RESUMO: Dos requisitos implícitos que autorizam a acumulação lícita de cargos públicos, reside aquela que diz respeito ao limite de horas trabalhadas pelo servidor.
Palavras-chave: Acumulação lícita de cargos públicos. Limite de 60 horas semanais. Entendimento da AGU.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo possui o escopo de traçar regras e os aspectos do comando normativo previsto no parágrafo único do o artigo 37, XVI da Magna Carta, à luz da Constituição Federal, doutrina, e do entendimento da Advocacia Geral da União.
2- DO LIMITE DE 60 HORAS PARA A ACUMULAÇÃO
Preceitua o artigo 37, XVI da Magna Carta, coma redação dada pela Emenda Constitucional nº 34 de 13 de dezembro de 2001, a vedação à acumulação de cargos públicos:
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
Acerca dos requisitos do texto constitucional, dispõe o Manual de Processo Administrativo da CGU (versão 2017) que:
Quanto aos cargos acumuláveis, é importante observar que:
a) admite-se a acumulação de dois cargos de professor, desde que, existindo compatibilidade de horários, a carga horária total resultante do acúmulo não Manual de Processo Administrativo Disciplinar/CGU 262 ultrapasse 60 horas semanais, conforme Parecer-AGU nº GQ-145221, vinculante. Assim, é possível a acumulação entre um cargo de professor com jornada semanal de 40 horas com outro de 20 horas semanais, sendo ilegal a acumulação entre dois cargos de professor, ambos com jornada de 40 horas semanais (totalizando 80 horas semanais). Também é ilegal a acumulação do cargo de professor em regime de dedicação exclusiva com qualquer outro cargo, uma vez que o caput do artigo 12222 da Lei nº 4.345/1964 proíbe o servidor que esteja submetido a tal regime de exercer outra atividade;
b) cargo técnico é aquele para cujo exercício sejam exigidos conhecimentos técnicos específicos e habilitação legal, não necessariamente de nível superior. 223. Diz-se “científico” o cargo cujas atribuições se desempenham na área de pesquisa. A acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico, para que seja legal, além da compatibilidade de horários, também deve observar o limite máximo de 60 horas semanais;
c) incluem-se entre os cargos e empregos privativos de profissionais da saúde, além de médicos, psicólogos, dentistas, enfermeiros, farmacêuticos e outros224, os cargos de nível médio, a exemplo do técnico em enfermagem. Segundo entende José Armando da Costa, podem, igualmente, ser acumulados dois cargos de médico-veterinário, o que não era permitido antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 34/2001.225;
d) a acumulação, em todos os casos em que é permitida, deve observar a compatibilidade de horário e o limite máximo de dois cargos (não se admite a acumulação de três cargos), sob pena de ser considerada ilegal.
Ainda dispõe o artigo 118 da Lei 8.112/90:
Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.
§ 1o A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios.
§ 2o A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários.
§ 3o Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
A exceção, então, da licitude da acumulação de cargos públicos requer dois requisitos cumulativos: compatibilidade de natureza dos cargos e de horário.
Nesse sentido o Parecer Vinculante da Advocacia Geral da União, reproduzido a seguir, in verbis:[1]
Parecer-AGU nº GQ-145, vinculante:
“9. É proibido o exercício cumulativo de cargos e empregos, excepcionada a acumulação também de dois cargos de professor, de dois cargos privativos de médico e a de um cargo de professor com outro técnico ou científico, "quando houver compatibilidade de horários" (cfr. o inciso XVI do art. 37 da Constituição).
10. Essa regra vedante incide também nos empregos e funções das autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas pelo Poder Público, nos termos do Art. 37, XVII.
11. Os ocupantes de cargos técnicos ou científicos estão sujeitos, de lege lata, em regra, a quarenta horas (v. a Lei n. 8.112, de 11/12/90, art. 19, e a M.P. n. 1.587-7, de 5/3/98, art. 18, e normas posteriores) e os docentes dos estabelecimentos federais de ensino aos regimes de vinte ou quarenta horas, todos semanais. O professor submetido à carga de quarenta horas, com dedicação exclusiva, é obrigado a trabalhar em dois turnos diários completos e com impedimento para o desempenho de outra atividade remunerada, pública ou privada (cfr. o Decreto n. 94.664, de 23/7/87, arts. 14, 15 e 58, e normas posteriores).
12. Assim, nos casos em exame, os servidores somente poderiam ser submetidos, necessariamente, às cargas de sessenta ou oitenta horas semanais, presente a exigência da compatibilidade horária, cuja acepção, a seguir delineada, indica a inviabilidade da acumulação de que provenha o último quantitativo.
13. Esse total de oitenta horas de trabalho, por semana, tem o poder de tornar presente ao espírito do intérprete a invocação de Padre Antônio Vieira, feita por Cretella Júnior (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, vol. 4, pp. 2.211 e 2.212:
"Tendes um só desses ofícios, ou tendes muitos? Há sujeitos, na nossa Corte, que têm lugar em três, e quatro tribunais: que têm quatro, que têm seis, que têm oito, que têm dez ofícios. Quando Deus deu forma ao governo do mundo, pôs no Céu aqueles dois grandes Planetas, o Sol e a Lua, e deu a cada um deles uma presidência: ao Sol a presidência do dia: Luminare maius ut praesset diei. E à Lua a presidência da noite: Luminare minus ut praesset nocti. E por que fez Deus essa repartição? Porventura por que se não queixasse a Lua, e as Estrelas? Não: porque com o Sol ninguém tinha competência, nem podia ter justa queixa. Pois se o Sol tão conhecidamente excedia a tudo quanto havia no Céu, porque lhe não deu ambos os ofícios? Porque ninguém pode fazer dois ofícios, ainda que seja o mesmo Sol. Não vos admiro a capacidade do talento, a da consciência sim. Porque nenhum homem pode fazer bem dois ofícios. De maneira que um homem, que vale por setenta homens, não se atreve a servir um só ofício? E vós, que vos fará Deus muita mercê, que sejais um homem, atrevei-vos a servir setenta ofícios? Não louvo, nem condeno: admiro-me com as turbas" (Sermão do Terceiro Domingo da Quaresma, 1655, Anchietana, Sermões do Padre Vireira, Editora Anchieta, São Paulo, 1943, vol. I, Psicomotricidade. 480 a 485)."(Destacou-se).
14. O princípio da proibição da acumulação de cargos e empregos, inclusive com a ressalva destacada acima, tem por escopo o primado da coisa pública. As exceções estabelecidas não objetivam "privilegiar gratuitamente ou diferençar pessoas de forma desarrazoada. Não é em seu proveito que se permitem casos de acumulação. Não é para que um servidor passe a ser mais poderoso ou mais afortunado" (Comentários à Constituição do Brasil, Celso Ribeiro Bastos, São Paulo: Saraiva, 1992, 3º vol., tomo III, p. 123).
15. De maneira consentânea com o interesse público e do próprio servidor, a compatibilidade horária deve ser considerada como condição limitativa do direito subjetivo constitucional de acumular e irrestrita sua noção exclusivamente à possibilidade do desempenho de dois cargos ou empregos com observância dos respectivos horários, no tocante unicamente ao início e término dos expedientes do pessoal em regime de acumulação, de modo a não se abstrairem dos intervalos de repouso, fundamentais ao regular exercício das atribuições e do desenvolvimento e à preservação da higidez física e mental do servidor. É opinião de Cretella Júnior que essa compatibilidade "deve ser natural, normal e nunca de maneira a favorecer os interesses de quem quer acumular, em prejuízo do bom funcionamento do serviço público" (Op. cit.).
16. Em alusão à jornada de trabalho razoável, a que o empregado deve ser submetido, Mozart Victor Russomano opinou que o "interesse é da sociedade, porque assim ele poderá ser um homem, fisicamente, apto para o desempenho de sua missão social. Lucrará, ainda, a coletividade, porque, se o empregado repousar, trabalhará mais, produzindo melhor, enchendo o mercado de produtos abundantes e qualificados. O próprio empresário tem vantagens com isso, visto que a qualidade e, até mesmo, a quantidade de seus produtos lhe propiciam lucros mais apreciáveis". (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Rio de Janeiro: Forense, 1990, 13ª ed., vol. I p. 86).
17. Por mais apto e dotado, física e mentalmente, que seja o servidor, não se concebe razoável entenderem-se compatíveis os horários cumpridos cumulativamente de forma a remanescer, diariamente, apenas oito horas para atenderem-se à locomoção, higiene física e mental, alimentação e repouso, como ocorreria nos casos em que o servidor exercesse dois cargos ou empregos em regime de quarenta horas semanais, em relação a cada um. A esse propósito, torna-se oportuno realçar, no respeitante ao sono: I) a "duração do sono passa de 16h em 24 do nascimento para cerca de 6h em 24 aos 70 anos" (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, São Paulo: Ed. Universo, 1988);
II) o "sono se dá em ciclos regulares. Mas há variações individuais consideráveis. Assim, alguns necessitam de mais de dez horas de sono; a outros bastam quatro ou cinco horas. De qualquer modo, corresponde a necessidade irresistível. Sua privação provoca perturbações graves de conduta" (Enciclopédia Mirador Internacional, São Paulo: Companhia de Melhoramentos, 1975, p. 10.590).
18. Condições tais de trabalho seriam até mesmo incompatíveis com o fim colimado pela disciplina trabalhista, ao estatuir o repouso de onze horas, no mínimo, entre duas jornadas: este tem o fito de salvaguardar a integridade física e mental do empregado e a eficiência laborativa, intenção que, obviamente, não foi desautorizada pelo constituinte na oportunidade em que excepcionou a regra proibitiva da acumulação de cargos, até mesmo porque estendeu aos servidores públicos as normas trabalhistas sobre o repouso, contidas nos itens XIII e XV do art. 7°, a teor do art. 39, § 2°, ambos da Carta Federal.
19. O Texto Constitucional, art. 37, XVI, não terá pretendido contemplar cargas de oitenta horas semanais, sob o pretexto não só de que o regime cumulativo regrou-se sem nenhuma limitação, bem assim do pálio da compatibilidade de horários. Este requisito de configuração de direito de titularidade de cargos acumulada é de relevo e deve ser admitido de maneira a harmonizar-se com o interesse público e proporcionar ao servidor a possibilidade do exercício regular dos cargos ou empregos. Admitir-se a exegese que admita a carga total de oitenta horas, acarretando a impossibilidade da razoável execução do trabalho, seria dissonante da maneira de pensar de Carlos Maximiliano, exposta ao prelecionar que deve "o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências" (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 1979, 9ª ed., p. 166).”
O parecer do Advogado-Geral da União, quando aprovado pelo Presidente da República e publicado juntamente com o despacho presidencial, adquire caráter normativo e vincula todos os órgãos e entidades da Administração Federal, que ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento, o que esgota a discussão da matéria na via administrativa.
Nesse sentido, eis o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL.
ENFERMEIRA DO QUADRO DE PESSOAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. ACUMULAÇÃO ILÍCITA DE CARGOS PÚBLICOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE. JORNADA SEMANAL SUPERIOR A 60 (SESSENTA HORAS). NÃO COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES À CONCESSÃO DA LIMINAR. AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DE ÊXITO E DE RISCO DE DANO IMEDIATO E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO.
1. Este Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que não há compatibilidade de horários quando servidor público, em acúmulo de cargos públicos, está submetido a jornada de trabalho superior ao limite de 60 horas semanais impostos no Parecer GQ-145/98 da AGU e pelo Acórdão 2.242/2007 do TCU (cf. MS 19.336/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 14/10/2014).
2. É firme o entendimento no âmbito do STJ de que meras alegações no sentido de que o não-pagamento dos proventos implicaria risco à subsistência própria e de sua família não são suficientes para comprovar a presença do referido pressuposto, impondo-se a efetiva comprovação dos danos. Precedentes.
3. Não há direito subjetivo da servidora em exercer carga horária de 30 horas semanais em regime de plantão (art. 3º do Decreto nº 1.590/1995, com alterações do Decreto nº 4.836/2003): há mera permissão, ao alvedrio da Administração Pública Federal. A servidora está submetida a uma jornada de trabalho de 40 horas semanais (art.
1º do Decreto nº 1.590/1995).
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no MS 22.862/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/06/2017, DJe 21/06/2017)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NULIDADE PROCESSUAL.
AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. CARGA HORÁRIA SEMANAL. TRIBUNAL DE ORIGEM.
INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO. REDISCUSSÃO DA CONTROVÉRSIA. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS NÃO PROVIDOS.
NULIDADE PROCESSUAL E AUSÊNCIA DE PREJUÍZO 1. Esclareça-se que o STJ já firmou o entendimento de que somente a nulidade que sacrifica os fins da justiça é que deve ser declarada, baseada no princípio pas des nullités sans grief.
2. Assim, eventual nulidade quanto à ausência de intimação da decisão que converteu o Agravo em Recurso Especial somente seria declarada se efetivamente demonstrado o prejuízo.
3. Enfim, "só produz nulidade quando demonstrado evidente prejuízo para uma das partes" (EDcl no AgRg no REsp 724.059/MG, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 3.4.2006, p. 252). Nesse sentido: AgRg na MC 25.519/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 8/3/2016, AgRg no REsp 1.435.627/BA, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 14/11/2014, e AgRg no REsp 1.336.055/GO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 14/8/2014.
CARGA HORÁRIA SEMANAL 4. No mais, verifica-se que não há omissão, contradição e obscuridade no acórdão embargado. Contudo, esclareça-se, com relação à alegação da embargante de que a soma da sua carga horária semanal é de 60 (sessenta) horas, que consta na ementa do acórdão do Tribunal de origem que a carga horária semanal é de 70 (setenta) horas, e dessa decisão a ora embargante não interpôs recurso, nem Embargos de Declaração para corrigir eventual erro.
5. Nesse sentido, demonstrou-se que a carga horária semanal da embargante é de 70 (setenta) horas, sendo, portanto, superior ao limite de 60 (sessenta) horas semanais.
6. "A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a impossibilidade de cumulação de cargos de profissionais da área de saúde quando a jornada de trabalho for superior a 60 horas semanais." (MS 21.844/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJe 2/3/2017).
7. A propósito: AgRg no AREsp 635.757/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 13/5/2015, MS 19.336/DF, Rel.
Ministra Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 14/10/2014, AgInt no AREsp 918.832/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 29/9/2016, REsp 1.483.176/SE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 9/5/2017, AgInt no AgRg no AREsp 163.967/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 9/3/2017, AgInt no AREsp 956.564/SC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 3/2/2017, AgInt no AREsp 976.311/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 29/11/2016, AgInt no REsp 1.539.049/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 21/11/2016, e REsp 1661930/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 10/5/2017.
8. A decisão recorrida encontra-se bem fundamentada, sendo certo que o órgão julgador não está obrigado a refutar um a um os argumentos das partes.
9. Os argumentos da embargante denotam mero inconformismo e intuito de rediscutir a controvérsia.
10. Embargos de Declaração rejeitados.
(EDcl no REsp 1642727/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 20/06/2017)
Contudo, a Advocacia Geral da União, por meio do PARECER-PLENÁRIO Nº 01/2017/CNU-DECOR/CGU/AGU, de 29/03/2017, deu uma nova interpretação ao Parecer-AGU nº GQ-145, possibilitando que no limite das 60 horas em caso de acumulação de cargos, observe-se a efetiva carga horária prestada pelo servidor quando este tenha sido autorizado por meio de legislação vigente.
Vejamos:
II.IX Aplicação do limite de 60 horas aos servidores legalmente autorizados a cumprir carga horária reduzida em relação à carga horária prevista para o cargo
Em razão de ter o Parecer GQ-145 recebido, à época de sua edição, a aprovação da Presidência da República, nos termos do art. 40 da Lei Complementar nº 73/93, o entendimento proposto no item anterior somente entrará em vigor caso seja aprovado pela mesma instância do Poder Executivo federal. Faz-se necessária, portanto, por medida de precaução, a análise da segunda questão submetida a esta CNU/CGU, definindo-se se o limite de 60 (sessenta) horas para a acumulação de cargos se refere à jornada abstrata dos cargos públicos ou à jornada efetivamente exigida do servidor.
Trata-se, conforme visto, de controvérsia apontada pela CONJUR/MS, tendo em vista as hipóteses de servidores regularmente autorizados a realizar jornada de trabalho reduzida em relação à carga horária prevista para o cargo, sem redução da remuneração, a exemplo do que autoriza o Decreto nº 1.590/95. A problemática encontra-se devidamente equacionada no já mencionado Parecer nº 0961-2.3/2014/HTM/CONJUR-MP/CGU/AGU, no qual concluiu a CONJUR/MP, com base em leitura precisa do Parecer GQ-145, pela prevalência, para a finalidade destacada, da carga horária efetivamente exigida do servidor. Esse o teor do opinativo:
5. No que concerne inicialmente ao primeiro questionamento, é preciso compreender a situação. Uma eventual diferença entre a Carga Horária do Cargo e a Jornada efetivamente cumprida pode decorrer de três situações, sendo a resposta distinta a depender de qual está presente no caso. São elas:
a) Existência de Ato Administrativo regular, fundamentado em Normativo específico que permite a modificação da jornada do cargo para uma jornada distinta excepcional (caso, por exemplo, do artigo 3º do Decreto nº 1590/95);
b) Mera Tolerância da chefia imediata (Art. 7º do Decreto nº 1590/95);
c) Descumprimento irregular, pelo servidor, da jornada de trabalho.
6. No primeiro caso, respondendo inclusive o questionamento da alínea "d" supra, a jornada a ser considerada é a resultante da mudança empreendida e não a jornada original do "cargo". No momento em que a Legislação abarca e legitima a exceção, em especial em sendo o mesmo decreto que prevê a carga horária básica de 40 horas, esta passa a ser autônoma em relação à regra principal. Em outras palavras, o cargo/função/emprego específico daquele agente público sob regime excepcional passa a ser de 30 horas, sendo essa a carga horária a ser considerada.
7. Tal conclusão é corroborada com a leitura do Parecer nº GQ-145/1998. Todo o parecer baseou-se na premissa de que seria faticamente impossível trabalhar de forma adequada por 80 horas, haja vista as necessidades biológicas do corpo humano. A compatibilidade de horários se centrou em uma análise fática, ainda que em caráter geral. Por isso, caso a jornada do mundo dos fatos, em situação autorizada e legitimada pela legislação, seja distinta da jornada a que normalmente se submete o ocupante de referido cargo público, deve prevalecer a jornada efetiva, excepcional.
8. Ressalte-se, apenas, que, em se tratando de exceção, a concessão de tal regime especial deve se cingir à hipóteses previstas na legislação e deve ser precedida de justificativa robusta demonstrando tanto a presença dos requisitos normativos de que esta seria a opção mais eficiente (considerando eficiência não só como produtividade, mas também como vedação ao desperdício) a ser tomada no caso. Não se deve banalizar tal possibilidade utilizando-a apenas como forma de evitar a carga horária máxima de 60 horas.
9. No entanto, se a diferença entre a jornada esperada e a efetiva resultar de abonos ou de tolerância da chefia imediata, o referencial a ser considerado é o da Jornada Esperada (Carga Horária do Cargo). É que, ainda que haja a tolerância, ainda assim se presume que o servidor está, pelo menos, a disposição do respectivo órgão ou entidade pela integralidade da Carga Horária Prevista. Considerando que o costume não é apto a modificar, dessa forma, o regime jurídico do servidor, a tolerância da chefia imediata representa um irrelevante jurídico.
10. Por fim, se a diferença entre a jornada efetiva e a jornada prevista for irregular, então a solução é a instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar para aplicação das penalidades respectivas, não sendo possível sequer vislumbrar qualquer possibilidade remota de essa conduta mudar, ainda que minimamente, os parâmetros para aferição da compatibilidade de horários. O Servidor não pode se beneficiar de sua própria torpeza.
Assim sendo, é de se recomendar, na mesma linha do posicionamento adotado pela CONJUR/MP no Parecer nº 0961-2.3/2014/HTM/CONJUR-MP/CGU/AGU, a adoção do entendimento de que, para o servidor público autorizado, nos termos da legislação vigente, a cumprir carga horária reduzida em relação à carga horária prevista para o cargo, deve ser levada em consideração, para a finalidade da limitação da jornada de trabalho total dos cargos acumulados em 60 (sessenta) horas, a carga horária efetivamente exigida do servidor.
Nesse sentido, ainda é oportuno citar o PARECER REFERENCIAL n. 00029/2017/CONJUR-MS/CGU/AGU, in verbis:
NUP: 25000.091593/2017-92
INTERESSADOS: CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA SAÚDE (CONJUR/MS)
ASSUNTOS: ACUMULAÇÃO DE CARGOS
EMENTA:
I. Parecer referencial. Orientação Normativa nº 55, de 23 de maio de 2014, do Advogado-Geral da União. Dispensabilidade de análise individualizada de processos que envolvem matéria idêntica e recorrente e que se amoldam aos termos da manifestação referencial. Enquadramento no conceito e demonstração dos requisitos pertinentes.
II. Conflito interpretativo sobre o que deve prevalecer na consideração da acumulação de cargos, constitucionalmente permitida: a jornada abstrata do cargo ou a efetivamente prestada pelo servidor (dentro das hipóteses legais). Aplicação nesta Pasta da interpretação dada pelo PARECER-PLENÁRIO Nº 01/2017/CNU-DECOR/CGU/AGU, de 29/03/2017 ao Parecer GQ nº 145/98, a fim de se considerar a jornada efetiva do servidor, legalmente autorizada.
III. Possibilidade de acumulação de cargos, avaliando-se a jornada efetiva do servidor (permitida por ato normativo), desde que não ultrapasse 60 (sessenta) horas, enquanto não modificado o Parecer GQ nº 145 ou no caso de não vir a sê-lo.
IV. Este Parecer Referencial será aplicado nos casos em que, conjuntamente,,: (a) houver acumulação de cargos, nas hipóteses permitidas constitucionalmente, conforme o inciso XVI do artigo 37 da Constituição da República; (b) houver diferença entre a jornada abstrata do cargo e a efetivamente prestada pelo servidor (dentro das hipóteses legais), sendo que o cálculo da jornada total do servidor considerará, necessariamente, a carga horária efetiva, permitida por ato normativo, para os referidos cargos, e (c) a soma das cargas horárias efetivas dos cargos acumulados não ultrapassar 60 (sessenta) horas, enquanto não modificado o Parecer GQ nº 145, ou no caso de não vir a sê-lo.
3- CONCLUSÃO:
Portanto, como regra, não há compatibilidade de horários quando servidor público, em acúmulo de cargos públicos, está submetido a jornada de trabalho superior ao limite de 60 horas semanais impostos nos termos do Parecer GQ-145/98 da AGU, entendimento esse seguido pelo STJ.
Excepcionalmente, nos termos do PARECER-PLENÁRIO Nº 01/2017/CNU-DECOR/CGU/AGU, de 29/03/2017, possibilita-se que no limite das 60 horas em caso de acumulação de cargos, observe-se a efetiva carga horária prestada pelo servidor quando este tenha sido autorizado por meio de legislação vigente e que o ato seja devidamente motivado.
Advogado da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, Eliardo Soares. Acumulação de cargos e regime de horas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51100/acumulacao-de-cargos-e-regime-de-horas. Acesso em: 07 nov 2024.
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