EVANDRO BORGES ARANTES
(Orientador)[1]
RESUMO: O presente artigo tratará dos desafios encontrados quanto às decisões judiciais e tutela da saúde, buscando encontrar soluções para a diminuição das demandas judiciais, através de pesquisa doutrinária, legal e jurisprudencial, aborda-se a prestação da saúde pública no Brasil, bem como os mecanismos para a implementação desse direito e seu controle. Tendo como foco obsevar a divisão de competências e atribuições constitucionais, sendo determinadas pelos magistrados medidas liminares e sentenças impondo deveres ao município sem a observância das pactuações tripartites, repasse de recursos, e outras questões, que vêm sobrecarregando sobremaneira o ente municipal. Obrigando ao município muitas vezes arcar com o custo de medicamentos ou procedimentos de alto custo e complexidade, não atentando para as competências originárias dos Estados e da União.
Palavras-chave: Direito à saúde. Responsabilidade Solidária. Judicialização da Saúde.
ABSTRACT:This article will deal with the challenges encountered regarding judicial decisions and health protection, seeking to find solutions for the reduction of judicial demands, through doctrinal, legal and jurisprudential research, the provision of public health in Brazil, as well as mechanisms for the implementation of this right and its control. With the objective of observing the division of powers and constitutional attributions, being determined by the magistrates injunctions and sentences imposing duties to the municipality without the observance of the tripartite agreements, transfer of resources, and other issues, which have been supercharging the municipal entity. Forcing the municipality often to bear the cost of drugs or procedures of high cost and complexity, not paying attention to the powers originating in the States and the Union.
Key words: Right to health. Solidary Liability. Judicialization of Health.
Sumário: Introdução. 1. A saúde como direito fundamental - 2. A Judicialização da saúde - 3. A Responsabilidade Solidária entre os entes da federação - 4. A responsabilidade solidária sob a ótica do município de Palmas. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O direito à saúde está positivado no ordenamento jurídico brasileiro como direito fundamental social e subjetivo, conforme disposto no artigo 6º da Constituição Federal. Neste liame, o artigo 196 da Carta Magna aduz que a saúde é direito de todos e dever do Estado. O referido preceito era entendido apenas como norma programática, sendo necessário que houvesse norma regulamentando a forma efetiva pela qual seria efetivado este direito.
A implantação do Sistema Único de Saúde – SUS ocorreu com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com a criação de duas leis orgânicas da saúde, sendo a prima a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, conhecida como Lei Orgânica da Saúde (LOS) instituindo entre as três esferas do governo e atribuindo as responsabilidades no que se refere às ações e execução dos serviços de saúde. A segunda lei a ser instituída foi a Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que estabeleceu a forma de gestão do sistema.
Cabe ao Poder Público criar e programar políticas públicas a fim de garantir redes assistenciais para o acesso universal e igualitário, uma vez que o direito a saúde é um direito fundamental a vida.
Devido ao fato de a Administração Pública não estar conseguindo garantir plenamente o direito à saúde, o Poder Judiciário tem sido suscitado sequencialmente a intervir para solucionar o litígio entre o cidadão e o Estado, o que se denomina judicialização da saúde. O cidadão (paciente) faz uma provocação ao Poder Judiciário, com vistas a obter o fornecimento de prestações materiais (medicamentos, procedimentos cirúrgicos, leites e tratamentos médicos diversos), na busca da concretização do direito social a saúde.
Analisando que os recursos do Estado são finitos e os pleitos infinitos, existe uma necessidade de a concretização do direito à saúde ocorrer por meio de Políticas Públicas. Sendo estas pensadas e desenvolvidas pelo Ministério da Saúde e repassadas aos demais Entes da Federação.
Considerando que não há a cautela necessária por parte dos magistrados no julgamento das ações judiciais envolvendo medicamento, procedimentos cirúrgicos, tratamentos dentários, entre outros. Uma vez que, esses analisam apenas o pleito da parte promovente, não observando a legislação vigente, bem como as políticas públicas criadas para atender a demanda da população.
Sendo assim, este artigo tem como objetivo ampliar o conhecimento sob o olhar jurídico no que se refere à judicialização da saúde e a responsabilidade solidária entre os entes da federação no que tange ao munícipio Palmas. Motivado pela vivencia diária na Secretaria Municipal de Saúde de Palmas analisando as ações judiciais de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada, que pleiteiam medicamentos, procedimentos cirúrgicos, entre outros.
Assim, serão abordados os direitos fundamentais à saúde a fim de compreender a obrigação da prestação de atendimento à saúde latu sensu por parte do Estado a sociedade e apresentando a política do Sistema Único de Saúde e a eficácia dos direitos sociais. Em seguida, foi examinada a judicialização da saúde e os seus efeitos na Administração Pública.
Posteriormente, discutiremos sobre a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios frente à necessidade de observação das políticas públicas, sociais e econômicas previstas nas normas que disciplinam o fornecimento de diversos tratamentos médicos. Por fim uma análise da responsabilidade solidária sob a ótica do município de Palmas.
1. A Saúde como direito fundamental
Os direitos fundamentais são essenciais para o estudo do direito à saúde, uma vez que este surgiu com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil como direito fundamental.
Para Bulos (2012) direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social.
Necessário se faz entender a evolução do direito a saúde. No Brasil os direitos fundamentais evoluíram com a Constituição da República Federativa de 1988, que em seu artigo 5° elencou os direitos e garantias fundamentais, inserindo em seu § 2º:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (Brasil,1988).
O direito à saúde foi incluído neste conjunto de regras de direitos fundamentais e dispõe ser a saúde direito de todos e dever do Estado em seu artigo 196:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (Brasil, 1988).
Segundo Sarlet (2007) o direito à saúde é um direito fundamental social que apresenta duas dimensões, quais sejam: 1) defensiva (direito de defesa): leva em consideração o fato de que se a saúde de uma pessoa pode ser prejudicada, é necessário impedir ingerências por parte do Estado; 2) prestacional (direito à prestação) impõe ao Estado a realização de políticas públicas que busquem a efetivação desse direito, determinando que o Estado tenha o dever de garantir para de forma concreta a saúde a todos.
O mesmo autor nesse contexto:
A saúde é um direito social fundamental, ligado, juntamente com outros (assistência social, previdência social e renda mínima), ao direito à garantia de uma existência digna, no âmbito do qual se manifesta de forma mais contundente do seu objeto com o direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana. A vida assume, no âmbito desta perspectiva, a condição de verdadeiro direito a ter direitos, constituindo, além disso, precondição da própria dignidade da pessoa humana. (SARLET, 2007 p. 185).
Sendo assim a saúde é um direito público subjetivo disponível de todos, cabe ao Poder Público criar e programar políticas públicas a fim de garantir redes assistenciais para o acesso universal e igualitário, uma vez que o direito a saúde é um direito fundamental a vida. Oportuno ressaltar, o conceito de política pública afirmado por Maria Paula Dallari Bucci:
Programa ou quadro de ação governamental, porque consiste num conjunto de medidas articuladas (coordenadas), cujo escopo é dar impulso, isto é, movimentar a máquina do governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem pública ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito. (BUCCI, 2006 p. 14)
A Lei no 8.080, de 1990 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços, o artigo 4º vem conceituar o Sistema Único de Saúde sendo um conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público.
Os parágrafos 1º e 2º do artigo 198 da Constituição Federal dispõe que o SUS é financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes, sendo determinada a aplicação de recursos mínimos em ações e serviços públicos de saúde, com vista a assegurar a efetivação do direito à saúde.
Segundo Lessa (2014), o direito à saúde pode ser caracterizado como típico direito-dever fundamental, pois institui a Constituição que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado assegurando o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação.
O artigo 196, da Constituição Federal de 1988 aponta de maneira explicita que cabe ao Estado a responsabilidade de garantir o direito à saúde a todos. Ao analisar o referido artigo, Barroso, afirma que:
No referido artigo, encontramos também que o dever do Estado em relação à saúde deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas. Aqui estamos diante de um Estado Interventor, e, também, diante da primazia da ação estatal positiva na defesa do direito à saúde- e jamais da inércia- e conectando-se, essencialmente, à ideia de um direito social da saúde. (BARROSO, 2009, p. 14).
O Sistema Único de saúde é custeado pela sociedade através da arrecadação de impostos. A Lei Complementar (LC) nº 141 trata sobre os valores mínimos do custeio que deve ser realizado pela União, Estados e Município, bem como estabeleceu critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, regulamentando a Emenda Constitucional nº 29 que assegura os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde.
Para que o SUS possa ser efetivo quanto à integração e à coordenação das ações, visando a tão almejada integralidade da atenção, torna-se imperativo promover a efetiva cooperação entre as três esferas de governo, assentada em bases jurídicas sólidas, que definam claramente os papéis e responsabilidades comuns e específicas de cada ente, que potencializem os recursos financeiros e integrem a formulação de políticas, de planejamento e coordenação e de avaliação do sistema, incluindo os mecanismos de interação e de cogestão para lidar com conflitos, sendo assim irá ser abordado no próximo tópico um breve resumo sobre a Judicialização da saúde.
2. A Judicialização da Saúde
No Brasil, durante a década de 90, o conceito de Judicialização da saúde, surgiu em decorrência das discussões sobre a assistência medicamentosa aos portadores do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS).
De acordo com Borges (2007) a judicialização, em termos genéricos, é a influência do Poder Judiciário sobre as instituições políticas e sociais, e apesar da grande relevância jurídica, não tem sido, ainda, suficiente para diminuir com a intervenção do Judiciário nas políticas públicas, pois a judicialização continua sendo um meio do cidadão conseguir a efetivação do direito quando esse não é prestado de forma eficaz.
A Judicialização é um fenômeno de busca por meio da justiça, de medicamentos ou demais tecnologias que os usuários não conseguem obter diretamente no Sistema Único de Saúde em razão do déficit do Estado em garantir esse direito o Poder Judiciário vê-se obrigado a solucionar o litígio entre o cidadão e a Administração Pública. Soares e Deprá (2012), por sua vez, conceitua ser um fenômeno de busca, por meio da Justiça, de medicamentos ou demais tecnologias que os usuários não conseguem obter diretamente no Sistema Único de Saúde (SUS).
O Supremo Tribunal Federal - STF, preocupado com a judicialização da saúde, realizou, em 2009, a Audiência Pública no 04, conhecida como Audiência da Saúde, a fim de discutir o assunto e tomar decisões sobre algumas questões surgidas com a judicialização da saúde.
O STF, após a realização da Audiência da Saúde, com as informações colhidas nas apresentações e debates, julgou a Suspensão de Tutela Antecipada 175 (STA 175), na qual firmou alguns posicionamentos, dentre eles o de que é possível a intervenção do poder judiciário nas políticas públicas, sem que a intervenção configure ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes, e fixou alguns parâmetros a serem observados pelos magistrados no julgamento de demanda judicial de assistência à saúde.
Também o Conselho Nacional de Saúde (CNJ), após a audiência pública da saúde, editou a Recomendação nº 31, de 30 de março de 2010, referente à assistência à saúde, e, posteriormente, a Resolução n° 107, de 06 de abril de 2010, que instituiu o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde.
Fato é que a judicialização, na área da saúde pública, tem impactado significativamente sobre a forma de gestão, assistência e planejamento de ações, com reflexos sobre a forma de organização da estrutura administrativa e sobre as questões orçamentárias, nesse sentido será abordado no próximo tópico a Responsabilidade Solidária entre os entes da Federação.
3. A Responsabilidade Solidária entre os entes da federação
Estudar a forma que a judicialização da saúde afeta os municípios é de suma importância, uma vez que o Judiciário, deve observar a divisão organizacional federativa do Sistema Único de Saúde - SUS estabelecida na Lei no 8.080/1990 e em outras normas do SUS, para não prejudicar o planejamento da gestão e orçamento.
A promoção e preservação da saúde cabem à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios conforme preceitua o artigo 23, da Constituição Federal. O artigo 30, inciso VII, por sua vez, confere aos Municípios o dever de prestar serviços de atendimento à saúde, com o auxílio técnico e financeiro da União e do Estado. A CF define um modo de cooperação entre União, Estados e Municípios, esses devem em comunhão de esforços, incrementar o atendimento à saúde da população, para que haja a responsabilidade solidária entre os entes.
Ao mesmo passo que as decisões proferidas pelos magistrados, visando tutelar o direito dos cidadãos ao acesso integral à saúde, possuem um viés positivo, de garantia do mínimo existencial, a forma como tais decisões vêm impondo obrigações aos municípios, com base no princípio da solidariedade, evidencia seu viés negativo, em particular quanto ao ônus de terem que prestar serviços e fornecer medicamentos de alta complexidade, que são de responsabilidade dos Estados brasileiros.
Para os juízes, em geral, questões relativas ao orçamento público, como a escassez de recursos e a não previsão de gasto, bem como o não pertencimento do medicamento pedido às listas de medicamentos do SUS, não são razões suficientes para se denegar o pedido de um tratamento médico, dado que este encontra respaldo no direito à saúde assegurado pela Constituição Federal.
O fato é que a maioria dos municípios possuem orçamentos menores e infraestrutura e são menos desenvolvidos que estados e União. Isso foi levado em consideração pela distribuição de competências dentro do SUS que, em regra, atribuiu aos municípios ações e serviços de saúde de baixa ou média complexidade - a chamada estrutura federativa do SUS.
Para Barroso (2009) pode-se dizer que, atualmente, observa-se uma proliferação de decisões extravagantes ou emocionais, que condenam a Administração Pública ao custeio de tratamentos irrazoáveis.
Não obstante esse fato é consolidado o entendimento no Judiciário brasileiro de que o paciente pode pleitear judicialmente bens e serviços de saúde a qualquer ente da federação-município, estado ou União-, independentemente da divisão de competências, das normas do SUS, ou do custo daquilo que se pede.
O financiamento da saúde é tripartite, cabendo a cada ente aplicar um percentual de suas receitas. Especificamente no caso dos recursos da União vinculados à saúde e depositados no Fundo Nacional de Saúde, sabemos que parte deles deve ser transferida aos estados e municípios, em conformidade aos critérios previstos no artigo 17 da Lei Complementar 141, de 2012. O rateio dos recursos se funda em três eixos: a) necessidades de saúde municipal e estadual, sob a dimensão demográfica, socioeconômica, geográfica e epidemiológica; b) serviços em rede; e c) avaliação de desempenho.
A atuação do juiz deve estar fundamentada no princípio da igualdade e da reserva orçamentária e não podendo ocupar a espera do Poder Executivo, sob pena de pôr em risco a cláusula pétrea da separação dos poderes.
Este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que o invoca sempre que um ente da federação alega não ser de sua responsabilidade, mas de outro ente, o que está sendo requerido judicialmente. Como exemplo desse posicionamento, há muito tempo consolidado no STF, observa-se o trecho transcrito:
A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde junto ao indivíduo e à coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. (Suspensão de Liminar no 228, julg. 14/10/2008, publ. 21/10/2008).
Essa posição, determinando que em matéria de saúde pública a responsabilidade dos entes da Federação deve ser efetivamente solidária (todos podem responder por qualquer demanda judicial em matéria de saúde), encontra-se de tal forma consolidada que tramita no STF a proposta de se criar uma súmula vinculante com o seguinte conteúdo:
A responsabilidade solidária dos Entes Federativos no que concerne ao fornecimento de medicamento e tratamento médico ao carente, comprovada a necessidade do fármaco ou da intervenção médica, restando afastada, por outro lado, a alegação de ilegitimidade passiva corriqueira por parte das Pessoas Jurídicas de Direito Público. (Proposta de Súmula Vinculante nº 4)
A edição de uma súmula vinculante com esse conteúdo significaria vincular oficialmente os demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, em quaisquer das esferas da federação, a esse entendimento conforme artigo 103-A da Constituição Federal o que seria especialmente oneroso aos municípios. Estes se veem obrigados a fornecer tratamentos de altíssimo custo e complexidade que, de acordo com a divisão de competências do SUS, deveriam ser fornecidos pelos governos estaduais ou pelo Ministério da Saúde, os quais dispõem de recursos financeiros e previsão orçamentária para tanto.
Não há hierarquia entre os entes federados, o que há é a descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo. Os gestores da saúde, no âmbito da União, Estados e Municípios, procedem à divisão administrativa de competência através das chamadas reuniões intergestoras bipartite (Estados e Municípios) e tripartite (União, Estados e Municípios). Nessas reuniões - Comissões Intergestoras - os gestores da saúde discutem, em instância colegiada, a pactuação de aspectos operacionais e de regulamentação das políticas de saúde no âmbito da gestão do Sistema Único de Saúde – SUS, nesse sentindo será abordado no capítulo seguinte a responsabilidade solidária sob a ótica do município de Palmas.
4. Responsabilidade Solidária sob a ótica do Município de Palmas
Na análise das crescentes decisões ou sentenças proferidas nas ações ordinárias ou em ações originárias do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins em desfavor do município, que buscam garantir o direito à saúde, verificou-se a necessidade de aperfeiçoar a solução das demandas judiciais relacionadas à saúde, com condutas que resultem em respostas adequadas aos cidadãos, de acordo com os princípios e diretrizes preconizadas legalmente para o SUS, respeitando as competências legais enquanto esfera municipal e a modalidade de gestão pactuada pelo município na adesão ao pacto pela saúde.
Em atenção a Recomendação Nº 31, de 30 de março de 2011, do Conselho Nacional de Justiça, que recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde, considerando o elevado número de litígios referentes ao direito à saúde, bem como o forte impacto dos dispêndios sobre os orçamentos públicos, na determinação de tratamentos de alto custo, quando o sistema possui alternativas já experimentadas e eficazes.
Com vistas à sustentabilidade do Sistema único de Saúde, tal proposta justifica-se, em síntese, no dever da política preventiva de judicialização do direito à saúde, para efetivação do direito humano fundamental previsto de forma expressa na Constituição Federal, na interdisciplinaridade intrínseca do tema, a envolver necessariamente diversos campos científicos (de saúde, social e jurídico), bem como no subsídio ao Poder Judiciário Tocantinense, enquanto ente estatal, e demais auxiliar da justiça a agir como guardião do direito constitucional à saúde no âmbito de sua jurisdição.
Uma importante ferramenta de apoio é o Núcleo de Apoio Técnico que foi instituído para subsidiar os Magistrados, Representantes do Ministério Público e Defensoria Pública na formação de juízo de valor quanto à apreciação das questões clínicas apresentadas pelas partes nas ações relativas ao SUS - Sistema Único de Saúde.
O Núcleo de Apoio Técnico tem competência de subsidiar os magistrados e demais operadores do direito com informações relacionadas ao Sistema Único de Saúde e emissão de pareceres técnicos, fortalecer o diálogo entre o Poder Executivo, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Instituições de Ensino e Sociedade Civil, realizar estudos, estimular debates e propor medidas de gestão que contribuam para a redução das ações judiciais no âmbito do SUS, bem como para a melhoria da assistência à saúde pública.
Nesse aspecto, torna-se importante a constatação de que as demandas compartilhadas com a esfera estadual (bipartite) não estão de fato sendo realizadas por ambos os entes o que tem onerado a Administração Pública Municipal suscitando a possibilidade de ação de regresso a fim de compensar os impactos financeiros das demandas que embora possuindo no polo passivo os dois entes acabam por serem executadas exclusivamente pelo município.
Entre essas ações há pleitos de todos os tipos, partindo desde o fornecimento de fraldas descartáveis até a realização de cirurgias de alta complexidade e tratamentos no exterior, algumas vezes até experimentais. O que há em comum entre todas essas ações é que não há a observância de qual o Ente Federativo responsável pela realização do procedimento ou pelo fornecimento do medicamento.
Assim, apesar da existência de políticas públicas voltadas a efetivação do direito à saúde a população, os magistrados estão considerando essas secundárias, determinando que os Entes Públicos cumpram com as obrigações de efetivação do direito à saúde, ainda que não seja de sua alçada e que não possua previsão orçamentária para tal.
CONCLUSÃO
A organização federativa da política de saúde tem paralelo com a noção de divisão de competências entre níveis de governo na federação, princípio esse estendido para a gestão do SUS: União, estados e municípios devem “cooperar”, como prevê a decisão do STF, ou seja, dividir competências, conforme as capacidades financeiras e técnicas de cada esfera de governo.
É de suma importância ressaltar que a cooperação é um dos princípios estruturantes das federações, mas não o único. Dizer que a gestão é compartilhada e que deve haver cooperação não significa que todos os entes devem igualmente ser responsabilizados pela disponibilização de tratamentos e serviços dos mais variados níveis de complexidade e a responsabilidade de cada ente.
Assim sendo, cada Município, mesmo que se encontre em gestão plena, só é obrigado a prestar os serviços a ele atribuídos pela política de saúde do Estado ao qual se encontra vinculado.
O Judiciário, ao adotar as teses de que há responsabilidade solidária dos entes da federação para compor o polo passivo de ações demandando bens e serviços de saúde e de que o acesso a bens de saúde não se restringe àquilo que foi previamente definido em listas públicas, parece estar, indiretamente, redesenhando a política de assistência farmacêutica do SUS no que tange à distribuição de competências entre os entes federados.
Cumpre ressaltar, que apesar do Município não ser o responsável pela efetividade da obrigação, de acordo com as leis que estabelecem as políticas públicas, tem que dar cumprimento a decisão judicial de qualquer forma, ainda que não possua previsão orçamentária ou recursos financeiros para tal, sendo, muitas vezes, necessário a retirada de recursos de outras áreas ou que eram destinados a prestação dos serviços de saúde a coletividade, para atendimento de um caso concreto.
Deste modo, não há inércia por parte do Poder Público na efetivação do direito à saúde, entretanto a demanda é bastante superior as possibilidades e as finanças, situação que se agrava em decorrência das inúmeras demandas judiciais ajuizadas diariamente e deferidas sem que haja observância das leis, decretos, portarias e resoluções do Ministério da Saúde, bem como das políticas públicas.
Portanto observa-se uma proliferação de demandas judiciais que não são cumpridas por todos os entes da federação, sendo o município responsabilizado pela maior parte dessas, condenando a Administração Pública Municipal ao custeio de tratamentos e ao fornecimento de medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa, associados a terapias alternativas e muitas vezes sem comprovação científica.
Um dos efeitos para administração é o fato de gerar um elevado grau de incerteza ao gestor público, não apenas sobre quanto recurso público precisará disponibilizar para a compra de medicamentos demandados judicialmente, mas também sobre o impacto nas contas públicas e os cortes necessários em outras despesas e políticas.
Com a conclusão deste trabalho foi possível perceber uma proliferação de demandas compartilhadas que não são cumpridas por todos os entes da federação, havendo assim uma necessidade de um diálogo horizontal entre os entes, atentando com os princípios que regem o Sistema Único de Saúde, bem como os princípios da Administração Pública e as pactuações realizadas através das chamadas reuniões intergestoras.
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[1] Professor do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins; mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT); especialista em Direito Público: Constitucional e Administrativo pela Faculdade de Direito Vale do Rio Doce; orientador deste artigo de conclusão de curso.
Graduanda do Curso de Bacharel em Direito da Faculdade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NAYARA LOPES GONçALVES, . A judicialização da saúde: A responsabilidade solidária entre os entes da federação sob a ótica do município de Palmas. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2017, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50982/a-judicializacao-da-saude-a-responsabilidade-solidaria-entre-os-entes-da-federacao-sob-a-otica-do-municipio-de-palmas. Acesso em: 07 nov 2024.
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