eletrônico “Donos da Mídia”[42] traz ainda atualizado mapeamento acerca dos proprietários dos veículos de comunicação hoje existentes, em sua maioria políticos do Congresso Nacional. No ranking de maiores detentores de veículos destacam-se o deputado federal Antônio Carlos Martins de Bulhões (PMDB/SP), com 7 veículos; o ex-Senador Wellington Salgado de Oliveira (PMDB/MG), com 5 veículos; a ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney Murad (DEM/MA) e o Senador e ex-Presidente da República Fernando Affonso Collor de Mello (PRTB/AL), ambos com 4 veículos.
Como se constata, a par da opção político-partidária, fato é que a concentração do poder de outorga ao Chefe do Executivo é fonte de inegável desvio de finalidade da radiodifusão. Diante disso, essencial uma adequada regulamentação do comando constitucional, associada a uma gestão pública responsável e a um Judiciário apto a coibir eventuais ilegalidades.
Vale dizer, no Brasil a Constituição trouxe minucioso balizamento acerca do tema (CFRB, artigos 220, ss.), que por sua vez foi regulamentado por extensa legislação extravagante (leis nº 4.117/62, 9.472/97 e 12.485/11) e inúmeros atos infralegais da ANATEL e do Ministério das Comunicações.
Dentre tais regras, destaca-se a leitura conjunta dos artigos 54, I, a e 55, I da Constituição da República. Em suas linhas, veda-se expressamente que, desde a expedição do diploma, deputados federais e senadores firmem contratos com pessoas jurídicas de direito público, sob pena de perda do mandato. Ora, a outorga de serviço público é realizada diretamente pela União, sendo inarredável a inconstitucionalidade da reiterada prática apontada nos parágrafos antecedentes.
Acrescente-se ainda que a doutrina mais contemporânea do Direito Constitucional vem admitindo a aferição do desvio ou do excesso de poder legislativo no controle concentrado de constitucionalidade. Traçando um paralelo com a questão ora tratada, deve ser vivamente coibida a abusiva utilização, por políticos eleitos, de interpostas pessoas para a consecução de domínio sobre os meios de comunicação. A Constituição não deve ser lida apenas em sua literalidade, mas também de forma sistêmica e teleológica.
3.3.3 Incompatibilidade: Radiodifusão x Telecomunicações
Para além das questões já abordadas, outro ponto merece destaque: a problemática decorrente do tratamento diferenciado dado à radiodifusão, quando comparado às demais atividades que compõem o gênero das telecomunicações.
Esta preocupação foi sintetizada por Carlos Ari Sundfeld[43]:
Há, portanto, autonomia institucional e normativa da regulação da radiodifusão relativamente à de telecomunicações: leis e estruturas de mercado diferentes, concepções jurídicas incompatíveis, autoridade reguladora distinta, etc. Isso pode gerar problemas sérios no futuro, inclusive porque não se antevê uma superação rápida dessa disfunção. Com a tendência à convergência de serviços – com TV, serviços de voz (telefonia) e internet sendo oferecidos conjuntamente aos usuários, por exemplo -, a incidência de duas regulações pode causar dificuldades
Nesses termos, a aposta em um modelo predominantemente político no setor da radiodifusão, em contraste com as demais formas de telecomunicações, em que a avaliação da agência reguladora prepondera, pode causar problemas de difícil solução.
Exemplo disso é a discussão em torno da licitação da faixa de 700 mega-Hertz, organizado pela ANATEL, para disponibilização do sinal 4G pelas companhias de telefonia celular. Segundo representantes da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) há um grande risco de interferência do sistema de telefonia no sinal da TV aberta analógico, que atualmente se utiliza desta faixa de radiofrequência.
De início, houve grande resistência do setor de radiodifusão – que pressionava o Ministério das Comunicações –, a fim de assegurar a não interferência das empresas de telefonia sobre a sua atividade. O impasse foi resolvido com a garantia de que os licitantes vencedores promoveriam, às suas expensas, a “limpeza da faixa” e a gradativa conversão dos sinais da radiodifusão do modelo analógico ao digital, até o ano de 2018.
Assim, a minuta do contrato passou a prever que as empresas de telefonia arcariam, dentre outras coisas, com: (i) a implantação de centros regionais e municipais aptos a distribuir, à casa dos usuários, conversores e antenas de TV Digital e filtros de recepção para mitigar interferências; (ii) a realização de análise prospectiva de campo, concomitantemente à instalação de Estações de Radio Base de 700 MHz em cada município do país; (iii) a promoção, direta ou mediante a contratação de terceiros, da capacitação de recursos humanos para garantir que haja no mercado, e previamente ao desligamento do sinal analógico de TV aberta, técnicos com a expertise necessária a auxiliar a população nos procedimentos de instalação de conversores, antenas de TV Digital, filtros de recepção etc; (iv) a disponibilização de centrais de atendimento gratuito por telefone e pela Internet, bem como a promoção de campanha publicitária, inclusive em TV aberta, para informar a população sobre o processo de redistribuição de canais.
Nesses termos, a destinação da faixa de 700 mega-Hertz foi modificada pelo Regulamento sobre Condições de Uso da Faixa, aprovado pela Resolução Anatel 625/2013. Assim, ficou definido que a faixa passaria a ser utilizada pelo Serviço Móvel Pessoal (SMP) em tecnologia 4G, respeitada a necessidade de desligamento da TV analógica em cada município, na forma do cronograma definido pelas Portarias MC 477/2014 e 481/2014.
Em que pese o acordo firmado, a questão chegou ao Tribunal de Contas da União, que suspendeu cautelarmente o edital porquanto, dentre outras razões, “avalia-se que os problemas apontados nesta segunda instrução apresentam gravidade suficiente para comprometer a legalidade e confiabilidade do estudo que fundamentou a fixação do preço mínimo e da estimativa dos custos que serão incorridos para limpar a faixa de 700 MHz”. (Processo nº 016.257/2014-6, Acórdão nº2.301/2014, Ministro Relator Benjamin Zymler).
Dentre os problemas elencados pelo corpo técnico do órgão destaca-se a dificuldade de levantamento de informações pela ANATEL junto às entidades do setor de radiodifusão e do Ministério das Comunicações. Segundo o relatório apresentado, este é um dos motivos a justificar a imprecisão quanto aos custos da limpeza da faixa dos 700 mega-Hertz. Veja-se:
87. É importante levar em consideração também os sucessivos esforços da Anatel em obter informações junto às entidades do setor de radiodifusão e ao Ministério das Comunicações. A agência se deparou com algumas dificuldades que impediram que o estudo pudesse ser ainda mais preciso, embora a Anatel tentasse superar os obstáculos encontrados.
88. Diante dos fatos apresentados, em que há alternativas de solução no caso de uma possível diferença entre o valor do ressarcimento calculado pelo estudo e aquele encontrado na realidade, e levando em consideração que houve sucessivos esforços da agência em aprimorar o estudo, verifica-se que não há a necessidade de se propor determinações à Anatel, no que diz respeito aos custos de limpeza da faixa de 700 MHz.
Não obstante a indeterminação quanto ao valor dos custos, o Tribunal de Contas houve por bem revogar a medida acautelatória, sensibilizando-se com a necessidade dos avanços no setor e anotando que os riscos daí decorrentes não irão onerar os cofres públicos diretamente: “cabe salientar que a Anatel previu, no edital sob comento, que caso os recursos inicialmente alocados para fazer frente a essas despesas sejam insuficientes, caberá às proponentes vencedoras aportar o montante complementar desses recursos.”
Outro problema apontado pelo relatório foi o modelo de gestão adotado para realização da “limpeza da faixa”, o qual prevê a atuação de dois órgãos: (i) a Entidade Administradora do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV (EAD), responsável por executar a limpeza da faixa de 700 MHz; (ii) o Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV (GIRED), responsável por coordenar todo o processo e composto por representantes da ANATEL, do Ministério das Comunicações, das licitantes vencedoras e das entidades que representam os radiodifusores.
Segundo o edital proposto, eventuais discordâncias quanto à gestão serão solucionados pela ANATEL ou pelo Ministério das Comunicações, o que poderá gerar problemas futuros, como ressaltado pelo órgão técnico do TCU:
o) o GIRED será composto por entidades com diferentes interesses, como os radiodifusores e as licitantes vencedoras, por via de conseqüência, avalia-se que poderão surgir divergências no âmbito deste grupo quando das discussões de temas relevantes. Nesse contexto, o Edital determina que se não houver consenso nas deliberações do GIRED, a decisão caberá a Anatel ou ao Ministério das Comunicações , duas entidades públicas. A partir dessa cláusula, além de haver uma ausência de clareza quanto à distinção de competências entre a Anatel e o Ministério das Comunicações, verifica-se que uma possível falta de consenso resultará em uma decisão unilateral de um dos dois;
p) a dinâmica apresentada no modelo de gestão contém possíveis falhas de governança que representam um risco para o andamento da licitação. Afinal, ela possibilita a intervenção de entidades públicas diretamente nas ações de uma entidade privada, sem que haja uma previsão legal para tal atuação, e permite que recursos públicos sejam aplicados por uma entidade privada, indo de encontro à legislação vigente e sem os devidos mecanismos de controle e fiscalização;
Este óbice também foi suplantado, posteriormente, na decisão que revogou a medida cautelar, a qual considerou que:
o modelo escolhido pela agência está dentro das margens de discricionariedade de que dispõe a Anatel para executar as políticas públicas sob sua responsabilidade. Contudo, cabe frisar que a criação do conselho deve visar à concretização da atribuição do poder público de disciplinar acerca da limpeza da faixa, de modo a permitir sua efetiva utilização, o que poderia ser feito pela Anatel e pelo Ministério das Comunicações com fulcro no ordenamento jurídico vigente.
Após a revogação da medida cautelar, o edital foi publicado e em setembro de 2014 ocorreu, com êxito, o procedimento licitatório, que gerou R$5,851 bilhões aos cofres públicos. Atualmente, os contratos encontram-se em vigência e seguem regularmente o cronograma indicado pelas Portarias MC 477/2014 e 481/2014.
A par da decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União, é evidente que a cisão regulatória existente no setor das Telecomunicações gerou prejuízos ao erário. A imprecisão quanto ao custo final da “limpeza da faixa” gera inquestionável risco aos investidores, o que ocasiona indubitavelmente uma menor arrecadação pelo ente público licitante.
Por outro lado, a existência de órgão decisório repartido entre o Ministério das Comunicações e a ANATEL potencializa conflitos e, como bem concluído pela assessoria técnica daquele tribunal, “o processo de limpeza da faixa de 700 MHz, e consequentemente a ativação do serviço em 4G, estaria prejudicado por impossibilidade da utilização da faixa ou por acréscimo de gastos com questões judiciais, não contabilizados inicialmente no processo”.
Frise-se: não se está a criticar a Administração Pública Policêntrica, mas sim a descentralização incompleta do setor das Telecomunicações. Como já há muito afirma a doutrina[44] “a insurgência de espaços administrativos efetivamente autônomos frente ao Poder Executivo central, do que as agências reguladoras independentes constituem o exemplo mais relevante em nosso Direito Positivo, é uma exigência da eficácia da regulação estatal em uma sociedade que, tal como o Estado, se torna cada vez mais diferenciada e complexa”.
A Administração Pública policêntrica é, pois, a concretização dos princípios constitucionais da economicidade e da efetividade, não devendo ser afastada. O que afigura como inaceitável e antieconômico é a atual composição regulatória do setor das Telecomunicações, repartida entre o Ministério das Comunicações e a ANATEL.
4. CONCLUSÃO
O presente trabalho pretendeu esclarecer ao leitor os reflexos – positivos e negativos – do conflito entre a técnica e a política no setor da radiodifusão de sons e imagens. A análise aqui desenvolvida admite conclusão sobre a ingerência do Poder Executivo central na outorga de concessões, permissões e autorizações da atividade.
De um lado, parece inquestionável que os influxos da política oxigenam o setor, tornando viável a consecução do interesse público diretamente pelos representantes do povo. A nacionalização e regionalização das programações, bem como a não-incidência constitucional do ICMS são grandes propulsores dos fins constitucionais (CRFB, Artigo 223). Ademais, é fato que as agências reguladoras ainda padecem de um grande déficit de legitimidade democrática.
De outro lado, contudo, a forma com que se viabilizou a inserção da política nesta seara não afigura das mais felizes. Conforme se extrai do recente histórico do país, são gritantes os abusos praticados pelos governantes, que se utilizam das outorgas como mecanismo de barganha política, criando o que se convencionou chamar de coronelismo eletrônico. Além disso, é evidente o prejuízo decorrente da cisão regulatória existente no setor em estudo.
Assim, diante do que foi aqui ponderado, não se discute que os ventos da política são benéficos – e até certo ponto necessários – ao regular desenvolvimento da atividade. O agente que os sopra, porém, talvez não seja o mais adequado.
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[1] IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) – 2013.
[2] Obrigações de universalização são as que objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição sócio-econômica, bem como as destinadas a permitir a utilização das telecomunicações em serviços essenciais de interesse público (Lei 9.472/97, artigo 79, §1º).
[3] Obrigações de continuidade são as que objetivam possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, devendo os serviços estar à disposição dos usuários, em condições adequadas de uso (Lei 9.472/97, artigo 79, §2º).
[4] Concessão de serviço de telecomunicações é a delegação de sua prestação, mediante contrato, por prazo determinado, no regime público, sujeitando-se a concessionária aos riscos empresariais, remunerando-se pela cobrança de tarifas dos usuários ou por outras receitas alternativas e respondendo diretamente pelas suas obrigações e pelos prejuízos que causar. (Lei nº 9.472/97, artigo 83, p.ú.)
[5] Permissão de serviço de telecomunicações é o ato administrativo pelo qual se atribui a alguém o dever de prestar serviço de telecomunicações no regime público e em caráter transitório, até que seja normalizada a situação excepcional que a tenha ensejado. (Lei nº 9.472/97, artigo 118, p.ú.)
[6] Autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativo vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidade de serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias. (Lei nº 9.472/97, artigo 131, §1º)
[7] Autorização de uso de radiofreqüência é o ato administrativo vinculado, associado à concessão, permissão ou autorização para prestação de serviço de telecomunicações, que atribui a interessado, por prazo determinado, o direito de uso de radiofreqüência, nas condições legais e regulamentares. (Lei nº 9.472/97, artigo 163, §1º)
[8] A rigor, o Serviço de Acesso Condicionado é o sucessor dos atuais Serviços de Televisão por Assinatura: TV a Cabo - TVC, Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanais - MMDS, Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite - DTH e Serviço Especial de Televisão por Assinatura - TVA. Assim, a noção de TV a Cabo deverá ser absorvida pela de Serviço de Acesso Condicionado, na forma do artigo 37, §1º, da lei 12.485/11.
[9] Pacote: agrupamento de canais de programação ofertados pelas empacotadoras às distribuidoras, e por estas aos assinantes, excluídos os canais de distribuição obrigatória de que trata o art. 32 (Lei 12.485/11, artigo 2º, XVI)
[10] Modalidade Avulsa de Programação, ou Modalidade de Canais de Venda Avulsa: modalidade de canais de programação organizados para aquisição avulsa por parte do assinante (Lei 12.485/11, artigo 2º, XV).
[11] Modalidade Avulsa de Conteúdo Programado ou Modalidade de Vídeo por Demanda Programado: modalidade de conteúdos audiovisuais organizados em canais de programação e em horário previamente definido pela programadora para aquisição avulsa por parte do assinante (Lei 12.485/11, artigo 2º, XV).
[12] São canais de programação que deverão constar de todos os pacotes ofertados, sem quaisquer ônus ou custos adicionais para seus assinantes, na forma do artigo 32, da lei 12.485/11. Exemplos são os canais reservados à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal e ao Supremo Tribunal Federal
[13] ANATEL. Glossário de Termos da Anatel. Disponível em . Acesso em: 28.10.2015
[14] Ressalte-se que, desde então, a matéria foi igualmente tratada nas constituições que se sucederam, com algumas alterações que serão logo mais especificadas: 1937 (artigo 15, VII), 1946 (artigo 5º, XII), 1967 (artigo 8º, XV, a) e 1988 (artigo 21, XII, a).
[15] LOPES, Cristiano A. Regulação Das Outorgas De Radiodifusão No Brasil – Uma Breve Análise. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. 2009, p.4.
[16] Reproduzido na Emenda Constitucional nº 01/69.
[17] Segundo dispõe o artigo 124, do Código Brasileiro de Telecomunicações, “o tempo destinado na programação das estações de radiodifusão, à publicidade comercial, não poderá exceder de 25% (vinte e cinco por cento) do total.”
[18] LOPES, Cristiano A. Licitações nas Outorgas de Rádio e TV – a Ineficácia dos Critérios Técnicos. Brasília: XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2008, p.2.
[19] LOPES, Cristiano A. Op. Cit., p.11.
[20] ANATEL. Dados Gerais de Radiodifusão Comercial. Disponível em . Acesso em: 28.10.2015.
[21] ANATEL. Dados Gerais de Radiodifusão Educativa. Disponível em: . Acesso em: 28.10.2015.
[22] ANATEL. Dados Gerais RadCom. Disponível em . Acesso em: 28.10.2015.
[23] MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 9ª Ed, 2014, p.74.
[24] LODI, Ricardo. Tributos – Teoria Geral e Espécies. Niterói: Impetus, 2013, p.249.
[25] Embora conste do rol das imunidades tributárias, há de se destacar que a doutrina majoritária considera tal hipótese uma não incidência em sentido estrito, já que não se insere no fato gerador do ICMS.
[26] Muitos estudiosos criticam o rigor excessivo na distinção entre não incidência e imunidade, conforme salienta Luciano Amaro. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro.São Paulo: Saraiva, 20ª Ed., 2015, p.308.
[27] Expressão alcunhada por José Casalta Nabais.
[28] ANCINE. Monitoramento de Programas de TV. Disponível em . Acesso em: 28.10.2015.
[29] ANCINE. Informe TV Aberta – Ano Base 2014. Disponível em <http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/2014/MonitoramentoProgramacao/Informe_Tv_Aberta_2014>. Acesso em: 28.10.2015.
[30] A exigência de patamares mínimos de conteúdo nacional no âmbito do SeAC é previsão legislativa natimorta: o artigo 41, da lei 12.485/11 afirma que esta deixará de viger doze anos após sua promulgação. Segundo consta do parecer de aprovação da emenda ao substitutivo, exarado pelo relator deputado Jorge Bittar: “Por fim, estabelecemos o prazo 15 (quinze) anos para a vigência da política de cotas proposta. A idéia é que os dispositivos previstos no Substitutivo sejam empregados apenas como elemento indutor da produção de conteúdo nacional e da sua veiculação no mercado de televisão por assinatura. Nossa expectativa é a de que, decorrido esse período, as produtoras e programadoras locais já tenham adquirido musculatura suficiente para dispensarem a previsão de cotas nesse mercado.” (Publicado em 07.04.2008)
[31] Segundo o artigo 2º, XII da lei 12.485/2011, espaço qualificado é o “espaço total do canal de programação, excluindo-se conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e eventos esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos eletrônicos, propaganda política obrigatória, conteúdo audiovisual veiculado em horário eleitoral gratuito, conteúdos jornalísticos e programas de auditório ancorados por apresentador”.
[32] Segundo o artigo 2º, XIX da lei 12.485/2011, produtora brasileira independente é a “produtora brasileira que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: a) não ser controladora, controlada ou coligada a programadoras, empacotadoras, distribuidoras ou concessionárias de serviço de radiodifusão de sons e imagens; b) não estar vinculada a instrumento que, direta ou indiretamente, confira ou objetive conferir a sócios minoritários, quando estes forem programadoras, empacotadoras, distribuidoras ou concessionárias de serviços de radiodifusão de sons e imagens, direito de veto comercial ou qualquer tipo de interferência comercial sobre os conteúdos produzidos; c) não manter vínculo de exclusividade que a impeça de produzir ou comercializar para terceiros os conteúdos audiovisuais por ela produzidos;
[33]ANCINE. Programação da TV Aberta – 2014. Disponível em: . Consulta em: 28.10.2015.
[34]ANCINE. Programação da TV Paga – 2014. Disponível em: . Consulta em: 28.10.2015.
[35] “O conceito de discricionariedade no âmbito da legislação traduz, a um só tempo, ideia de liberdade e de limitação. Reconhece-se ao legislador o poder de conformação dentro dos limites estabelecidos pela Constituição. E, dentro desses limites, diferentes condutas podem ser consideradas legítimas”. MENDES, Gilmar. Op. cit., p.1041.
[36] FILHO, Marçal Justen. O Direito Administrativo de Espetáculo. ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Op. cit., pp.72/77.
[37] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre a Faticidade e a Validade. Vol.II, p.186.
[38] DELGADO, Malu. A Derrota Eleitoral e a Despedida de Sarney. PIAUI 98, Novembro/2014, pp. 25/29
[39] JAMBEIRO, Othon. Regulação da Radiodifusão: a Concessão de Frequências no Governo Provisório de Vargas (1930-1934). Revista de Economia Política das Tecnologias de Informação e Comunicação, Aracaju, vol.II, n.3, 2000. Apud FERREIRA, Gisele. Sarney, FHC e Lula: 22 anos de “conversas ao pé do rádio” e democracia. Congresso Nacional de História da Mídia, 2007.
[40] BRENER, Jayme. Coronelismo eletrônico: o governo Fernando Henrique e o novo capítulo de uma velha história. Comunicação e Política, Vol.IV, n.2, mai/ago, 1997, p.31.
[41] FERREIRA, Gisele. Sarney, FHC e Lula: 22 anos de “conversas ao pé do rádio” e democracia. Congresso Nacional de História da Mídia, 2007.
[42] Disponível em Acesso em: 28.10.2015.
[43] ARI SUNDFELD, Carlos. A Regulação das Telecomunicações: Papel Atual e Tendências Futuras. Salvador, Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, 2007, p.5.
[44] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Administração Pública Pluricêntrica. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo, Vol.227, 2002, pp.131/150.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETTO, Leonardo Silveira Antoun. A regulação do serviço de radiodifusão de sons e imagens no Brasil - conflitos entre a técnica e a política Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50566/a-regulacao-do-servico-de-radiodifusao-de-sons-e-imagens-no-brasil-conflitos-entre-a-tecnica-e-a-politica. Acesso em: 12 nov 2024.
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