1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho cinge-se à controvérsia que tange ao instituto da ‘abstrativização’ do controle concreto de constitucionalidade que tem sido verificado em âmbito constitucional e infraconstitucional. Confrontar-se-á, portanto, os modelos de controle de constitucionalidade adotados pelo ordenamento jurídico pátrio, de modo a analisar a vinculação de seus efeitos com base no posicionamento da doutrina e jurisprudência.
O controle concreto é exercido por qualquer órgão judicial (juiz ou tribunal, havendo a necessidade de observância à cláusula de reserva de plenário nesse caso), na apreciação de uma lide onde as partes defendem seus respectivos direitos. Nesse caso, portanto, a inconstitucionalidade é uma questão prejudicial ao pedido principal, e a eficácia da decisão, sob o aspecto subjetivo, limita-se às partes envolvidas no processo, não atingindo a esfera de direitos de terceiros, justamente por tratar-se da apreciação de um caso concreto. Leciona Gilmar Mendes, in verbis:
“[...] o controle de constitucionalidade difuso, concreto, incidental, caracteriza-se, fundamentalmente, também no Direito brasileiro, pela verificação de uma questão concreta de inconstitucionalidade, ou seja, de dúvida quanto à constitucionalidade de ato normativo a ser aplicado num caso submetido à apreciação do Poder Judiciário”.
Já o controle abstrato fundamenta-se na análise da constitucionalidade da lei como objeto principal (autônomo) da causa. A lei, cuja constitucionalidade é questionada, é o único objeto demandado, sendo apreciada por algum órgão dotado de competência originária para a análise da constitucionalidade das leis. Nessa espécie de controle, a decisão produz eficácia erga omnes (isto é, contra todos) possuindo efeito vinculante.
As terminologias utilizadas para adjetivar os tipos de controle são antagônicas entre si: pela perspectiva subjetiva ou orgânica, denominam-se concentrado e difuso; pela perspectiva formal, pela via incidental ou via principal. Por fim, há, ainda, a dicotomia entre o controle concreto e abstrato. No que diz respeito a essa última classificação, perquire-se, como o próprio nomen juris sugere, se o controle é realizado a partir de um caso concreto ou em abstrato. Assim, muito embora a controvérsia cinja-se aqui à “abstrativização do controle concreto”, pode-se, trabalhando com a sinonímia supra apresentada, utilizar outras denominações para o mesmo objeto de estudo.
A abstrativização do controle concreto pode ser resumidamente conceituada como a possibilidade de uma decisão, em sede de controle concreto, ter efeitos erga omnes, aproximando o controle concreto do controle abstrato, sem haver a necessidade de pronunciamento do Senado Federal, tal qual previsto pelo art. 52, X, da CRFB/88.
Gilmar Mendes fala na ocorrência de uma verdadeira mutação constitucional no que diz respeito a regra preconizada pelo art. 52, X, da CRFB/88, posicionando-se na mesma linha Teori Zavascki, também favorável ao efeito vinculante de decisão mesmo em se tratando de controle difuso, ambos posicionamentos em sede doutrinária.
Já em sede jurisprudencial, Gilmar Mendes, enquanto relator da Reclamação n. 4.335/AC, julgada procedente, sustentou que, no contexto da atual Carta Maior, a amplitude do controle abstrato de normas aliada a possibilidade de suspender, liminarmente e com eficácia geral, a eficácia de leis ou atos normativos enfraqueceram a razão de ser do instituto da suspensão da execução do ato pelo Senado. Segundo o relator, a decisão do Supremo Tribunal Federal mesmo em sede de controle concentrado já tem, por si só, efeitos gerais, sendo despicienda a resolução do Senado Federal para suspender a execução de lei, que, in casu, teria apenas efeito de dar publicidade (para que seja a decisão publicada no Diário do Congresso).
No mesmo sentido é o posicionamento de Barroso, ipsis litteris:
“A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC n. 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há lógica razoável em sua manutenção”.
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.
BUZAID, Alfredo. Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficária das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
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