RESUMO: Este trabalho busca analisar as concepções clássicas de Constituição formuladas entre os séculos XIX e XX. A Constituição é a lei fundamental e suprema de um Estado, daí sua vital importância e relevância na construção social. Dessa forma, o presente trabalho, abordará as mais importantes concepções de Constituição para o Direito, sendo elas: a concepção sociológica, a concepção política e a concepção jurídica.
Palavras-Chave: Constituição. Concepções constitucionais. Conceito. Sociológica. Política. Jurídica
Introdução
Como regra, no Direito, a Constituição é a lei fundamental de um Estado. Nesse sentido, José Afonso da Silva entende a Constituição como o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.[1]
Para Paulo Bonavides, a Constituição, em seu aspecto material, é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, sejam eles individuais ou sociais. [2]
Assim, pode-se perceber, que existem várias formas de se compreender a Constituição, bem como, várias concepções associadas a essa ideia de lei suprema. Dependendo da maneira que se observa, a Constituição pode assumir diferentes sentidos.
Tem-se que o Constitucionalismo Moderno foi marcado por grande teorização, principalmente após a promulgação da Constituição americana, em 1776 e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789.
A força das ideias dispostas em tais cartas, bem como a disseminação dos pensamentos liberais levaram a consolidação da Constituição no sentido de ser lei fundamental dos Estados. Nesse prisma, as correntes filosóficas e doutrinais desenvolverem diversas explicações e entendimentos para a Constituição. Dentre elas, destaca-se as concepções: sociológica, política e jurídica.
Concepção Sociológica
A concepção sociológica de constituição está fortemente relacionada ao pensamento de Ferdinand Lassale. Em seu ensaio “O que é uma Constituição?”, Lassale analisa a Constituição levando em consideração os fatos sociais dentro de um determinado Estado.
Para ele, as questões constitucionais não eram questões jurídicas, e sim questões políticas. Lassalle não aceitava a força normativa da constituição escrita, uma vez que, esta seria apenas uma folha de papel.
A verdadeira constituição de uma sociedade, para Lassalle, é a soma de seus fatores reais de poder. Os fatores reais de poder que atuam dentro de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes. Assim, ele suscitou a diferenciação entre a Constituição jurídica ou escrita e a Constituição real ou efetiva.
Segundo seu pensamento, a Constituição real é, em essência, a soma dos fatores reais de poder, sendo tais fatores os verdadeiros regentes da sociedade. A Constituição escrita, por sua vez, é um documento, uma mera folha de papel, que objetiva organizar a vida política de uma nação.
Dessa forma, tem-se que a Constituição jurídica é apenas um papel, já a Constituição real, esta não é jurídica, mas sim política.
De acordo com Lassale, a constituição escrita só será valida se for capaz de se ajustar à Constituição real, ou seja, uma determinada constituição só é legítima se representar o efetivo poder social.
A Constituição deve ser reflexo das forças sociais que estruturam o poder, sendo representação efetiva dos anseios da sociedade. Caso o texto constitucional não expresse esses fatores reais de poder, tal texto não terá validade, conforme defende Lassale: " De nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos do poder. "[3]
Assim, a Constituição jurídica deve corresponder à constituição real para que possa prosperar. Sempre que houver colisão entre a Constituição escrita e a Constituição real, esta prevalecerá, uma vez que, aquela não passaria de uma folha de papel, que poderia ser descartada.
Através de Lassale, houve o reconhecimento de que os fatores políticos, sociais e econômicos são relevantes para a compreensão do fenômeno constitucional. Destacando a importância da relação entre o documento escrito e as forças determinantes do poder para termos uma Constituição.
Concepção política
Em sua obra “Teoria da Constituição”, Carl Schmitt afirma que o real fundamento da Constituição está na decisão política que antecede a elaboração da própria Constituição. Sem tal decisão não seria possível a organização do Estado.
Ele defende a ideia de que o poder constituinte é a vontade política. Assim, do poder constituinte nasce a Constituição como ato do poder estatal. Dessa forma, para Schmitt, a Constituição só é válida quando surge através de um poder constituinte e é estabelecida por sua vontade.
A norma tem validade uma vez que se encontra positivamente ordenada em virtude de uma vontade existente. A unidade e a ordenação de uma Constituição relacionam-se, exatamente, a existência da unidade política de um povo.
A Teoria da Constituição, nesse sentido, é a teoria do que forma um Estado, isto é, da unidade política de um povo. [4] A constituição tem sua existência inteiramente condicionada a uma decisão política fundamental.
Observa-se, assim, que no pensamento schmittiano, a essência da Constituição não está contida em uma norma. O fundamento da própria normatização relaciona-se a uma decisão política do titular do poder constituinte, ou seja, do Povo na Democracia e do Monarca na Monarquia autêntica [5]
Dessa forma, Schmitt estabelece uma diferenciação entre Constituição e Lei Constitucional. Pois a Constituição, num sentido político, é a decisão política fundamental. Assim, o que não é decisão política fundamental é, na verdade, Lei Constitucional.
A Constituição representa os aspectos fundamentais do Estado, ou seja, as decisões políticas que não podem ser modificadas. Enquanto, as leis constitucionais estão no texto escrito, mas não são decisão política fundamental, podendo ser reformadas.
Concepção jurídica
À luz do pensamento de Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, a Constituição é um puro "dever-ser", ou seja, norma pura. Kelsen entende que o ordenamento jurídico é um sistema hierárquico de normas, no qual a validade de uma norma está relacionada a sua adequação a uma outra norma, sendo esta de hierarquia superior.
O autor atribuiu um sentido jurídico a Constituição, afastando-a de ideias valorativas, sociológicas, ou políticas. Dessa forma, qualquer referencial exterior ao sistema jurídico deve rejeitado, pois o que determina a validade da norma é exatamente a sua conformidade com norma superior. Assim, é indiferente o conteúdo ou valor das normas, importando, apenas, a sua vinculação formal ao sistema normativo.
Para Kelsen, a norma máxima da estrutura hierárquica não tem sua validade verificada. Nesse sentido, tal norma superior é norma fundamental, sendo alicerce de validade para todo o sistema jurídico.
Em sua obra, Kelsen defende a existência de um escalonamento de normas. Uma norma, de hierarquia inferior, busca validação em norma superior, e assim sucessivamente, até chegar à Constituição. Essa é exatamente a ideia da pirâmide de Kelsen, na qual as normas na base buscariam validade nas normas do vértice.
Nesse sentido, a Constituição seria o fundamento de validade de todo o sistema infraconstitucional, ou seja, todas as normas abaixo da Constituição devem estar em conformidade com a norma máxima de acordo com o entendimento de Kelsen:
A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da relação de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por seu turno, é determinada por outra, e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental–pressuposta. A norma fundamental hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora. [6]
A Constituição, segundo Kelsen, pode ser entendida em dois sentidos: o lógico-jurídico e jurídico-positivo. A Constituição, em sentido jurídico-positivo, é o fundamento positivo de validade da ordem jurídica. Enquanto, a Constituição, no sentido lógico-jurídico, é o fundamento lógico de validade de todo ordenamento jurídico.
A Constituição, em setido lógico-jurídico, não é tangível, existindo, apenas, no campo das ideias. Tal Constituição é norma fundamental hipotética, que objetiva ser base lógica de validade da Constituição jurídico-positiva. Existe uma concordância social que converge no sentido cumprir o que está estabelecido na Constituição jurídico-positiva.
Em sentido jurídico-positivo, a Constituição corresponde à norma positiva suprema, ou seja, a norma que fundamenta todo o ordenamento jurídico. Seu fundamento está na norma fundamental hipotética. Para Kelsen, em caso de conflito entre a Constituição jurídico-positiva e a realidade social, a Constituição prosperará, assim, a realidade social terá que se amoldar a Constituição.
Referências
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Malheiros. 2008. p. 80.
LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição? trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Ed. Líder, 2002.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. Ed. Saraiva, 2015.
MORAIS, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3 ed. São Paulo: Editora Método, 2009.
SCHMITT, Carl. Teoría de La Constitución. Presentación de Francisco Ayala. Primera edición em “Alianza Universidad Textos” 1982. Cuarta reimpresión em “Alianza Universidad Textos”. Madrid. España. 2003.
SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Tradução de Alfredo Gallego Anabitarte. Madrid: Revista de Drecho Privado, 1932.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 20 ed. São Paulo: Malheiros. 2002.
[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20 ed. São Paulo: Malheiros. 2002. p. 38
[2] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Malheiros. 2008. p. 80.
[3] LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição? trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Ed. Líder, 2002. p 68.
[4] SCHMITT, Carl. Teoría de La Constitución. Presentación de Francisco Ayala. Primera edición em “Alianza Universidad Textos” 1982. Cuarta reimpresión em “Alianza Universidad Textos”. Madrid. España. 2003, p. 29
[5] SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Tradução de Alfredo Gallego Anabitarte. Madrid: Revista de Drecho Privado, 1932. p 27
[6] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p 246.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). Pós-graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Elpídio Donizetti (2017)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PESTANA, Barbara Mota. Concepções de Constituição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50749/concepcoes-de-constituicao. Acesso em: 06 nov 2024.
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