RESUMO: O presente artigo tem como escopo delinear as principais controvérsias existentes no instituto da superfície, incorporado na legislação brasileira através do Estatuto da Cidade e do Código Civil. As duas legislações trouxeram importante inovação no cenário do direito imobiliário; a primeira, em linhas gerais, trata da política de desenvolvimento urbano e da função social da propriedade consagrada na Constituição Federal, em seus artigos 182 e 183; na segunda, prepondera o direito privado, sem abstrair o interesse social. Pela nova figura jurídica, o proprietário de imóvel urbano ou rural poderá conceder a terceiro, de modo gratuito ou oneroso, por tempo determinado ou indeterminado, o direito de edificar ou plantar em seu terreno, atendida a legislação urbanística. Ocorre que, por tratar-se de uma inovação, bem como pelo fato de constar em duas legislações distintas e bem próximas, surgiram muitas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais sobre a sua aplicabilidade. Em se tratando de matéria tributária, muitas lacunas ainda pairam sobre o tema, o que tem gerado consequentemente ações judiciais sobre incidência e base de cálculo, tópicos que serão melhor explorados no decorrer deste artigo.
Palavras-chave: Direito de superfície. Direito real. Política de desenvolvimento.Incidências tributárias.
ABSTRACT: This article has the objective to outline the major controversies in the surface of the institute incorporated in Brazilian legislation through the City Statute and the Civil Code. The two laws have brought significant innovation in the scenario of real estate law; the first, in general, deals with the urban development policy and the social function of property enshrined in the Federal Constitution, in Articles 182 and 183; in the second, preponderates private law without abstracting the social interest. The new legal form, the urban or rural property owner may grant to a third party free or costly manner, for fixed or indefinite period, the right to build or plant on his land, attended the planning legislation. It happens that, because it is an innovation, and the fact included in two distinct and very close legislation, there were many doctrinal and jurisprudential controversy about its applicability. When it comes to tax matters, many gaps still hang on the subject, which has consequently generated lawsuits on incidence and calculation basis, topics that will be further explored throughout this article.
Keywords: Surface law. real law. development policy. tax implications.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 BREVE HISTÓRICO. 3 CONFLITO APARENTE DE NORMAS – ESTATUTO DA CIDADE E NOVO CÓDIGO CIVIL. 4 O DIREITO DE SUPERFÍCIE E A ENFITEUSE. 5 ASPECTOS TRIBUTÁRIOS. 5.1 IPTU/ITR. 5.2 ITBI/ITCMD. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
A escolha da matéria em questão,direito de superfície, deu-se pelo fato de tratar-se de um instituto relativamente novo, e, por conseguinte, de escassa literatura nacional a seu respeito. O tema a ser discutido ainda é desconhecido para muitos e, para outros, representa um conhecimento apenas superficial. Tem-se como objeto de estudo neste trabalho a legislação brasileira, com destaque na distinção do instituto nos dois diplomas legais, Estatuto da Cidade e Código Civil, bem como uma abordagem mais profunda da incidência dos tributos e sua base de cálculo. A discussão do último tópico, incidência de tributação, é ainda mais escassa, sendo o presente trabalho direcionado para esse aspecto com o fito de auxiliar aqueles que atuam na Fazenda municipal, bem como notários e registradores, e ainda os que participam direta ou indiretamente desse negócio jurídico. A abordagem aqui exposta, porém, não tem a pretensão de englobar todo o seu conteúdo nem de considerar esgotado o tema, tamanha a sua envergadura e dada a limitação do presente estudo.
Os dados foram coletados por meio de pesquisas bibliográficas, doutrinas, artigos científicos, decisões judiciais, teses e dissertações com informações pertinentes ao assunto.
No presente estudo, objetiva-se traçar linhas gerais sobre a instituição do direito de superfície na legislação brasileira. A abordagem será concentrada nos pontos principais e controversos: a incidência tributária e sua base de cálculo. Para que se tenha um melhor alcance do objetivo pretendido,o trabalho foi dividido em quatro seções. A primeira aborda o conceito de direito de superfície diante das duas legislações que o regem, em um breve histórico; a segunda volta-se ao conflito aparente entre as normas; a terceira abrange a sutil semelhança do objeto com o instituto da enfiteuse; por fim, a quarta e última seção aprofunda a abordagem quanto aos aspectos tributários. O intuito desta pesquisa é auxiliar todos que tenham interesse de aprimorar o conhecimento dessa nova figura jurídica prevista no direito civil e na legislação urbanística e, consequentemente,sua ligação com o direito tributário.
O direito de superfície foi instituído previamente pelo Estatuto da Cidade,Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal e estabeleceu diretrizes gerais da política urbana, sendo novamente recepcionado pelo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
O direito de superfície é definido como direito real, dado sua inclusão no rol legal de tais direitos. São direitos reais considerados no art. 1.225 do Código Civil: a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, a usucapião, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a hipoteca, a anticrese, a concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso.
Conforme FIUZA (2003, pg. 900):
Direito de superfície é um direito real sobre um terreno, conferido a uma pessoa, o superficiário, a fim de que nele possa construir e/ou plantar a título gratuito ou oneroso.
Em virtude da omissão do Estatuto da Cidade e do Código Civil quanto à natureza jurídica do modelo (ROSENVALD, 2006, p. 406), repercute-se na doutrina uma polêmica. Seria o direito real de superfície uma verdadeira propriedade ou um direito real sobre coisa alheia? A resposta é: ambos. O direito de superfície é um direito real sobre coisa alheia (lote ou gleba), pois sua formação resulta de uma concessão do titular da propriedade para fins de futura edificação (sobre ou sob o solo) ou plantação que, quando concretizada pelo superficiário (concessionário), converterá o direito inicialmente incorpóreo em um bem materialmente autônomo à propriedade do solo do concedente.
Quanto a seu conteúdo, assim define o instituto Loureiro (2002, p. 273):
A superfície é um direito real, fixado por tempo determinado ou indeterminado, que confere ao superficiário a propriedade da construção ou plantação, ainda que em caráter resolúvel, gratuito ou mediante o pagamento de uma pensão periódica e que pode ser transmitido por atos inter vivos ou causa mortis.
Segundo Rezende (2010, p. 37):
Direito de Superfície é um direito real onde se constata a existência de duas partes em uma relação jurídica. O primeiro polo, denominado proprietário ou concedente transfere ao segundo, chamado superficiário, o direito de construir ou plantar em imóvel de seu domínio.
Tradicionalmente, vigora o princípio superfície solo cedit que expressa o vínculo indissociável existente entre o solo e a superfície, de sorte que tudo aquilo que se planta ou se constrói pertence ao dono do solo. Porém, o direito de superfície excepciona tal princípio, já que permite a separação entre o domínio daquilo que é construído ou plantado e a propriedade do solo que abriga a construção ou plantação, não se apresentando nesta situação, a figura jurídica da propriedade, mais coexistência de dois direitos reais distintos.
Pode-se perceber a importância da constituição desse instituto, pela pequena quantidade existente, até então, de locações ou arrendamentos de terrenos por parte de seus proprietários, temendo eles prejuízos tanto dos aluguéis quanto dos encargos contratuais, e levando-se em conta ainda a lentidão da Justiça, tanto para despejar o inquilino ou arrendatário inadimplente como para cobrar os aluguéis ou encargos atrasados. Tais temores certamente se apresentavam como um desestímulo para os proprietários colocarem seus bens em mãos de terceiros, mesmo que em uma locação ou arrendamento aparentemente proveitosos.
Nesse sentido, a característica do contrato de superfície é algo inovador e não se pode desconsiderar os aspectos comerciais altamente positivos para aqueles que têm terreno nu e não possuem condições de nele promover investimentos, passando, por conseguinte, ao superficiário o direito de exploração. Além do valor acertado contratualmente, ainda poderá usufruir das benfeitorias realizadas ao término do contrato.
Outra vantagem primordial do direito de superfície sobre o contrato de locação surge no momento da extinção do daquele (por encerramento do prazo ou por descumprimento das obrigações do superficiário), pois, nesse caso, o proprietário pode interpor uma ação possessória para recuperar o terreno cedido, enquanto que, no contrato de locação ou arrendamento, o locador conta apenas com a ação de despejo. Isso pode significar uma agilidade muito grande na recuperação do terreno e, portanto, um risco menor de prejuízos para o proprietário.
Levando-se em conta que o direito de superfície foi instituído e regulamentado pelo artigo 21 da Lei no10.257, de 10 de julho de 2001, denominada de Estatuto da Cidade, sendo novamente recepcionado pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Novo Código Civil, em seu artigo 1.225, inciso II, e no título IV, artigos 1.369 a 1.377, cujo anteprojeto teve impulsionamento anterior ao Estatuto da Cidade, porém sancionado depois, parece haver entre os dispositivos legais em questão conflito de normas, já que os artigos que tratam do tema no Estatuto da Cidade não foram derrogados.
Nesta seção, são analisados os dois diplomas legais e suas divergências sob diversos ângulos, como localização – se urbano ou rural; aspecto temporal do contrato – se por prazo determinado ou indeterminado; abrangência do objeto da concessão – solo, subsolo e espaço aéreo; causas de extinção, entre outros.
Como vimos, o Estatuto da Cidade, Lei no 10.257/2001, foi que instituiu inicialmente a superfície ao ordenamento jurídico, como reflexo da iniciativa estatal de atingir a plena utilização da propriedade, podendo ser considerada como um marco de referência para questões ligadas ao uso, ocupação e parcelamento do solo urbano e servindo ainda de parâmetro às práticas de gestão urbana, sobretudo as municipais, tendo como principal diretriz o processo de urbanização em atendimento ao interesse social, por meio da cooperação mútua entre a iniciativa privada e o poder público.
Segundo análises realizadas pelos principais centros de pesquisa acadêmica no cenário internacional, o século XXI é tido como o “século das cidades”. Destarte, o conceito de cidade e sua ocupação, passa por um amplo processo de revisão e redefinição, desafiando pesquisadores e especialistas. Não se pode esquecerde que, para ser atingido o pleno desenvolvimento social das cidades, deve haver, por parte dos órgãos públicos, um planejamento no intuito de evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e suas consequências.
Já o Código Civil, Lei no10.406, de 10 de janeiro de 2002, elencou o direito de superfície no rol dos direitos reais abrangendo tanto as edificações como as plantações localizadas em área rural, admitindo, assim, a constituição do direito de superfície e abolindo o surgimento de novas enfiteuses, mantidas as existentes até sua extinção.
Ainda se discute se o regime do contrato de superfície tratado no Estatuto da Cidade teria sido revogado, mas a melhor doutrina já pacificou o entendimento de que o Código Civil, apesar de ser uma lei posterior ao Estatuto da Cidade e de tratar do mesmo assunto, não o derrogou nesse ponto. O contrato de superfície passa a ter duas facetas: uma, prevista no Estatuto da Cidade, que somente se aplica aos terrenos urbanos; e outra, tratada no Código Civil, que se aplica a todos os outros terrenos, ou seja, aos terrenos e glebas rurais (valendo também as normas do Código Civil, mesmo em relação aos contratos de superfície de solos urbanos, nos casos em que o Estatuto da Cidade for omisso).
Fazendo um estudo sistêmico em Rezende (2010, p. 54), conclui-se que o direito de superfície no Código Civil e no Estatuto da Cidade não possui substanciais diferenças, apenas algumas particularidades que podem ser esquematizadas:
Quadro 1– Esquema comparativo das Leis no10.406/02 e no10.257/01
Código Civil (Lei no10.406/02) |
Estatuto da Cidade (Lei no10.257/01) |
É constituído sempre por prazo determinado, quer em áreas urbanas ou rurais – art. 1.369 |
Pode ser constituído por prazo determinado ou indeterminado, sempre em áreas urbanas – art. 21 |
Em regra, não autoriza obra no subsolo – art. 1.369, parágrafo único |
Permite a utilização do subsolo, desde que atendida a legislação urbanística – art. 21,§ 1º |
É omisso em relação a ter por objeto o espaço aéreo |
Expressamente permite ter por objeto o espaço aéreo, desde que atendida a legislação urbanística – art. 21, § 1º |
Determina que o sujeito passivo das obrigações tributárias incidentes sobre o imóvel é o superficiário – art. 1.371 |
De forma pormenorizada, determina que as obrigações tributárias serão distribuídas nos termos do documento que deu origem à superfície, estipulando previamente que o superficiário deve arcar com os encargos e tributos na proporção de sua ocupação efetiva – art. 21, § 3º |
Proíbe expressamente a cobrança de valor por ocasião da transferência da superfície - art. 1.372, parágrafo único |
É omisso em relação ao pagamento pela transferência |
Prevê a extinção por desapropriação – art. 1.376 |
É omisso em relação à extinção por desapropriação |
Não impõe expressamente a necessidade de averbação da extinção |
Determina que a averbação da extinção no Cartório de Registro de Imóveis é necessária – art. 24, §2º |
Fonte: Elaborado pela autora.
Quando o Código Civil dispõe, em seu artigo 1.369, parágrafo único, que não é permitida obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da construção, não fica evidente a intenção do legislador. Assim não seria viável um direito de superfície para a construção de uma garagem subterrânea, mas seria possível a construção de tal garagem, desde que sobre ela fossem edificados diversos andares, como, por exemplo, uma superfície tendo como objeto a construção de um centro comercial.
Perceba-se que o parágrafo primeiro do artigo 21 do Estatuto da Cidade regula diferentemente que o Código Civil, pois, expressamente, se refere à utilização do subsolo, da superfície e do espaço aéreo.
O que a maioria ainda desconhece é a possibilidade de compra do espaço aéreo à frente de um imóvel, através do direito de superfície, sendo compreensível e natural a insatisfação de alguém que efetuou a compra de um imóvel com uma bela vista da cidade e se depara futuramente com uma construção vizinha, tirando assim a privacidade e desvalorizando seu imóvel.
É importante salientar que a extinção automática do direito de superfície no Estatuto da Cidade ocorre pelo término do prazo contratual ou pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário. Assim, em tese, não é necessário, nesses casos, requerer ao Judiciário a rescisão do contrato, podendo o proprietário desde logo pedir a sua reintegração na posse, liminarmente, bastando provar, já na petição inicial, por documentos, a causa da extinção do direito de superfície (descumprimento das obrigações do superficiário ou término do contrato). Ocorre aqui mais uma divergência entre as duas leis, pois no Código Civil não há previsão de extinção automática, sendo recomendado que, nos contratos de superfície de áreas rurais, as partes insiram cláusula expressa de extinção no caso de descumprimento das obrigações do superficiário ou de término do prazo, independentemente de prévia notificação.
Analisando-se a obra de Rima Gorayb (2007, p. 113), nota-se que a intenção do legislador ao criar um instituto jurídico que possibilitasse uma nova modalidade do uso do solo foi louvável e necessária.Todavia, daí resultou instituto de denominação nitidamente administrativa e que, no entanto, cria entre nós um novo direito real que passou a ser denominado concessão de direito real de uso; um instituto híbrido, portanto, de denominação ambígua. Percebe-se que seu objetivo principal é provocar a utilização de terrenos que permanecem estéreis, tanto aqueles pertencentes aos poderes públicos como os de particulares.
Afinal, qual a utilização prática desse instituto? Alguns exemplos podem ser citados:
a) instalação e exploração de estacionamento;
b) construção de hotel ou restaurante em terreno de outrem, para exploração dessas atividades;
c) instalação de equipamentos e estruturas para transmissão de telecomunicações por rádio, TV ou outro veículo de comunicação;
d) construção para abrigar eventos esportivos, como alojamentos ou arenas esportivas;
e) plantação de hortaliças em terreno alheio, para exploração do ramo de alimentos orgânicos;
f) outros;
Interessante notar o crescente interesse pelo direito de superfície por parte do Poder Público, visto que o mesmo poderá ter larga utilização nos planos de urbanização sobre terras públicas e nos planos habitacionais destinados ao assentamento de famílias de baixa renda.
Dentre outros interesses sociais, os mais significativos no entanto, seriam àqueles voltados para os planos habitacionais. Com efeito, valendo-se do negócio superficiário, o Poder Público disporia de ampla margem de liberdade para modelar o contrato de acordo com os objetivos especificamente perseguidos.
No elenco de direitos reais, definido pelo antigo e novo Código Civil, o que mais se assemelha em sua essência conceitual, ao Direito de Superfície é a Enfiteuse, visto que os dois institutos se referem ao uso de coisa alheia. Apesar deste último não mais constar elencado nos direitos reais no novo Código Civil, tendo sido abolido pelo artigo 2.039, não foi declarada a sua extinção, quanto aos seus efeitos extunc, continuando em vigor os seus contratos, até se exaurirem.
A enfiteuse constitui um direito real sobre coisa alheia, constituído por ato “inter vivos”, ou de última vontade, pelo qual o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando o enfiteuta uma pensão ou foro anual e invariável ao senhorio direto.
O desdobramento da propriedade (REZENDE, 2010, p. 136) é característica comum a ambos os direitos. Afinal, na superfície o concedente permanece com a propriedade do solo e o superficiário, ainda que de forma resolúvel, com a propriedade das construções e plantações. Na enfiteuse, semelhantemente, há o enfiteuta com o domínio útil, enquanto o proprietário permanece apenas com a posse indireta.
Assim como a superfície, a enfiteuse constitui direito real sobre coisa alheia, no entanto não havendo dualidade de domínio, sendo o verdadeiro proprietário do bem o senhorio direto. Somente com o resgate do aforamento, após dez anos da constituição da enfiteuse, é que o enfiteuta pode vir a ser titular do direito real do bem, consolidando a plenitude do domínio.Com o exercício do direito de resgate, extingue-se a enfiteuse e o foreiro adquire a propriedade plena. Esse direito inexiste na superfície.
Algumas diferenças básicas, porém, os distinguem claramente segundo Fiuza(2003, p.900):
A superfície pode ser gratuita ou onerosa;a enfiteuse será sempre onerosa. A superfície pode ser temporária ou não; a enfiteuse será sempre perpétua. O superficiário poderá tão somente plantar ou edificar na superfície do terreno, usufruindo do que houver semeado ou edificado; o direito do enfiteuta é bem mais amplo. Em primeiro lugar, não se restringe à superfície do imóvel. Em segundo lugar, não diz respeito somente às construções e plantações, mas a todo o bem. Em terceiro lugar o enfiteuta poderá alugar ou emprestar o imóvel, o que é defeso ao superficiário.
Denota-se pelas características dessas duas figuras jurídicas, que o instituto da superfície é mais dinâmico, mais abrangente e possui um papel social bem mais marcante no atual cenário do Século 21, que segundo análises realizadas pelos principais centros de pesquisa acadêmica no cenário internacional, o século 21 é considerado o século das cidades. Hoje, o conceito de cidade passa por um amplo processo de revisão e redefinição, desafiando pesquisadores, especialistas, gestores, agentes e sujeitos sociais de diversas matizes.
O debate atual sobre a reforma urbana, e de modo mais amplo o futuro desejável para as cidades e regiões brasileiras, têm na figura do direito de superfície um aliado para um melhor atendimento ao princípio da função social da propriedade, conforme prevê a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade, enfocando num melhor aproveitamento do uso do solo urbano e na manutenção do homem na zona rural.
Para uma maior compreensão dos aspectos tributários relacionados ao direito de superfície, devem ser ressaltados, inicialmente, alguns artigos do Código Tributário Nacional e o que dispõem o Código Civil e o Estatuto da Cidade.
CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município
Art. 30. A base do cálculo do imposto é o valor fundiário.
Art. 31. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.
Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
Art. 33. A base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel.
Parágrafo único. Na determinação da base de cálculo, não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade.
Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.
Os artigos 123 e 128 do Código Tributário Nacional possuem também suma importância e devem ser ressaltados:
Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Dispõe o Código Civil:
Art. 1.371. O superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.
Estatuto da Cidade, in verbis:
Art.21
§3º O Superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.
Em uma análise sistêmica, podem parecer claras e simples as definições dos três diplomas legais citados, porém, uma visão mais detalhista revela algumas discrepâncias que merecem ser melhor analisadas.
Rezende (2010) menciona que ao ler-se o artigo 1.371 do Código Civil, pode-se quase afirmar que o sujeito passivo único e exclusivo de todos os encargos e obrigações tributárias é a pessoa do superficiário, durante o período em que explorar a construção ou plantação.Continua ainda Rezende (2010, p.92):
Mas a questão não é tão simples. Em homenagem à liberdade de contratar, o Estatuto da Cidade de forma mais percuciente que o Código Civil, previu a hipótese de as partes envolvidas, pactuarem a forma pela qual será distribuída as responsabilidade por encargos e tributos incidentes sobre o imóvel e, ainda, na segunda parte do parágrafo 3º do artigo 21, dispôs que caso omisso o contrato, o ônus tributário será repartido na proporção da área objeto da concessão.
Desta forma, se o superficiário tiver a posse direta de 80% de um imóvel rural onde plantou, pagará, por óbvio, 80% do Imposto Territorial Rural que incidir sobre a totalidade da área. Se o imóvel for urbano existirá um complicador, pois o valor da construção, vem, em certos municípios, de forma separada da terra nua. Quando isto acontecer, deverão as partes, caso não tenham pactuado em sentido diverso, apreciar o valor do imposto antes da construção e cotejá-lo com o valor após as obras erigidas pelo superficiário, para assim, poderem distribuir entre as partes (concedente e superficiário) o ônus tributário na medida do grau de utilidade do imóvel para cada.
Eis o que dispôs, nesse sentido, o enunciado no 94 (o qual dar uma interpretação ao artigo 1.371 do Código Civil), da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal[1], realizada em setembro de 2002, aduzindo a possibilidade de as partes transigirem a respeito da responsabilidade tributária:
I Jornada de Direito Civil, Enunciado 94:
94 - Art. 1.371 As partes têm plena liberdade para deliberar, no contrato respectivo, sobre o rateio dos encargos e tributos que incidirão sobre a área objeto da concessão do direito de superfície.
Em outra análise, Andrade (2009, p.152) dispõe:
A análise dos artigos 21 § 3º, do Estatuto da Cidade, e 1.371 do Código Civil, com referência à distribuição de encargos e tributos, não revela discrepância de monta. O código Civil dispõe que o superficiário responderá pelo encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel. Ora, o imóvel compõe as duas propriedades, a do solo e a da superfície. O limite da responsabilização do superficiário está correto, porque além de proprietário das construções e plantações, ocupa o solo utilizando-o. O Estatuto da Cidade não se refere a imóvel, estabelecendo as diferenças das propriedades, que formam o seu conjunto ao mencionar a superficiária e a do solo. Pela redação de seu texto, o superficiário responde pelos encargos e tributos referentes à propriedade superficiária, e, proporcionalmente à sua ocupação, ou melhor, ao seu uso efetivo da área, na pressuposição de que parte dela poderá permanecer sob utilização do proprietário do solo. Forçosamente, a posição adotada no Código Civil chega ao mesmo parâmetro. A parte do imóvel pela qual o superficiário é responsável com relação aos encargos e tributos é a construção ou plantação e a área do solo ocupada, nas dimensões estabelecidas no contrato de concessão. Só nos resta convir que há consonância entre essas normas.
Conclui-se que, derivada de negócio jurídico, a superfície também gera obrigações a seu titular. Porém, não é um dever absoluto, acarretado pelo simples fato da realização da negociação, pois a regra que decorre do art. 1.371 do Código Civil, como já vimos, não é absoluta, podem as partes atribuir tal dever ao proprietário do solo.
O enunciado 94 veio clarear a redação do artigo 1.371 do Código Civil, que poderia ter sido mais bem redigido, já que a expressão “imóvel” não define a extensão – se o todo ou apenas a parte superficiária. No caso de somente parte do imóvel ser objeto da superfície, cada titular deve suportar os respectivos ônus, conforme disposto no artigo 21, parágrafo terceiro, do Estatuto da Cidade.
No direito real de superfície, existem dois detentores de direitos reais: o superficiário e o fundiário, este sobre o solo e o outro sobre as edificações ou plantações.
Tramitou na Justiça de Minas Gerais sob o Processo nº 1.0704.01.000988-1002, ação em que foi discutido o desmembramento de uma propriedade, decorrente de uma arrematação. Segue trecho do acordão:
É princípio básico de direito que o acessório segue o principal, ressalvadas situações excepcionais previstas em lei, tal como exemplo o direito de superfície disciplinado pelo Novo Código Civil, o que também dá guarida ao pedido de restituição, vez que provada a arrematação do principal, cujo auto expressamente relaciona algumas das benfeitorias objeto do litígio.
No caso concreto, o Tribunal entendeu que o terreno arrematado não engloba as acessões (caixa d’água, plantação de eucaliptos) que ali foram feitas por terceiros, tendo como respaldo para a decisão o disposto no direito de superfície, que permite àqueles que investiram seus recursos exigir que essas acessões lhes sejam restituídas em separado do solo e das demais acessões do terreno, conforme ementa:
Ao exposto, ACOLHO os embargos e, em decorrência da omissão apontada, que reconheço presente, imprimo-lhe efeitos infringentes, para, reformulado o julgamento, dar parcial provimento ao recurso, determinando a restituição dos bens arrolados no auto de arrematação.
Muito embora no direito brasileiro vigore o princípio de que “o acessório segue o principal”, existem, excepcionalmente, situações jurídicas em que tal princípio não se aplica, como no direito de superfície, caso em que o superficiário detém o domínio das acessões, enquanto o fundiário é o proprietário do solo.
No direito tributário, elencam-se os impostos que têm como fato gerador a transferência da propriedade: o ITBI, Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – de competência municipal –, e o ITCMD, Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – de competência estadual –, conforme definições e peculiaridades de cada um.
É sabido que, no contrato de superfície, há a transferência para o superficiário do chamado “domínio útil” do terreno, que permite ao contratante usar, gozar, reivindicar a coisa, além da possibilidade de alienar seus direitos, restando ao proprietário o “domínio direto”, que, por sua vez, seria o possuidor indireto e o real proprietário do imóvel, perdendo, no entanto, o poder de uso sobre seu imóvel enquanto perdurar o direito do superficiário.
Em todos os casos, o contrato do direito de superfície, que pode abranger a totalidade ou parte ideal do imóvel será sempre registrado em escritura pública, com a devida averbação na matrícula do imóvel, o que gera a necessidade do recolhimento do ITBI ou ITCD, incidindo o primeiro no caso de a transação ser onerosa e o segundo no caso de transação de natureza gratuita. Quanto ao prazo, poderá ser por tempo determinado ou indeterminado, porém não perpétuo.
De regra, caberá ao superficiário a responsabilidade pelo pagamento dos tributos e encargos incidentes sobre o imóvel, observado o disposto na legislação.
Portanto, conforme já explicitado, o negócio jurídico do direito de superfície deve se revestir de toda a forma legal aplicada aos tradicionais contratos de compra e venda, ou seja, é precedente de escritura e registro. Tal fato gera, portanto, a incidência do ITBI se a transferência for onerosa ou do ITCD se a transferência for gratuita, calculados sempre sobre o valor do negócio.
Muitas causas já tramitam nos tribunais superiores no que se refere aos tributos relacionados ao direito de superfície, algumas das quais mencionaremos:
Na Apelação Cível Nº 70062186994,da Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, tendo como Relatora Marilene Bonzanini, Julgado em (14/11/2014), determinada empresa ingressou com uma ação ordinária contra o Estado do Rio Grande do Sul pela cobrança de ITCD de uma extinção de direito de superfície, negócio celebrado entre a empresa demandante e um particular, alegando, além da inexistência de fato gerador, também o prazo decadencial. Por fim, foi proferida a sentença pela improcedência do pedido da autora.
Inconformada, a autora impetrou Recurso de Apelação, defendendo que o referido instituto não pode ser enquadrado como direito real e de posse, sendo impossível considerá-lo como fato gerador do ITCD; alega que a extinção do contrato de cessão do direito de superfície é automática e não constitui novo fato gerador tributável e sustenta a decadência do direito da Fazenda Estadual em efetuar a cobrança do ITCD.
O Egrégio Tribunal conheceu do Recurso da Apelação, porém não pelos motivos expostos, mas exclusivamente pela não configuração do fato gerador de ITCD, sendo ele hipótese de incidência apenas na transação de bens móveis e imóveis por morte ou doação do titular e que, por conseguinte, o caso em tela consiste em fato gerador de ITBI, imposto de competência municipal.
Sobre a égide dos argumentos do Egrégio Tribunal, teceremos alguns comentários sobre as circunstanciais diferenças entre os dois impostos.
O ITCD (Art. 155, I, CF) tem por grande característica a gratuidade (transmissão não onerosa), ou seja, uma transmissão gratuita ou doação de qualquer bem ou direito que pode acontecer em decorrência do falecimento – chamada de causa mortis– ou então por meio de doação inter vivos.
Já o ITBI (Art.156, II, CF),não incide sobre qualquer bem ou direito, mas somente sobre bens imóveis, sendo as transmissões de caráter oneroso excluindo-se a sucessão.
Quanto às hipóteses possíveis de desencadear a ocorrência do fato gerador do ITBI, forçoso é buscar embasamento na legislação de direito privado (Código Civil), principalmente no artigo 1.225 (Lei no 10.406, CC/2002), o qual diz serem “direitos reais”:
I - a propriedade; II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; VI - a habitação; VII - o direito do promitente comprador do imóvel;VIII - o penhor; IX - a hipoteca; X - a anticrese.XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; XII - a concessão de direito real de uso.
O contrato de superfície há de ser realizado obrigatoriamente através de escritura pública e registrado no registro de imóveis competente; por sua vez, sua extinção deve ser averbada à margem da matrícula do imóvel. Ambas as operações envolvem custos, portanto, é possível a interpretação de caracterização nas duas situações do fato gerador de um dos impostos: ITBI ou ITCMD.
A concessão da superfície, como já conhecido o direito real de que trata o inciso II, do art. 1.225 do Código Civil brasileiro, é fato gerador da DOI, Declaração sobre Operações Imobiliárias (DOI) porque encerra a ideia de alienação de direito sobre imóvel. A transmissão da superfície, por ato de concessão realizado pelo proprietário do imóvel, ou por ato de transferência “inter vivos”, já que é direito transmissível a terceiros pelo superficiário, ou, ainda, por ato de transferência “causa mortis”, já que é direito pertencente ao acervo hereditário da pessoa falecida, pode ocorrer a título gratuito ou oneroso. Por caracterizar a transmissão de direito sobre imóvel, a superfície pode ser, ainda, fato gerador dos tributos ITBI ou ITCD, a depender da legislação municipal ou estadual, respectivamente, de situação do imóvel. E se a parte transmitente (proprietário ou superficiário) for empresa, nos termos do Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, ser-lhe-á exigível, como condição para a prática do ato notarial, a comprovação de inexistência de débitos relativos às contribuições destinadas à manutenção da seguridade social feita por meio da apresentação das Certidões Específica e Conjunta, nos termos da Lei nº 8.212/91 e de seu decreto regulamentador. (HERACE FILHO, 2015, p. 18-19).
Em um Recurso de Apelação no Município de São Paulo, nº 0186585-25.2007.8.26.0000, o Apelante contesta a decisão de primeiro grau por ter sido negado provimento ao Recurso de Mandado de Segurança, sob a égide de violação de direito líquido e certo, em razão da exigência do ITBI ao ensejo do registro de escritura de constituição de direito real de superfície, firmado entre as partes interessadas, sustentando-se ainda que a exigência viola o dispositivo no art. 150, IV, da Constituição Federal, o qual veda o confisco, enfatizando a ilegalidade da lei municipal utilizada para impedir o registro sem o recolhimento do aludido tributo.
A Apelação, no entanto, não logrou êxito, tendo sido entendido pelo Tribunal competente que o magistrado prolator da sentença agiu com acerto ao denegar a segurança, uma vez que não se vislumbrou a violação de direito líquido e certo, negando, portanto, provimento ao Recurso de Apelação, tendo sido entendido por àquele tribunal a existência do fato gerador do ITBI.
Cabe observar que o entendimento do Egrégio Tribunal têm como pilar o ordenamento jurídico do aludido direito de superfície, que o define como um direito real, inegável por conseguinte, que, com o advento do Novo Código Civil, o direito real de superfície que figura no rol exaustivo do art. 1.225 (inciso II) é fato gerador do ITBI. E ainda, segundo disciplina o art. 1.369 do Código Civil, o direito de superfície somente se constitui por escritura pública devidamente registrada no cartório de registro de imóveis.
No mesmo sentido, o art. 21 da Lei no10.257/2001 (Estatuto da Cidade) prescreve que “[...] o proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.” (BRASIL, 2001).Consubstancia-se, pois, que inegavelmente incide o imposto sobre a transação envolvendo o direito de superfície, seja ele municipal, seja ele estadual.
Sob a égide dos Tribunais, outro julgado trata do tema:
No Tribunal de Justiça de São Paulo transitou o processo de nº 623.0975/4-01, cujo julgamento ocorreu em 2007 tendo como relator Geraldo Xavier, que versa sobre um mandado de segurança impetrado contra a cobrança do ITBI, bem como sobre a inadequação da base de cálculo do tributo, não logrando êxito em sua demanda, segue trecho do acordão:
[...] exigência de pagamento do imposto, contra a qual se volta o mandado de segurança, não foi feita por ocasião da lavratura, mas sim do registro da escritura de aquisição do direito de superfície. A exação foi formulada corretamente, quando surgiu o fato gerador do tributo (registro da escritura). Assim, ausente “fumus boni juris”. Posto isso, rejeitam-se os embargos.
Tal decisão reforça que o direito real de superfície tem seu surgimento somente após o ato que transcreve a escritura pública devidamente lavrada no Cartório de Registro de Imóveis, ocorrendo neste momento o fato gerador da obrigação tributária de pagar o imposto de transmissão de bens imóveis, estando claro o posicionamento do Tribunal com relação ao surgimento de um novo domínio sobre o imóvel concomitantemente com a propriedade do solo, através da constituição da superfície.
É importante frisar alguns pontos constantes no modelo de escritura do direito de superfície, destacando-se os mais importantes:
a) construir nos termos do memorial descritivo, no prazo estipulado;
b) zelar pela construção erigida;
c) pagar ao concedente o valor anual, reajustado pelo índice mencionado;
d) pagar o IPTU e todas as taxas incidentes sobre o imóvel objeto da escritura;
e) utilizar o imóvel somente para o objetivo pretendido, podendo locá-lo, desde que no dia da extinção desta superfície devolva ao concedente completamente desocupado;
f) permitir que o concedente vistorie o imóvel sempre que desejar, mediante prévio aviso de 5 (cinco) dias;
g) devolver o imóvel rigorosamente no prazo acordado, com todas as acessões e benfeitorias erigidas.
Fica clara diante do exposto que a concessão da superfície, reconhecidamente um direito real, é fato gerador dos tributos ITBI ou ITCD, a depender da legislação municipal ou estadual, respectivamente.
Nos contratos de direito de superfície com prazo determinado, haverá o exaurimento do negócio jurídico, cessada a produção dos seus efeitos, através da extinção interna, tendo porém outros meios de extinção, as chamadas causas externas.
Segundo ANDRADE (2009, pg 159), para exposição mais adequada foram consideradas as causas internas à extinção, como aquelas que, necessariamente, estão no contrato e outras que, normalmente, vêm abrigadas na lei. Daí a divisão temática, agora, proposta. As causas internas abrangem o termo contratual, a destinação diversa dada à superfície, em confronto com a prevista na avença, e o descumprimento das obrigações ajustadas. Como causas externas foram priorizadas a desapropriação, a renúncia, a confusão, o distrato, o perecimento do objeto do direito real da superfície, a decadência e a prescrição, reservada ainda observação sobre o abandono e o não uso da coisa superficiária.
Haverá portanto a incidência do imposto de transmissão nos casos de extinção? Vejamos, Seja qual for o motivo da extinção ou termo do respectivo contrato, uma vez extinta a concessão, o proprietário passa a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação. Portanto, partindo da premissa de que, como na constituição, na extinção do direito de superfície também ocorre a lavratura de escritura pública e posterior registro imobiliário, é possível afirmar que ocorrerá o fato gerador da obrigação tributária do imposto de transmissão.
Qualquer município poderá cobrar os tributos do instituto em questão, ou precisará de lei específica para tal prática?
Neste sentido disserta Luís Alberto Garcia de Sousa:
...]Cabe consignar, inicialmente, que não é certo, a rigor, que os Municípios já possam, hoje, exigir o ITBI nos negóciossuperficiários que venham a ser concretizados. O óbice à cobrança decorreria do fato de que, sendo ainda muito recente a introdução deste novo direito real no ordenamento jurídico brasileiro, certamente poucas terão sido as legislações tributáriasmunicipais já “adaptadas” ao novo instituto. Daí porque, em princípio, os Municípios só estariam autorizados a exigir o imposto sobre as concessões de direito de superfície a partir do momento em que suas leis ordinárias contemplassem, especificamente, esta nova fattispècie. http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2002/arti_luizgarcia.pdf
Assim, conclui-se que é indiscutível a ocorrência do fato gerador do ITBI na constituição do Direito de Superfície, vislumbrando-se no entanto, a arguição ao Poder Judiciário sobre a exigência de lei municipal específica para a sua exação, tendo em vista que a maioria das leis englobam o assunto apenas de forma genérica quanto aos direitos reais, que à época de sua edição nem sequer existia ainda o referido instituto em estudo, sendo necessária norma regulamentando o fato gerador (se a extinção ou somente a transmissão da superfície), a base de cálculo e a alíquota, para que se caracterize por completo a obrigação tributária;
Segundo ainda Luis Alberto Garcia de Sousa, se “vier a prevalecer a disciplina do ITBI, tal como hoje está posta— seja por aplicação direta das leis em vigor, seja pela edição de novas leis que estendam tal regulação ao direito real de superfície —, situações manifestamente absurdas hão de ocorrer. Dois exemplos ilustrarão a afirmação. O primeiro é o da concessão de direito de superfície sobre terrenos públicos, no âmbito de planos habitacionais para populações de baixa renda. Como não há isenção alguma prevista para esta hipótese específica, e tampouco sendo possível o emprego da analogia, o negócio superficiário sofreria um ônus adicional que, se não inviabilizasse, no mínimo desestimularia, e muito, a utilização deste novo instrumento.
O outro exemplo é o do direito de superfície constituído por prazo determinado, onerosamente, entre particulares, com cláusula de reversão da propriedade superficiária ao dominus soli, afinal, sem indenização. Neste caso, como é fácil perceber, o negócio, em sua dinâmica econômica, se assemelhará em tudo e por tudo a uma locação. Como já se viu acima, pode suceder que as partes, por conveniências suas, perfeitamente lícitas e morais, queiram se valer do direito de superfície, e não da locação. Poucos provavelmente, porém, se animarão a fazê-lo, já que teriam que arcar com um ônus duplo: pagariam o ITBI uma vez, na constituição do direito de superfície, e, findo o termo contratual, pagariam outra vez, desta feita em razão da extinção da superfície. O custo financeiro, por evidente, seria tão pesado que as partes certamente desistiriam do negócio superficiário.”
6CONCLUSÃO
Podemos concluir, em síntese, que o direito de superfície é um direito real autônomo; e que, indiscutivelmente, por tratar-se de um instrumento novo, se corretamente utilizado, pode trazer importantes mudanças no relacionamento entre os proprietários de terrenos urbanos ou rurais e aqueles que deles pretendem se utilizar, ocorrendo apenas a transmissão da posse temporária da superfície, continuando a propriedade do solo pertencendo ao fundeiro ou cessionário.
Observam-se divergências entre os dois diplomas legais, o Estatuto da Cidade e o Código Civil, sob diversos ângulos, como localização, aspecto temporal do contrato, abrangência do objeto da concessão, causas de extinção, entre outras. No entanto, apesar das discrepâncias não se mostrarem tão acentuadas a ponto de incompatibilizar a aplicação das duas legislações concomitantemente, suas particularidades são suficientes para que sejam suscitadas dúvidas sobre sua aplicação. Portanto, em sua essência, o direito de superfície é análogo, no que concerne a sua filosofia e estrutura e conflitante em seu aspecto físico e temporal, cabendo, pois, ao aplicador do direito buscar harmonia e integração dos dois textos legais, visto que há detalhes que não se identificam.
É possível abstrair que as duas leis coexistem com aplicação subsidiária do Código Civil em relação ao Estatuto da Cidade.
Quanto ao objeto, a doutrina majoritária se posiciona no sentido de que o direito de superfície somente pode ser constituído tendo como objeto um terreno, pois este termo é claramente explicitado pelo legislador.
No que se refere ao aspecto tributário por ocasião da introdução do direito de superfície no nosso ordenamento jurídico, surgiu a questão sobre a necessidade de leis tributárias específicas para a cobrança dos impostos sobre a sua transmissão, uma vez que, quando da promulgação da Constituição Federal e das leis municipais que lhe seguiram, não existia esse direito. São recomendáveis, portanto, leis e regulamentos que estabeleçam critérios necessários para a cobrança dos impostos, em especial, os relativos à definição do sujeito passivo e à apuração da base de cálculo.
A passos crescentes têm aumentado as discussões judiciais no âmbito tributário. Tratando-se, como visto, de direito real passível de ser transmitido, a concessão de direito de superfície se enquadra no fato eleito pela Constituição Federal como possível de ser objeto de norma de incidência tributária de competência dos Municípios ou dos Estados conforme o previsto em seus artigos 155 e 156 respectivamente.
Não se objetivou aqui, tampouco seria possível, o esgotamento do tema, procurou-se o enfoque da compreensão de pontos de vistas conflitantes na esfera das duas legislações e a cobrança dos tributos incidentes. Destarte, diante desta problematização e diante da omissão do legislador em indicar expressamente o sujeito passivo decorrente do contrato do direito de superfície bem como a sua real base de cálculo, não paira dúvidas de que, ainda será matéria de grandes discussões jurisprudenciais, posto que, fica evidente a lacuna sobre elementos de sua hipótese de incidência, a correta composição da base de cálculo imponível, bem como a discussão sobre a necessidade de lei específica.
REFERÊNCIAS
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07 março 2016.
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http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2002/arti_luizgarcia.pdf acessado em 20 julho 2016
[1]As Jornadas de Direito Civil são uma realização do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Centro de Estudos Jurídicos (CEJ). Nessas jornadas, compostas por especialistas e convidados do mais notório saber jurídico, são elaborados enunciados de direito civil, baseados sempre no Novo Código Civil, que buscam uma melhor interpretação de seus dispositivos.
Graduada em Direito, com especialização em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Maria Miracelia Farias de Oliveira. Direito de superfície no âmbito tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50615/direito-de-superficie-no-ambito-tributario. Acesso em: 08 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: EDUARDO JOSE ABREU JUNIOR
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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