O mundo definitivamente se globalizou. Na última metade do século passado assistimos às diversas transformações de ordem social, política e econômica. O desfecho trágico da Segunda Guerra Mundial possibilitou a polarização de forças não só no campo da política e da economia, como na matriz ideológica das sociedades. No extremo leste do globo terrestre a União Soviética com seu sistema socialista, baseado na economia planificada e no partido único, o Comunista. No oeste os Estados Unidos da América e o “sonho americano” de um sistema democrático, capitalista, baseado na economia de mercado e na propriedade privada (BLAINEY, 2008).
Recém-saído dos campos de batalhas, após a recuperação pelos Aliados do território francês, da “corrida” até Berlim e do exibicionismo bélico americano com o lançamento das bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, respectivamente nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, o mundo continuaria sobre pressão. O fim da Segunda Guerra Mundial foi só o início de um novo tempo. O marco zero de uma nova realidade. Baixaram se armas. Ergueram-se as bandeiras; e a principal delas: a ideológica. Neutralizada a ameaça nazista de Hitler, o mundo assistiria a partir de então a um conflito ideológico marcado por disputas indiretas entre as duas visões antagônicas de organização da vida, da propriedade e das relações sociais (DALESSI, 2012).
Não obstante a polarização de dois mundos distintos, capitalismo vs. socialismo, ainda assim a economia global expandiu-se pela necessidade imediata de reestruturação e reorganização do mundo saído das ruínas do Holocausto. É consenso entre os historiadores, que a economia global expandiu significativamente entre os anos de 1950 e 1973 (MIDDLETON, 1945). Ainda de acordo com (MARGLIN & SCHOR, 2000), os membros da OCDE tiveram uma taxa de crescimento do PIB em média de mais de 4% ao ano, na década de 1950, e próximo de 5% ao ano, na década de 1960, comparado com 3% em 1970 e 2% em 1980.
Contudo, a falta de democracia, o engessamento econômico e a crise nas repúblicas soviéticas aceleraram a crise do socialismo no final da década de 1980. Com a queda do Muro de Berlim e a reunificação das duas Alemanhas (Ocidente e Oriental), o modelo capitalista, de mercado e da propriedade privada se consolidou. A derrocada soviética e o capitalismo vitorioso fez nascer uma nova realidade global, agora não mais bipolar, mas multipolarizada (ARBIX, 2002). Apesar do grande poderio norte-americano, outras nações consolidaram-se como polos da economia mundial, a exemplo da França, Japão e da Alemanha. China, Cuba e Coreia do Norte continuam socialistas, embora desenvolvam práticas comerciais típicas das sociedades capitalistas (DALESSI, 2012).
Mas se o conflito ideológico socialismo capitalismo e o medo de uma guerra nuclear saíram de cena, novas preocupações tomaram lugar. As descobertas científicas, as inovações tecnológicas, os câmbios culturais, sociais e políticos da última metade do Século XX responsabilizaram-se por criar um novo campo de disputas. A globalização se notabilizou como instrumento de expansão do capital, na medida em que um novo liberalismo surge como instrumento de maximização dos lucros (DUPAS, 2017).
Uma guerra silenciosa por reconhecimento e dominação se expande em todas as direções. A diferença da sociedade industrial dos primórdios do Século XX, caracterizada pela luta de classes, capitalismo vs. socialismo, hoje cede espaço a um novo ambiente de guerra. Os grandes centros urbanos tornam-se campos de batalha entre uma sociedade que se diz organizada e outra declaradamente sem regras. As trincheiras de hoje são morros, favelas, a periferia, o blindado, o portão eletrônico, a serpentina, a vigilância armada. Vive-se o paradoxo da liberdade que demanda cada vez mais segurança para sentir livre. Ataques virtuais mudam a cara do crime. Enquanto isso nas redes sociais tudo se apresenta perfeito. O corpo, a cabeça, a dieta, o trabalho, etc., tudo aparenta ser autêntico, mas no real muito se tem vazio e sem sentido. A autoafirmação se rende à quantidade de curtidas, visualizações, seguidores, etc. Eleva-se o consumo de psicotrópicos, psicólogos, terapias, couch, etc. Os tempos mudaram e o progresso humano é incontestável. Contudo, há muito que sê corrigido. E o primeiro passo desse caminho é reconhecer que todo progresso tem duas faces: uma que aprimora nossa humanidade enquanto seres racionais; e outra que potencializa nossa irracionalidade entre as demais espécies de seres vivos num mundo que clama por razão, mas principalmente por compaixão.
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