INTRODUÇÃO
O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), de competência municipal, pode ser cobrado de diversas formas, dentre as quais consta o benefício denominado “ISS FIXO”, previsto nos §§1º e 3º, Decreto-Lei 406/68, que pode ser concedido às sociedades profissionais.
Trata-se o foco do presente estudo do exame do benefício tributário concedido às sociedades uniprofissionais de recolher o ISSQN através de valores fixos, bem como o caráter empresarial que supostas sociedades uniprofissionais podem encartar.
REQUISITOS DO ISS FIXO NO DECRETO-LEI 406/68
Ao analisar as peculiaridades da tributação das sociedades profissionais em comparação às demais espécies societárias, verifica-se que aquelas possuem tratamento diferenciado em relação à incidência do ISSQN.
Para que o ISSQN seja cobrado de forma fixa, é necessário que a sociedade não tenha caráter empresarial, formada por profissionais e que os sócios respondam pessoalmente por suas atividades, conforme previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, Decreto-Lei 406/68:
Art 9º. A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o impôsto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.
No mesmo sentido, o judiciário consolidou o entendimento de que “as sociedades uniprofissionais somente têm direito ao cálculo diferenciado do ISSQN, quando os serviços são prestados em caráter personalíssimo e, assim, prestados no próprio nome dos profissionais habilitados ou sócios, sob sua total e exclusiva responsabilidade pessoal e sem estrutura ou intuito empresarial” [1].
Interpretando os dispositivos citados, depreende-se que são requisitos para a caracterização das sociedades profissionais: 1) a habilitação profissional dos sócios; 2) o trabalho pessoal dos sócios, exigindo que esses profissionais assumam responsabilidade pessoal pelos serviços prestados; 3) que o objeto societário seja o de prestação de serviços previstos no art. 9º, § 3º, Decreto-Lei 406/68.
No tocante ao primeiro e terceiro requisitos, os sócios podem comprovar esse requisito através do contrato social, registros em órgãos de classe, além de outros meios que demonstrem o exercício de atividade passível de enquadramento no regime, isto é, prestação dos serviços previstos no §3º do art. 9º, Decreto-Lei 406/68.
Em relação ao segundo requisito, a prestação dos serviços sob a forma de trabalho pessoal exige a prestação dos serviços em nome dos próprios sócios.
Já a responsabilidade pessoal significa que a pessoa jurídica não será responsabilizada diretamente pela conduta técnica de sócio. Se este cometer ato técnico que gere prejuízo patrimonial ou moral a terceiros, no exercício de sua profissão, o sujeito passivo da relação jurídica sancionatória será ele e não a sociedade, ou seja, o patrimônio do sócio que será diretamente atingido nos casos de indenização a terceiros e não o da sociedade (CARVALHO, Cristiano e MACHADO, Rafael Bicca, 2004).
Para a melhor compreensão desses requisitos vale demonstrar através de um exemplo ilustrativo.
Profissionais da medicina, regularmente registrados nos respectivos conselhos de classe, se reúnem e constituem a Médicos S/S, sociedade simples que presta serviços de radiologia para a Clínica X, sociedade empresária prestadora de serviços de radiologia para seus pacientes. A sociedade Médicos S/S é estabelecida dentro da Clínica X e utiliza toda sua estrutura administrativa e operacional para a execução das atividades. A sociedade Médicos S/S solicita e tem o deferimento da administração tributária do seu município para recolher o ISSQN na modalidade ISS FIXO.
Entretanto, sendo a Clínica X, prestadora de serviços de radiologia, a única tomadora de serviços da sociedade Médicos S/S, também prestadora de serviços de radiologia, é notória a descaracterização da execução de trabalho pessoal e responsabilização direta dos sócios da Médicos S/S.
Vale verificar também a forma como a sociedade Médicos S/S se apresenta ao mercado. Esta não possui tomadores diretos dos seus serviços, pois trabalha única e exclusivamente para a Clínica X. Os pacientes procuram pela clínica e não pelo trabalho pessoal dos sócios da Médicos S/S, uma vez que é o único nome apresentado ao mercado.
Sendo assim, no caso de um sócio da sociedade Médicos S/S cometer ato técnico que gere prejuízo a terceiros, é o patrimônio da Clínica X que será diretamente atingido nos casos de indenização e não dos profissionais.
Desse modo, a prestação de serviços pela sociedade Médicos S/S é impessoalizada, pois os serviços são oferecidos ao mercado por organização empresarial diversa, sendo a sociedade de médicos uma mera terceirizada ocultada dentro das instalações da Clínica X.
Sendo assim, apesar do revestimento formal de uma sociedade simples pura, os sócios da Médicos S/S não exercem trabalho pessoal, o que confere caráter empresarial às atividades dessa sociedade, impedindo a concessão da tributação especial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise quanto ao enquadramento tributário das sociedades profissionais deve ser feita de forma criteriosa e, quando não for possível a obtenção das evidências com base nas características contratuais, a administração tributária municipal deve exercer procedimentos investigatórios, incluindo as diligências nos estabelecimentos nos quais os serviços sejam prestados a fim de buscar verdade real dos fatos e coibir injustiças fiscais na arrecadação do imposto municipal.
O enquadramento ilegal no regime de recolhimento especial das sociedades profissionais viola o princípio constitucional da isonomia tributária, uma vez as sociedades empresárias prestadoras de serviços previstos no art. 9º, § 3º, Decreto-Lei 406/68 encontrar-se-ão em ampla desvantagem tributária em relação às sociedades de profissionais irregulares.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
CARVALHO, Cristiano e MACHADO, Rafael Bicca. ISS e as sociedades uniprofissionais. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, nº 55, 2004.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30ª ed. Revista, atualizada e ampliada. Ed. Malheiros.
SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
NOTAS
[1] EREsp 866.286/ES, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, julgado em 29/09/2010, DJe 20/10/2010
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