Resumo: O presente trabalho tem como objetivo a análise do trabalho escravo no ordenamento jurídico brasileiro, buscando-se analisar a evolução histórica do instituto, o arcabouço normativo, formas de combate, bem como a exposição da temática da “lista suja” frente as recentes decisões judiciais sobre o tema.
Palavras-chave: Trabalho análogo ao de escravo. Histórico. Legislação. Formas de combate. Lista suja.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Breves apontamentos históricos do trabalho escravo no mundo. 3. Breves apontamentos históricos do trabalho escravo brasileiro. 4. Da terminologia adotada atualmente. 5. Legislação internacional e nacional. 6. Formas de combate do trabalho em condições análogas à de escravo. 7. Da “lista suja”. 8. Considerações finais.
A história do trabalho escravo acompanha a história de humanidade, havendo indícios de sua aplicação desde tempos remotos, quando os guerreiros vitoriosos escravizavam os seus adversários perdedores. Com o passar do tempo e o desenvolvimento da sociedade, a escravidão clássica foi abolida, entretanto, novas formas contemporâneas de escravidão ainda persistem, inclusive no Brasil.
Para a compreensão deste instituto, faz-se indispensável, em um primeiro momento, analisar a evolução histórica do trabalho escravo no mundo e no Brasil, para, em um segundo momento, abordar as formas contemporâneas de escravidão.
Posteriormente, será apresentado o arcabouço normativo que repele as práticas de trabalho escravo, bem como as tentativas de retrocesso, a exemplo do Projeto de Lei nº 6442/2016.
Por fim, examinar-se-á a problemática do cadastro de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho escravo em face das recentes decisões judiciais sobre o tema.
A história do trabalho escravo remonta aos primórdios das relações humanas. Silva (2010) aponta que há indícios que a escravidão surgiu na Pré História, ao final do Período Neolítico e início da Idade dos Metais, com a descoberta da agricultura. Por outro lado, há indícios de que o trabalho escravo tenha surgido por volta do ano 3000 a.C., no Egito e Sul da Mesopotâmia, expandido gradativamente em outros territórios, como Assíria, Fenícia, Pérsia, Índia, China e Europa.
A escravidão era um meio de subjugação de um povo a outro, em razão das guerras que ocorriam entre as tribos e povos (SANTOS, 2003). Neste período, como destaca Silva (2010), a história já aponta registros de servidão ou escravidão por dívidas.
Contudo, apesar de já existir traços de escravidão anteriormente, foi no Egito, Grécia e Roma que o instituto ganhou maiores proporções, uma vez que os prisioneiros de guerra foram considerados escravos, cujos filhos também já nasciam nessa condição (Santos, 2003).
No Egito, a sociedade era dividida entre dois grandes grupos: o dos dominantes, compostos por nobres, escribas e sacerdotes, e o dos dominados, composto por artesãos, felás (camponeses e pessoas que trabalhavam em obras públicas) e escravos, sendo que estes tinham alguns direitos, como o casamento com pessoas livres, aquisição de bens e capacidade de testemunhar em tribunais (SANTOS, 2003).
Já na Grécia, embora existente a escravidão desde o período Homérico, que perdurou entre o século XV e o século VIII a.C., foi utilizada em grande escala no período Helenístico (séculos V e VI a.C.). O trabalho escravo era imposto aos prisioneiros de guerra e também àqueles não honravam com suas dívidas contraídas (SILVA, 2010).
Em Roma, os escravos sequer faziam parte da sociedade, uma vez que eram considerados como coisas (res), não fazendo jus a direitos civis ou de cidadania. Registre-se, no entanto, que alguns possuíam alguns direitos, como o de comparecer perante os tribunais, com intermédio de seus senhores, bem como não serem mortos ou torturados (SILVA, 2010).
Na localidade, em 366 a.C., decretou-se a proibição da escravidão por dívidas e, em 326 a.C, a escravidão foi abolida.
Como leciona Santos (2003), com o advento e ascensão do Cristianismo, a escravidão foi gradativamente atenuada por ideais religiosos de igualdade, fraternidade e liberdade, preconizado pela Revolução Francesa. São Tomás de Aquino e Santo Agostinho propugnavam um tratamento digno e caridoso aos escravos, mas não condenavam a escravidão.
Superado o período escravagista, na Idade Média prevaleceu o trabalho sob o regime de servidão, no qual grande parte do poder foi transferido do monarca aos chamados senhores feudais (SANTOS, 2003), que ofereciam proteção militar e política aos servos em troca de sua liberdade (GARCIA, 2011).
Nesse período, apesar de os servos não serem considerados escravos ou coisa (res), eram tidos como acessórios das terras pertencentes aos senhores feudais, em situação de desumanização. Submetiam-se a uma série de restrição de direitos, como proibição de contrair casamento sem autorização do seu senhor, bem como de se deslocar para outras terras (SANTOS, 2003).
Paralelamente à servidão, não obstante ser o regime mais utilizado na Idade média, adverte-se que o trabalho escravo não desapareceu por completo, sendo utilizado ainda pelos senhores feudais quando aprisionavam os derrotados em batalhas, negociavam no mercado de compra e venda de escravo, além de haver um intenso tráfico de escravos promovido por turcos (SILVA, 2010).
Autores notam semelhanças entre a servidão na Idade Média e a servidão por dívidas contemporânea:
não é exagero afirmar que a servidão serve de referência analítica ao trabalho análogo ao de escravo rural contemporâneo, na modalidade da servidão por dívidas, pois, assim como o servo da Idade Média não podia romper o vínculo que o atava ao senhor feudal, por estar em constante débito com aquele, o trabalhador rural reduzido a condição análoga à de escravo, em razão de dívida, também não pode desligar-se do liame que o prende ao fazendeiro (SILVA, 2010, p.93).
Com o declínio do feudalismo, que se concentrava basicamente na zona rural, no final da Idade Média e início da Idade Moderna, observou-se processos gradativos de expulsão dos servos das glebas, o que acabou por romper com as relações servis (DELGADO, 2013).
Na Idade Moderna, todavia, os traços de escravidão voltaram a se fortalecer no chamado Novo Mundo, que teve como característica as navegações promovidas por povos europeus, sobretudo de Portugal e Espanha.
Nas terras encontradas, os europeus passaram a subjugar os nativos americanos, denominados de indígenas, causando esgotamento das forças de trabalho disponíveis nas colônias e conduzindo à escravidão negra para suprir a escassez de mão-de-obra (SILVA, 2010).
A partir deste momento, o tráfico negreiro ganhou contornos cada vez mais densos, sendo difundido em países mercantilistas de todo o mundo.
As condições de trabalho e de sobrevivência na escravidão negreira também eram extremamente precárias, uma vez que os escravos estavam sujeitos a castigos e torturas, excesso de trabalho, baixa expectativa de vida e precárias condições de higiene e saúde (SANTOS, 2003).
A sociedade mundial, já na Idade Contemporânea, é drasticamente modificada pela Revolução Industrial. Garcia (2011) assevera que a necessidade de pessoas para operar máquinas a vapor e têxteis acabou por impor a substituição da mão de obra de trabalho escravo, servil ou coorporativo por trabalho assalariado, ou seja, trabalho livre.
É a partir desse momento histórico que surge o Direito do Trabalho, ou seja, com o fim da escravidão e servidão, já que a categoria central de formação do direito do trabalho é o trabalho subordinado, mais propriamente a relação empregatícia (DELGADO, 2013). Como a existência do trabalho livre é pressuposto histórico-material do surgimento do trabalho subordinado, este não ocorre de maneira relevante na história enquanto não assentada uma larga oferta de trabalho livre e remunerado.[1]
No Brasil, a escravidão sempre esteve presente na história. Desde a chegada dos colonizadores, iniciou-se um processo de escravização dos nativos deste território.
A força de trabalho dos índios foi utilizada no setor rural cafeeiro e de cana-de-açúcar, atingindo elevados patamares de rentabilidade e produção. Porém, para suprir toda esta demanda na produção rural, o mão-de-obra dos nativos americanos não foi suficiente, sendo introduzida, gradativamente, a utilização do trabalho de negros.
Com o passar do tempo, os próprios colonos passaram a preferir a utilização de trabalho escravo negro,
já que o tráfico de escravos africanos interessava não só aos traficantes, quanto à própria Coroa portuguesa. Com efeito, enquanto a captura do nativo americano era praticamente um negócio interno da colônia, pois, com freqüência, até o quinto devido à Coroa era sonegado, o tráfico negreiro constituía importante fonte de receita ao governo e aos comerciantes. (SILVA, 2010, p. 100)
Como observa Melo e Lorentz (2011), o Brasil colonial era pautado no quadrinômio escravidão, latifúndio, monocultura e extrema dependência do mercado externo. Com o advento do Estado Liberal, o que se deu a partir da Revolução Francesa, a burguesia, que já detinha poderio econômico, passou a almejar e conquistar o poder político. O fortalecimento dos burgueses, sobretudo após a Revolução Industrial na Inglaterra, impulsionou a conquista de novos mercados, o que, consequentemente, fez com que os ingleses proibissem a escravidão e compelissem os outros países a extinguirem esta prática também.
No Brasil, a abolição da escravidão veio a ocorrer de forma gradativa e somente depois que a classe dominante obteve do Estado compensações financeiras pela liberdade dos escravos, por meio da Lei do Vente Livre e da Lei dos Sexagenários (DODGE, 2002).
Assim, no Brasil, o sistema escravagista perdurou até o século XIX, quando em 12 de maio de 1888, a Lei Áurea (Lei nº 3.353) aboliu formalmente a escravidão, por forte influência inglesa (MELO; LORENTZ, 2011).
Todavia, é importante esclarecer que, em terras brasileiras, ao contrário dos países europeus, nos quais a escravidão foi abolida com vistas ao desenvolvimento do capitalismo, a introdução do trabalho livre se deu em razão de interesses externos de ocupação e exploração da terra, objetivando-se a perpetuação do sistema territorial e agrícola no qual a escravidão estava inserida (SILVA, 2010).
A partir da abolição da escravatura, o Brasil passou a utilizar mão de obra de imigrantes europeus para substituir os negros. A própria classe dominante brasileira, mesmo antes da proscrição da escravidão e já prevendo sua inevitabilidade, demonstrou interesse nestes trabalhadores europeus, de modo que por volta de 1850 foi promulgada uma lei de desenvolvimento de uma política de imigração de estrangeiros, mormente de europeus (SILVA, 2010).
Essa mão de obra, portanto, passou a ser utilizada em larga escala após a Lei Áurea. Melo e Lorentz (2011) observam que o resultado disto foi devastador para os ex-escravos negros, já que tinham uma suposta liberdade, mas se encontravam ceifados de possibilidades de trabalho remunerado, passando por intenso processo de exclusão social e marginalização.
Apesar desta pretensa liberdade dos escravos, é certo que o Brasil não deixou de ser uma país escravocrata. E a escravidão moderna não se restringe aos negros ou indígenas, como anteriormente. Na verdade, revela-se como
Uma escravocracia camuflada. Hodiernamente, não somente os negros estão relegados à herança negativa da escravidão oficial, como também os brancos, pobres, mulheres e crianças são submetidos a verdadeiros regimes escravocratas de trabalho nas mais diversas regiões do País; desde as mais industrializadas, como o Sul e o Sudeste, às menos desenvolvidas, como Norte e Nordeste. (SANTOS, 2003, p. 54).
Assim, a escravidão moderna apresenta-se em nova roupagem, porém guarda traços bastante semelhantes com a escravidão antiga.
Há muita controvérsia doutrinária no que tange à terminologia ideal a ser adotada para designar a nova faceta da escravidão nos tempos contemporâneos.
Para Melo (2003), hodiernamente, quando se fala em “trabalho escravo”, o que se imagina é aquele tipo de trabalho empregado em séculos passados, realizado de fato pelos escravos. Assim, adverte que, ao realizar esta associação, incorre-se em um grande risco de tornarmos insensíveis às formas modernas de trabalho escravo, já que estas são revestidas de vestes de maior “licitude”.
Com a abolição da escravidão tradicionalmente concebida, surgem novas formas de dissimulação que causam resultados práticos muito parecidos.
A terminologia de trabalho escravo contemporâneo, assim, mostra-se mais adequada a demonstrar as novas formas de exploração do trabalho humano, apesar de persistir a utilização da expressão “trabalho escravo” pela doutrina e órgãos governamentais (SILVA, 2010).
As Convenções nº 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho se utilizam da terminologia “trabalho forçado ou obrigatório”. A Convenção nº 29 da OIT, equipara as duas expressões, de modo que
para os fins da presente Convenção, a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 1930).
Em seu art. 2º, a Convenção nº 29 da OIT ressalva que o serviço militar, serviço cívico em país autônomo, obrigações derivadas de condenações judiciais, trabalhos em situações de emergência e pequenos serviços comunitários não são considerados trabalho forçado.
Em uma acepção tradicional, Melo (2003) equipara o trabalho forçado ao trabalho escravo, conceituando-os como
toda modalidade de exploração do trabalhador m que este esteja impedido, moral, psicológica e/ou fisicamente, de abandonar o serviço, no momento e pelas razões que entender apropriado, a despeito de haver, inicialmente, ajustado livremente a prestação de serviços (MELO, 2003, p. 14)
Conforme observa Villela (2010), para esta corrente, o conceito de trabalho escravo se contrapõe ao de trabalho degradante, que representa a “falta de garantias mínimas de saúde e segurança, além da falta de garantias mínimas de trabalho, de moradia, higiene, respeito e alimentação” (BRITO FILHO, 2004, p. 13).
Em uma segunda acepção, Brito Filho (2004) entende o trabalho em condições análogas à de escravo como gênero do qual são espécies o trabalho forçado e o trabalho degradante, caracterizando-se como “exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador” (p. 14).
Já para Sento-Sé (2000) o trabalho análogo ao de escravo representa uma espécie do gênero trabalho forçado.
No Código Penal brasileiro, adota-se a terminologia “redução à condição análoga à de escravo”, que se desdobra em quatro condutas típicas: sujeição a trabalhos forçados; sujeição à jornada exaustiva; sujeição a condições degradantes de trabalho; restrição de locomoção, por qualquer meio, em razão de dívida contraída com empregador ou preposto.
Para Melo e Lorentz (2011), o conceito penal, que se aplica perfeitamente na seara trabalhista por força do art. 8º da CLT, equipara o trabalho degradante a uma das espécies de trabalho análogo ao de escravo, ou seja, o trabalho forçado. Inclui-se também a jornada exaustiva no trabalho degradante.
Os autores entendem, assim, que o trabalho em condições análogas à de escravo engloba o trabalho forçado (redução ou impedimento do direito de ir e vir, sendo motivado ou não por dívidas trabalhistas, por qualquer meio de coação, seja física, psicológica ou moral), trabalho degradante (realizado em péssimas condições de trabalho e remuneração, com o uso de técnicas de punições vexatórias, como o assédio moral, incluindo-se também as jornadas exaustivas) e também o trabalho desumano (realizado em condições de exposição física ou moral além do que seria possível que um ser humano suporte, violando o art. 5º, III, da Constituição Federal).
Brito Filho (2014) também classifica as condutas do caput art. 149 do Código Penal como típicas (trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e restrição de locomoção por dívida contraída). Ademais, o parágrafo primeiro elenca condutas por equiparação, quais sejam: cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; e manutenção de vigilância ostensiva no local de trabalho ou apoderamento de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
Soares (2003) defende que a expressão mais apropriada é “trabalho em condições análogas à escravidão”, que abarca
como exploração de mão de obra em tais condições todos os casos em que a dignidade humana é aviltada, notadamente quando o trabalhador é iludido com promessas de bons salários e transportado sem obediência aos requisitos legais, ou impedido de sair do local de trabalho pela vigilância armada ou preso a dívidas impagáveis contraídas perante o empregador, ou, ainda, quando explorado sem atenção aos direitos trabalhistas elementares, tais o salário mínimo, jornada de trabalho normal, pagamento de adicionais, repouso remunerado e boas condições de higiene, saúde e segurança no trabalho. (SOARES, 2003, p. 34-35).
Desta forma, ante a cizânia doutrinária, entende-se por conveniente adotar a expressão abrangente “trabalho análogo ao de escravo” ou ainda seus sinônimos, como observa Silva (2010): “redução a condição análoga à de escravo”, “trabalho em condições análogas à de escravo” e “trabalho em condições análogas à escravidão”, para designar, neste artigo, as formas contemporâneas de escravidão.
No plano internacional, são várias as normas que visam coibir a utilização do trabalho análogo ao de escravo.
Já em 1926, a Convenção das Nações Unidas sobre a Escravatura definiu, em seu art. 1º, a escravidão como “o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1926). Além disso, estabeleceu compromissos entre as partes contraentes para o combate do trabalho escravo.
No âmbito na Organização Internacional do Trabalho, em 1930, a Convenção nº 29 tratou do trabalho forçado ou obrigatório, pela qual os seus signatários se obrigam a suprimir o emprego do trabalho forçado ou obrigatório sob todas suas formas “no mais curto prazo possível”. O Brasil é signatário de tal convenção desde 1957, conforme consta do Decreto nº 41.721/57.
Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabeleceu que ninguém deverá ser mantido sob regime de escravidão ou servidão, proibindo a escravidão e o tráfico de pessoas (art. 4º). No seu art. 5º, prescreve que ninguém será submetido à tortura, castigo cruel, desumano ou degradante.
Em 1956, por sua vez, a Convenção das Nações Unidas sobre a Escravatura foi ampliada pela Convenção Suplementar sobre Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, visando intensificar esforços nacionais e internacionais para abolir a escravidão, tráfico de escravos e instituições e práticas análogas à escravidão. Insta ressaltar que o Brasil aderiu a este tratado internacional em 1966, sendo promulgada internamente pelo Decreto 58.563.
A Convenção nº 29, em 1957, foi complementada pela Convenção nº 105, também da OIT, reforçando o compromisso de erradicação da escravidão. O Decreto n.º 41.721/57 a incorpora no nosso ordenamento jurídico, assim como o faz com a Convenção nº 29.
A Convenção Suplementar das Nações Unidas sobre a Abolição da Escravidão, Tráfico de Escravos e Instituições e Práticas Semelhantes à Escravidão de 1965, em seu art. 1º, §1º, descreve a servidão por dívidas, que é uma das formas de trabalho em condições análogas à de escravo:
A servidão por dívidas, isto é, o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1965).
Em 1969, foi editada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que proíbe expressamente, em seu art. 6º, a escravidão, a servidão e o tráfico de escravos em mulheres. O Decreto nº 678 de 1992 promulga tal convenção no Brasil.
Por fim, o Protocolo de Palermo, incorporado pelo Brasil através do Decreto 5.077/2004, trata sobre o tráfico de pessoas, muito utilizado por empregadores que visam empregar formas de trabalho análogas à escravidão. A Lei nº 13.444/2016 também dispõe sobre a prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas, acrescentando ao Código Penal brasileiro o art. 149-A, que criminaliza a conduta de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo (inciso II).
No âmbito nacional, o combate ao trabalho análogo ao de escravo encontra guarida na própria Constituição da República, que estabelece que a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho são fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III e IV).
O art. 4º da Constituição Federal também elenca a prevalência dos direitos humanos como um princípio que rege o Brasil nas suas relações internacionais (inciso II).
Ainda, o art. 5º da Constituição Federal elenca como direitos fundamentais a garantia de que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (inciso III) e a função social da propriedade (inciso XXIII).
O art. 170 da Magna Carta estabelece também que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho, tendo por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme ditames da justiça social.
No plano infralegal, o próprio Código Penal cuidou de tipificar a conduta de reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo a trabalhos forçados ou jornada exaustiva, quer sujeitando a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, a sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto (art. 149).
No que tange especificamente à servidão por dívidas, modalidade de trabalho escravo contemporâneo, para coibi-la, a Constituição Federal garantiu a irredutibilidade salarial (art. 7º, VI, CF). A Consolidação das Leis do Trabalho, por sua vez, cuidou de previu a intangibilidade salarial prevista no seu art. 462, caput, além de estabelecer medidas que vedem a prática do truck system em seu art. 462, §§ 2º e 3º:
§2º É vedado à empresa que mantiver armazém para venda de mercadorias aos empregados ou serviços destinados a proporcionar-lhe prestações in natura exercer qualquer coação ou induzimento no sentido de que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços.
§ 3º Sempre que não for possível o acesso dos empregados a armazéns ou serviços não mantidos pela empresa, é lícito à autoridade competente determinar a adoção de medidas adequadas, visando que as mercadorias sejam vendidas e os serviços prestados a preços razoáveis, sem intuito de lucro e sempre em benefício dos empregados. (BRASIL, 1943)
Ainda, a Consolidação das Leis do Trabalho determina que o pagamento da prestação em espécie do salário será paga em moeda corrente do Brasil.
Campos (2007) também destaca o Precedente Normativo nº 68 da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho que, ao autorizar o chefe de família empregado rural a faltar do trabalho pelo menos uma vez por mês ou meio dia por quinzena para efetuar compras, sem remuneração ou mediante compensação do horário, mas sem prejuízo do descanso, é uma medida de proteção do salário e contribui para que o trabalhador não seja obrigado a comprar no armazém do empregador.
O mesmo ator também leciona que, ainda em relação à servidão por dívidas, a Lei 5.889/73 consagra os mesmos princípios referidos acima aplicados no trabalho rural. O art. 9º da Lei nº 5.889/73 estabelece que os descontos salariais só podem ser feitos até o limite de 20% pela moradia e de 25% pelo fornecimento de alimentação, ambos calculados sobre o valor do salário mínimo, ao passo que o art. 458 da CLT estabelece que o limite é de 25% pela habitação e 20% pela alimentação, sendo ambos calculados sobre o valor do salário contratual.
Na contramão desses preceitos protetivos e representando retrocesso social, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 6442/2016, de autoria do Deputado Federal Nilson Leitão, que permite a remuneração do trabalhador rural mediante qualquer espécie, desobrigando o empregador rural de pagamento da remuneração em moeda corrente.
No Brasil, as iniciativas mais efetivas no combate do trabalho em condições análogas à de escravo ocorreram após a solução amistosa do caso José Pereira na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
A primeira tentativa governamental de enfrentamento do problema ocorreu na década de 80, quando a Coordenadoria de Conflitos Agrários do Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário divulgou relatórios e defendeu a desapropriação em imóveis rurais que se utilizavam de trabalho escravo. Logo após, os Ministros da Reforma Agrária e do Trabalho firmaram protocolo de intenções para coibir o trabalho escravo nos estados do Pará, Maranhão e Goiás e, subsequentemente, um termo de compromisso entre Ministério da Justiça, Polícia Federal, governos estaduais e suas polícias (BRASIL, 2012).
Em 1991, foi instituída a Comissão Especial de Inquérito no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, com o objetivo de investigar casos de trabalho escravo.No seguinte, foi instituído o Programa de Erradicação do Trabalho Forçado e do Aliciamento de Trabalhadores, que, por sua vez, não gerou resultados práticos esperados (BRASIL, 2012).
No ano de 1994, o Ministério do Trabalho e Emprego editou sua primeira Instrução Normativa (IN nº 24) com fins de regulamentar o procedimento de fiscalização no meio rural. No mesmo ano, foi assinado um termo de cooperação entre Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e a Policia Federal para prevenir, erradicar e reprimir o trabalho escravo (BRASIL, 2012).
No mesmo ano, foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos o caso 11.289, denominado de caso José Pereira, em que organizações não governamentais Americas Watch e Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) alegaram que o Brasil foi omisso na repressão e punição do trabalho análogo à escravidão ocorrido em uma fazenda no Pará, em que José Pereira e outros sessenta trabalhadores foram retidos e constrangidos a trabalhar sem remuneração e em condições degradantes (CASTILHO, 2005).
Já em 1995, o Brasil reconheceu oficialmente a existência de trabalho em condições análogas à de escravo, criando o Grupo Especial de Fiscalização Móvel no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, que é composto por equipes que atuam principalmente no atendimento de denúncias sobre o tema (BRASIL, 2011). Conforme destaca Silva (2010), o Grupo Móvel é um dos principais instrumentos atuais de combate ao trabalha análogo ao de escravo, sendo que sua atuação pode ser inclusive articulada com outros órgãos, mediante assinatura de termos de compromisso, como o Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Polícia Federal e Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE).
Esta última foi criada em 2003, mediante o Decreto de 31 de julho de 2003, como consequência do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo lançado pelo governo federal. A CONATRAE conta com representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e de outros segmentos da sociedade civil (VIANA, 2007).
Em 18 de setembro de 2003, o Brasil assinou acordo de Solução Amistosa na Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso José Pereira, reconhecendo a sua responsabilidade internacional e assumindo uma série de compromissos, dentre os quais destaca-se: esforços para julgar e punir os responsáveis pela conduta; indenizar José Pereira por danos materiais e morais – o que ocorreu mediante a Lei nº 10.706/03; compromisso de mudanças legislativas contidas no Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo; compromisso de defender a competência federal para o julgamento do crime de redução análoga à de escravo; fortalecimento do Ministério Público do Trabalho; velar pelo cumprimento da legislação vigente; fortalecer o Grupo Especial de Fiscalização Móvel; realizar gestões junto do Poder Judiciário e suas entidades representativas para garantir a punição de autores do crime de trabalho escravo (CASTILHO, 2005).
No âmbito do Ministério Público do Trabalho, tem-se a Coordenação Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), criada em 2002, que é uma coordenadoria temática para enfrentamento do problema. Nela, a proposta é a harmonização da atuação dos procuradores do Trabalho no território nacional, além de buscar parcerias com outros órgãos, como outros ramos do Ministério Público, Ministério do Trabalho e Emprego, Polícia Federal e Justiça do Trabalho (SILVA, 2010).
Através da Portaria nº 540 de 2004 do MTE, um importante instrumento no combate do trabalho análogo ao de escravo foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro: a “lista suja”, que contém nome de empregadores que exploram tal mão-de-obra ilícita, incluídos após decisão administrativa final relativa ao auto de infração lavrado em decorrência de ação fiscal em que tenha havido a identificação dos trabalhadores submetidos a condições análogas a de escravo (art. 2º, Portaria nº 540, MTE). O referido instrumento foi regulamentado por sucessivas portarias.
Ainda na evolução de medidas adotadas para se coibir a utilização e trabalho análogo ao de escravo, em 2005, foi assinado termo de cooperação entre o Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério do Desenvolvimento Social, para incentivar a inserção de egressos do trabalho escravo no programa federal de bolsa família. No mesmo ano, foi assinado o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo entre empresas, grupos econômicos e entidades empresariais (BRASIL, 2012).
No ano de 2008, foi lançado o Segundo Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (BRASIL, 2012).
Todas essas medidas fundamentam as ações de órgãos governamentais (destacando Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Ministério do Trabalho e Emprego e Justiça do Trabalho e não-governamentais (como a Comissão da Pastoral da Terra) no combate do tema.
O Ministério Público do Trabalho pode atuar de extrajudicial ou judicialmente.
No plano extrajudicial, as denúncias feitas ou encaminhadas ao Ministério Público do Trabalho são recebidas pela Coordenadoria da Defesa dos Interesses Individuais, Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos (CODIN), se no âmbito de Procuradorias Regionais, e o Coordenador analisará determinará a sua distribuição. Ato contínuo, o Procurador do Trabalho responsável pela apreciação da representação, aparado pelo art. 129, III, da Constituição Federal, art. 6º, VI e art. 84, II da Lei Complementar nº 75/93, poderá instaurar procedimento preparatório, a fim de que se realizem diligências preliminares para que se verifique a procedência das informações da denúncia, ou inquérito civil, para a realização das investigações necessárias (MELO, 2003).
Melo (2003) leciona que, ao final da investigação, é possível que membro do MPT conclua pela ausência de ilícitos trabalhistas, promovendo o arquivamento da investigação. Ao contrário, concluindo pela prática destes ilícitos, poderá propor Termo de Ajustamento de Conduta, com aparo legal no art. 5º, §6º da Lei de Ação Civil Pública e art. 876 da CLT, que é um instrumento extrajudicial que estabelece condutas a serem adotadas pelo compromissado, sob pena de multa. No caso de seu descumprimento, poderá ser executado diretamente, visto que representa um título executivo extrajudicial.
Caso opte por não propor o TAC ou este não seja firmado por algum motivo, o representante ministerial poderá judicializar a demanda, propondo a ação judicial competente, que em sua maioria será ação civil pública ou ação civil coletiva, com vistas a obter a condenação.
Judicialmente, o Parquet também pode atuar como órgão interveniente, ou seja, como fiscal de lei, o que se dá em primeira instância, em virtude de solicitação judicial ou por iniciativa própria em processos que entenda haver interesse público que justifique sua intervenção (art. 6º, XV e art. 83, II da Lei Complementar nº 75/93).
Nos tribunais, a intervenção do MPT se dá mediante emissão de pareceres circunstanciados quando presente o interesse público, conforme permissivo legal do art. 83, VII, da Lei Complementar nº 75/93.
Ainda, em se tratando de ação civil pública não ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, este deverá atuar obrigatoriamente como fiscal da lei, segundo mandamento do art. 5º, §1º da Lei de Ação Civil Pública.
Segundo dados fornecidos no sítio do MPT, de 2003 a julho de 2017, o órgão ajudou a resgatar 750 trabalhadores em condições análogas à de escravo.[2]
Por sua vez, a atuação do Ministério do Trabalho e Emprego no combate ao trabalho escravo contemporâneo consiste na fiscalização e lavratura de autos de infração, que, consequentemente, são encaminhados ao Ministério Público do Trabalho para a adoção das medidas supracitadas. Além disso, conforme já exposto, um importante instrumento deste órgão é o adastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo (BRASIL, 2012).
Ainda, à Justiça do Trabalho cabe o julgamento definitivo do aspecto trabalhista das lides sobre o tema, que poderá proferir condenações com vistas a coibir a perpetuação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil. Sobre o Poder Judiciário, ainda esclarece-se que os crimes contra a organização do trabalho, o que inclui o tipificado no art. 149 do Código Penal, são de competência da Justiça Federal, segundo já decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3684-0 (MELO; LORENTZ, 2011).
Insta ressaltar que os estes órgãos especializados no âmbito trabalhista podem atuar de maneira conjunta, inclusive com outros órgãos e instituições não-trabalhistas, como o Ministério Público Federal e Polícia Federal.
Por fim, Costa (2003) leciona que a desapropriação em terras que se utilizam de trabalho análogo ao de escravo é possível no ordenamento jurídico brasileiro, o que também é uma forma de coibir ou inibir tal prática. Neste sentido:
é possível a desapropriação, mediante indenização, das terras nas quais ocorre o trabalho forçado, com amparo no art. 186 da Constituição Federal. Com efeito, a inobservância das “disposições que regulam as relações de trabalho” constitui violação à função social que a propriedade rural deve cumprir (COSTA, 2003, p. 106-107).
Em 2014, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 81, que passou a prever expressamente no texto constitucional a desapropriação-sanção em propriedades rurais e urbanos que explorem trabalho escravo, de modo que todo e qualquer bem de valor econômico apreendido deve ser confiscado e revertido em favor de fundo especial (art; 243 caput e parágrafo único da Constituição da República de 1988).
Conforme exposto, o cadastro de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho escravo foi introduzido no ordenamento jurídico mediante a Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 540 de 19 de outubro de 2004.
A inclusão de empregadores nesta lista é informada a diversos órgãos públicos para ciência e tomada de eventuais providências cabíveis. Instituições financeiras também são notificadas, de modo que acaba por dissuadir a concessão de empréstimos a tais empregadores, conforme recomenda a Portaria nº 1.150 do MTE.
O instrumento normativo em análise foi sucedido pela Portaria Interministerial nº 02 de 2011 do Ministério do Trabalho e Emprego e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Em 2014, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5209) visando suspender a eficácia da Portaria nº 540 do MTE e da Portaria Interministerial nº 02 de 2011, tendo por fundamento central a alegaçaõ de ofensa aos princípios da separação dos poderes e devido processo legal. No mesmo ano, o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu medida liminar para determinar que a lista não fosse mais divulgada.
Ato contínuo, foi editada a Portaria Interministerial nº 02 de 2015 do Ministério do Trabalho e Emprego e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República para normatizar acerca da “lista suja”, que, posteriormente, foi revogada pela Portaria Interministerial nº 04 de 2016, também regulamentadora do tema.
Ante a revogação do ano normativo impugnado, a Ministra Carmem Lúcia julgou prejudicada a ADIADI 5209:
12. A Portaria Interministerial n. 2, de 31.3.2015 não apenas revogou a Portaria Interministerial n. 2, de 12.5.2011, como alterou, substancialmente, o conteúdo das normas ensejadoras do ajuizamento da presente ação, a impor o reconhecimento da perda de seu objeto.
A Portaria Interministerial n. 2/2015 foi posteriormente também revogada pela Portaria Interministerial n. 4, de 11.5.2016.
Embora a Portaria Interministerial n. 4/2016 tenha reproduzido o núcleo essencial da Portaria Interministerial n. 2/2015 e acrescido a possibilidade de celebração de termo de ajuste de conduta ou acordo judicial para reparação do dano causado pelo administrado alvo da fiscalização, o Autor desta ação descuidou de aditar a inicial e de promover o cotejo analítico das normas constantes da Portaria Interministerial n. 2/2011 e dos diplomas normativos supervenientes, a fim de justificar a persistência do objeto da ação.
(...)
13. Pelo exposto, julgo prejudicada a presente ação direta de inconstitucionalidade pela perda superveniente do objeto (art. 21, inc. IX, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), cassando-se a medida cautelar antes deferida. Prejudicados, por óbvio, os pedidos de ingresso formulados na presente ação. (BRASIL, 2016).
Desde junho de 2014 não houve publicação do cadastro de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho escravo, o que motivou, em 2016, o Ministério Público do Trabalho a ajuizar a ação civil pública nº 0001704-55.2016.5.10.0011, objetivando que seja realizada a divulgação “da lista suja”. Em 19 de dezembro de 2016, o juízo da 11ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, concedeu a liminar, para determinar ao MTE a divulgação da lista. Lamentavelmente, em 7 de março de 2017, o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra da Silva Martins Filho suspendeu a publicação da referida lista, decisão que foi, posteriormente, revertida pelo próprio Tribunal Superior.[3]
Atualmente, vigora a divulgação do cadastro de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho, constituindo efetiva medida de combate ao trabalho escravo contemporâneo, que pode ser acessada no sítio do Ministério do Trabalho[4].
O trabalho escravo, apesar de ser remontar os primórdios da humanidade, infelizmente ainda faz parte da realidade mundial e brasileira.
Atualmente, há vários diplomas internacionais, das quais o Brasil é signatário, que coíbem tal prática. Dentre estes, destaca-se as importantes Convenções nº 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho - que repele o trabalho forçado ou obrigatório; a Declaração Universal dos Direitos Humanos - que proíbe a escravidão e o tráfico de pessoas, além do regime de servidão; a Convenção das Nações Unidas sobre a Escravatura foi ampliada pela Convenção Suplementar sobre Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura - que visa abolição da escravidão, do tráfico de escravos e de formas análogas à escravidão; e Convenção Americana sobre Direitos Humanos - que veda a escravidão e a servidão.
No âmbito nacional, o Código Penal brasileiro expressamente criminaliza tal prática em seu art. 149, ao tipificara restrição da locomoção de alguém, por qualquer meio, em razão de dívida contraída com o empregador ou o preposto.
A repressão do trabalho análogo ao de escravo também é objeto de atuação na seara trabalhista- pelo Ministério Público do Trabalho, pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Justiça do Trabalho, tendo várias medidas de combate implementadas e fortalecidas após a solução amistosa do Brasil no caso José Pereira na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Como exemplo, cite-se os meios extrajudiciais de titularidade do Ministério Público do Trabalho, como o inquérito civil, procedimento preparatório, termo de ajustamento de conduta, e judiciais, como a ação civil pública e ação civil coletiva, além de intervenção como fiscal de lei.
A Justiça do Trabalho do Trabalho também tem papel determinante no combate da servidão por dívidas, uma vez que, quando da judicialização da lide, somente cabe a ela proferir a decisão definitiva que, a critério do juiz e mediante avaliação das provas do processo, poderá amparar o interesse de inúmeros trabalhadores submetidos à estas condições de trabalho.
Já o Ministério do Trabalho e Emprego, além de atuar mediante fiscalizações e lavratura de autos de infração, tem como um instrumento valioso a chamada “lista suja”, que acrescenta nomes de empregadores que utilizam desta mão de obra ilícita com finalidade de conhecimento da sociedade, dos órgãos governamentais e não governamentais, autoridades, bem como instituições financeiras, sendo que para estas recomenda-se com não seja concedidos empréstimos a tais empregadores.
Conforme demonstrado, após quase 3 anos, cadastro de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho escravo voltou a ser publicado no no ano de 2017, consagrando-se como medida efetiva de combate ao trabalho escravo.
Ressalta-se que outros órgãos também atuam na repressão e combate da prática, como o Ministério Público Federal, Justiça Federal, ao julgar os crimes contra a organização do Trabalho, assim como a Polícia Federal.
Apesar deste panorama positivo e da evolução das medidas que coíbem o trabalho escravo, o Brasil ainda conta com iniciativas de retrocesso social no tema do trabalho escravo contemporâneo, como o Projeto de Lei nº 6442/2016, de autoria do Deputado Federal Nilson Leitão, que autoriza a remuneração do trabalhador rural mediante qualquer espécie.
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VILLELA, Fábio Goulart. Manual de Direito do Trabalho: teoria e questões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
[1] “Em decorrência dessa conexão histórica, material e lógica entre trabalho livre e trabalho subordinado, percebe-se que as relações jurídicas escravistas e servis são incompatíveis com o Direito do Trabalho. É que elas supõem a sujeição pessoal do trabalhador e não a sua subordinação. (DELGADO, 2013, p. 82).
[2] http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt-noticias/e624f899-6a3d-431b-9c39-36a4ebfc9347/!ut/p/z1/rVNNc5swFPwrXDiqEkhGcCROxsWU1K6d2nBhnoWwac1HQPW0_fWV3PqSaSCdKSd97Fu93bfgDO9x1sClOoKq2gbOep9mXu4sCIvuPpJ4Ea84CddO8hAtHHdOON6NAWI2w9nI9f1UPeVT9Z9xhjPRqE6dcFp3yiYDnMEqpFXVXS-bAWyij62mVZWoYLCJ9FxW-kGAPKAFYtQ5oEDQAFEPmDyUIqCMG9JOVAVO34QeF3E_KmLSRAMw9eSVLyS6PpvyaRxg5jT1SKqb5PnjmkWLuw2JfW-pGTw_jOJgRR43M7wxHLt5kq8inDpmM9_q_Fz9t0nYSxjMXEL1DQS0Ntn2cIDzqbUeBtHDRZ-EopV6QslqayHr5bUhbIZ8tIf8-jwc5btCUo87BBBzyhlizAtQ4PMDItwthSgEcQIfpy5eThmnFVRfnp-zUMesbZT8rvD-KghuguAmSN06ljdBYAQZCrdP5slRhwrUCVVN2eL9SzTe_0aP-sz4H5__IZ3Lqfj9vb83cb_qzn_5C3dTkevqp6fapz8q9PWTT6hezs6XD-9_bst65yu0_gXz8VWl/dz/d5/L3dHQSEvUUtRZy9nQSEh/. Acesso em: 13 out. 2017.
[3] Informações disponíveis em: http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt-noticias/8ad011e8-210e-411e-ae69-99de23a21614/!ut/p/z0/jY7NTsMwEAZfJRxytLx2o_wcS1tFJYqAW-oLWpwlNaR2GpsK3h6HI6KI2-6n0Wi44h1XFi9mwGCcxTH-B5U_iRqy_e09NHXzUMD6UbS7fS3kBgp-x9V1oNkWi0HO7aYduJowHJmxL453YcZnHI8uIa9nvMQFtSO_0Ob1fFZrrrSzgT4C705TSAFnQp_0lGB4R40uhZ-KyHwr_ixakn8vKrEHIahkUgCxLJ4MKa9YVfUkVyhFLrLreR5HXOrMaZrJekwhzol1wWiDPoV_2ac3dShD-bkah5svobEyNw!!/. Acesso em: 12 out. 2017.
[4] http://trabalho.gov.br/component/content/article?id=4428. Acesso em: 13 out. 2017.
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALCANTARA, Amanda Fanini Gomes. Trabalho análogo ao de escravo: evolução histórica e normativa, formas de combate e "lista suja" Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 nov 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50974/trabalho-analogo-ao-de-escravo-evolucao-historica-e-normativa-formas-de-combate-e-quot-lista-suja-quot. Acesso em: 08 nov 2024.
Por: WESLEY CARVALHO DOS SANTOS
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