Resumo: O presente artigo visa percorrer as principais polêmicas acerca do início da personalidade civil, bem como busca fazer uma breve apresentação acerca das teorias que tratam do assunto. Por fim, apresenta a teoria adotada pelo Código Civil de 2002 e os conflitos que envolvem a situação do nascituro.
Palavras Chave: direito civil; personalidade civil; nascituro; teoria natalista; teoria da personalidade condicional; teoria concepcionista.
Abstract: The present article aims to cover the main controversies about the beginning of the civil personality, as well as to make a brief presentation about the theories that deal with the subject. It seeks, also, to present the theory adopted by the Civil Code of 2002 and to report the controversies of the situation of the unborn child before the question.
Key-words: This article is intended to cover civil law; civil personality; unborn child; natal theory; conditional personality theory; Cconceptionist theory.
Sumário: 1. Introdução. 2. Início da Personalidade Civil. 3. Teorias. 6. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O artigo 2º do Código Civil de 2002 afirma que a personalidade civil tem seu início com a vida, assim como era o artigo 4º do Código Civil de 1916. Contudo, a lei disporá sobre os direitos do nascituro desde a sua concepção.
Assim, vejamos o Código Civil de 1916 e o de 2002, respectivamente:
“Art. 4. A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro.”
“Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
Com a referida disposição acima, a discussão acerta da personalidade civil do nascituro, continua a ser latente, pois com o novo texto, perdeu-se a oportunidade de acabar com a disputa entre as terias natalista e da concepção.
Diante do texto do art. 2º do Código Civil/2002, é notória a adoção pelo Código Civil de 2002 da teoria natalista, assim como era adotada pelo Código Civil de 1916. Entretanto, parece que tal entendimento vem sendo superado pela doutrina e pela jurisprudência, em que pese a teoria acima possuir renomados e respeitáveis defensores.
Claramente, o artigo 2º do Código Civil realiza uma divisão entre o nascimento e a concepção, sendo esse o ponto principal que origina a discussão relacionada ao tema deste artigo.
Assim, as principais teorias que tratam do tema sobre o início da personalidade jurídica são: teoria natalistas; teoria da personalidade condicional; teoria concepcionista. Tais teorias serão estudadas a seguir.
2. Do Início da Personalidade Civil
Como já dito, na introdução deste artigo, o Código Civil de 2002 estabelece que a personalidade civil se inicia a partir do nascimento com vida.
Esse é o entendimento que prevalecia entre os autores clássicos e determina que, para a personalidade civil surgir, exige-se o nascimento com vida.
Nesse sentido, de acordo com os autores clássicos, o nascituro não pode ser considerado pessoa e por essa razão não era capaz de adquirir direitos, mas apenas expectativa de direitos, o que traduz imensa diferença.
Desta forma, com base no que foi dito no parágrafo anterior, surge o problema de definir o que é considerado o nascituro, uma vez que se não é “pessoa”, também não pode ser considerado “coisa”.
Portanto, para melhor compreensão, será necessária a análise de cada teoria e as questões controversas que cada uma dela causa no ordenamento jurídico e, consequentemente, na sociedade.
3. Das Teorias
Como já dito no tópico anterior, a teoria natalista foi a teoria adotada pelo Código Civil de 2002, de acordo com o artigo 2º. A referida teoria condiciona o surgimento da personalidade civil com o nascimento com vida e não considera o nascituro como “pessoa”.
A título de registro, podemos citar o doutrinador clássico que é adepto a tal teoria Caio Mário da Silva Pereira e na doutrina contemporânea Sílvio de Salvo Venosa, ou seja.
Para os doutrinadores citados, o fundamento para a adoção de tal teoria é a interpretação literal da lei, porém tal entendimento, de um ponto de vista pragmático, renega ao nascituro diversos direitos relevantes, até mesmo direitos fundamentais, como por exemplo, os direitos à dignidade humana, à vida e à personalidade.
No que tange à teoria da personalidade condicional, também estabelece que a personalidade civil surge com o nascimento com vida e relaciona os direitos do nascituro a uma condição suspensiva, ou seja, sua eficácia fica adstrita a um evento futuro e incerto, sendo um elemento acidental do negócio jurídico.
Como doutrinadores que adotam tal teoria, podemos citar Washington de Barros Monteiro, Clóvis Beviláqua e Arnaldo Rizzardo.
Com efeito, as questões controversas que são levantadas com a teoria natalista também são levantadas com a teoria da personalidade condicional, pois também não considera o nascituro como “pessoa” e, ainda, impõe uma condição suspensiva a direitos da personalidade, o que é incorreto por ter um viés patrimonial, ou seja, os direitos da personalidade não podem ser condicionados.
A teoria concepcionista, que ganha força com o desenvolver do direito e da sociedade, sustenta o nascituro como pessoa, ou seja, que a personalidade civil nasce desde a concepção.
Tal teoria é defendida por Pontes de Miranda, Pablo Stolze Gagliano, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald dentre outros, e é a teoria com maior aceitação dentre os doutrinadores contemporâneos.
Importante ressaltar o Enunciado nº 1 do Conselho de Justiça Federal (CJF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovado na I Jornada de Direito Civil, que adotam a teoria concepcionista, conferindo direito, inclusive, ao natimorto, como por exemplo, direito ao nome e imagem.
A teoria da concepção está mais de acordo com a atualidade, pois ao estabelecer que a personalidade civil surge desde a concepção e ao conferir direitos ao nascituro, está garantindo o respeito aos direitos fundamentais a esse, indo no mesmo sentido da Lei nº 11.804/2008, por exemplo, pois confere ao nascituro o direito a alimentos (alimentos gravídicos), bem como confere ao nascituro direito à vida.
Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça tem caminhado para a direção da teoria concepcionista, tendo diversos julgados nesse sentido. Assim, vejamos os julgados a seguir:
Data de publicação: 07/05/2013
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. NASCITURO. PERDA DO PAI. 1.- Não há falar em omissão, contradição ou obscuridade no acórdão recorrido, que apreciou todas as questões que lhe foram submetidas de forma fundamentada, ainda que de modo contrário aos interesses da Recorrente. 2.- "O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum" (REsp 399.028/SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 15.4.2002). 3.- "A jurisprudência desta Corte é disposta no sentido de que o benefício previdenciário é diverso e independente da indenização por danos materiais ou morais, porquanto, ambos têm origens distintas. Este, pelo direito comum; aquele, assegurado pela Previdência; A indenização por ato ilícito é autônoma em relação a qualquer benefício previdenciário que a vítima receba"(AgRg no AgRg no REsp 1.292.983/AL , Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 7.3.2012). 4.- "Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado" (Súmula 313/STJ). 5.- "A apreciação do quantitativo em que autor e réu saíram vencidos na demanda, bem como a verificação da existência de sucumbência mínima ou recíproca, encontram inequívoco óbice na Súmula 7/STJ, por revolver matéria eminentemente fática" (AgRg nos EDcl no REsp 757.825/RS , Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe 2.4.2009). 6.- O recurso não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 7.- Agravo Regimental improvido.”
“RECURSO ESPECIAL Nº 931.556 - RS (2007/0048300-6)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE: LUCIANA MARIA BUENO RODRIGUES E OUTROS
ADVOGADO: LUCIANO HILLEBRAND FELDMANN E OUTRO(S)
RECORRENTE: RODOCAR SUL IMPLEMENTOS RODOVIÁRIOS LTDA
ADVOGADO: CÉSAR SOUZA E OUTRO(S)
RECORRIDO : OS MESMOS
EMENTA
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DIES A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DA FIXAÇÃO PELO JUIZ. JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO CONFIGURDA A MÁ-FÉ DA PARTE E OPORTUNIZADO O CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE DANO. DESNECESSIDADE. CIVIL. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. FILHO NASCITURO. IRRELEVÂNCIA NA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO.
- É devida correção monetária sobre o valor da indenização por dano moral fixado a partir da data do arbitramento. Precedentes.
- Os juros moratórios, em se tratando de acidente de trabalho, estão sujeitos ao regime da responsabilidade extracontratual, aplicando-se, portanto, a Súmula nº 54 da Corte, contabilizando-os a partir da data do evento danoso. Precedentes
- É possível a apresentação de provas documentais na apelação, desde que não fique configurada a má-fé da parte e seja observado o contraditório. Precedentes.
- A sistemática do processo civil é regida pelo princípio da instrumentalidade das formas, devendo ser reputados válidos os atos que cumpram a sua finalidade essencial, sem que acarretem prejuízos aos litigantes.
- Impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos morais em relação ao nascituro, em comparação com outros filhos do de cujus, já nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão.
- Embora sejam muitos os fatores a considerar para a fixação da satisfação compensatória por danos morais, é principalmente com base na gravidade da lesão que o juiz fixa o valor da reparação.
Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Recurso especial da ré não conhecido.”
O tema é de grande relevância, mesmo sendo discutido há décadas, pois interfere em questões que sempre estiveram em pauta, por exemplo, como ocorreu com a utilização de embrião na pesquisa de células tronco por meio da lei de biossegurança (Lei 11.105/2005).
Desta forma, para que a utilização de células-tronco embrionárias fosse autorizada seria necessário o preenchimento de diversos requisitos e, ainda, os embriões devem ser considerados “inviáveis”.
Nesse sentido, o que se observa na lei é que a utilização de células-tronco embrionárias é tida como uma exceção e não como uma regra, ou seja, não há como negar a influência da teoria concepcionista, no caso.
Outro tema que pode ser levantado que é muito discutido atualmente é o aborto, que muitos defendem a sua legalização e outros defendem a permanência da vedação, o que obrigatoriamente ultrapassa pelo estudo do presente artigo.
Com efeito, não se trata apenas de uma discussão jurídica, há a necessidade de se passar por discussões políticas, sociológicas e até mesmo religiosas.
Assim, se observa no recente julgado do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Roberto Barroso.
Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA SUA DECRETAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO TIPO PENAL DO ABORTO NO CASO DE INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GESTAÇÃO NO PRIMEIRO TRIMESTRE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O habeas corpus não é cabível na hipótese. Todavia, é o caso de concessão da ordem de ofício, para o fim de desconstituir a prisão preventiva, com base em duas ordens de fundamentos. 2. Em primeiro lugar, não estão presentes os requisitos que legitimam a prisão cautelar, a saber: risco para a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal (CPP, art. 312). Os acusados são primários e com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação. 3. Em segundo lugar, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade. 4. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a 2 igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria. 5. A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos. 6. A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios. 7. Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália. 8. Deferimento da ordem de ofício, para afastar a prisão preventiva dos pacientes, estendendo-se a decisão aos corréus.”
No referido julgado foi destacado que não há crime se o aborto ocorrer no primeiro trimestre de gravidez, sendo um julgado inédito e até mesmo histórico.
4. Conclusão
É inegável que o a teoria concepcionista tornou-se a mais aceita, superando a teoria natalista. O desenvolvimento do direito foi necessário para acompanhar a sociedade como um todo.
Assim, é certo afirmar também que o presente tema está longe de ter o consenso alcançado, uma vez que diversos são os casos que o confronto entre as teorias são trazidos à tona.
Trata-se de um tema muito delicado, pois com a adoção da teoria natalista retiram-se direitos do nascituro e com a adoção da teoria concepcionista confere direitos ao nascituro.
Contudo, ao lhe conferir direito à honra, à imagem, à alimentos, não faria muito sentido lhe retirar o direito à vida, o que confrontaria a questão da legalização do aborto, tema que se encontra latente na sociedade, principalmente pelas questões políticas de saúde e pela forte e justa corrente feminista.
Portanto, essa breve análise das teorias possuiu o objetivo de esclarecer dúvidas acerca do tema, bem como de causar a reflexão no estudo que é de extrema relevância e importância.
Referências bibliográficas
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 6ª ed. São Paulo: Método, 2016.
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil – Volume Único. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
Diniz, Maria Helena. Parte Geral. In: Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2002.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
Advogada formada pela Puc-Rio e com pós-graduação na EMERJ, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILELA, Camila Gonçalves de Souza. Do início da personalidade civil e da situação jurídica do nascituro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2017, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50644/do-inicio-da-personalidade-civil-e-da-situacao-juridica-do-nascituro. Acesso em: 08 nov 2024.
Por: Isnar Amaral
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: REBECCA DA SILVA PELLEGRINO PAZ
Por: Isnar Amaral
Precisa estar logado para fazer comentários.