RESUMO: O presente estudo tem como objetivo analisar as principais características do condomínio edilício, especificamente questões relacionadas à conciliação do exercício do direito de propriedade com as relações de vizinhança. Para tanto, são trazidas opiniões de autores, aspectos legais e o entendimento dos tribunais pátrios acerca de temas polêmicos.
PALAVRAS-CHAVE: Condomínio edilício. Relações de vizinhança.
SUMÁRIO: Introdução; 1. Condomínio edilício: definição e características; 2. Direitos e deveres dos condôminos; 3. Condomínio edilício e sociedade; 4. Relações de vizinhança; 4.1. Uso nocivo da propriedade; 4.2. Áreas comuns; 4.3. Destinação do edifício; 4.4. Animais; 4.5. Visita de terceiros; 4.6. Alteração da fachada; 4.7. Garagem; 5. Punições; Conclusão; Referências.
Introdução
Após a 1ª Guerra Mundial, ocorrida entre os anos de 1914 e 1918, o mundo vivenciou uma época de grande desenvolvimento industrial. Tal desenvolvimento acarretou aumento demográfico e também valorização dos terrenos urbanos.
Surgiram, nesse contexto, diferentes formas de aproveitamento do espaço, devendo-se destacar a ideia de instituir condomínios em prédios, os quais seriam ocupados por diversos proprietários em andares distintos.
O Decreto-lei nº 5.481, de 25 de Junho de 1928, foi o primeiro diploma do Direito Brasileiro a tratar a matéria do condomínio edilício. O Código Civil de 1916 nada dispôs sobre o assunto. Posteriormente, a lei nº 4591/64, com alterações dadas pela lei nº 4864/65, passou a reger o tema. A referida lei nº 4591/64 continua em vigor, devendo ela ser aplicada subsidiariamente em relação às normas do Código Civil de 2002. Tal Código contém regramentos acerca do condomínio edilício nos artigos 1331 a 1358, mas são vários os temas não resolvidos por ele, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência.
1. Condomínio edilício: definição e características
Como se infere do próprio termo “condomínio”, nele, várias pessoas possuem o co-domínio (co-propriedade) sobre uma mesma coisa. O condomínio edilício, por sua vez, é o conjunto de propriedades numa edificação, composto por partes exclusivas e partes comuns. Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves apresenta a seguinte definição:
“Caracteriza-se o condomínio edilício pela apresentação de uma propriedade comum ao lado de uma propriedade privada. Cada condômino é titular, com exclusividade, da unidade autônoma (apartamento, escritório, sala, loja, sobreloja, garagem) e titular de partes ideais das áreas comuns (terreno, estrutura do prédio, telhado, rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, calefação e refrigeração centrais, corredores de acesso às unidades autônomas e ao logradouro público, etc.)”.[1]
Acerca da natureza jurídica dos condomínios em edificações, bastante mencionada é a teoria da personalização do patrimônio comum. Trata-se de visão a partir da qual o condomínio edilício é uma pessoa jurídica titular de direitos. Contribui para esse entendimento o artigo 63, §3º, da lei nº 4591/64, não revogado pelo Código Civil, que concede preferência, após a realização do leilão final, ao condomínio, ao qual serão adjudicados os bens. Também colabora com a teoria mencionada o artigo 75, XI, do Código de Processo Civil de 2015, que legitima o condomínio a atuar em juízo, representado pelo administrador ou síndico.
O posicionamento majoritário da doutrina, entretanto, é o de que a personalização do condomínio é insustentável, inexistindo pessoa jurídica titular das unidades autônomas e das partes comuns do edifício. Os titulares dos direitos sobre tais unidades e partes comuns são os condôminos, sendo o condomínio edilício uma modalidade especial de condomínio, resultante da conjugação da propriedade exclusiva e da copropriedade.
São três os atos que constituem o condomínio edilício: ato de instituição, convenção do condomínio e regimento interno.
O ato de instituição, previsto no artigo 1332 do Código Civil, pode resultar de ato entre vivos ou testamento, sendo obrigatória sua inscrição do condomínio no Registro de Imóveis com a discriminação e individualização das unidades, determinação da fração ideal atribuída a cada uma delas e o fim a que se destina.
A convenção do condomínio, por sua vez, tem como objetivo regular direitos e deveres dos condôminos. Trata-se de lei básica do condomínio, estatuto que prevê, na regularidade da vida condominial, regras para as relações internas entre todos os condôminos e destes com o condomínio edilício. É, segundo Rosenvald, “uma espécie de constituição privada dos co-proprietários, haja vista a sua força cogente, apta a pautar comportamentos individuais”.[2]
Nos termos de Nascimento, a convenção de condomínio:
“é um documento escrito, cujo conteúdo adquire validade e eficácia jurídicas a partir do momento em que for subscrito, com ele concordando, por 2/3, no mínimo, de frações ideais. Esse é o quorum qualificado de sua aprovação. Alcançando tal quorum, a convenção, de imediato, adquire validade jurídica e uma eficácia especial, quando se torna obrigatória para os signatários e para os outros que não assinaram e com ela até discordaram”.[3]
Importante ressaltar que a força coercitiva da convenção do condomínio ultrapassa as pessoas que assinaram o instrumento de sua constituição. Seus regramentos devem ser seguidos não só pelos condôminos, mas sim por todas as pessoas que ocupam o edifício, adquirentes em caso de revenda, sucessores, prepostos, inquilinos, comodatários, etc.
Estabelece o artigo 1334 do Código Civil itens a serem determinados pelas convenções condominiais. São eles:
“Art. 1334: I - a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
II - sua forma de administração;
III - a competência das assembleias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações;
IV - as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
V - o regimento interno.”
No tocante ao regulamento, ou regimento interno, referido no inciso V do artigo transcrito, pode-se dizer que funciona como complemento à convenção, contendo regras minuciosas sobre o uso comum das coisas. Apresenta normas relacionadas ao dia a dia da vida condominial, como sobre o horário de funcionamento da piscina e utilização de elevadores, por exemplo.
É bastante direto o artigo 1335 do Código Civil, inciso I, ao estabelecer que é direito dos condôminos “usar, fruir e livremente dispor de suas unidades”. O mesmo artigo, nos incisos II e III, dispõe que também são direitos dos condôminos “usar das partes comuns, conforme sua destinação e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores” e “votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite”.
Conforme é possível observar, nos direitos dos condôminos há uma adaptação do direito de propriedade à particularidade dessa modalidade de convivência social. Cada condômino, que pode alienar, alugar e gravar sua propriedade independente da autorização dos demais, possui o direito de usar sua unidade autônoma como quiser desde que não prejudique os demais condôminos.
Cumpre ressaltar, portanto, que tais direitos devem ser analisados em conjunto com os deveres dos condôminos, listados nos incisos (I a IV) do artigo 1336 do Código Civil de 2002:
“Art. 1.336. São deveres do condômino:
I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;
II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.”
As despesas a cujo pagamento se sujeitam os condôminos são, normalmente, as que interessam a segurança, estrutura e conservação do condomínio. O pagamento delas é, na verdade, obrigação propter rem, devendo ser suportada por quem tiver com a coisa em seu domínio.
Não pagando sua contribuição, o condômino “ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito”, nos termos do §1º do referido artigo 1336.
Os condôminos estão sujeitos ainda às normas de boa vizinhança, não podendo, portanto, usar nocivamente a propriedade. O transcrito inciso IV determina como deve o condômino obedecer às normas de boa vizinhança, não podendo o condômino ou locatário, em hipótese nenhuma, praticar atos que venham a causar prejuízos ou afetar o sossego dos demais moradores e vizinhos da edificação.
A vida em sociedade gera, inevitavelmente, inúmeros conflitos. Não é por outra razão que as leis surgem, objetivando dirimir os comuns conflitos sociais. O condomínio edilício, nesse contexto, é uma reprodução em menor escala do cenário da sociedade.
Eduardo Beil e Álvaro Borges de Oliveira, concordando com esse entendimento, escrevem:
“(...) da mesma forma do que numa sociedade específica – um país, por exemplo – no condomínio edilício existe um síndico, que reproduz a figura do Poder Executivo; uma Assembleia Geral que representa o Poder Legislativo; um Conselho que fiscaliza contas (como um Tribunal de Contas, ou como o Ministério Público, por exemplo) e auxilia o síndico em suas decisões (Conselho da República, Ministros, etc.). Igualmente, há tanto na assembleia, quanto no síndico e no conselho, figuras que equivalem ao Poder Judiciário, eis que aplicam sanções frente ao descumprimento de normas, decidem sobre a permissão ou não de obras, alterações e outros pedidos mais. Há ainda no condomínio edilício uma convenção, como que uma lei suprema, equivalente a uma Constituição, e um regimento interno, muitas vezes destinado a questões menores ou à disciplina pormenorizada do uso da propriedade e da preservação do direito de vizinhança”.[4]
Conforme visto, a situação característica do condomínio edilício é a de justaposição de propriedades distintas, individualizadas, ao lado de propriedades comuns. Cada condômino tem o exercício do seu direito limitado pelas obrigações especiais que decorrem de possuí-lo num edifício com outras unidades autônomas.
Como se observa, não se pode dar vazão a uma liberdade que reflita poder absoluto. Institui-se o exercício do direito dominial desde que se respeitem os bens jurídicos alheios, estando o direito à propriedade, que é assegurado pela Constituição Federal, condicionado ao atendimento de sua função social.
Deve-se entender que uma propriedade cumpre sua função social quando é explorada de forma eficiente, propiciando bem-estar à coletividade. Portanto, é possível que um proprietário sofra determinada restrição ao direito de explorar sua propriedade em nome da boa convivência, paz social e em favor da harmonia que deve imperar nas relações de vizinhança.
Tais relações de vizinhança serão tratadas a seguir, a partir de temas que frequentemente são objetos de discussões entre condôminos.
A grande dificuldade em relação ao tema “uso nocivo da propriedade” reside em identificar o que de fato é nocivo e anormal. Extrema intolerância ou insensibilidade do condômino vizinho não são parâmetros para a conclusão acerca da nocividade da conduta, o que permite afirmar que a análise deve levar em conta o “homem médio”, com certo grau de subjetivismo, apesar da existência de diretrizes estabelecidas no ordenamento.
Trouxe o Código Civil uma norma genérica acerca da proteção à propriedade. Dispõe seu artigo 1277:
“o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Parágrafo único: Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança”.
Os atos ilegais e os abusivos são exemplos de interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde capazes de causar conflitos de vizinhança. Podem ser diferenciados, segundo Carlos Roberto Gonçalves, da seguinte maneira:
“Ilegais são os atos ilícitos que obrigam à composição do dano, nos termos do art. 186 do Código Civil, como, por exemplo, atear fogo no prédio vizinho, ainda que não existisse o supratranscrito art. 1.227, prejudicado estaria protegido pela norma do art.186, combinada com o art. 927, caput, do mesmo diploma que lhe garantem o direito a indenização. Se o vizinho, por exemplo, danifica as plantações de seu confinante, o ato é ilegal e sujeita o agente à obrigação de ressarcir o prejuízo causado. Abusivos são os atos que, embora o causador do incômodo se mantenha nos limites de sua propriedade, mesmo assim vem a prejudicar o vizinho, muitas vezes sob a forma de barulho excessivo. Consideram-se abusivos não só os atos praticados com o propósito deliberado de prejudicar o vizinho, senão também aqueles em que o titular exerce o seu direito de modo irregular, em desacordo com a sua finalidade social”.[5]
São hipóteses frequentes de uso nocivo da propriedade a poluição de águas, emissão de fumaça ou fuligem, criação de animais que exalem maus cheiros, produção de ruídos excessivos, festas noturnas, trepidações e criação de perigo em geral.
Trata-se evitar o uso nocivo da propriedade um dever de vizinhança de caráter negativo: na utilização da unidade, bem como das partes de comum acesso, o condômino não deve ter conduta prejudicial aos bons costumes, ao sossego, à salubridade e segurança dos demais possuidores.
Nos termos do 3º da lei nº 4.591/64, o terreno em que se levantam a edificação ou conjunto de edificações e suas instalações, bem como as fundações, paredes externas, teto, áreas internas de ventilação, demais dependências de uso comum dos condôminos, tais como elevadores, jardins, piscinas e churrasqueiras constituem condomínio de todos.
As áreas comuns são insuscetíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino, dispondo o artigo 19 da mencionada lei que não se deve causar danos ou impedimentos aos demais condôminos, sob pena de multa estabelecia na convenção (artigo 21).
4.3 Destinação do edifício
Consoante exposto quando abordado os atos que constituem o condomínio edilício, a destinação genérica do edifício deve ser pré-estabelecida no ato de instituição. Isso significa que ele deve explicitar se o condomínio é residencial, não residencial ou misto.
O artigo 10, III, da lei nº 4591/64, prescreve que o condômino não pode destinar sua unidade à utilização diversa da finalidade do prédio. Nesse sentido, observa-se:
APELAÇÃO - CONDOMÍNIO EDILÍCIO - DEVER DO CONDÔMINO - DAR À SUA PRTE A MESMA DETINAÇÃO DA EDIFICAÇÃO - EQUIPAMENTO - INSTALAÇÃO EM ÁREA COMUM DO EDIFÍCIO - INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. 1. Em condomínio edilício, devem os condôminos dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, não as utilizando de maneira prejudicial ao sossego e à segurança dos demais possuidores. 2. Não havendo autorização do condomínio, não pode o condômino instalar qualquer equipamento em área comum do edifício. (TJ-MG, Relator: Maurílio Gabriel, Data de Julgamento: 20/03/2014, Câmaras Cíveis / 15ª Câmara Cível)
Com relação à manutenção de animais no edifício, Carlos Roberto Gonçalves[6] explica que deve haver disposição pertinente na convenção sobre o tema. Se a convecção for omissa, não poderá ser censurada, em princípio, a conduta de manter animais. Se ela vedar apenas a presença de animais que causam incômodos aos vizinhos ou ameaçam a segurança deles, as questões que surgirem serão dirimidas no caso concreto, em função da prova dessas situações de fato.
Havendo proibição genérica, atingindo animais de qualquer espécie, esta poderá se mostrar exagerada na hipótese de um condomínio possuir um animal de pequeno porte e inofensivo. Esse vem sendo o entendimento dos tribunais pátrios há bastante tempo, conforme se depreende do seguinte julgado:
“COMINATÓRIA. ANIMAL DOMÉSTICO EM APARTAMENTO. AÇÃO DO CONDOMÍNIO. DECISÃO PROIBITIVA APROVADA EM ASSEMBLEIA – INEXISTÊNCIA DE PROVA QUANTO À PERTURBAÇÃO AO SOSSEGO E À SEGURANÇA. DECISÃO ACERTADA. APELO IMPROVIDO. A decisão condominial aprovada em assembleia geral e regulamentar haverá de ser acatada pelos condôminos. Porém, não subsiste a mandamento judicial quando questionada. Provado nos autos que o animal doméstico de pequeno porte é dócil, não perturba o sossego e a segurança dos demais condôminos, a proibição decidida em assembleia não pode prevalecer, pois viola o direito de propriedade e de liberdade do cidadão. Apelo conhecido e improvido”. (Ap. Civ. 67796700; Londrina; j. 06.06.1994; unânime; pub. 17.06.1994).
No mesmo sentido:
“AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - Pleito ajuizado por condomínio em face de condômina que mantém cão no interior de apartamento, sob o fundamento de que a convenção condominial veda a presença de qualquer animal - Sentença de improcedência - Inconformismo do autor - Cão de pequeno porte e dócil, cuja presença não se mostra nociva ou prejudicial aos demais condôminos -Invocação da norma proibitiva que constitui “injustificável apelo ao formalismo" - Orientação jurisprudencial e doutrinária neste sentido -Manutenção da r. sentença - Apelo improvido”. (TJ-SP - Apelação APL 994080432080 SP (TJ-SP) Data de publicação: 28/10/2010)
A inovação do Código Civil de 2002 ao estatuir o dever dos condôminos de preservar os bons costumes pode causar dúvidas acerca da possibilidade ou não de recebimento de certas visitas pelo condômino.
Nada impede, entretanto, à luz da liberdade individual, que o proprietário da unidade receba as visitas que desejar. Aos vizinhos, não cabe alegar descumprimento dos bons costumes pelo fato de o condômino levar amantes ao seu apartamento, por exemplo. Desde que não haja escândalos, algazarras e atuação que ultrapasse os limites do razoável, está garantido às pessoas adultas o direito ao livre exercício de suas preferências sexuais.
Conforme visto, é dever dos condôminos não modificar a forma nem a cor da fachada, das partes e das esquadrias externas (art. 1336, III, Código Civil). Desse modo, nenhum condômino pode, do modo que desejar, realizar modificação arquitetônica na fachada do edifício, pintar suas paredes e esquadrias. Tais alterações dependem de concordância unânime dos condôminos, nos termos do artigo 10, §2º, da lei 4591/64.
A regra parece simples, mas na prática é bastante complexa. As dificuldades começam na definição do que é alteração de fachada. Pendurar uma planta na parede da varanda, colocar uma antena de TV para fora da janela ou mudar a cor das portas do hall do elevador são exemplos de alteração de fachada, externa e interna.
Comentando os dispositivos citados, Tartuce esclarece:
“a proibição de alteração de fachada tem por objetivo a manutenção da harmonia estética do edifício (...). A alteração que em nada implique comprometimento dessa harmonia arquitetônica não é considerada infração (…)”.[7]
No mesmo sentido é a advertência de Carlos Roberto Gonçalves, segundo o qual:
“tem-se admitido pequenas alterações nas fachadas e seu aproveitamento para colação, nas janelas e sacadas, de grades ou redes de proteção, persianas ou venezianas de material diferente (esquadrias de alumínio) do utilizado no restante da fachada, principalmente quando, com o passar do tempo, o material originalmente utilizado não mais existe no mercado, ou quando seu uso se torna obsoleto”.[8]
Num condomínio edilício, a garagem é propriedade exclusiva do condômino, mas deve ser vista como acessória à unidade autônoma. Dispõe o artigo 2º, §2º, da lei 4591/64:
"o direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou conjuntos de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno".
Assim, não poderá a garagem ser alienada a estranhos ao condomínio de forma separada da unidade. Isso porque, tratando-se de elemento acessório, não caberá fração ideal ao adquirente da vaga de garagem. Ficaria este sem os direitos e deveres dos condôminos, numa posição incompatível com a ideia de condomínio.
Nesse contexto, a alienação da garagem a outro condômino é admissível, sendo imprescindível que as alterações sejam averbadas nas escrituras das unidades.
Eis a redação do artigo 2º, §1º, da lei 4591/64: "o direito de que trata o §1º deste artigo poderá ser transferido a outro condômino, independentemente da alienação da unidade a que corresponder, vedada a sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio”.
Cumpre ressaltar que não havia, até 2012, óbice à cessão ou aluguel da vaga de garagem a terceiros. No referido ano, porém, foi publicada a lei nº 12.6072012, a qual alterou o §1º do artigo 1331 do Código Civil. Este passou a vigorar da seguinte forma: “§1º. As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio”.
O Código Civil não deixa sem punição aqueles condôminos que descumprem as regras para o bom convívio em condomínios edilícios. Os artigos 1336 e 1337 do Código estabelecem a possibilidade de impor multas pecuniárias aplicáveis em casos de infração às normas condominiais (art. 1336, § 2°).
O valor da multa, em caso de reiteradas infrações, pode ser de até um quíntuplo da cota condominial. Tal multa é possível ser imposta, inclusive, ao condômino que reiteradamente não paga sua cota, sobrecarregando os demais.
O parágrafo único do artigo 1337, por sua vez, permite que se aplique multa correspondente a dez vezes o valor da cota condominial ao “condômino que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores”.
Observa-se que o Código Civil não traz expressamente a possibilidade de exclusão do condômino por seu comportamento antissocial. Também não há, na lei, nenhum impedimento a que os condôminos regulem, na convenção de condomínio, novas formas de sanção compatíveis com o ordenamento jurídico além das multas já previstas. São dois assuntos, exclusão de condômino e regulação de novas sanções, ainda não pacificados na doutrina e jurisprudência.
Quanto à exclusão, parece-nos adequado o posicionamento que admite a exclusão do condomínio cuja permanência é abusiva e perigosa. A decisão de proibi-lo de ficar no condomínio não atinge o direito de propriedade do mesmo, apenas limita o seu direito de habitar aquele espaço em prol da coletividade. Ressalta-se que a decisão de exclusão deve ser tomada em assembleia dos condôminos, só devendo ser assim decidido quando as infrações se tornarem de fato insuportáveis e as multas impostas não proporcionarem mudança de comportamento.
Nesse mesmo sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. DIREITO CIVIL. COISAS, PROPRIEDADE. Exclusão do condômino nocivo. Impossibilidade convivência pacífica ante a conduta antissocial do condômino. Apelo não provido. Unânime. (...) Assim, em que pese não haja previsão expressa a amparar a pretensão de exclusão do réu do condomínio autor, uma vez que o art. 1.337 do CC/2002 não contempla tal possibilidade, pode o magistrado, verificando que o comportamento antissocial extravasa a unidade condominial do “infrator” para as áreas comuns do edifício, levando o condômino à impossibilidade de corrigir tal comportamento mesmo após a imposição do constrangimento legal – multa -, decidir pela exclusão do proprietário da unidade autônoma, continuando este com seu patrimônio, podendo ainda dispor do imóvel, perdendo, entretanto, o direito de convivência naquele condomínio. (TJRS. Apelação cível n.º 70036235224. 17ª Câmara Cível. Desembargador Relator Bernadete Coutinho Friedrich. Julgado em 15/07/2010).
No tocante à regulação de novas sanções, considera-se admissível a adoção de medidas alternativas de punição quando o condômino é reincidente em infrações que perturbam o bom convívio social. Conforme ensina Rubens Carmo Elias Filho:
“nada se verifica de regular na restrição de uso das áreas comuns e na supressão de fornecimento de serviços essenciais, quando possível. Obviamente, tais medidas devem ser precedidas de aprovação em assembleia geral especialmente convocada para tal finalidade, observando o quórum específico para a regulamentação das áreas e serviços comuns, sempre com o objetivo de preservar o condomínio e seu síndico de responsabilidade civil e criminal, por eventuais excessos”.[9]
Entretanto, em se tratando de inadimplência da cota condominial, a suspensão dos direitos do condômino de utilizar salão de festas, piscinas e outros equipamentos comuns, por exemplo, mostra-se abusiva. Isso porque, apesar de devedor, o condômino é proprietário das áreas e coisas comuns, não podendo ter os seus direitos de usar e gozar limitados pela convenção ou assembleia que estabelecer a punição alternativa. Aliás, o condomínio tem meios jurídicos próprios para a cobrança da dívida, através dos quais bens penhoráveis do condômino inadimplente serão buscados.
Foi esse entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo[10] ao entender que as penalidades previstas em lei limitam-se às penas pecuniárias e à restrição do artigo 1335, III, os quais devem ser interpretados restritivamente. O Tribunal considerou que fere os direitos fundamentais dos condôminos a aplicação de sanções diversas aos inadimplentes, ainda que previstas na convenção, particularmente as que impossibilitam a utilização de áreas e coisas comuns.
Conclusão
Limitar o uso da propriedade, notadamente em condomínios edilícios, é assunto polêmico e que não é bem definido legalmente. Os conflitos são intrínsecos à vida em sociedade, de modo que constantemente surgem os mais variados deles, devendo o caso ser analisado pelos tribunais pátrios em suas peculiaridades.
A convenção do condomínio é importante instrumento de organização interna nos condomínio edilícios, devendo respeitar os institutos legais e constitucionais. Não tratando as leis que regulam o condomínio edilício de vários assuntos objetos de conflitos entre vizinhos, cabe aos tribunais pátrios estabelecer contornos, balizando-se na função social da propriedade.
BEIL, Eduardo; OLIVEIRA, Álvaro Borges de. A limitação ao direito de propriedade nos condomínios edilícios e sua função social. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1501> Acesso em: 3 fev. 2015.
ELIAS FILHO, Rubens Carmo. As despesas do condomínio edilício. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
GONÇAÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2014.
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e Propriedade. 3ª ed. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2003.
ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2004.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 4: Direito das Coisas, 4ª ed. São Paulo: Método, 2012.
[1] GONÇAÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2014. P. 399.
[2] ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2004. P. 205
[3] NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e Propriedade. 3ª ed. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2003. P 142.
[5] GONÇAÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2014. P. 353.
[6] GONÇAÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2014. P. 418.
[7] TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 4: Direito das Coisas, 4ª ed. São Paulo: Método, 2012. P. 285
[8] GONÇAÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2014. P. 417.
[9] ELIAS FILHO, Rubens Carmo. As despesas do condomínio edilício. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. P. 195.
[10] TJSP, Ap. 445.634.4/3-00 – Campinas, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 27-9-2007.
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pós Graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAGALHAES, Romero Solano de Oliveira. Relações de vizinhança no condomínio edilício Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51343/relacoes-de-vizinhanca-no-condominio-edilicio. Acesso em: 06 nov 2024.
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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