RESUMO: O ordenamento jurídico pátrio consagra alguns princípios basilares ou valores fundamentais que regem as relações humanas, onde se incluem as relações de trabalho, sejam eles: a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano. Neste artigo, primeiramente se conceituará o trabalho escravo, onde se inclui o trabalho forçado, em seguida, apresentar-se-á a proteção, no âmbito internacional e interno, contra o trabalho escravo e análogo à condição de escravo, demonstrando, assim, a harmonização dos princípios elucidados no decorrer deste estudo.
Palavras – chave: Trabalho forçado. Dignidade da pessoa humana. Valorização do trabalho humano. Erradicação do trabalho escravo.
SUMÁRIO: 1. Considerações Iniciais 2. Proteção e repúdio ao trabalho forçado nas convenções internacionais: 2.1 Convenções internacionais da OIT; 2.2 Demais tratados e convenções internacionais. 3. Combate ao trabalho forçado no ordenamento jurídico brasileiro. 4 Algumas ações desenvolvidas para fins de erradicação do trabalho escravo e análogo à condição de escravo. 5. Conclusão.
1 Considerações Iniciais
A erradicação do trabalho escravo representa muito mais que uma questão interna de determinada nação, representa a proteção daquilo que é mais caro aos indivíduos, o que seja: a sua dignidade.
Antes de tecer maiores comentários acerca da proteção interna e internacional para fins de erradicação do trabalho escravo e análogo, mister se faz compreender estes conceitos. Tem-se que é escravo o trabalho exigido de um ser humano sob coação e para o qual não tenha este se oferecido de forma espontânea, seja no início da relação, como acontecia antigamente, seja quanto ao término da mesma, como ainda ocorre atualmente.
Como continuação do escravismo, surge o conceito de trabalho forçado, o qual é realizado de forma que a prestação do serviço é obtida através da coação e privação de liberdade , de forma que o trabalhador não decide espontaneamente se deseja iniciar a atividade laborativa, ou se, em consentindo inicialmente esta, é impedido de interromper sua execução, consoante definição prevista na Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho.
Considerada a mais recente ramificação do trabalho análogo à condição de escravo, o trabalho degradante é aquele realizado sem observância de quais direitos ou garantiais fundamentais mínimas para o atendimento da dignidade da pessoa humana, sendo, portanto atentatório à esta.
Finalizada essa conceituado preambular, em breve retrospectiva histórica, tem-se que após a Segunda Grande Guerra Mundial, no ano de 1945, a comunidade internacional passou a compreender que mais importante do que as nações que integram o globo são os indivíduos que as compõe, sem os quais estas nada seriam, de modo que se fez necessária a proteção destes mesmos seres humanos em âmbito internacional, para que cada Estado percebesse que não somente seus dirigentes estariam à frente na luta pela preservação dos direitos inerentes ao homem, mas todo o Globo estaria resguardando tais direitos.
Neste entendimento, tem-se que direito humano é todo aquele que garante uma existência digna ao ser humano, sendo considerado inumano qualquer ato que gere sofrimento ou violação ao mínimo existencial. Dentre outros diversos atos violadores da dignidade humana, têm-se os trabalhos forçados, considerados análogos à condição de escravo, os quais retiram do homem a dignidade, a liberdade, a vida, conforme visto nestas considerações iniciais.
Por esta razão, os trabalhos forçados ou análogos à condição de escravo devem ser combatidos não somente por determinadas nações, mas conjuntamente em âmbito internacional, perpassando-se os limites territoriais de países ou continentes, pois trata-se de problema, pelo princípio da solidariedade, de interesse de todos os seres humanos e de todas as nações.
2. Proteção e repúdio ao trabalho análogo à condição de escravo nas convenções internacionais.
O Direito Internacional do Trabalho foi criado com o objetivo universalizar as normas trabalhistas, a paz nas relações de trabalho através da difusão das regras de justiça social, entre outras razões, não menos importantes, buscando parâmetros mínimos de proteção ao trabalhador.
Desta forma, antes de iniciarmos o estudo acerca da Organização Internacional do trabalho e as convenções que se relacionam ao tema ora trabalhado, mister se faz um breve estudo sobre a importância dos tratados no âmbito do Direito Internacional Público, bem como se fará retrospectiva histórica resumida acerca do Direito Internacional do Trabalho até chegarmos aos dias atuais quanto à proteção dos trabalhadores diante de trabalhos forçados, análogos à condição de escravo.
Segundo lições de Piovesan (2010, p.43), os tratados internacionais são hoje a maior fonte de obrigações do Direito Internacional, podendo estes ser encontrados sob diversas denominações, dentre elas convenções, pactos etc. Ressalte-se que não é a única fonte importante deste ramo do Direito, mas neste trabalho, ater-se-á somente a esta, considerando que se trabalharmos todas as fontes do Direito Internacional, fugir-se-á do escopo principal deste trabalho.
Nos termos do artigo 24 da Convenção de Viena concluída em 1969, as obrigações constantes nos tratados somente se tornam obrigatórias a partir do momento em que se incorporam ao ordenamento jurídico de um Estado Soberano. No caso do Brasil, adota-se a teoria dualista, a qual assegura a incorporação de tratados através da realização de processo sistemático, blindando o ordenamento pátrio diante de normas que sejam contraditórias com o sistema de regramento brasileiro. (MAZZUOLI, 2010, p.247). Desta forma, no Brasil, a Constituição Federal de 1988 consagrou a colaboração da função Executiva e Legislativa para fins de incorporação de tratados, no momento em confere no artigo 84, VIII, ao Presidente da República a competência para celebrar tratados internacionais, os quais serão resolvidos definitivamente pelo Congresso Nacional, nos termos do artigo 49, I, CF/88, através de Decreto Legislativo e somente após o mesmo poderá ser ratificado pelo Presidente da República.
Realizado este breve estudo, passa-se à uma retrospectiva histórica do Direito Internacional do Trabalho. Tem-se que a origem deste ramo do direito, no século XIX, precede ao movimento do constitucionalismo social, o qual promoveu constitucionalização da dignidade do trabalhador no direito interno, sendo o México pioneiro neste movimento ao reconhecer em nível constitucional referida dignidade laborista, no ano de 1917 (MAZZUOLI, 2010, p. 1006-1007).
Discute-se na doutrina a origem histórica do Direito Internacional do Trabalho, o qual, inicialmente, teria surgido pela vontade de dois empresários, Robert Owen e Daniel Le Grand, tendo aquele buscado, através de ações internacionais, a implementação de melhores condições de trabalho, já adotadas em sua fábrica de tecidos localizada na Escócia, em todos os Estados da Santa Aliança. Por sua vez, Daniel Le Grand teria proposto, em 1841, que os governos franceses e dos demais países europeus criassem lei internacional para fins de obtenção de melhores condições de trabalho para a classe operária, a qual tinha seus direitos laborais suprimidos pela vontade dos empresários (MAZZUOLI, 2011, p. 1006).
Para outra parte da doutrina, o Direito Internacional do Trabalho teria surgido na Suiça em 1855, por iniciativa de Cantão de Glaris ao propor a criação de “normas internacionais de proteção ao trabalho” (MAZZUOLI, 2010, p. 1006; PORTELA, 2014, p.475).
Independentemente de qual seria a origem do Direito Internacional do Trabalho, entendendo-se neste trabalho que teria sido a primeira citada, tem-se que este se fundamenta em três pilares: econômico, social e técnico, conforme ensinamentos de Arnaldo Süssekind (2002, p.1468), de modo a promover a dignidade do trabalhador pela observância conjunta destes.
2.1 Convenções Internacionais da OIT
Anteriormente ao surgimento de um órgão que busca tutelar os interesses dos trabalhadores em âmbito internacional, observava-se a necessidade de estabelecer parâmetros, nas relações laboristas, que garantissem minimamente a dignidade dos obreiros, padrões estes definidos pelo próprio Direito Internacional do Trabalho, conforme Portela (2010, p. 373).
Neste contexto, surge em 1919 a Organização Internacional do Trabalho (OIT), oriunda do tratado de Versailles, firmado pela Sociedade das Nações, a qual é sujeito de Direito Internacional, sendo, atualmente, parte do Sistema das Nações Unidas. O principal objetivo da OIT, como corolário do Direito Internacional do Trabalho, é garantir padrões internacionais mínimos que assegurem condições de existência digna aos trabalhadores em toda parte do mundo, trabalhando juntamente com outros organismos internacionais, como a ONU, a fim de garantir a dignidade da pessoa humana com a conseqüente justiça social evidenciada em 1891 com a Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, após históricas lutas em prol de melhores condições de trabalho por parte dos obreiros. (PORTELA, 2014, p. 476-480).
Conforme elucida Portela (2010, p.388), durante todo o período de atividades da Organização Internacional do Trabalho, esta exerceu a função de principal foro de negociação e elaboração das normas internacionais do trabalho, o que acarretou em 188 (cento e oitenta e oito) convenções, dentre as quais destacaremos neste trabalho as de nº 29 e 105 que versam sobre o trabalho forçado e sua necessária abolição a fim de proporcionar uma existência digna aos trabalhadores.
Saliente-se que as convenções internacionais de nº 29 e 105 da OIT a serem estudadas neste artigo, as quais se referem especificamente ao trabalho forçado, análogo à condição de escravo, foram ratificadas pelo Brasil através dos Decretos nº 41.721/57 e 58.822/66, respectivamente, de modo que as determinações nelas constantes devem ser obrigatoriamente observadas.
Primeiramente, tem-se que em 1930, após da adoção de inúmeras proposições relacionadas ao trabalho forçado ou obrigatório, dentre as quais pode-se citar a Convenção Sobre a escravidão em 1926, nos termos do preâmbulo da convenção a seguir delineada, iniciou-se, em âmbito internacional, através da convenção nº 29 da OIT, o reconhecimento, por parte do Direito Internacional do Trabalho, da necessidade de que os Estados Soberanos, que ratificassem esta convenção em seu ordenamento jurídico interno, eliminassem progressivamente os trabalhos forçados, análogos à condição de escravo, a fim de proporcionar uma vida digna aos obreiros em âmbito internacional.
Para estes fins, referida convenção considerou como trabalho forçado ou obrigatório, análogo à condição de escravo, aquele que é exigido de qualquer indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade, nos termos do artigo 2º da Convenção nº 29 deste organismo. Contrapondo-se à conceituação ora exposta, referido dispositivo considera que não serão compreendidos como “trabalho forçado ou obrigatório” as seguintes forma de labor: qualquer trabalho ou serviço exigido em virtude de leis do serviço militar obrigatório com referência a trabalhos de natureza puramente militar; qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas comuns de cidadãos de um país soberano; qualquer trabalho ou serviço exigido de uma pessoa em decorrência de condenação judiciária, contanto que o mesmo trabalho ou serviço seja executado sob fiscalização e o controle de uma autoridade pública e que a pessoa não seja contratada por particulares, por empresas ou associações, ou posta á sua disposição; qualquer trabalho ou serviço exigido em situações de emergência; pequenos serviços comunitários que, por serem executados por membros da comunidade, no seu interesse direto, podem ser, por isso, considerados como obrigações cívicas comuns de seus membros, desde que esses membros ou seus representantes diretos tenham o direito de ser consultados com referência á necessidade desses serviços.
Assim, como aludido no parágrafo anterior, esta convenção apenas inicia o combate ao trabalho forçado ou obrigatório (trabalho escravo contemporâneo, conforme visto no primeiro capitulo deste trabalho), tendo em vista que define o que seria esta forma de trabalho, excluindo do seu conceito algumas espécies de trabalho, conforme anteriormente explicitado, bem como impondo a abolição daquele, mas não o faz de forma abrupta e imediata, mas progressiva no menor espaço de tempo, conforme se depreende da leitura dos artigos 1º e 10º da convenção internacional em comento. Referidos dispositivos estabelecem, em suma, que os membros da OIT que ratificarem o tratado ora em estudo devem se obrigar a suprimir o emprego do trabalho forçado ou obrigatório em todas as suas formas no menor prazo possível, determinando-se que ao final do prazo de cinco anos da entrada em vigor de referido tratado e por ocasião do relatório apresentado pelos países signatários, quanto ao atendimento das normas convencionais, o Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho deverá examinar a possibilidade de supressão total, sem delongas, do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, decidindo sobre a oportunidade de inscrever esta questão na ordem do dia da respectiva Conferência.
A convenção em análise tem como foco maior o trabalho forçado, análogo à condição de escravo, determinado pelo Estado, realizado por autoridades com o objetivo de atingir o interesse público, vedando a estas mesmas autoridades a imposição ou a permissão desta imposição em prol de interesses particulares.
Verifica-se que a convenção 29 da OIT foi estabelecida em período de transição e mesmo durante este tempo, o combate ao trabalho forçado, nela previsto, deveria garantir o mínimo de dignidade ao trabalhador, motivo pelo qual estabeleceu uma série de garantias, tais como proteção ao salário, à jornada de trabalho, ao repouso semanal remunerado, às condições de higiene e segurança dos locais de trabalho, assistência médica ao trabalhador, entre outras garantias.
Tais garantias buscavam evitar o trabalho exercido em condições análogas as de escravo, conforme disposto no artigo 5º da Convenção sobre a Escravatura realizado em 1926, da Liga das Nações, o que ratifica o entendimento antes exposto neste trabalho de que o trabalho em condições análogas as de escravo é somente um dos seguimentos do gênero trabalho forçado.
Em seguimento ao raciocínio constante na Convenção acima mencionada, bem como em atendimento à Convenção Suplementar relacionada à abolição da escravidão, do tráfico de escravos e de instituições e práticas análogas à escravidão, que se deu em 1956, com o escopo de abolir totalmente o trabalho forçado e servidão por dívida, sendo isso violação aos direitos humanos, nos termos elencados pela Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1957 a OIT, em sua quadragésima reunião, estabeleceu a Convenção nº 105, citada como Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado.
Nos termos estabelecidos no artigo 1º desta Convenção, todo país que a ratificasse se comprometeria a abolir não progressivamente, como previa a Convenção nº 29 de 1930, mas imediata e completamente o trabalho forçado ou obrigatório, em virtude de que os direitos humanos assegurados internacionalmente, conforme previsto na Carta das Nações Unidas, Declaração Universal de Direitos Humanos, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e Pacto de São José da Costa Rica, seriam violados, com a conseqüente ausência da mínima dignidade garantida a todo trabalhador, na condição de ser humano.
Desta forma, as convenções acima relacionadas, as quais se originaram pelo exercício das atividades da OIT em consonância com as atividades realizadas por outros organismos internacionais, visam à abolição do trabalho forçado ou obrigatório equiparados à condição análoga a de escravo, com o intuito de buscar o alcance do principal objetivo ao qual se propõe a OIT, qual seja a busca da mínima garantia de direitos com a conseqüente vida digna no âmbito laboral, sendo estas de observância imprescindível para a erradicação desta forma inumana de trabalho.
2.2 Demais tratados e convenções internacionais
No âmbito internacional, verifica-se a existência de diversos tratados (utilizar-se-á esta palavra em seu sentido amplo, englobando convenções, pactos etc), os quais foram em grande parte absorvidos pelo ordenamento jurídico pátrio, que também consagram a valorização da pessoa humana através da proibição de trabalhos forçados ou obrigatórios, análogos à escravidão, ao mesmo tempo em que garante a liberdade de escolha no que pertine ao trabalho, dentre eles, cita-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seus artigos IV e XXIII.
Neste mesmo sentido, o Pacto de Direitos Civis e Políticos também consagra a vedação ao trabalho forçado e a escravidão em seu artigo 8º, bem como o Pacto de São José da Costa Rica o ratifica em seu artigo 6º, de modo que devem ser observados os direitos humanos consagrados internacionalmente nos tratados acima e em diversos outros, encontrando-se a livre iniciativa limitada constitucional e internacionalmente ante a vedação ao trabalho forçado ou análogo à condição de escravo e a garantia da valorização do trabalho, corolário do direito fundamental à vida.
Quanto ao Pacto de Direitos Civis e Políticos, tem-se a proibição genérica de que ninguém pode ser submetido à escravidão, bem como ao tráfico de escravos, os quais são vedados em todas as suas formas. Inclui-se nesta vedação a não submissão à servidão, bem como a proibição de se executar trabalhos forçados ou obrigatórios, ressaltando-se que esta proibição não poderá ser interpretada no sentido de impossibilitar que penas de trabalho forçado, determinadas em decisões exaradas por tribunais competentes, não sejam cumpridas naqueles países onde certos crimes são punidos com penas de prisão e trabalhos forçados.
Em sentido similar à convenção nº 29 da OIT, bem como do Pacto de Direitos Civis e Políticos, o Pacto de San Jose da Costa Rica também determina que ninguém poderá ser submetido à escravidão ou servidão, incluindo-se na vedação o tráfico de escravo, bem como o tráfico de mulheres, os quais são proibidos em todas as suas formas. Suas disposições são semelhantes às estabelecidas no Pacto de Direitos Civis e Políticos e na Convenção nº 29 da OIT, diferenciando-se desta última quanto à previsão de que não é considerado trabalho forçado ou obrigatório aquele que se dá em cumprimento de sentença ou resolução formal estabelecida pela autoridade judiciária competente, ressaltando-se que a Convenção é silente quanto a este ponto.
Assim, neste aspecto, verifica-se que as garantias previstas nos tratados ora mencionados no que se refere à valorização do trabalho humano e à garantia de uma vida minimamente digna através das reiteradas vedações à escravidão e trabalho forçado, previstas nas convenções anteriormente estudadas e nos tratados/pactos supra mencionados, onde são estabelecidas para fins de universalização de direitos humanos, de direitos igualitários que assegurem a dignidade humana, que no aspecto estudado vai além do âmbito trabalhista, visto que interferem diretamente na qualidade de vida e no mínimo existencial do obreiro que usufrui de tais regramentos.
Ainda seqüenciando o raciocínio ora apresentado, mister se faz mencionar o reconhecimento da escravidão como um crime contra a humanidade, tendo sido este primeiramente introduzido no Direito Internacional através do Tribunal Internacional Militar, conhecido como Tribunal de Nuremberg, criado pelo Estatuto Londres no ano de 1945. Referido estatuto faz expressa menção em seu artigo 6º, “c”, à escravidão como crime contra a humanidade, ao lado de outros crimes cometidos em flagrante violação à dignidade que é inerente ao ser humano.
Ressalte-se que primeiramente os crimes contra a humanidade foram vinculados à guerra, conhecidos, assim, através do war nexus (nexo de vinculação dos crimes ao período de guerra), todavia, com a consolidação deste conceito no âmbito da comunidade internacional, tem-se que o mesmo ficou desvinculado dos atos de guerra, conforme se verifica no julgamento de Dusko Tadic, onde o Tribunal Penal para a ex-Iugulávia divorciou o conceito de crimes contra a humanidade das situações de guerra (RAMOS, 2013, p. 301).
Neste mesmo sentido, confirma o Estatuto de Roma a autonomia dos crimes contra a humanidade, definindo crimes contra a humanidade como qualquer ato de violação grave dos direitos da pessoa humana, buscando a punição dos infratores de tais direitos. Desta forma, tem-se a doutrina de RAMOS (2013, p. 301), que revela a importância do Estatuto na defesa das vítimas desse tipo de violação:
O Estatuto de Roma confirmou essa autonomia do ‘crime contra a humanidade’ em seu artigo 7º, que define ser o crime contra a humanidade um determinado ato de violação grave de direitos humanos, realizado em um quadro de ataque generalizado ou sistemático contra a população civil, havendo um conhecimento deste ataque. Busca-se, então, punir aqueles que, em regimes ditatoriais ou totalitários, usam a máquina do Estado ou de uma organização privada para promover violações graves de direitos humanos em uma situação de banalização de ataques a população civil.
São vários os atos odiosos que foram mencionados como exemplo de crime contra a humanidade no Estatuto de Roma. Os primeiros são referentes à violação do direito à vida, por meio do homicídio e do extermínio, que implica na sujeição internacional a condições de vida voltadas à destruição de pessoas.
Ainda no âmbito do Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, o qual foi reconhecido pela República Federativa do Brasil e promulgado pelo Decreto 4.388/2002, reconhece a escravidão como crime contra a humanidade, por ser ato que causa intenso sofrimento ao ser humano. Neste sentido, cabe, novamente, a lição de RAMOS (2013, p. 302), reafirmando o âmbito de validade pessoal sobre o qual recai a proteção normativa aqui examinada:
A escravidão, deportação ou transferência forçada de população, prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; tortura, crimes sexuais e agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; perseguição de um grupo ou coletividade por motivos políticos, racionais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional (é o caso da perseguição aos homossexuais); desaparecimento forçado de pessoas e crime de aparthaid e, por fim, uma cláusula aberta que permite que seja um ‘crime contra a humanidade’ quaisquer atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
Ademais, tem-se que o ordenamento jurídico pátrio, conforme leciona Piovesan (2010, p. 97), sob enfoque estritamente jurídico, não somente consagrou as determinações ora apresentadas, mas por diversos momentos repetiu fielmente tais regramentos a fim de propiciar maior efetividade aos comandos atinentes à garantia do mínimo existencial.
Segundo atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, referidos tratados internacionais, por versarem sobre direitos da pessoa humana, possuem um caráter supralegal, podendo ter caráter constitucional quando incorporados pelo ordenamento jurídico pátrio por cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, sendo equivalentes às emendas constitucionais, nos termos do artigo 5º, §3º, da Constituição da República
Assim, tem-se que a cooperação das nações através da instituição destes tratados de âmbito internacional, em sentido amplo, busca efetivar a dignidade da pessoa humano, o que inclui a proteção do trabalhador diante de condições que lhe retirem a dignidade, como no caso do trabalho forçado, análogo à condição de escravo, promovendo uma sociedade livre, justa e igualitária.
3 Combate ao trabalho forçado no ordenamento jurídico brasileiro
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 1º, elenca como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana, bem como a observância dos valores sociais do trabalho, limitando a iniciativa de ordem econômica à valorização do trabalho humano, visto que tão somente se faz possível assegurar o direito fundamental à uma vida digna no trabalho, quando garantidos os meios de subsistência dos cidadãos amparados pelo ordenamento jurídico.
Desta forma, a valorização do trabalho humano, como fundamento de justiça social, busca conceder o mínimo existencial, também perseguido pela OIT, conforme aduzido no tópico anterior, que não se limita ao simples direito de estar vivo, concretizando-se somente quando do alcance de uma vida digna.
A valorização do trabalho não apenas é ter direito a um trabalho, é ter direito à livre escolha do mesmo, é não trabalhar em condições análogas a de escravo verificadas no trabalho forçado ou obrigatório combatidos pelas convenções anteriormente estudadas, é valorizar o trabalho humano com condições dignas, propiciando uma sociedade livre, justa e solidária, objetivo primeiro de nossa Carta Magna, conforme previsto no artigo 3º, I, desta.
O ordenamento constitucional pátrio busca, conforme anteriormente estudado, com todas as garantias que lhe são inerentes, os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana, o direito fundamental à vida e não o enriquecimento a qualquer preço que durante tanto tempo e, mesmo minimamente ainda persiste nos dias atuais, alimentou o capitalismo ao mesmo tempo em que reduzia o ser humano à objeto mediante trabalhos obrigatórios e forçados, o que possibilitava o aumento de capitais daqueles que se valiam da livre iniciativa para empreender seus negócios sem qualquer observância da justiça social.
Assim, concluindo esta breve análise do Texto Maior (visto que os demais dispositivos que interessam a este estudo já foram analisado nos capítulos anteriores), tem-se que a Constituição consagrou, ainda como princípio basilar a prevalência dos direitos humanos, os quais foram estudados no tópico anterior.
No que se refere ao âmbito penal, a criminalização do trabalho análogo à condição de escravo (onde se inclui o trabalho forçado) com a consequente busca da erradicação deste foi tratada em dois capítulos do Código Penal: no capítulo que trata dos crimes contra a organização do trabalho e no capitulo que trata dos crimes contra a pessoa.
Além disso, com o intuito de trazer maior efetividade ao cumprimento das determinações constantes nas convenções acima, em 11 de dezembro de 2003, foi acrescentado pela Lei 10.803 o artigo 149 do Código Penal que trata do chamado “trabalho escravo contemporâneo” considera crime o trabalho forçado ou análogo à condição de escravo, a redução de alguém à condição análoga à de escravo com a submissão desse indivíduo a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, sujeitando-o à condições degradantes de trabalho e/ou restringindo por qualquer meio sua locomoção em virtude de dívida contraída com o próprio empregador ou preposto. A pena aplicada é variável de dois a oito anos e multa, afora a pena aplicável à possível violência cometida. Ademais, incorrem na mesma pena aqui mencionada, aqueles que cerceiam o uso de qualquer meio de transporte pelo trabalhador com o intuído de reter o mesmo no local de trabalho, bem como aqueles que mantém vigilância ostensiva no local de trabalhado e/ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador com o intuito de mantê-lo no local de trabalho. Referidas penalidades são aumentadas até a metade se o crime é cometido contra criança, adolescente ou por motivos de preconceito de raça, cor, etnia ou religião.
Assim, como se pode constatar através das diretrizes acima apontadas, pune-se o trabalho forçado a que é submetido o obreiro, onde, neste caso, o empregado terá sua liberdade cerceada, sem possibilidade de defesa diante do aparato do empregador que o impede de fazê-lo. Ainda, referido dispositivo se refere à submissão do trabalhador à jornadas exaustivas de trabalho, sendo os limites impostos pela legislação trabalhistas desrespeitados, afetando, conseqüentemente, a dignidade do trabalhador. Por fim, o legislador pune aqueles empregadores que submetem seus empregados à condições degradantes de trabalhos, entendendo-se estas aquelas que diminuem a dignidade do trabalhador, bem como aqueles os que cerceiam a liberdade destes, restringindo sua locomoção em virtude de “dívidas” contraídas, sendo esta a principal forma de trabalho forçado existente no Brasil.
Tem-se atribuído igual penalidade, no que se refere aos tipos penais acima mencionados, quando o empregador cerceia o uso de transporte para o trabalhador, bem como quando o empregador mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou retém documentos do trabalhador, todas estas hipóteses com o intuito de manter este no local de trabalho. A pena do empregador ainda poderá ser aumentada de metade caso o crime seja cometido contra criança ou adolescente, ou, ainda, se fundamentado em preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Além do artigo supra mencionado, o qual se refere à crime contra à pessoa, tem-se os crimes contra a organização do trabalho, os quais, igualmente, poderão aviltar a dignidade do trabalhador, bem como reduzir os direitos a este conferidos.
Dentre os crimes contra a organização do trabalho que podem acarretar em submissão a trabalhos degradantes ou análogos à condição de escravo pode-se citar: o atentado contra a liberdade de trabalho, previsto no artigo 197 do Código Penal (CP); atentado contra a liberdade do contrato de trabalho e boicotagem violenta, previsto no artigo 198 do CP; frustração de direito assegurado pela legislação trabalhista, previsto no artigo 203 do CP; aliciamento com o fim de emigração, previsto no artigo 206 do CP; e, por fim, aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional, com previsão no artigo 207 do CP.
Sem aprofundamentos que fogem ao intuito deste trabalho, é importante mencionar no caso o princípio da irrenunciabilidade de direitos, previsto no artigo 9º da CLT, o qual dispõe que ainda que o trabalhador concorde com tais condições degradantes de trabalho, ou com a renúncia de alguns direitos a ele assegurados pelo ordenamento laborista pátrio, tem-se que estas serão consideradas nulas, de forma que o empregador nunca poderá se valer de tal argumento para se esquivar das punições a ele atribuídas em virtude da submissão de obreiros à condição análoga à de escravo.
Desta forma, tem-se que o ordenamento jurídico pátrio, signatário das convenções anteriormente mencionadas, as quais buscam trazer os mínimos padrões de existência digna aos trabalhadores, no mesmo sentido intenciona através de normas jurídicas dotadas não somente de imperatividade, mas de coercibilidade, proporcionar o mínimo existencial aos obreiros que se sujeitam a este regramento, vedando o trabalho forçado ou análogo a condição de escravo e punindo aqueles que não observam estas determinações.
É certo que além da punição pelos crimes supramencionados, os quais são diretamente relacionados ao trabalho análogo à condição de escravo, existem diversas medidas que visam a proteção do trabalhador e dos direitos inerentes à sua condição, dentre os quais pode-se citar: remuneração proporcional ao trabalho realizado, previsto no artigo 5º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); disposições que limitam a duração da jornada de trabalho (previstas a partir do artigo 57 da CLT); vedação ao truck system (venda de mercadorias a preços exorbitantes para trabalhadores sem opção de compra em outros locais, o que submete este à servidão por dívida), previsto no artigo 462, §2º da CLT, dentre outros (GODINHO, 2010, p. 721-725).
Assim, por tudo o que foi estudado, constata-se que existem uma série de normas de âmbito interno e internacional que visam a erradicação do trabalho análogo à condição de escravo e trabalhos forçados em prol da garantia da dignidade da pessoa humana, não obstante a persistência de alguns empregadores em manterem tais formas de trabalho.
4 Algumas ações desenvolvidas para fins de erradicação do trabalho escravo e análogo à condição de escravo
Além das formas de repúdio ao trabalho forçado ou, como alguns denominam, escravo contemporâneo, a Presidência da República, consciente de que a dignidade do trabalhador constitui um dos pilares que fundamentam o Estado Democrático de Direito, foi instituída a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), que é um órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos, tendo como objetivo o acompanhamento do cumprimento de ações estabelecidas pelo Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, devendo este órgão propor medidas que adéqüem referido plano à realidade, conforme se fizer necessário.
A CONATRAE foi instituída por Decreto sem número, datado de 31 de julho de 2003, cabendo ao mesmo realizar o acompanhamento da tramitação de projetos de lei referentes ao combate e erradicação do trabalho escravo no âmbito do Congresso Nacional, dispondo de competência normativa para expedir atos que se façam necessários na complementação e efetiva aplicação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
A CONATRAE é integrada e presidida pelo Secretário Especial dos Direitos Humanos, sendo integrada, também, por diversos Ministérios, tais como o Ministério da Defesa, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Previdência Social, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Pecuária, Agricultura e abastecimento, além de dois conselheiros representantes do Ministério da Justiça, sendo um da Polícia Federal e outro do Departamento de Polícia Rodoviária, bem como até nove representantes de entidades privadas não governamentais que trabalhem no combate ao trabalho escravo. Ressalte-se que poderão, ainda, ser convidados à integrar a CONATRAE, como observadores, alguns representantes de instituições de caráter público ou privado, os quais realizem atividades significantes no combate ao trabalho escravo.
Tem-se que a Secretaria de Direitos Humanos aprovou o Plano de Erradicação do Trabalho Escravo, o qual apresenta medidas a serem cumpridas não somente pelos órgãos do Executivo, mas pelos órgãos do Legislativo, Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil pátria.
Referido plano foi elaborado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), a qual foi constituída pela Resolução 05/2002 do CDDPH, o qual reúne diversas autoridades que buscam atingir aos fins propostos por referida Comissão, sejam estes aqueles relacionados à garantia dos direitos mínimos da pessoa humana.
O Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo é política pública de caráter permanente, tendo em vista que não se trata de situação que requeira cuidados periódicos ou mesmo imediatos, de forma a ser devidamente fiscalizada por órgão ou fórum nacional que vise a erradicação do trabalho escravo. No curso do estudo do plano em comento, verifica-se que o mesmo descreve as propostas a serem implementadas para fins de erradicação do trabalho escravo ou forçado, determina o órgão responsável pela concretização do objetivo, bem como define o prazo de alcance da proposição traçada, seja este curto, médio ou longo prazo.
Esse plano é dividido em seis etapas, sendo a primeira delas as Ações Gerais, onde é declarada a erradicação e repressão ao trabalho escravo como uma das prioridades do Estado Brasileiro. Juntamente com esta declaração é adotado o plano em comento, bem como estratégias na seara administrativa e, também, legislativa (aprovação de projetos de emenda à Constituição da República, projetos de lei que visem o repúdio à forma de trabalho ora apresentada), incluindo a criação do Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), dentre outras medidas de caráter geral que possibilitem o alcance dos objetivos apresentados (BRASIL. Presidência da República, 2003, p. 11-16).
A segunda etapa é a melhoria na estrutura administrativa dos Grupos de Fiscalização Móvel. Referidos grupos, hoje atuantes, são responsáveis pela fiscalização do trabalho, principalmente em locais de difícil acesso, onde há maior incidência de trabalhos análogos à condição de escravo. Desta forma, neste tocante, o plano estabelece a disponibilização de equipes de fiscalização móvel permanente para os Estados do Pará, Maranhão e Mato Grosso, e demais estados com menor índice de labor nas condições ora mencionadas; dotação de melhores condições de trabalho para referidos grupos com o intuito de conferir maior agilidade na fiscalização; promoção de concurso público para auditores do trabalho; definição de metas e ações fiscalizatórias preventivas e repressivas em razão da demanda existente em cada localidade, investimento na formação e capacitação dos auditores do trabalho, dentre outras medidas de igual relevância (BRASIL. Presidência da República, 2003, p. 17-20).
A terceira etapa do plano em estudo é a melhoria da estrutura administrativa da ação policial. Neste ponto, são disponibilizados agentes e delegados para a realização do trabalho da Polícia Judiciária e da Polícia Federal no combate ao trabalho escravo; é estabelecida a garantia de recursos financeiros e orçamentários para custeio de diárias e locomoção dos delegados nas diligências que visem a erradicação do trabalho escravo; é determinada a criação de delegacias em diversas cidades com áreas específicas para os fins de erradicar o trabalho escravo; fortalecimento da integração das polícias judiciárias; realização de concurso público para a polícias federal e rodoviária federal para consecução dos fins propostos no plano, dentre outras metas imprescindíveis para a efetiva erradicação do trabalho escravo (BRASIL. Presidência da República, 2003, p. 21-24).
A quarta etapa do plano visa a melhoria da estrutura administrativa do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Trabalho (MPT), ambos de extrema importância no combate ao trabalho análogo à condição de escravo, bem como à efetivação de um dos pilares do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana. Aqui, o plano estabelece que deverão ser adquiridos meios de transporte e comunicação para que se dê com maior agilidade as denúncias de trabalho escravo; que deverão ser garantidos recursos financeiros e orçamentários para que os procuradores dos Ministérios anteriormente citados possam realizar diligências locais; efetivar a interiorização do MPF e do MPT; inclusão do trabalho escravo como disciplina do ESMPU; dentre outras metas importantes (BRASIL. Presidência da República, 2003, p. 25-28).
A quinta etapa do plano propõe ações específicas de promoção à cidadania e combate à impunidade. Primeiramente é proposta a concretização de solução amistosa, nos termos apresentados pelo Governo Brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização do Estados Americanos) para pagamento de determinada vítima do trabalho escravo; a implementação de medidas para reinserção social (educação profissionalizante, assistência à saúde, geração de emprego e renda e reforma agrária) dos trabalhadores escravizados para que após a libertação destes os mesmos não se submetam mais a esta forma de trabalho; a garantia da emissão da documentação civil dos trabalhadores anteriormente escravizados; a contemplação das vítimas com seguro desemprego e benefícios sociais; aprovação de projeto de lei que interioriza e cria novas varas da Justiça Federal; a instalação de defensoria pública e justiça do trabalho itinerante em algumas cidades; dentre outras relevantes metas (BRASIL. Presidência da República, 2003, p. 29-32).
A sexta e última etapa visa a implementação de ações específicas de conscientização, capacitação e sensibilização. Nesta fase do plano é proposta, primeiramente, campanha com o intuito de promover educação apta a capacitar, conscientizar e sensibilizar a população para fins de erradicação do trabalho escravo; é proposta, também, a divulgação do tema na mídia local, regional e nacional, por qualquer de seus meios; a informação aos trabalhadores acerca de seus direitos, bem como sobre os riscos de se tornarem escravos; a criação de serviço de busca de trabalhadores rurais desaparecidos nos principais locais de aliciamento para o trabalho escravo; dentre outras medidas (BRASIL. Presidência da República, 2003, p. 33-35).
Considerando a clandestinidade do trabalho forçado (análogo à condição de escravo), tem-se que tal atuação conjunta se faz imperiosa para fins de erradicar esta forma de trabalho que retira a dignidade daqueles que a esta se submetem.
Deste modo, as ações de política pública determinadas no Plano Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo demonstram o empenho do Poder Público pátrio, expressado conjuntamente por todas as suas funções (ou poderes), em exterminar o trabalho escravo no Brasil, o que é feito não somente de forma repressiva, mas de forma preventiva, buscando, inclusive, melhorias em todo o aparato estatal que se mobiliza pela causa em comento neste trabalho.
5 Conclusão
Concluindo-se este trabalho tem-se que o combate e erradicação do forçado, conhecido como “trabalho escravo contemporâneo” é imprescindível à dignidade do trabalhador nesta condição e do ser humano, sendo um compromisso da República Federativa do Brasil na ordem interna, bem como internacional, junto a diversas nações que compõe o Globo, bem como organismos e organizações internacionais, através de diversos tratados, tudo com um claro empenho: resguardar o que é mais caro à qualquer ordenamento jurídico, ou seja, resguardar a dignidade da pessoa humana.
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